Saturday, January 31, 2009

Olho por olho...


Lisboa quer Marquês, Terreiro do Paço e Rossio livres de propaganda eleitoral
Público, 31.01.2009
A Câmara de Lisboa quer garantir a não colocação de propaganda eleitoral no Marquês de Pombal, Terreiro do Paço, Rossio, Praça do Município e Restauradores e limitar o tamanho dos cartazes em outras zonas da cidade.Segundo o vereador do Espaço Público, a ideia é "ser totalmente respeitador das regras quanto à protecção de vistas e não ocupação de passeios e ao mesmo tempo garantir que algumas zonas ficam livres de propaganda"."
Isto era um bocado desordenado", afirmou José Sá Fernandes, frisando que a proposta que apresentou ontem numa primeira reunião com os maiores partidos políticos "é totalmente aberta". "É uma primeira sugestão. Agora vamos continuar a discutir esta matéria", explicou o vereador, acrescentando que vai chamar também os pequenos partidos para discutir o assunto. "Alguma coisa tinha de se fazer. É que mesmo as proibições que resultam da legislação muitas vezes não eram cumpridas", disse, no final de uma reunião com representantes do PS, PSD, PCP, Bloco de Esquerda e CDS-PP. De acordo com a proposta da autarquia deverão ficar igualmente livre de cartazes de propaganda eleitoral algumas zonas que entrarão em obras, como o Martim Moniz, a Alameda das Universidades e o Cais do Sodré. A proposta da câmara sugere igualmente que os cartazes maiores sejam apenas colocados nas avenidas Norton de Matos, Marechal Craveiro Lopes, General Correio Barreto, Marechal António Spínola e na Infante D. Henrique. Para os de menores dimensões é proposto um mapa que será ainda apresentado aos partidos para ser acertado."A proibição de propaganda no Marquês de Pombal foi muito bem recebida e a do Martim Moniz consensual. No Cais do Sodré foi sugerido que se encontrassem alternativas, que é o que vamos ainda analisar", explicou Sá Fernandes. "O desejo é que seja consensual para que todos cumpram. Hoje [ontem] tivemos uma primeira reunião e todos foram muito receptivos às propostas da autarquia", disse o vereador do Espaço Público. Lusa
Acho muito bem mas lamento que a sensibilidade do Zé não se estenda também à publicidade comercial que tem progressivamente degradado "as vistas" das nossas cidades.
Há cruzamentos em Lisboa apinhados de placards, alguns com imagens móveis, alguns da própria autarquia, que, para além da degradação estética, distraem os condutores e propiciam os acidentes de viação.
Será que o Zé só vê com um dos olhos ?
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Friday, January 30, 2009

A falta que os pobres fazem

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Dois padres disputam (!!?) confederação de 2600 IPSS
Dois padres católicos lideram as listas candidatas à direcção da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), que amanhã será eleita no congresso que reúne 2600 organizações de todo o país. Uma é a lista de continuidade, liderada por Lino Maia, a outra inclui três pessoas ligadas a estruturas locais do Partido Socialista no Porto e em Braga.
Carlos Gonçalves, pároco de Rio de Mouro e presidente do Centro Social desta paróquia do concelho de Sintra, sentiu a actual direcção da CNIS, liderada pelo padre Lino Maia, do Porto, como "uma entidade extraterrestre".
A CNIS deixou de ter "um papel activo, que deve prestar como serviço e não como um poder", afirmou ontem, em declarações ao PÚBLICO. Se for eleito, Carlos Gonçalves propõe-se "dar força às uniões distritais", que podem exercer um papel "mais preponderante e melhor que a estrutura nacional".
O prior de Rio de Mouro está consciente do risco que a inclusão de três membros do PS pode ter para a sua candidatura. Além de José Fernando Moura, candidato a presidente da assembleia geral, e de José Manuel dos Santos Correia, para vogal da direcção, a lista inclui Alfredo Cardoso da Conceição, chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal de Braga, Mesquita Machado.Tal composição pode ser lida como uma colagem ao Governo. "Nenhum de nós se conhecia.
Mas mais colagem do que houve ao longo dos últimos três anos, é impossível de existir. E em ano de eleições, não sabemos que Governo vem aí.
"Na lista da continuidade, Lino Maia quer que haja uma "orientação clara na contratação colectiva", uma "resposta em rede à crise actual" e uma opção pela "solidariedade entre os utentes, para uma maior abertura ais mais carenciados". Hoje e amanhã, o congresso discute a qualidade das instituições e a atenção à educação, contando na abertura com a presença do Presidente da República.A CNIS reúne 2596 instituições de solidariedade (das quais 40 por cento ligadas à Igreja Católica), dando emprego a 200 mil pessoas e representando 4,3 por cento do Produto Interno Bruto.

