Thursday, November 30, 2006

O grande circo da Física – o pão que não ganhou bolor

Por altura do centenário de Rómulo de Carvalho, regresso esta semana a uma série que teve início no extinto (fez agora um ano) Blogue de Esquerda. Para tal relato aqui alguns fenómenos naturais (nem sempre estritamente físicos, como é o caso deste que trago hoje) que me surpreenderam e que me fizeram pensar, mesmo que sejam extremamente simples de explicar. O objectivo é pôr a malta a pensar um bocadinho. Começou ontem com o chuto do Ronny. Hoje regresso às fatias de pão.
Reparem bem nelas. Duas estão bem bolorentas. Mas… só duas! Por que não todas?
Se um alimento estiver hermeticamente fechado não ganha bolor, certo? Portanto o bolor aparece devido ao “contacto com o ar”. Mas sendo assim por que razão foram fatias interiores que ganharam bolor? A fatia exterior manteve-se intacta (e enganou-me, pois por eu não lhe detectar bolor julgava que o pão estivesse bom). Só ficou mais dura (o que é normal no pão após alguns dias), mas sem bolor nenhum.
Como explicar este comportamento? Será mesmo o “contacto com o ar” que causa o bolor?

Better things for better living through Pynchon


Miscelânea:

. página 87: «. . . 'Answering the question: how can anyone set off a bomb that will take innocent lives?' ' Long fuse!' someone hollered helpfully.»

. não há quaisquer indícios de que o maradona leia Pynchon ou compreenda a beleza demente de Matt Le Tissier; mas parece que gosta de Swift, e que também não dorme, portanto não há crise;

. Sir John Leslie era um físico escocês, um dos muitos que postulou a existência de uma terra oca e habitada, iluminada por dois sóis - Pluto e Proserpine;

. página 219: «. . . the True Worshippers of the Ineffable Tetractys (T.W.I.T.) were headquarted in London, at Chunxton Crescent, in that ambiguous stretch north of Hyde Park known then as Tyburnia. . .» O tetractys é uma figura triangular que consiste em dez pontos dispostos em quatro filas. O ritual de iniciação na religião secreta dos Pitagóricos incluia uma oração dirigida ao tetractys. A forma está presente no brasão de armas dos arcebispos Católicos. Como se isso não bastasse, é também uma forma poética.

. Michiko 'pretentious without being provocative' Kakutani e Adam 'sterile in his virtuosity' Kirsch, habilmente desmantelados no Elegant Variation;

. no cada vez mais interessante blog As Aranhas, põe-se a hipótese de «Dying on the Vine» ser a melhor canção do século XX; há dias em que concordo, há dias em que discordo, mas nesta era de turbulentas mudanças de paradigma, parece-me uma opinião bastante saudável (Pynchon também é fã de John Cale, daí a inclusão neste post);

. o post mais pynchoniano da blogosfera portuguesa foi escrito no dia vinte de Maio do ano 2004, às 22:26h.

. . .aliquid quo maius cogitari non potest. . .




Há já alguns anos que tenho uma ideia fixa sobre a mulher perfeita: uma combinação bastante específica de Natasha McElhone, Kim Deal e Cynthia Ozick. Ora, como toda a gente sabe desde Anselmo, é mais perfeito existir na realidade do que como mera possibilidade. Portanto: onde é que ela anda?

Wednesday, November 29, 2006

Este blog mete-se com gente crescida

Ando aqui eu a perder tempo a fazer piadas de mau gosto sobre distintos membros do parlamento, e o Francisco Mendes da Silva mete-se comigo por eu ter faltado ao respeito a quatro escanzeladas relíquias britânicas dos anos 70. Gosto de umas quantas coisas naquele blog, mas gosto, acima de tudo, da ordem de prioridades deles.
No que diz respeito aos argumentos: olhe que não.
Porque já depois de os Ramones terem acabado de vez, os Sex Pistols ainda andavam a espremer o limãozinho em digressões - uma delas com o apropriado nome 'Filthy Lucre'. Quanto às credenciais anti-establishment, ainda há pouco mais de dois anos o Johnny Rotten podia ser visto, em horário nobre, numa espécie de versão inglesa da Quinta das Celebridades, a fazer caretas a ouriços no meio da selva. Se isto é ser anti-establishment, então o Johnny Weissmuller foi o maior radical do século XX.
Há mais espírito punk numa aparição televisiva do Boris Johnson do que em vinte concertos dos Sex Pistols.
E como ninguém vai rebater o argumento essencial, que é a importantíssima problemática das fotografias à frente de paredes, vou encerrar aqui este debate com a dignidade dos bons vencedores, citando o inigualável Joey Ramone:

You're a loudmouth baby
You better shut up
I'm gonna beat you up
'Cause you're a loudmouth babe

Cosmo goes loco

Duvido que ainda haja alguém que não tenha conhecimento do 'incidente' em que Michael Richards (o Kramer da série Seinfeld) se envolveu na semana passada. Os eventuais pára-quedistas podem encontrar aqui um breve resumo do que aconteceu, aqui o vídeo do YouTube, e aqui o comentário do Pedro Mexia, que está na mesma linha das reacções que tenho lido em jornais e blogs anglófonos.
Não tenho talento nem tendência para fazer de advogado do Diabo, mas, em primeiro lugar, acho que é seguro analisar o caso sem levar em conta a estratégia de relações públicas seguida posteriormente por Richards e pelo seu agente. Arrisco mesmo que se deve tomar o pedido de desculpas público e a admissão da sua "flawed humanity" (um pró-forma em situações destas) com uma pitada de sal. Aquilo é gestão de danos, e pouco mais.
Acho também que este caso é bastante diferente do de Mel Gibson, ao qual foi imediatamente comparado, e queria adiantar uma explicação alternativa, que julgo ser mais credível do que um mero sopro de "hostilidade reprimida".
É indesmentível que racismo instintivo está presente, em maior ou menor grau, em quase todos nós. Parafraseando Martin Amis, a progressão natural da humanidade é nós sermos um pouco menos racistas que os nossos pais, e os nossos filhos serem um pouco menos racistas que nós. O que a mente faz com esse instinto é que é importante, e o catálogo dos que decidem erguer um edifício ideológico à volta dessas erupções atávicas (e aí já é mesmo de uma decisão que se trata) é felizmente reduzido. A fronteira entre ambos os territórios, apesar de alguns matizes comuns, é clara e definida. No caso de Gibson, por exemplo, parece-me que o preconceito anti-semita, dadas as circunstâncias e os conhecidos precedentes, é muito mais evidente.
Quanto a Michael Richards, qualquer análise terá forçosamente de considerar essa nebulosa distinção entre actor e personagem de palco. A mim, o vídeo parece-me acima de tudo o registo de uma performance catastrófica, ao longo da qual o actor e o personagem se misturaram com resultados não tanto explosivos como implosivos. Um actor que, convém lembrar, não tem muita experiência de stand-up e não terá o nervo (nem a capacidade?) para lidar adequadamente com heckling. A raiva de Richards é inegável: a resposta, admito-o, pode muito bem ter sido o libertar de um vapor racista acumulado. Mas o mais provável é que tenha obedecido a outra lógica miseravelmente humana: uma escolha deliberada da palavra que se julga ir causar mais ofensa ao provocador. Caso o espectador em questão, além de negro, fosse tetraplégico, ou gago, ou tivesse o rosto escavado por marcas de bexigas, acredito que Richards tivesse seguido essa via.
Outra hipótese é tudo não ter passado de uma utilização desastrosa de um recurso cómico com algumas tradições. O caso lembrou-me imediatamente uma rotina que o Lenny Bruce usava nos anos 60. (A citação é do livro The Essential Lenny Bruce: Unexpurgated Satirical Routines, Panther Books, London, 1975):

«By the way, are there any niggers here tonight? [outraged whisper] 'What did he say? "Are there any niggers here tonight"? Jesus Christ! That is cruel. Does he have to get that low for laughs? Wow! Have I ever talked about the schwarzes before the schwarzes have gone home? (...)'
Are there any niggers here tonight? I know that one nigger works here, I see him back there. Oh, there's two niggers, customers, and, ah, aha! Between those two niggers sits one kike - man, thank God for the kike! (...) The point? That the word's supression gives it the power, the violence, the viciousness. If President Kennedy got on television and said, 'Tonight I'd like to introduce the niggers in my cabinet,' and yelled ' niggerniggerniggerboogeyboogeyboogey' at every nigger he saw 'till nigger didn't mean anything anymore, 'till nigger lost its meaning - you'd never make any four-year-old nigger cry when he came home from school.
Screw 'Negro'! Oh, it's so good to say, 'Nigger!' Boy?»

Num determinado ponto do vídeo, Richards diz "Alright, you see, that shocks you", como alguém que, bloqueado num exame de matemática, se lembra apenas de metade da fórmula. E é a partir daí que o seu esbracejar se torna mais doloroso.
Repito: não conheço o Michael Richards de lado nenhum, e não recebo 10% do que ele ganha.
Mas estou convencido de que o défice aqui é de talento, e não de personalidade.

O grande circo da Física - a velocidade do chuto do Ronny

Parece que é essa a questão com que se debatem os dois principais diários desportivos. A Bola consultou especialistas, e fala em 120 km/h. Já o Record faz ele próprio o cálculo simples e apresenta o resultado na primeira página: 222 km/h! Poucas vezes a Física do ensino scundário tem honras de primeira página de um jornal.
Dado o curto intervalo de tempo entre o chuto e a bola entrar na baliza, a aproximação que consiste em considerar a sua trajectória rectilínea (e não parabólica, desprezando a influência da gravidade) parece-me razoável. A aproximação para a distância percorrida também não me parece mal de todo, embora pudesse ser melhorada sem dificuldade (aqui o texto está mal: embora a trajectória seja "diagonal", também é "rectilínea").
O que me parece afectar o resultado é mesmo o valor do intervalo de tempo, que o Record apresenta como 28 centésimos de segundo. Não sei o rigor desta medição, mas não deve ser muito alto. Deve ser esta a origem da discrepância entre os valores dos dois jornais. Discrepância que levou A Bola, na edição de hoje, a reiterar a sua estimativa, consultando um especialista. Eu inclino-me mais o valor deste jornal. Se fosse o do Record (cerca do dobro), implicaria uma energia quatro vezes superior, algo nunca registado antes. E eu não acredito que o Ronny tenha uma energia de remate quatro vezes superior à do Roberto Carlos! A matéria de A Bola é mais completa, apresentando uma discussão comparativa. Mas a do Record apresenta números, embora se limite a fazer um cálculo elementar. Qual é que vocês preferem?
Fica entretanto a lição - os jornalistas devem consultar os especialistas, principalmente antes de fazerem manchetes de primeira página! Mas não me parece que, no Record, haja gente muito preocupada com isso.

Tuesday, November 28, 2006

Hoje ouve-se


We're a happy family
We're a happy family
We're a happy family
Me, mom and daddy.

Siting here in Queens
Eating refried beans
We're in all the magazines
Gulpin' down thorazines.

We ain't got no friends
Our troubles never end
No Christmas cards to send
Daddy likes men.

Daddy's telling lies
Baby's eating flies
Mommy's on pills
Baby's got the chills.

I'm friends with the President
I'm friends with the Pope
We're all making a fortune
Selling Daddy's dope.

- Ramones, «We're a Happy Family», Rocket to Russia

(Dois mitos que convém estilhaçar:
1 - os Sex Pistols inventaram o punk rock;
2 - os indecentemente sobrevalorizados The Clash são o expoente máximo do género.
É que os Ramones prestam um serviço muito melhor a ambas as alíneas. Antes de mais porque uma banda não pode reclamar-se punk caso não tenha pelos menos três álbuns adornados com fotografias de grupo em frente a uma parede. Quer dizer, isto é dos livros; não se percebe a confusão. E depois porque os Ramones representam, em terms puramente musicais, o sagrado meio-termo: os Clash eram compostos por músicos demasiado bons para o punk, e os Sex Pistols abusavam para o lado contrário. Nos Ramones, fazia-se pouco, mas muito, muito bem.
O que dizer sobre Rocket to Russia, esse pináculo do bubblegum-core? Não nego que haverá melhores maneiras de ocupar trinta e um minutos e quinze segundos de uma Terça-feira.
Mas não muitas.)

O espírito invisível de Joey Ramone sobrevoa o hemiciclo da Assembleia da República, disseminando um pouco da sua substância

A deputada Maria de Lurdes Ruivo surpreende tudo e todos na sessão de trabalhos da Comissão Parlamentar para Assuntos Europeus, ao mascar um ritmo potente na sua pastilha elástica.
A deputada Heloísa Apolónia efectua diligências no sentido de garantir uma boleia até Rockaway Beach.
O líder da bancada parlamentar do PP, Nuno Melo, apresenta uma proposta de lei visando a privatização imediata de todos os estabelecimentos de ensino, porque os putos estão todos de cabeça perdida, e ninguém sabe, ninguém sabe, ninguém sabe o que eles querem.
Um membro eleito pelo círculo de Aveiro ausenta-se inesperadamente depois de ter sido abandonado pela sua garina.
O deputado Luis Fazenda dirige uma reclamação à Mesa, questionando a admissibilidade de se poder surfar com vinte graus negativos.
Jaime Gama declara uma inesperada pausa de meia-hora na sessão plenária, justificando-se com o súbito desejo de ir até um sítio mais bacano que este, onde se possa curtir um pouco.

Os ortodoxos de hoje serão os renovadores de amanhã

Com o “caso” da recusa de Luísa Mesquita em abandonar o Parlamento, confirma-se uma vez mais: um membro do PCP só é “bom” se entrar em conflito com o partido. João Amaral em 1991 polemizava na imprensa com os então saídos para a efémera “Plataforma de Esquerda”. Edgar Correia e Carlos Brito estiveram convictamente ao lado de Álvaro Cunhal no apoio à tentativa de golpe na União Soviética. Na altura, ainda não eram os “grandes renovadores”. Luísa Mesquita há muitos anos é uma valorosíssima deputada; o reconhecimento só surge com este conflito. Sucediam-se e sucedem-se as críticas aos membros do PCP, sem nunca enaltecer o trabalho dos seus deputados. Mesmo agora, as atenções voltam-se só para Luísa Mesquita: ninguém fala em Odete Santos (que aceitou afastar-se após uma longa carreira de deputada). Sugiro por isso a jornalistas como o Pedro Correia que comecem a escrever o seu elogio a Jerónimo de Sousa – há de chegar a altura em que o actual secretário geral do PCP o merecerá.
Sobre a substituição dos deputados propriamente dita, a sua legalidade parece inquestionável, uma vez que estes mesmo antes de serem eleitos assinaram um documento nesse sentido com o partido. A grande questão que se põe, neste caso como na câmara de Setúbal (ou nos deputados “rotativos” do Bloco de Esquerda) é em que medida é que quem votou nos “afastados” não sabia (nem podia saber) da possibilidade de estes serem afastados, tendo votado nos candidatos e não nos partidos e sentindo-se por isso defraudado. Só nas próximas eleições tal se poderá saber.

Algumas notas:
Marcelo Rebelo de Sousa (texto na edição escrita do DN, sem ligação) fala como se o PCP entendesse substituir os deputados por completos desconhecidos, e não por quem lhes segue na lista. Os novos nomes já constavam nas listas eleitorais, e quem votou no PCP poderia tê-los eleito, caso se reunissem votos suficientes. A argumentação de Marcelo aplicar-se-ia a listas uninominais.
Joana Amaral Dias deveria recordar-se que, da primeira vez que foi deputada, também não foi eleita. Quem votou no Bloco de Esquerda também desconhecia, na altura, a “rotatividade”.
Ler também os dois comentários de João Pedro Henriques e o de Vital Moreira.

Monday, November 27, 2006

Walk like a Pynchonian


O meu exemplar de Against the Day pesa um quilo, quatrocentos e vinte e dois gramas.
Com os paperpacks de V., The Crying of Lot 49, Gravity's Rainbow (cópia de substituição) e Slow Learner, mais a edição hardcover de Mason & Dixon, o Gravity's Rainbow Companion de Steve Weisenburger, e uma indispensável enciclopédia de bolso, a agulha chega aos cinco quilos e duzentos.
É uma verdade, daquelas com V maiúsculo, que saír de casa, nem que seja para um passeio de meia-hora, sem qualquer um destes títulos, é um risco que só os mais desencantados e/ou cínicos estão dispostos a correr. Os mais atilados sabem que muita coisa pode acontecer em trinta minutos, que os planos mais estanques estão sujeitos a bruscas ultrapassagens, que as circunstâncias do regresso a casa são sempre uma incógnita, e que todas as trepidações do improvável serão mais facilmente negociáveis se estivermos munidos de roupa interior lavada, alguns trocos na carteira, e de toda a obra de Pynchon.
O dilema que isto representa para os que gostam de fazer as coisas como elas devem ser feitas (e aos quais se impõem imediatas considerações sobre a postura em público, e a saúde das nossas vértebras, entre outras) é um dilema sério, e o Pastoral Portuguesa deixa aqui algumas sugestões que se espera venham a contribuir para a sua resolução:

1. os ginásios urbanos são palcos de frequentes maravilhas. Os equipamentos representam o último grito, pleno de decibéis, da Ciência moderna, colocada ao serviço dos bíceps e dos deltóides. Os monitores são submetidos a rigorosos processos de selecção, que chegam a durar meses. Tudo o que é preciso é um pouco de força de vontade, e um mínimo de seis horas semanais;

2. no site da empresa Manutan podem encomendar-se carrinhos de mão, disponíveis em vários modelos e tamanhos, a partir da módica quantia de 78,00 €. A entrega é gratuita em Portugal Continental;

3. reza a lenda (através dos lábios pouco dados a rezas de Gore Vidal) que o grande Santayana tinha por hábito separar as folhas dos livros, capítulo a capítulo, das suas respectivas encadernações. O método, um aparente sacrilégio para bibliófilo, revela-se, após uma análise mais fria, logisticamente são. Não vou tentar enganar ninguém, apresentando aqui resultados de testes não-efectuados, mas estou certo de que, livres das lombadas, das margens exageradas, e da cola industrial, o peso do nosso cânone portátil seria possivelmente reduzido em 30%. As acrescidas dificuldades de manuseamento e transporte seriam, creio, facilmente ultrapassadas, desde que resistíssemos à tentação de espalhar pelo Mundo aviõezinhos de papel com equações nas asas.

Il Postino's evil twin

(no original)

― Why is it that you are always being sent these parcels, and bubble wrapped books, and magazine subscriptions, and antiques catalogues, and never seem to get anything with your name handwritten on it?
― I'm sorry, why did you ring the bell? Do you need a signature?
― I'm just curious.
― I get personal letters.
― I never see any.
― Well, it's mostly e-mails these days. Plus, I get phone calls.
― And you still have those dark circles under your eyes.
― I'm afraid your invasiveness, which was once charming, is gradually becoming unacceptable.
― That book I told you about isn't working?
― Books rarely do.
― I always sleep like a baby.
― There are babies all over the building. They're one of the reasons why I can't sleep.
― It sounds as if you resent them.
― I have nothing against the future.
― Well, that's easy to say, and many have said it.
― Can you hear that? That's my laptop telling me I've got mail. You are a dying breed.
― It sounds an awful lot like a microwave.
― They're the same brand. Have a nice day.

Para o Diário de Notícias, Rómulo de Carvalho não existe

Passaram cem anos sobre o nascimento de Rómulo de Carvalho, e quem mais se evidenciou nas comemorações foram entidades sob a tutela do Ministério da Ciência, como o Pavilhão do Conhecimento. Quem em sua homenagem instituiu o dia do seu nascimento como o Dia Nacional da Cultura Científica foi o Ministério da Ciência. Rómulo de Carvalho foi um notável humanista, com obras publicadas em diversos domínios. A sua poesia, que assinou com o pseudónimo de António Gedeão, é só uma componente (notável, é certo) da sua obra. Mas o que verdadeiramente o distingue e o torna único é a sua actividade enquanto pedagogo e (sobretudo) divulgador científico. O autor de livros como “Física do Dia a Dia” não deixou, em Portugal, sucessor. Por tudo isto é muito lamentável (e verdadeiramente redutor) que o Diário de Notícias, tendo tido a iniciativa de evocar a sua obra, passe completamente ao lado desta sua faceta. Daí a evocação vir na secção de “Artes” e não na da Educação, na ausência de uma secção de Ciência. Neste jornal, de resto, é mais fácil ler-se uma crítica às exposições patentes no Centro Pompidou ou no Museu Guggenheim de Bilbau do que no Pavilhão do Conhecimento, onde podemos encontrar módulos semelhantes aos da Cité des Sciences de Paris e exposições itinerantes das melhores da Europa. Por onde passam, estas exposições despertam a atenção da imprensa de referência. Menos do Diário de Notícias. Não quero com isto responsabilizar os jornalistas ou quem tem a missão de escrever sobre ciência neste jornal (que acredito que faça o seu trabalho da melhor maneira que pode). A questão é mesmo de critérios editoriais. Para o Diário de Notícias, Rómulo de Carvalho não interessa. Só interessa o António Gedeão.