Público, 30.01.2009


Às vezes tenho a desconfortável sensação de estar a ser caridoso sem saber, de alguém andar a fazer caridade com o meu dinheiro e com o dinheiro que é de todos. Esses brilharetes feitos com dinheiro alheio se calhar também servem para "espalhar a fé", uma fé que eu não partilho.
Além de fazer caridade sem saber também sou, provávelmente, mecenas dos missionários.

Mas isto é apenas uma vaga sensação que me assalta quando vejo tantos precipitar-se para a caridade de forma que considero enigmática.
Tudo se torna mais claro quando vemos que o sector proporciona 200.000 empregos e quando pensamos nas verbas que estes milhares de instituições drenam dos cofres do Estado.Serão todos estes empregos e verbas integralmente usados em prol dos pobres ?
Não sei. Espero que alguém saiba. Espero estar enganado.

Mas toda esta militância na luta pelo controle das estruturas de poder das IPSS não cheira nada bem.
Uma coisa é clara para mim: se algum dia, por um passe de mágica, fosse possível acabar com os pobres isso ía deixar muita gente na pobreza. Não pode ser.
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Sócrates como subsídio

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O"caso Freeport" absorveu toda a política portuguesa e toda a diligência de todo, ou quase todo, o jornalismo português.
Vasco Pulido Valente, Público, 30.01.2009
Eu acho que é já a crise, a dura luta pela sobrevivência da imprensa escrita, quem dita as parangonas.
O caso Freeport é um balão de oxigénio providencial que adiará falências por mais alguns meses.
Nesse sentido Sócrates está, sem querer, com o seu próprio corpinho, a subsidiar mais um sector em crise.
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Thursday, January 29, 2009

Grande vitória da imprensa nacional



O Público e o DN acertaram à primeira tentativa no nome da pessoa que morreu.

UM POVO FELIZ: AQUI!

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Ontem, em Davos, Vladimir Putin disse sobre a crise financeira: "É uma perfeita tempestade." E avisou: "Estamos no mesmo barco." Estamos, entenda-se, os 191 países da ONU. O mundo inteiro à deriva! Alguém me sopra ao ouvido: "Os países da ONU são 192..." Pois eu explico: falo mesmo de 191. É que há uma espécie de aldeia gaulesa, no canto ocidental do continente europeu, imune à tempestade. A OIT avisou, também ontem, que este ano poderá haver mais 51 milhões de desempregados, mas isso passa ao lado de Portugal, orgulhosamente só. E, desta vez, sem orgulho tolo: parece-me que a coisa nos corre mesmo bem. Fiquei a sabê-lo, ontem, no debate parlamentar entre o Governo e os deputados. O tema principal era sobre "as políticas económicas e sociais." Com todas as notícias desastrosas que vinham lá de fora, o tema preocupou-me: queres ver que a crise já cá chegou? Mas, no fim, suspirei de alívio. O Governo e a Oposição mergulharam (não se assustem, por cá as águas são mansas) na discussão sobre propaganda, ou não, de um pretenso relatório da OCDE. Não tenho mais nada para dizer. Os povos felizes não têm história.
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"ENCONTREI UM POVO FELIZ: AQUI!"
Ferreira Fernandes, DN 29.01.2009

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Pode-se viajar no tempo?