Pássaros



Estes maravilhosos abelharucos foram fotografados por Joaquim Coelho e fazem parte de uma coleção mostrada por ele no FLICKR (ver).

Fico fascinado com a possibilidade que me é dada de reconhecer a passarada que vou vendo pelos campos do Alentejo e que não sou capaz de identificar.

Sunday, November 26, 2006

Donald, diz olá aos meninos, e explica-lhes coisas

«I believe that my every sentence trembles with morality in that each attempts to engage the problematic rather than to present a proposition to which all reasonable men must agree.»

(Donald Barthelme, Not-Knowing: The Essays and Interviews)

. . .Ellipsis. . .

Há sinais de pontuação que, no meu entender, pertencem a determinados escritores. O uso que lhes deram - por ter sido revolucionário ou simplesmente exaustivo - devia consagrar-lhes o direito a um ™/© nos compêndios. Duvido, por exemplo, que alguém tenha utilizado a vírgula como Henry James, ou o ponto e vírgula como Virginia Woolf. E Philip Roth parece-me o único autor contemporâneo a perceber para que serve, e como se usa, um ponto de exlamação. Sem esquecer Nabokov, que tinha o hábito enternecedor de atordoar com "aspas" as palavras mais inofensivas.
E as desgraçadas reticências, quem as redime, quem lhes acode?
Sempre foram as triplas ovelhinhas negras da Literatura. E na era do e-mail e do sms, nenhum sinal de pontuação sofreu tantos abusos como a sequência de três pontos - tragicamente despromovida a uma delegação de responsabilidade cognitiva ou, no seu pior, a um mero desvelo de brejeirice, um wink wink, nudge nudge, com ainda menos subtileza.
Um dos efeitos secundários da escrita de Thomas Pynchon tem sido uma reabilitação sistemática e gradual das reticências. Praticamente sozinho, ele resgatou-as ao domínio da indeterminação empírica, usando-as para sinalizar mudanças de foco narrativo, ou tornando-as agentes catalizadores daqueles desvios temporais, grávidos de significado, em que sua ficção é pródiga; dotando-as, em última instância, de faculdades mais consentâneas com a sua designação em inglês, ellipsis, termo com uma ambiguidade diferente da sugerida pela língua portuguesa, e que evoca outra figura de retórica preferida por Pynchon.
Gravity's Rainbow sem reticências seria menos do que é. Seria como o Orlando sem semicolons; perder-se-ia não apenas o sentido de alguns parágrafos mas a própria essência da obra. (Esta afirmação exigia ser validada com algumas citações, mas o meu exemplar de Gravity's Rainbow foi vítima de um recente pedido de empréstimo e temo não o voltar a ver. E "citar de memória" neste blog é uma piada de mau gosto).

Depois de tudo isto, é com algum pesar que revelo um notório défice de reticências nas primeiras páginas de Against the Day. Se o facto indicia um maior auto-domínio formal ou, pelo contrário, uma redução do ângulo de visão, isso terão de ser as restantes oitocentas páginas a confirmar.
Mas continua a ser muito complicado não amar um escritor que compara nuvens de tempestade a pedras derretidas esvaindo-se em colunas de luz, no mesmo capítulo em que nos presenteia com a imagem de um embriagado Arquiduque Francisco Fernando fugindo de um bar em Chicago, perseguido por uma turba furiosa.

Post entre parêntesis

(Num daqueles momentos repletos de boas intenções que acabam por deixar todos os envolvidos algo embaraçados, fui elogiosamente acusado de ser a versão anglófila de alguém que seria a minha versão francófila. No âmbito da elogiosa acusação bifurcada isto representa uma melhoria inquestionável sobre "tu és igualzinho ao teu avô", mas não deixará por isso de merecer uma resposta, que é esta: aquele que acusa não passa de uma versão amnésica de alguém que se lembra de tudo.
E isto fica assim, sem links nem redireccionamentos, pois eu posso ser uma 'versão' mas não sou um delator. E nisso, como noutras coisas, sou mesmo igualzinho ao meu avô.)

Computador roubado

É difícil, mas sem se tentar é que fica mesmo impossível. O meu amigo Nelson anda numa maré de azar… Se por um improvável acaso alguém der com o seu computador, é favor avisarem-no. Faz-lhe muita falta, pelo valor e pelo conteúdo.

Beep-beep

O site-meter faz-me lembrar uma versão não-irónica daqueles ubíquos autocolantes de vidro traseiro, que dizem: "Honk if you like my driving".

Saturday, November 25, 2006

"15 minutos de eanismo..."

Boas vindas ao 31 da Armada.

Friday, November 24, 2006

Refutação de Borges

"La Biblioteca es ilimitada y periódica? "

Light à la mode

«. . .Some claimed that light had a consciousness and personality and could even be chatted with, often revealing its deeper secrets to those who approached it in the right way. Groups (...) could be observed in Monumental Park at sunrise, sitting in the dew in uncomfortable positions, their lips moving inaudibly. There were diet faddists who styled themselves Lightarians, living on nothing but light, even setting up labs they thought of as kitchens and concocting meals from light recipes, fried light, fricaseed light, light à la mode, calling for different types of lamp filament and colors of glass envelope, the Edison lamp being brand new in those days but certainly not the only design under study. There were light addicts who around sunset began to sweat and itch and seclude themselves in toilets with portable electric lanterns. Some spent most of their time at telegraph offices squinting at long scrolls of mysteriously arrived "weather reports" about weather not in the atmosphere but in the luminiferous Aether. . .»

(Thomas Pynchon, Against the Day)

Física para o povo


Assinala-se hoje a passagem dos cem anos do nascimento de Rómulo de Carvalho, o mais notável divulgador da ciência português, mas que infelizmente é praticamente só conhecido como poeta (não que não mereça também tal reconhecimento). Convido os leitores residentes na área de Lisboa a passarem pelo Pavilhão do Conhecimento e visitarem, entre outras exposições interessantes, a dedicada às experiências simples por ele propostas no livro "Física Para o Povo", posteriormente republicado com o título "Física do Dia a Dia". Em sua homenagem, e também porque estamos na Semana da Ciência e da Tecnologia, talvez venhamos a ter aqui um pouco de Física simples.

Acontece quando nos esquecemos do pão



O resto do pão de forma ficou uns dias esquecido. Mesmo estando dentro do saco aberto, como é óbvio apanhou bolor.

Thursday, November 23, 2006

Against the Day - primeiras 44 páginas

Estou imoderamente optimista.
As críticas que li até agora foram, na sua maioria, negativas. E se isso não é muito revelador no caso desse desperdício de prestígio que é a Senhora Dona Kakutani, do NY Times (por quem nutro a mesma trémula e exasperada afeição que o Alexandre Andrade nutre pelo Eurico de Barros*), já as inesperadas machadadas da Laura Miller e de Louis Menand deixaram-me genuinamente angustiado. Mas não vi, até agora, nenhum indicador do catastrófico assomo de irrelevância que alguns sugeriram. O estilo faz talvez demasiadas aproximações ao mock-heroic e ao mock-pulp, mas se bem entendi os capítulos iniciais (e isso não é um dado adquirido, uma vez que não prego olho há dois dias, e o café me sabe a cinza), estes são supostos excertos de um livro de aventuras juvenil, ou pelo menos relatam acontecimentos filtrados pela entidade narrativa desses mesmos livros inexistentes. Além disso quem pega num livro de Pynchon e se indigna com o abuso do pastiche está claramente fora-de-jogo.
Para benefício de outros eventuais Pynchonistas insones, elaborei uma pequena check-list de elementos que todos estamos à espera de encontrar e que tentarei ir actualizando (sem promessas, pois haverá dias em que nem sequer me vou lembrar que o blog existe):

p. 5: o primeiro canídeo envolvido numa tarefa não-canídea - check! (no caso, a leitura de The Princess Casamassima);
p. 7: a primeira referência paranóica a um "mysterious Chinese consortium" - check!;
p. 15: a primeira canção - check!;
pgs. 6 e 36: primeiros personagens com nomes vagamente obscenos - check!: Prof. Heino Vanderjuice e Lew Basnight (Lube Ass Night, parece-me, mas - repito - posso estar a ver coisas onde não as há. Além disso, e para ser honesto, ambos ficam muito aquém de Dewey Gland, o marinheiro de V.)

Queria também anunciar que a minha birra com a Amazon está oficialmente terminada, tudo por obra e graça do meu carteiro, que me sugeriu um título que não será possível encontrar em mais lado nenhum: The Bible Cure for Sleep Disorders. Se isto falhar, o próximo passo é chamar um pai-de-santo.

(* A sra. Kakutani é apenas a fiel depositária de uma longa tradição no NY Times: a suspeita patológica de um certo tipo de literatura "experimental" ou lúdica. Um dos seus ilustres predecessores, Orville Prescott, foi responsável pela recensão crítica mais espectacularmente asinina de que há memória, ao longo da qual conseguiu esgotar todas as falácias saloias existentes e inventar algumas novas. O ano era 1958, o livro era Lolita, e o chorrilho de disparates pode ser lido aqui. Aconselho-vos a ter sais de frutos à mão.)

Uma boa medida: a regulação dos horários das televisões

Não quero com isto julgar ou dar a entender que sou de alguma forma “autor” do recém apresentado projecto de Lei da Televisão, mas não me lembro de alguma vez ter lido alguém defender uma ideia semelhante antes de mim. Foi em Fevereiro de 2003, no então recém-formado Blogue de Esquerda. Eu encontrava-me nos EUA a concluir o meu doutoramento. A propósito de um artigo no Público do Daniel Oliveira, que então ainda era o “prolixo” (para verem há quanto tempo isto foi), decidi comparar a televisão norte-americana com a portuguesa. Em termos de conteúdo eram bastante semelhantes (vivia-se a época de ouro dos reality-shows), por vezes a norte-americana conseguia ser bastante pior, mas eu preferia-a de longe. Porquê? Por uma razão muito simples: quando eu queria ver um determinado programa, via-o ou gravava-o. Ao contrário da televisão portuguesa, eu nunca me senti defraudado pela norte americana. O melhor é mesmo eu repetir aqui o que então escrevi. Leiam por favor com atenção.

Gostaria de apresentar uma proposta sobre a regulação da televisão. Para quem vive nos EUA, a principal diferença na televisão relativamente a Portugal reside no facto de os horários dos programas serem sempre cumpridos. Não importa se durante o dia se tem programas tipo "O Juiz Decide" em praticamente todos os canais; se se tem o "Jerry Springer" e outros shows tais que me levem a recear que em Portugal se esteja apenas na Idade da Pedra do telelixo; se se tem intervalos comerciais a cada dez minutos. A verdade é que também se tem todos os dias episódios (antigos, é certo) do "Seinfeld", dos "Amigos" e dos "Simpsons", novelas brasileiras (dobradas em espanhol) como "O Clone" e a "Esperança", sempre à hora marcada. E tudo isto, refira-se, nos canais de acesso gratuito (acessíveis a quem tenha antena); não estou a falar de canais por cabo. A grande diferença é que nos EUA um espectador só vê o telelixo se quer, pois sabe que a programação que foi anunciada (nos jornais, nas revistas, na internet e na própria televisão) é a que é transmitida. A "contra-programação", o prolongamento de novelas por horas enquanto no outro canal está a dar desporto, aqui seriam impensáveis. Muito menos a interrupção de telejornais com directos do "Big Brother"! A verdade é que as estações de televisão, aqui, têm muito mais respeito pelos espectadores! A principal restrição que as emissoras de televisão em Portugal deveriam ter - e isto teria de ser o Estado, a tal "entidade reguladora", a fazer, mais do que propriamente interferir nos conteúdos - era a obrigação de cumprir os horários. Só isto alteraria substancialmente - para melhor - o panorama audiovisual em Portugal.
É só isto e não mais do que isto que eu defendo. O que invalida por completo os argumentos pseudo-liberais do Blasfémias, onde Carlos Abreu Amorim começa logo a acenar com “critérios específicos de programação” ou “definição de alinhamentos”. Nada disto está em jogo no presente diploma, que visa somente um respeito pelo tempo perdido pelo espectador a ver o que não quer ver.
É curioso que este argumento venha de quem vem: justamente um dos maiores queixosos dos atrasos da TAP, a transportadora aérea estatal. Também já usei a TAP com regularidade e, embora não ponha em causa o testemunho do CAA, da minha parte só uma única vez (em muitos vôos) tive problemas com atrasos. Mas o CAA que tanto se preocupa com a perda de tempo por causa da TAP (quando os atrasos são muito mais justificáveis numa transportadora aérea do que numa estação de televisão), não quer saber do mesmo tempo perdido pelos telespectadores. Talvez porque a TAP é... estatal? Se a TAP fosse privatizada, talvez os atrasos fossem justificáveis? Talvez o presente diploma fosse aceitável se só se aplicasse à RTP? Ah, como é difícil ser liberal em Portugal, com um governo que se imiscui nas estações privadas... É isso?
Nos comentários ao meu texto de ontem, o Luís Rainha e o Luís Aguiar Conraria questionam-me sobre se “o governo tem mais do que se preocupar do que andar a brincar aos horários das televisões?” O Luís Rainha afirma mesmo que são textos como o meu (e portanto, presumo, medidas destas) que “dão mau nome à Esquerda; e razões a quem diz que somos um bando de palonços.” A mim não me interessa minimamente se esta é uma medida “de esquerda”, ou “de direita”, ou se é “pouco ou nada liberal”. Parece-me uma medida justíssima, e defende-la-ia qualquer que fosse o governo que a aplicasse. Um bom governo vê-se (também) por medidas destas, que melhorem a qualidade de vida de cidadãos (neste caso) indefesos. Quando o Luís Rainha ainda por cima me pergunta “e a contraprogramação é má porquê?” eu nem sei o que responder. Se o Luís Rainha, o Luís Aguiar Conraria ou o CAA não vêem televisão (ou só vêem canais por cabo) é um direito que eles têm. Mas deveriam compreender que há pessoas que querem ver os canais generalistas e que como tal devem ser por estes respeitados.

Amazon surfing



Não só não chegou hoje, como poderia muito bem ter dado origem a um incidente diplomático, de consequências incalculáveis: "Usually dispatched within 10 to 14 days", é a descontraída mensagem dos lacaios de Sadi Carnot no site da Amazon, escassas seis semanas depois de me terem convencido a enveredar pela via do pre-ordering, uma modalidade de compra tão entusiasticamente publicitada que o cliente mais crédulo fica convencido de que o livro lhe chegará às mãos mesmo antes de ser escrito.
Quem apanhou um grande susto foi o meu carteiro, que não estava nada à espera de me encontrar sentado no chão, à porta do apartamento, pela segunda manhã consecutiva. (Mas o susto não foi suficiente para o impedir de reparar nas minhas olheiras, que comentou com o seu cáustico tom de carteiro).
Depois da inevitável troca de e-mails ("Dear Amazon Customer Services person, I am shocked, completely shocked by your wilful misrepresentation of, etc, etc....) acabei por cancelar a encomenda original, e fui até à Waterstones mais próxima, onde o livro estava disponível desde a semana passada.
Enfim, o livro já cá está, num altar expressamente construído para a ocasião, e não quero, de forma alguma, que esta historiazinha amarga seja interpretada como uma diatribe contra o comércio online em geral ou contra a Amazon em particular, que pretendo continuar a frequentar (assim que me passar a birra) até porque de todas as livrarias do planeta é aquela que mais se parece com a Biblioteca de Babel. Estou convencido de que cada tarde perdida a seguir links nas infindáveis listas de sugestões me vai aproximando inexoravelmente da minha Vindicación.
É certo que até lá terei de gramar muito Trueno peinado e muito Calambre de Yeso, mas até nos seus mais depauperados hexágonos virtuais, a Amazon consegue pacificar a alma do browser com pequenas carícias estéticas. Onde mais, pergunto eu, é possível encontrar um livro intitulado Surviving Divorce: A Handbook for Men, escrito por alguém chamado Gay Search?

Wednesday, November 22, 2006

Um bom passo

Obrigar os operadores de televisão concessionados pelo governo a divulgarem uma grelha de programação com antecedência e a respeitarem-na é uma exigência mínima de respeito pelo consumidor/utente. É um primeiro passo, mas o diploma deveria ser explícito na obrigatoriedade do cumprimento de horários. Para acabar de vez com o estratagema da “contraprogramação”, tristemente instituído em Portugal desde que há televisão privada. A verdadeira (e saudável) concorrência não precisa desses golpes baixos. Nos EUA (onde a concorrência é a sério) as programações e os horários são estritamente cumpridos.
É claro que os nossos liberais (na verdade são mais libertários) são contra: são contra qualquer tipo de regulamentação feita pelo governo. Argumentam que se queremos horários cumpridos, pois vejamos a TV Cabo. Da mesma forma que argumentam que se queremos boa saúde, pois vamos aos hospitais privados. Ou se queremos boa educação, que a paguemos em escolas privadas.
Está de parabéns o governo por esta medida, que há muito defendo.

Tuesday, November 21, 2006

"Nature is an anguished tangerine"


Misheard Lyrics

Against the Day


Se a Amazon não falhar, o meu exemplar de Against the Day chega amanhã. Depois, e durante uns tempos, este blog arriscar-se a ser um espaço obstinadamente monotemático.
Já agora, o excelente blog The Elegant Variation dedica o resto da semana ao "evento editorial do ano", com três dias seguidos de posts Pynchonianos . Vale a pena espreitar, que mais não seja para ler esta perturbante revelação de Carolyn Kellogg:

« (...) Oedipa first sees a drawing that looks like a muted trumpet. It may symbolize a secret mail system, which might imply many other things (then again, it might not). I had the symbol tattooed on my wrist. Some people recognize it. One day I was at Trader Joe's and the checkout guy asked me about it. "It's from a book," I said vaguely, not wanting to sound too smarty-pants. He asked about the book and I told him. "Yeah, I knew it," he said, smiling. I asked what he thought of The Crying of Lot 49, but he hadn't read it; I was the third person who'd come to his register that week with the same tattoo. Either I'm a member of a vast conspiracy (so secret that I'm unaware of it), or there are legions of Pynchon fans out there, all wearing our affiliation on our skin.»

Sobre o blackout de ontem

Já que também é a Semana da Tecnologia, um pouco de informática: não esquecer que os computadores têm uma memória cache! Que, pelos vistos, no Internet Explorer da Microsoft se torna um problema. Ponto a favor do Firefox. Ou será que o problema é mesmo do Windows, e portanto também poderia ter sucedido mesmo com o Internet Explorer? Quem souber que me esclareça por favor.

Telescópio Hubble mostra que o Universo jovem já tinha energia negra

Porque estamos na Semana da Ciência, e há descobertas recentes relevantes: ler no Público e no excelente Cosmic Variance.

Monday, November 20, 2006

Lição para o futuro

Passei o dia a tentar entrar no blogger e não consegui. O Frangos conseguia, o Nélson conseguia (coragem, pá - o teu primeiro clube até vai à frente do teu segundo clube!), o Leonardo conseguia. E o Luís e o Ricardo. Até o irregular Pedro Lomba. Toda a gente menos eu... Só consegui discutir a definição de "mentira" nos comentários.
Mudei de browser. Entrei logo sem problemas.
Volto amanhã. Boa noite.

Manias

Sem preâmbulos:

1. Gosto de mexer os lábios enquanto leio o jornal, especialmente se estou num espaço público, mas formando palavras que dele não constem. Ler, por exemplo, o Sunday Times numa cafetaria escocesa, enquanto vou labiando em silêncio as deixas de Imogen no quarto acto de Cymbeline. Parece-me evidente que o risco de ser apanhado e confrontado com o meu logro é um dos principais impulsos desta duvidosa charada.
O que, diga-se, já esteve perto de acontecer. Numa pastelaria chamada Rizzo's, em Inverness, uma criança observou-me muito séria durante largos minutos, antes de se pendurar na gabardine da mãe (que pagava já a sua despesa), gritando: "Mommy, mommy, that man is cheating!" Mas a mãe pregou-lhe de imediato um tabefe, e o caso morreu ali. So sick I am not, yet I am not well.