Conferência hoje no Instituto Franco-Português por Etienne Klein, investigador no meu bem conhecido Commissariat à l'Energie Atomique de Saclay.

Síndrome "avião de Sá Carneiro"

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Síndrome é o agregado de sinais e sintomas associados a uma mesma patologia e que em seu conjunto definem o diagnóstico e o quadro clínico de uma condição médica. Em geral são um conjunto de determinados sintomas, de causa desconhecida ou em estudos, que são classificados, geralmente com o nome do cientista que o descreveu ou o nome que o cientista lhes atribuir. Um síndrome não caracteriza necessariamente uma só doença, mas um grupo de doenças.
(WIKIPÉDIA)

O meu amigo Jorge continua no Trix-Nitrix a sua saga Freeport (já no quarto episódio) e queixa-se da indiferença da blogosfera relativamente ao assunto. "Os outros blogs de referência ignoram-no olimpicamente. Estão no seu direito", diz ele.
Passei alguns segundos a cogitar sobre as razões que ditam a minha própria indiferença quanto ao Freeport e cheguei à Síndrome "avião de Sá Carneiro", que ocorre com grande frequência numa faixa da Península Ibérica, a Ocidente, com cerca de duzentos quilómetros de largura.

Em que consiste esta síndrome ? Aqui vai a minha explicação: é uma tendência patológica para nunca actuar quando os factos estão a acontecer, ou pelo menos em tempo útil, e para regressar aos casos muitos anos depois, quando já não se pode provar nada e os "relatórios técnicos", às dezenas, são totalmente contraditórios.

Tem-se verificado que, quando ocorre, a síndrome se manifesta por um grande formalismo; não interessa se é ou não importante, se foi ou não prejudicial, o que interessa é se os trâmites foram cumpridos mesmo que os trâmites sejam a capa da tramóia.
Não se trata de prejuízos e penalizações quantificadas mas sim do cumprimento, rigoroso ou não, de elevados padrões éticos abstractos e incomensuráveis.

Claro que não passa pela cabeça de ninguém encontrar, e ainda menos punir, qualquer responsável. Não há memória de tal coisa ter alguma vez acontecido.

Seria aliás absolutamente indesejável chegar-se a uma qualquer conclusão pois ela impediria-nos-ia de continuar, saborosamente, a discutir se foi acidente ou atentado.
Trata-se apenas de arranjar temas para os discursos, as capas dos jornais e as conversas do Zé Povinho.
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Wednesday, January 28, 2009

O Estado da nação

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O Correio da Manhã de hoje é um verdadeiro tratado sobre o Estado da nação.
O já famoso primo de Sócrates, o tal que só tinha um neurónio criativo, está em retiro na China.
É uma família problemática. O pai tem "perdas sucessivas de memória" e "depende da sua secretária pessoal", pelo que diz o irmão do primo.
As Procuradoras andam à procura das provas para incriminar Rendeiro, que se vê forçado a viver dos rendimentos.
Já o L. F. Vieira apieda-se dos pobrezinhos e resolve fazer um assado com a águia, perdão, uma Fundação.
Um filho mata o pai à machadada e duas filhas, e que filhas, são filhas da mãe (cada uma da sua).
Dias Loureiro andava "perdido na gestão do BPN", o que se compreende pois foi antes da invenção do GPS.
Por estas e por outras é que Cavaco, na foto um bocadinho esgazeado, "arrasa a redacção das leis" e eu, se fosse ele, arrasaria também uma série de outras redacções.
Enfim, um nunca mais acabar de desgraças que impede o leitor avisado de se atrever para lá da primeira página (do jornal e do país).
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Os despedimentos são notícia ?