2. É a mais grave, e chama-se dromomania; a infrequência dos ataques é uma misericórdia, dada a ferocidade dos mesmos. As deambulações amnésicas de Jean-Albert Dadas eram meras passeatas matinais quando comparadas com as minhas.
(Dadas, para quem não sabe, era um pacato cidadão de Bordéus, remendador de canos de gás, que um dia perdeu a memória e foi parar a Moscovo - depois de um longo périplo que o viu passar por pedinte em Viena e combater cães hidrófobos numa aldeia da Prússia - onde foi implicado numa conspiração nihilista para assassinar o czar. Foi condenado à morte por execução, destino a que se escapou graças a um improvável descarrilamento ferroviário e à perspicácia do embaixador francês à Turquia).
Pois este que vos escreve acordou um dia num apartamento alugado em Bielsko-Biała, no sul da Polónia, sem qualquer indício sobre como tinha ido ali parar, para descobrir um rasto de lama seca no soalho, e uma barra de chocolate light no parapeito da janela. Rogério Casanova! - que nunca comprou chocolates light, quer na pátria quer no degredo, e que sempre fez por evitar descampados! (Felizmente, no bolso do casaco, encontrei um bilhete de ida-e-volta.)

3. Tenho a mania de desconfiar dos gregos que trazem presentes. Especialmente dos que trazem presentes. Por sistema também desconfio dos gregos que não trazem presentes. Mas aqueles que trazem presentes é que me deixam mesmo de pé atrás.

4. Sinto-me mal, muito mal mesmo, sempre que saio de uma loja sem comprar nada, sensação que se agrava quando a pessoa que me atende é particularmente prestável e atenciosa. Esta reacção inexplicável deu origem a um ritual, que se tornou embaraçosamente regular.
Se, depois de pesar os prós e os contras, decido não adquirir o artigo, consulto o relógio e pergunto ao lojista a que horas encerra o estabelecimento. Depois da resposta, aceno com um ar resoluto e tento compor uma expressão que transmita qualquer coisa como "Esta transacção interessa-me sobremaneira, porém, antes de a concluir, há outros afazeres a que devo dedicar a minha atenção". Consumada esta curta pantomina, peço-lhe para me guardar o artigo à parte, e saio da loja em passo apressado, com a testa franzida, olhando novamente para o relógio, tentando parecer-me o mais possível com um homem com muitas tarefas para cumprir (o que é uma grande mentira, no melhor dos dias).
As minhas cidades estão cheias de vendedores ressentidos.

5. Todas as evidências o apontam: agora tenho a mania de sonhar com blogs. O sonho mais recente foi Sábado, à tardinha (já me deixei disso de dormir quando está escuro).
O lugar, creio, era o Bairro Alto. A ocasião era um jantar-convívio, onde - assim assegurava o convite que misteriosamente me chegara às mãos - estaria presente a nata da blogosfera nacional. Fiel à minha previsibilidade, eu estava atrasado. Depois de vários desvios, travessas erradas e acidentes de percurso, lá cheguei à tasquinha combinada, apenas para a encontrar quase deserta. Uma empregada sonolenta garantiu-me que não, que o jantar dos blogs ainda não tinha sequer começado e que sim, que estavam todos presentes. Conduziu-me a uma sala nas traseiras, onde estava apenas uma mesa, com dois lugares, um deles ocupado. Confuso, fui-me aproximando. O homem tinha um rosto redondo, inchado, semelhante ao do actor que interpretou o papel de J. F. Sebastian no filme Blade Runner. Não tinha braços, nem pernas, mas equilibrava-se na cadeira com desconcertante facilidade. O seu peito estava coberto com nametags, medalhas de veterania, cada uma com um nome vagamente familiar: "José Mário Silva", "Carla Quevedo", "Luis Rainha", "Rui Manuel Amaral", "Tiago Cavaco"... Ao todo, seriam mais de trinta, e compreendi sem sobressaltos (com a periclitante lógica dos sonhos) que todos aqueles nomes eram desinências de uma única mente, e que tinha na minha presença o autor de todos os blogs, excepto o meu. Não me ocorreu outra coisa senão estender-lhe uma caneta e perguntar-lhe se teria a amabilidade de me dar todos os autógrafos que fossem necessários. Assim que o fiz, senti-me enrubescer, dadas as óbvias dificuldades logísticas da operação, mas ele não se atrapalhou: aceitou a caneta com os dentes (imaculadamente brancos, notei) e escrevinhou num guardanapo a seguinte nota:
"De quem, gota a gota, vai derretendo identidades num charco borbulhante, sem nunca olvidar o que nelas é imperecível, um abraço, com amizade e respeito profissional,
Alistair Crump."

Naturalmente, não acordei nada bem disposto.


(Post-scriptum, dois dias depois: parece que tinha de passar isto a cinco pessoas. Mas entusiasmei-me tanto comigo mesmo, que acabei por esquecer os outros. Suponho que agora já é tarde. De qualquer maneira, aconselho as cinco pessoas a quem eu não passei isto a não se preocuparem muito com o assunto.)

The Kid



Jerónimo de Sousa dirigiu-se também ao PSD, afirmando que, para o líder social-democrata Marques Mendes, «deve ser muito difícil ser prior nesta freguesia»: «Se faz propostas mandam-no estar calado, se não faz dizem que não faz oposição».

«O problema não está em Marques Mendes, está em quem manda no PSD e quem manda no PSD é o poder económico que acha que Sócrates não só serve como não deve ser estorvado», disse.

Portugal Diário, 18 Novembro 2006

Sunday, November 19, 2006

Com tranquilidade...


...defendem-se mesmo os penaltis falsos.

Saturday, November 18, 2006

Eu, órfão de Jospin, me confesso

Texto originalmente publicado no Cinco Dias.

Vêm aí as primárias do Partido Socialista francês para decidir quem será o candidato às eleições presidenciais. Embora havendo de certeza outros candidatos à esquerda (para já está confirmada Marie-George Buffet e fala-se em Jean-Pierre Chevènement), para um observador externo o que mais importa é o candidato do PSF, em princípio o único de esquerda com possibilidades de chegar ao Eliseu. Mesmo não sendo eu agora um observador próximo, tenho procurado seguir o processo com atenção. E o cenário não se apresenta particularmente estimulante.

Embora tenha vindo a cair nas sondagens, tudo indica que a candidata escolhida será Ségolène Royal. Pelo que tenho visto esta escolha está longe de me deixar sorridente. E com grande pena minha, pois bem gostaria de ver uma mulher a presidir aos destinos de uma sociedade tão patriarcal como ainda é a francesa. Só que – lamento ter que o dizer – parece-me que quem acusa Ségolène Royal de não ter ideias bem definidas e nem um projecto concreto tem razão. Pelas suas declarações, Ségolène tanto deve agradar a Francisco Louçã (quando fala em endurecer restrições ao capitalismo ultraliberal) como a Paulo Portas (quando fala num endurecimento das leis da imigração). Pelo meio, declara-se admiradora de Tony Blair. É obra!

A meu ver Ségolène tem o mérito de não fugir aos problemas e de os saber colocar sem tabus ideológicos, algo que é frequentemente muito difícil para a esquerda. Onde tem falhado, pelo menos no que eu tenho notado, é em propor soluções e alternativas para esses mesmos problemas, parecendo sempre querer agradar a toda a gente. Espero que, se for eleita presidente, se revele melhor na prática política do que na campanha (e tal não seria a primeira vez). É que as alternativas dentro do seu partido, para além de perdedoras face ao provável candidato da direita Sarkozy (ao contrário de Ségolène - dizem as sondagens), são ainda menos animadoras.

Dominique Strauss-Kahn é um barão, um cinzento homem do aparelho, sem grande capacidade para mobilizar o seu partido, muito menos a França e a Europa. Quanto a Laurent Fabius, é um populista oportunista (e de baixo nível, como atesta a sua pergunta sobre como seria ter Ségolène presidente: "E quem vai tomar conta dos filhos?"). A sua eventual escolha como candidato só serviria para descredibilizar e desmoralizar o PSF, lançando a esquerda francesa numa crise de resultados imprevisíveis (quiçá piores do que os de 2002).

Durante muito tempo, mesmo quando já se dava como garantido o duelo Ségo-Sarko, tive a esperança de um regresso de Lionel Jospin. Mesmo depois de, após a forma totalmente inglória e imerecida como falhou a passagem à segunda volta das eleições de 2002, ter dado por finda a sua carreira política. Pelos sinais que deu durante este ano é óbvio que pretendia voltar. Teria sido melhor ter-se mantido como reserva, sem nunca ter fechado a porta. Optou por uma "estratégia do tabu", sem dar indicações claras se pretendia avançar ou não. E quando é assim, os apoios não surgem: dirigem-se mais facilmente para quem avança sem reservas. Por vezes os calculismos pagam-se caro: quando Jospin foi à procura de apoios, já não os tinha e teve de recuar. Para a história fica um grande político, protagonista de uma era de paz e progresso no mundo como poucas outras.

Sendo assim, agora é indispensável encontrar-se um candidato de esquerda capaz de vencer a eleição. Mas, primeiro – e se calhar mais difícil do que isso – é garantir que esse candidato chegue à segunda volta.

Jackpot

No The Guardian de hoje, o escritor escocês Ian Rankin escreve um texto muito simpático e acessível sobre Thomas Pynchon. Tive o prazer de conhecer Ian Rankin em 2003, durante o Edinbugh International Book Festival, mas a minha tentativa de lhe roubar uma esferográfica foi espectacularmente mal sucedida, e não houve contactos subsequentes.
Mas os verdadeiros bombons pynchonianos do fim-de-semana estão guardados no The Modern Word, que conseguiu exumar uma pequena ficção epistolar que o Homem Invisível escreveu quando tinha apenas 15 anos. O estilo é surpreendentemente reconhecível, e até os temas que viriam a dominar a sua carreira futura estão lá todos, ainda que em estado embrionário. A não perder.
Por último, o cavalinho irlandês Willie Pep, apesar do seu bravo esforço na corrida das 15:50 em Ascot, não foi além de um terceiro lugar. Que a sua vida seja longa, e repleta de triunfos e de boa palha, são os meus sinceros desejos. Que insuportáveis comichões nas axilas recaiam com frequência sobre o seu incompetente e esbracejante jockey, são os meus sinceros desejos.

Friday, November 17, 2006

O escritor de obituários, privado de cafeína


Milton Friedman, o lendário canhoto magiar, unanimemente reconhecido como um dos melhores desportistas do século XX, faleceu ontem em São Francisco. Tinha 79 anos.
Oriundo de uma humilde família norte-americana, forçada pela conjuntura económica a emigrar para o Velho Mundo, o jovem Milton viria a nascer em Budapeste, a 2 de Abril de 1927.
Depois de concluir os estudos, iniciou a sua carreira profissional nas escolinhas do Kijpest, antes de se transferir para o Honvéd, onde substitui o interior-esquerdo Keynes, ídolo dos adeptos, mas fora das boas graças da Direcção. Friedman viria a retribuir a confiança em si depositada com cinco campeonatos consecutivos. É nessa altura que ganha a alcunha de "Monetarista Galopante".
Ao longo dos anos seguintes, Friedman cimentaria a sua posição como um dos mais influentes teóricos do liberalismo económico, e dono de um temível pontapé.
O seu nome fica também indelevelmente associado à Escola de Chicago, uma corrente filosófica que dominou o pensamento europeu durante as primeiras edições da Taça dos Campeões, e da qual fizeram parte, entre outros, Thomas Sowell, George Stigler, Raymond Kopa e Francisco Gento.
Friedman ganhou por nove vezes a Bola de Ouro Económica da Fundação Nobel, troféu normalmente descrito como o Óscar dos prémios de Economia.
A sua reputação viria a sofrer algumas oscilações. O seu discernimento foi seriamente questionado em 1975, quando se deslocou ao Chile, dois anos depois do golpe militar de Pinochet, e se recusou a beijar o solo na chegada ao aeroporto.
Mas já antes Friedman demonstrara a sua capacidade para ultrapassar todas as adversidades e se re-inventar constantemente. Jean-Luc Godard arrancou dele um magnífico desempenho, no papel de um irascível produtor de cinema, no filme Le Mépris (1963).
Datam dessa fugaz associação à Nouvelle Vague os rumores da sua dependência de haxixe. Consta que num acesso de paranóia psicadélica cortou um capítulo da sua Teoria Quantitativa do Dinheiro, embrulhando-o em folhas de jornal, e deixando-o à guarda de uma prostituta de Arles chamada Rachel.
Apesar de tudo, conseguiu manter e prolongar uma notável pujança física. Num recente jantar de aniversário na Casa Branca, Friedman insistiu em agradecer os comentários elogiosos do Presidente Bush com uma série de flexões de braços, para gáudio do anfitrião Billy Crystal e dos muitos jornalistas presentes.
Foi só nos últimos meses de vida que a doença lhe manietou os hábitos e lhe desfigurou as feições. Friedman recusava-se a sair de casa sem uma inquietante máscara branca, cruelmente ridicularizada pela imprensa sensacionalista. Posteriormente, começou a limitar as suas aparições públicas, preferindo martelar decrépitos pianos-de-cauda nas catacumbas da Ópera de São Francisco. O seu carismático rosto, contudo, já tinha sido imortalizado em mármore pelo escultor Krésilas.
A sua última palavra (segundo uma testemunha misteriosa cujos olhos fulguram como carvões em parques de estacionamento subterrâneos) foi Rosebud.
Rosebud.

Écharpes semi-cinéfilas, toutinegras com catarro, e outros problemas

Por vezes, ao reler o que aqui foi postado em certas madrugadas, insinua-se em mim a dúvida: foi ou não o Pastoral Portuguesa assaltado por esquadrões de hackers deturpadores da realidade, metódicos na sua malícia e implacáveis na sua insolência?
A resposta a essa questão poderia servir de alavanca a coisas interessantíssimas, mas, francamente, usar as circunstâncias como desculpa para fracassos pessoais é avenida moral de treinador de futebol, não de exilado com sofá novo. Portanto limito-me a usar este post vespertino- numa altura em que me sinto inusitadamente sadio, lúcido, confiante - para dizer aquilo que tem de ser dito:

. as insónias passadas num sofá são completamente diferentes das passadas na cama, especialmente quando o ecrã do telemóvel se ilumina de repente às quatro da manhã, produzindo num tecto até então monotonamente branco um efeito-sombra semelhante à cabeça de uma toutinegra com um cigarro no bico;

. da diferença entre um chibo e um badalo: um chibo é específico nas suas denúncias, enquanto o badalo é estridente, mas vago;

. a senhora que limpa as escadas e corredor do meu prédio (com aspirador, já que todo o complexo é alcatifado) estendeu-me hoje um metafórico cachimbo da paz, depois de um lamentável desentendimento em Agosto ter amargado a nossa relação durante os últimos meses: lançou-me um sorriso pleno de solidariedade e simpatia quando me viu entalar os dedos na portinhola do correio - sorriso que, suspeito, manteve sem esforço durante o resto do dia;

. a écharpe que estrangulou Isadora Duncan fora-lhe oferecida pela mãe de Preston Sturges;

. "a vida é uma estrada bifurcada"™;

. segundo Plutarco, Alcibiades deu um murro a Hipponicus, não por estar enfurecido, ou ter qualquer disputa com ele, mas apenas "pela piada do gesto, e por ter apostado com alguns companheiros". Da próxima vez que for a Newmarket e meter umas libras numa pobre pileca envelhecida, vou pensar no arco evolutivo do meu hobby de fim-de-semana e sentir-me-ei um bocadinho mais civilizado;


(Pois, e pediram-me que liste aqui cinco manias minhas; asseguro a desafiante que de imediato lancei mãos à obra, encontrando-me já na fase derradeira, que implica seleccionar as menos abomináveis da pré-lista de setenta e oito. Mas penso que uma, apesar de recente, é óbvia: escrever posts cujo título é mais interessante que o conteúdo.)

Com o Beaujolais novo veio Ségolène

Quando escrevi a minha contribuição desta semana para o Cinco Dias, estava convencido de que as eleições primárias no PS francês seriam hoje. Mas não: já foram ontem. Se soubesse teria ajustado um pouco os tempos verbais. Mas a ideia principal, a minha opinião sobre os candidatos e a minha orfandade de Jospin, mantém-se.
Ségolène Royal foi portanto escolhida pelos militantes do PS como candidata à presidência da República no mesmo dia em que é provada (e vendida) a nova colheita do vinho Beaujolais. Que grande bebedeira deve ter sido na Rue de Solférino!

O meu texto Eu, órfão de Jospin, me confesso pode ser lido aqui.

Thursday, November 16, 2006

Eternal Life

...And I feel them drown my name
So easy to know and forget...

(Jeff Buckley, que completaria amanhã 40 anos)

A América segundo Miguel Sousa Tavares

Tudo acontecia como nos filmes, era tudo rigorosamente verdade: aquela era verdadeiramente “ the land of the free”, um país onde a liberdade individual, a sensação de que se é absolutamente dono de si, do seu tempo, da sua vontade e do seu destino, era tal forma inebriante que era preciso um esforço de contenção diário para não se deixar ir atrás do fluxo, aparentemente sem nexo, das coisas e do tempo.


Um excelente artigo no Expresso, que eu encontrei aqui via Aspirina B. Está recheado de imprecisões históricas diligentemente colectadas por Joaquim Vieira, mas que em nada afectam a ideia principal do texto, como sempre muito bem transmitida. Que alguém se dê ao trabalho de expor estas imprecisões (algumas bem óbvias, outras nem tanto) sem ao mesmo tempo comentar sequer o conteúdo do (repito, óptimo) artigo só revela como o Miguel Sousa Tavares é objecto de inveja para muito boa gente. No caso de Joaquim Vieira, deve ter a ver com a extinta “Grande Reportagem”.

Wednesday, November 15, 2006

Preemptive self-destruction

Antes que a retaliação anagramática vire moda, decidi tomar uma medida preventiva e revelar em exclusivo que Rogério Casanova é um anagrama de O Escravo na Orgia.
Agora façam as trocazinhas de letras que quiserem, porque não há potencial remix de "Pastoral Portuguesa" capaz de piorar esta situação.

Schwarzenegger pop



(O melhor sotaque da história da música. Nico, ao vivo em Manchester, em 1985)

"Os Filhos do Homem" e a decadência



O filme de Alfonso Cuarón constitui essencialmente uma parábola destinada a iluminar o mundo actual.

A acção situa-se em 2027 mas penso que isso tem como objectivo facilitar a acentuação dos problemas e desafios que já hoje vivemos (a falta de confiança no futuro, o esbatimento dos “valores” e o consequente surgimento de reacções defensivas sob a forma de cerceamento das liberdades, violência, xenofobia, etc) .
Pode dizer-se que o caos e a violência social presentes no filme já existem no mundo actual, de uma forma ou de outra, ainda que ocorram por enquanto predominantemente em determinadas zonas geográficas.

A infertilidade que se abate sobre todas as mulheres do planeta constitui aparentemente o tema do filme mas, numa segunda observação, constatamos que é apenas um estratagema para mostrar o velhíssimo problema das pseudo-soluções para as crises da humanidade.
Em “Os Filhos do Homem” toda a sociedade se encontra focada na captura e expulsão dos “emigras” apesar de isso não resolver de maneira alguma o problema da sua sobrevivência. É sobre isso que o filme propõe a reflexão.
Os “emigras”, tal como ao longo da história os judeus, os negros e as “bruxas”, são apenas bodes expiatórios.

Aconteceu-me ver o filme numa sala onde os espectadores eram maioritariamente jovens e adolescentes em idade escolar.
Como muitas vezes acontece nos cinemas actuais houve conversas em voz alta que perduraram ao longo da sessão, múltiplas saídas e entradas durante a exibição do filme, mastigação ruidosa de pipocas e o mais que se sabe.

Eu detesto ter que assistir aos filmes neste tipo de ambiente mas, desta vez, para além de sofrer o incómodo fui levado a perguntar-me se estes comportamentos não serão já formas embrionárias da decadência mostrada no filme.

A ciência de qualidade é “inconstitucional”?