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"O agravamento da crise económica mundial e a divulgação de resultados precipitaram ontem anúncios simultâneos de corte de milhares de postos de trabalho na Europa e nos Estados Unidos. Oito multinacionais, que no seu conjunto empregam mais de um milhão de trabalhadores, anunciaram despedimentos de mais de 72 mil pessoas." DN 27.01.2009
Está a tornar-se rotina, nos noticiários, a listagem das empresas que “dispensaram” trabalhadores juntamente com as agruras do inverno e saga dos pais biológicos. Aos milhares vão sendo apresentados como resultado de uma qualquer perversão do sistema.
E se não fosse assim? Se o sistema estivesse agora, isso sim, a mostrar a sua verdadeira capacidade de empregar, de dar emprego? Se aquilo a que antes estávamos habituados fosse uma anormalidade conseguida artificialmente pelos "truques da financeirização”?
É precisamente isto que eu venho dizendo desde 1990, sem grande eco aliás.
O sistema económico em que vivemos padece de duas contradições que se agravam de dia para dia:
1) para funcionar, o sistema precisa de quem compre mas cada unidade produtiva procura pagar o menos possível em salários para preservar a sua rentabilidade.
2) para vencer a concorrência, cada unidade produtiva tem que se diferenciar no mercado, tem que inovar, mas tal não é garantido pelo aumento do número de empregados.
Pode dizer-se, como síntese, que é cada vez mais difícil ter lucros contratando pessoas.
Por causa destas duas contradições, porque a oferta cresce muito mais do que a procura, o sistema foi tendo que se apropriar dos salários passados (sob a forma de poupanças que se investem e se evaporam na bolsa) e dos salários do futuro (sob a forma dos fundos de pensões especulativos e do crédito fácil). Até que, recentemente, alguém gritou “o rei vai nu” e se gerou a actual situação de “crise”.
Se esta análise é correcta só temos duas hipóteses: ou repomos a situação anterior ou inventamos uma nova forma de organizar as relações de produção e distribuição em sociedade.

O resto são ilusões, oportunismos e demagogias.

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Ainda sobre o referendo em Viana

No Prós e Contras da semana passada, o lamentável apoiante do "sim" (creio que se chamava António Gonçalves, mas posso estar errado) teve esta frase lapidar em directo: a principal função de qualquer autarca é extrair o máximo que puder do Estado central! Quanto mais extrair (eu diria extorquir) melhor!
É também graças a frases como estas que a regionalização é rejeitada por permitir que surjam mais Albertos Joões Jardins!

Tuesday, January 27, 2009

Proposta após o referendo de Viana

Após a vitória do "não" no referendo em Viana, importa concluir que os vienenses fizeram ao resto do Minho (não só o Alto - Braga incluída) o mesmo que muitos bracarenses (agora aborrecidos com este resultado) defendem que Braga deve fazer ao Porto, e que o Porto quer fazer a Lisboa: não deixar que outros mandem neles. Se a regionalização em Portugal fosse um processo natural, estas discussões não fariam sentido. Se ao nível local as populações não sabem a que comunidade querem pertencer, mais vale que permaneçamos todos sob a alçada do Estado (que não é a mesma coisa que "Lisboa") - a única forma de organização que em Portugal me parece natural e não forçada. Os municípios devem agrupar-se em áreas metropolitanas e comunidades, e é com base nestas que se deve fazer uma - imprescindível, que fique bem claro - descentralização.
A questão colocada pelo Presidente da Câmara de Viana é boa e creio que faz sentido: a representação dos municípios nestes agrupamentos deve ser proporcional à sua população. (De qualquer maneira, não me parece bom Viana ficar isolada, pelo que espero que a situação se resolva depressa.) Proporia que o órgão deliberativo destes agrupamentos fosse formado por todos os vereadores eleitos de todas as câmaras de todos os municípios. Uma vez que o número destes vereadores é proporcional à população, a ponderação seria a adequada.
Este passaria a ser, a meu ver, o papel a desempenhar pelos vereadores. Quanto às câmaras propriamente ditas, deveriam ter executivos monocolores, com as assembleias municipais a funcionarem como parlamentos.