Refiro-me a um lamentável artigo de António Fidalgo publicado no último domingo no “Diário de Notícias”. Sobre este assunto há alguns pequenos esclarecimentos a fazer.
Talvez não seja tanto assim com ciências sociais, mas em ciências naturais há uma grande diferença entre a divulgação científica e o fazer ciência a sério. A primeira deve ser, em Portugal, feita em português sempre que possível. A segunda, pelo contrário, presentemente só pode ser feita em inglês. Há uma questão essencial, que eu já aqui foquei várias vezes: a ciência de qualidade não tem (não pode ter) nacionalidade. Deve interessar (e, por isso, poder ser entendida) por qualquer especialista em qualquer lugar do mundo. Por isso inevitavelmente a ciência de qualidade tem de ser comunicada, entendida e avaliada (todas as três) numa “língua franca”, que hoje em dia só pode ser o inglês. Na eventualidade de mais ninguém no mundo entender a ciência do Prof. António Fidalgo que não uns lusófonos (ou espanhóis), só posso lamentá-lo. Mas o Prof. António Fidalgo tem de entender que é ele que tem de se adaptar aos padrões da ciência de qualidade (uma actividade global no sentido mais completo do termo), e não o contrário. A sua proposta é ainda mais anacrónica no contexto de Bolonha. Presentemente as melhores universidades europeias (incluindo supostamente “chauvinistas” universidades francesas) organizam-se para fornecerem formação avançada em parcerias. Obviamente em inglês.
O artigo chega ao ponto de utilizar argumentos que seriam inacreditáveis se não estivessem escritos e pudessem ser lidos, como de “constitucionalidade”. Cito ainda esta passagem:
“os falantes nativos têm acesso ao substrato de uma língua de uma forma que não têm os que a falam como segunda língua. O inglês enquanto língua franca não é o inglês das literaturas inglesa e americana, antes um inglês de superfície, onde as palavras e as expressões são despidas da sua profundidade histórica, do seu sentido múltiplo. É um inglês à Forrest Gump, de uma dimensão simplista e por vezes idiota. A síndrome de Asperger, de que essa conhecida personagem fílmica sofre, encontra o seu espelho na forma como o inglês é falado pela grande maioria dos que o falam como segunda língua: repetem os mesmos termos e expressões, ignoram segundos, terceiros e ulteriores sentidos, adquirem tiques estranhos, e é-lhes inacessível o humor e a ironia.”

Num artigo científico não há “humor” ou “ironia”. Há comunicação científica objectiva e rigorosa, que pode ser feita mesmo por quem nunca tenha lido Shakespeare e só tenha da língua conhecimentos técnicos (uma noção que pelos vistos escapa ao Prof. Fidalgo). Quem frequentemente parece o “Forrest Gump” a falar inglês nas conferências são cientistas de países onde certas concepções do Prof. Fidalgo prevalecem, nomeadamente havendo dobragens e não legendagem de filmes e séries na televisão, como a Itália ou a Espanha.
Esta posição de António Fidalgo pelos vistos não é de agora. Recomendo a leitura de uma resposta de António Granado a uma outra tomada de posição deste autor.

Tuesday, November 14, 2006

Era bom que trocássemos umas ideias...

Exactamente no mesmo dia em que fui ver a peça do Mário de Carvalho ao Instituto Franco Português (entre os espectadores estava o próprio autor), a passada sexta feira, Pedro Correia no Diário de Notícias recolhe uma série de depoimentos sobre "o que é ser de esquerda". De todos o que mais gostei foi o de Carlos Brito:
É lutar pela igualdade tendo sempre presente que um valor essencial para isso é a liberdade.

A diferença entre um quiosque e a blogosfera

Indispensável igualmente o artigo de Pacheco Pereira no Público na passada quinta feira. Fica aqui um extracto.

Ah! Diz-me uma voz, mas estás a misturar tudo! Pois estou, é como fazem os que falam dos blogues misturando tudo, como Miguel Sousa Tavares e Eduardo Prado Coelho fizeram recentemente para se defenderem (o que é legítimo) de acusações e falsificações anónimas. É verdade que os jornais e revistas têm responsáveis e não são como as cartas anónimas, ou os blogues que funcionam como cartas anónimas, mas quando os primeiros transcrevem os segundos ficam iguais. No caso do Miguel Sousa Tavares, o que falhou foi a imprensa tradicional, que aceitou citar fontes anónimas, sem um julgamento de mérito. A notícia não é que um blogue anónimo acuse Miguel Sousa Tavares de plágio, a notícia é que Miguel Sousa Tavares cometeu plágio, se o tivesse cometido, e aí o autor da notícia devia fazer o seu próprio julgamento e só publicar caso esse julgamento fosse que sim. Não sendo, o blogue é como uma carta anónima, incitável e inaceitável. Foi isso que falhou e hoje em dia falha cada vez mais, porque a comunicação social escrita precisa de pretextos para violar as regras de que se gaba como sendo distintivas e, na Internet, encontra-os com facilidade, entrando depois facilmente na selvajaria. Está lá no computador, para milhões verem, por isso está "publicado", logo posso citar e levar a sério, sem ter responsabilidade.
O mal não está nos blogues em si, está na nossa incapacidade para ler e escrever blogues, como para ler e escrever jornais com uma decência mínima. O problema é mais comum do que se pensa, embora seja verdade que as pessoas se sentem mais impotentes para se defenderem da Internet do que no mundo da comunicação social tradicional, mas o que é crime cá fora é crime lá dentro.
Mas a reacção aos blogues, selvagens, inúteis, desviadores da atenção, perdulários do nosso tempo, oculta-nos muita coisa de interessante que está a passar-se diante dos nossos olhos e que não percebemos porque os vemos tão misturados como o Jornal do Crime está com o PÚBLICO no quiosque de jornais, ou como se o PÚBLICO para falar de ciência citasse o Guia Astrológico como fonte. Os blogues são apenas uma das pontas do mundo novo em que já estamos, uma pequena ponta, mas tão reveladora que mesmo estes episódios lesivos de Miguel Sousa Tavares (acusado de plágio) e de Eduardo Prado Coelho (que tem um texto falso a circular na Rede) são dele sinal. Ora nunca ninguém disse que era o Admirável Mundo Novo, a não ser os utopistas que pensam que as tecnologias mudam o mundo sem o pano de fundo das sociedades onde elas existem.

Monday, November 13, 2006

Timeo hominem unius libri

Tive recentemente a oportunidade de rever o filme Dirty Dancing e reparei num pormenor que me tinha passado despercebido das primeiras sete vezes: um livro é usado como adereço de suprema importância. A dada altura, o empregado de mesa Robbie, esse verdadeiro meliante que tantos estragos provoca em vidas alheias, está à conversa com Baby, e sela definitivamente o seu egoísmo destituído de escrúpulos produzindo uma cópia do The Fountainhead, de Ayn Rand, dizendo: "Baby... Some people count and some people don't. Read it. I think it's a book you'll enjoy, but make sure you return it; I have notes in the margin."
Esta estenografia visual não me parece um recurso cinematográfico particularmente condenável; direi até que há formas bem mais ineptas de condensar a essência de uma personagem. O fraquinho Unfaithful, de Adrian Lyne, por exemplo, só teria a ganhar em economia narrativa, caso a Diane Lane entrasse em cena com um livro de John Updike debaixo do braço. E acho quase imperdoável que tenham sido feitos três (ou quatro?) filmes da série American Pie, sem o Portnoy's Complaint ter aparecido nas mãos felpudas de um único personagem.

Uma última nota, encharcada em esperanças:
Foi recentemente anunciado que uma adaptação para cinema de Atlas Shrugged, o último e mais famoso romance de Rand, está já em fase de pré-produção. Brad Pitt vai interpretar o papel de John Galt e Angelina Jolie o de Dagny Taggart. Julgo que esta conjugação de talento em bruto não pode falhar. Se os Deuses da grande comédia nos favorecerem, o projecto será levado a bom porto pela dupla Bay/Bruckheimer.
E a bem do equilíbrio cósmico, haverá melhor maneira de semaforizar o decadente individualismo e a dicotomia futurismo/nostalgia de John Galt do que filmá-lo, num momento crucial, a sacar do bolso uma anacrónica edição em dvd do Dirty Dancing?

Venham mais cinco

Seguramente impressionados com o sucesso que as periódicas "listas de 5" do Pastoral Portuguesa costumam ter junto dos leitores, o New York Times decidiu imitar-nos, pedindo a 22 personalidades do mundo da comédia (entre as quais Ricky Gervais e Christopher Guest) que elaborassem uma lista de cinco filmes cómicos que levariam para a proverbial ilha deserta. As respostas podem ser encontradas aqui.
Ainda algo fascinado com as dificuldades logísticas inerentes ao visionamento de Dvd's numa ilha deserta, o Pastoral Portuguesa junta-se à festa, deixando aqui uma lista provisória e em relação à qual até já se exibem alguns sinais de arrependimento. Se alguém tiver ideias melhores, estamos receptivos a sugestões, ou mesmo a insultos.

The Big Lebowski (Joel Coen, 1998)
The Philadelphia Story (George Cukor, 1940)
Life of Brian (Terry Jones, 1979)
Bullets Over Broadway (Woody Allen, 1994)
Bringing Up Baby (Howard Hawks, 1938)

(Um breve post-scriptum contra-canónico para referir que, na ilha deserta, a ausência dos irmãos Marx nos incomodaria muito menos que a ausência de Preston Sturges.)

Tão boas séries, tão má televisão

Tanto elogio os artigos do João Miguel Tavares que há-de chegar sempre um dia com um contraexemplo. Esse ocorreu na semana passada, com o artigo Tão boas séries, tão má televisão, onde contrapõe a (falta de) qualidade das séries do horário nobre dos nossos canais de sinal aberto com a excelência das do canal americano HBO. Mas antes de entrar em comparações infundadas, convém perguntar ao João Miguel duas coisas. Saberá ele que o canal HBO é de subscrição paga (e bem paga)? Conhecerá ele a programação dos canais americanos de sinal aberto durante o horário nobre? Só esta pode ser comparada, e não fica muito longe da portuguesa. Lá como cá, quem quer boa televisão paga-a.
A única coisa que a televisão portuguesa tem má (muito má) é o total incumprimento de horários, directamente relacionado com a extensão absurda dos telejornais. Tudo estratégias de contraprogramação. Aí, sim, temos um bom retrato do país que somos.
Fossem os horários cumpridos e eu não me importaria nada que as boas séries (como as da HBO) dessem às três ou quatro da manhã. Hoje em dia um videogravador já não se pode considerar um luxo.

Sunday, November 12, 2006

Cinco listas, cinco! (bis)

5 personagens ficcionais cujo nome começa por Q:

. Peter Quint (The Turn of the Screw)
. Mistress Quickly (Henry IV & The Merry Wives of Windsor)
. Alan Quatermain (King Solomon's Mines)
. Hank Quinlan (Touch of Evil)
. Margaret Quartertone (Gravity's Rainbow)


5 melhores livrarias da Grã-Bretanha:

. Maxine's, em Llangollen
. Foyles, em Londres
. Hay Cinema Bookshop, em Hay-on-Wye
. McNaughtan's, em Edimburgo
. John Sandoe Books, em Londres


5 feriados inexistentes:

. Dia dos Paradoxos de Zenão
. Dia do Colete de Forças
. Dia das Mil Astúcias da Raposa
. Dia da Imitação de Cristo
. Dia do Formalismo Russo


5 "cover versions" superiores aos originais:

. «You Tore Me Down», Yo La Tengo (original: Flamin' Groovies)
. «It's All Over Now, Baby Blue», Them (original: Bob Dylan)
. «Hurt», Johnny Cash (original: Nine Inch Nails)
. «Listen, the Snow is Falling», Galaxie 500 (original: Yoko Ono)
. «Needles & Pins», Ramones (original: The Searchers)


5 más ideias:

. inventar o Betamax
. publicitar a New Coke
. financiar o Heaven's Gate
. invadir a Rússia
. dar ouvidos à Serpente

Tenham a bondade de me auxiliar

Li algures esta elegante comparação: "Jonny Greenwood [guitarrista dos Radiohead] toca guitarra como um domador de leões cujo chicote vai encurtando com cada chicotada".
Não me lembro quando foi, nem onde a li, nem quem a escreveu - situação nada incomum, mas especialmente frustrante nos casos em que a frase merece que o seu autor volte a ser lido.
Quem foi? Alexis Petridis? Greil Marcus? Um cromo qualquer do Blitz? Alguém ajuda esta pobre alma?

Uma viagem à Palestina

Passada a fase ultra-buarqueana, é altura de ler o que ficou por ler. Do mais recomendável que ficou por referir foi o relato da viagem à Palestina do Daniel Oliveira. A ler de uma ponta à outra. Deixo aqui dois extractos.

Jerusalém é um bom retrato (exagerado) do que está a acontecer à sociedade israelita (e à árabe, e à americana...). Os ortodoxos tomaram conta da cidade. Reproduzem-se a um ritmo alucinante, compram ruas inteiras, fecham ruas ao sábado, apedrejam quem se atreve a conduzir naquele dia e, paulatinamente, vão comprando todas as casas numa guerra de posições. (...) Alguns ortodoxos limitam-se a receber dinheiro do Estado para não fazer nada a não ser ler os textos sagrados. As mulheres de outros são obrigadas a rapar o cabelo depois de casar e usam peruca no seu lugar. Recentemente, um representante dos ortodoxos na municipalidade quis proibir homens e mulheres de viajarem no mesmo lugares dos transportes públicos. Se alguém tomasse esta gente por legítimos representantes dos judeus, toda a gente se indignaria. Com justiça. Só que quando se toma a minoria fanática islâmica pela voz dos muçulmanos, toda a gente acha normal. (...)

[Em Gaza] Com o encerramento das fronteiras, a maquinaria para fábricas não entra e não há investimento possível. Quando chegam ao mercado os custos de transporte representam o dobro dos custos de produção. Depois de verificados ao milímetro, e esperarem durante dias no porto israelita de Ashdod (os palestinianos têm de pagar a espera), os produtos só podem ser transportados por empresas israelitas certificadas. Elas aproveitam o monopólio e inflacionam os preços. Depois, em princípio, ficam semanas ou meses à espera na fronteira, ao sabor dos humores do oficial de serviço. Se forem perecíveis, já nem vale a pena saírem de lá. Os produtos de consumo de produção israelita entram, claro. Há que fazer negócio. Os preços são muito mais altos do que em Israel e os salários infinitamente mais baixos. O pouco que os palestinianos ainda conseguem produzir para exportação só sai depois de apodrecer. O funcionamento do porto em Gaza seria uma grande ajuda para os palestinianos. Mas os israelitas não permitem que ele reabra. Entre as duas partes dos territórios (Gaza e Cisjordânia) praticamente não existem movimentos comerciais possíveis.
Como ninguém entra ou sai, o investimento externo é uma miragem. Ninguém quer empatar dinheiro com tanto risco se nem pode ter contacto com o seu negócio. Os empresários de Gaza não podem ir a reuniões no estrangeiro, tratar de negócios. Estão presos. Um gestor explica-me: «Israel retirou mas continuamos ocupados, muito pior do que antes, estamos aqui presos e condenados à miséria. Somos pessoas educadas, preparadas para os nossos negócios. Não precisamos de caridade. Apenas queremos que nos deixem trabalhar.»
Há sete meses que os funcionários públicos de Gaza e da Cisjordânia não recebem um tostão. É Israel que colecta os impostos dos palestinianos. Desde que o Hamas ganhou as eleições que fica com eles. São dois terços do Orçamento da Autoridade Palestiniana que Israel rouba e usa para seu proveito. Só os médicos recebem: 300 dólares por mês. O resto, de professores a polícias, nada. Num território com mais de 3500 pessoas por quilómetro quadrado, o poder está na rua. Não há dinheiro mas não faltam armas. Estão três mil para entrar. E os EUA fazem pressão junto de Israel para que autorize. Quer armar a Fatah para uma provável guerra civil que se avizinha. Assim como quer que entrem mais homens para engrossar a guarda pretoriana do Presidente Abbas. A Europa (que paga tudo, das infra-estruturas que os israelitas se divertem a desfazer às ajudas ao governo) descobriu o ovo do Colombo. Vai criar um regime extraordinário em que o dinheiro é entregue directamente aos funcionários, através de bancos, sem passarpelo governo. Outra parte do dinheiro irá directamente para pagar a electricidade e água que Israel fornece à Palestina. Fica-lhes com os impostos e cobra-lhes pela energia.

Saturday, November 11, 2006

O concerto - conclusão

É mesmo verdade que Chico não parece sentir-se muito à vontade num concerto. Está sempre retraído, não se mexe. Mas comunicou com o público.Infelizmente o Chico do século XXI não consegue escrever clássicos como os de entre os anos 60 e 80. Chico nunca se enganaria a cantar um clássico, mas esqueceu-se da letra da “Ode aos Ratos”. Mais vale Chico concentrar-se nos clássicos. O público que esgotou o Coliseu seis noites em Lisboa fica à espera de um regresso.

Friday, November 10, 2006

A Ordem Natural das Coisas

Admito desde já que não sei explicar racionalmente a satisfação que tive ao dar com um artigo sobre o escritor americano Winston Churchill, mas posso assegurar que essa satisfação foi multiplicada com a descoberta de Thomas Mann, um diplomata da administração de Eisenhower.
Estará esta promiscuidade onomástica circunscrita à esfera anglo-saxónica? Para quando um tecnocrata venezuelano chamado Alves Redol? Um ficcionista cyberpunk paraguaio chamado Octávio Pato?
Wikipedia, Mundo: a bola está no vosso court.

Esta noite ouve-se


Backside melts into the sofa
My world, my TV, and my food
Besides listening to my belly gurgle
There ain't much else to do
Yeah, I sweat a lot
Pants fall down every time I bend over
And my feet itch
Yeah - I married a scarecrow

I hate you
Talkin' to myself
Everybody's starin' at me
I'm only bleedin'

Someone taps me on the shoulder every 5 minutes
Nobody speaks English anymore
Would anyone tell me if I was gettin' stupider?

I hate you
Talkin' to myself
You don't feel it after awhile
You take the beating

And I'm a swingin' guy
Throw a belt over the shower curtain rod
And swing - - -
Toss me inside a hefty
And put me in the ground

A drink needs me - I don't
I ain't about to guzzle no tears
So kiss my ass
Newscasters, cockroaches, and desserts

I hate you
Talkin' to myself
Everybody's starin' at me
I'm only bleedin'

Where are the kids?
maybe pregnant or on drugs or on welfare on top of the world on the honor roll on parole on the Dodgers on the back of milk cartons on stakes in the middle of cornfields on covers of future history books on old lady's mantles walkin' on water nailed on crosses

I think it's time I had a talk with my kids
I'll just tell 'em what my daddy told me:
"You ain't never gonna amount to nothing"

Faith No More, «RV», Angel Dust


(A primeira coisa que é preciso dizer é que Mike Patton é um génio - palavra que normalmente não costuma ser aplicada a homens adultos que vão para cima de um palco exigir aos berros que lhes atirem garrafas de plástico cheias de urina. A segunda coisa que é preciso dizer é que ele tem uma das melhores vozes masculinas dos últimos 25 anos.
Com esses dois assuntos preliminares tratados, também não é despropositado referir que os Faith No More têm melhores canções, mas nenhuma mais engraçada. «RV» é essencialmente uma rotina de 'stand-up', transformada num pequeno tesouro pop pela verve lírica e extraordinária versatilidade vocal de Patton - que abarca tudo, desde o baixo cantante misantrópico ao incoerente resmungar trailer-tráshico. O álbum, já agora, é uma obra-prima. Essa é terceira coisa que é preciso dizer.)

Algumas estatísticas do concerto

Todos os temas têm a assinatura do Chico Buarque, excepto Sem Compromisso.
O concerto baseou-se em canções do mais recente álbum Carioca e dos anos 80.
Clássicos dos anos 60, só Quem Te Viu, Quem Te Vê. Dos anos 70, Mambembe, Tanto Mar e João e Maria. Os clássicos ficaram ou para a introdução, ou para o encore. Os anos 90 também ficaram reduzidos a Futuros Amantes.
Exceptuando Carioca, o álbum de originais mais representado no concerto foi Vida, com quatro temas. Do Grande Circo Místico saíram três temas. De Uma Palavra saíram cinco canções, mas este é um álbum de versões (com arranjos semelhantes às que foram cantadas). Do álbum ao vivo em Paris também saíram cinco canções.

Para a posteridade

Fica aqui o registo de uma noite inesquecível.

Mambembe
Dura na Queda
O Futebol
Morena de Angola
Renata Maria
Outros Sonhos
Imagina
Porque Era Ela, Porque Era Eu
Sempre
Mil Perdões
A História de Lily Braun
A Bela e a Fera
Ela É Dançarina
As Atrizes
Ela Faz Cinema
Eu Te Amo
Palavra de Mulher
Leve
Bolero Blues
As Vitrines
Subúrbio
Morro Dois Irmãos
Futuros Amantes
Bye Bye Brasil
Cantando no Toró
Grande Hotel
Ode aos Ratos
Na Carreira

Encore:

Tanto Mar
Quem Te Viu, Quem Te Vê
João e Maria
Sem Compromisso
Deixa a Menina

Revitalização da Baixa-Chiado



Discuta os planos para a Baixa de Lisboa em

http://dn-lisboa.blogs.sapo.pt/

Preocupe-se com a sua cidade.

Ontem passei no Rossio, com vagar, e fiquei espantado com as tralhas que existem nas coberturas dos edifícios (aparelhos de ar condicionado, antenas parabólicas e outras, chaminés de recurso em tubo de folha, etc).
Parece que não há ninguém que olhe para os lugares nobres da cidade e ponha cobro aos desmandos do desleixo.

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