Filme "promocional"

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Vicky Cristina Barcelona. Aquilo que pode vir a ser o mais eficaz filme promocional do turismo de Barcelona, cidade que já nem precisa, é simultâneamente uma obra encantadora.
Com a graça de um Mozart sucedem-se as peripécias sentimentais servidas por um fabuloso texto e por um soberbo naipe de actores (Rebecca Hall, Javier Bardem, Scarlett Johansson e, a grande altura, Penelope Cruz).
De que se trata então? Woody Allen quer mostrar como é ilusório procurar a realização pessoal, e um significado para a vida, nas relações sentimentais. De como essa demanda pode levar à frustração, à loucura ou, na melhor das hipóteses, a um infatigável nomadismo.
Como o filme subtilmente demonstra só o que fazemos, aquilo em que nos expressamos, constitui a resposta que nos falta.

Neurónio criativo

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"A empresa Neurónio Criativo, que pertenceu a Hugo Monteiro, primo de José Sócrates, só foi criada em 2005 e apenas durou dois meses. Foi para aquela sociedade que o primo do primeiro-ministro cobrou um favor junto do Freeport, pelo facto de o pai ter intermediado um encontro entre Charles Smith e José Sócrates, ministro do Ambiente à altura da aprovação do outlet de Alcochete." DN 27.01.2009


O primo de Sócrates tinha um neurónio criativo. O problema é que era só um e durou apenas dois meses.

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MAIOCLARO

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Lançamento da Revista MAIOCLARO no CPF - 31 de Janeiro de 2009, 16 horas

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Monday, January 26, 2009

O mata moscas russo

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Hoje, no noticiário das 20 horas da RTP1, tive uma revelação: o mata moscas russo.
Orlando Lopes da Cunha, presidente da ANIVEC – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção, falava sobre os graves problemas que afectam o sector e sobre as medidas urgentes que importa tomar para o salvar.
A propósito dos rigores do fisco, para ilustrar os exageros com que procede, comparou-o ao mata moscas russo que, segundo ele, teria sido adoptado após a última guerra mundial.
E explicou como era: "o mata moscas russo descia do tecto e matava realmente a mosca mas, continuado a sua marcha, arrebentava com a mesa e desfazia todos os que nela se sentavam".
Temos que reconhecer que era assustador, além de pouco prático. Como é que depois de tantos anos de militância política eu nunca tinha ouvido falar do mata moscas russo ?
As coisas que se aprendem quando se vê o Telejornal...
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Na morte de Stella Piteira Santos

Recordo que o próprio Álvaro Cunhal reconheceu: se houve alguém com quem o PCP foi injusto, foi com ela e o seu marido Fernando.
A ler mais sobre esta mulher excepcional nos blogues As Causas da Júlia, Abrupto, Artesão Ocioso e As Brumas da Memória, bem como o obituário no Público e um resumo biográfico numa edição de há dez anos do Expresso, por ocasião dos 25 anos do 25 de Abril, que coloco aqui.

Uma mulher de coragem

Foi locutora na emissora da Frente Patriótica de Libertação Nacional, em Argel, e destacada militante antifascista. Aos 82 anos, Stella Piteira Santos, recorda alguns episódios mais marcantes da sua vida na luta contra a ditadura, pela liberdade

Stella Piteira Santos PARTICIPOU na fuga de Pável, ajudou prisioneiros dos campos de concentração, conduziu Humberto Delgado na noite de Beja, foi perseguida, presa e exilada. Falamos de Stella Bicker, também conhecida como Stella Fiadeiro e, em mais de metade da sua vida, Stella Piteira Santos. Os refugiados portugueses de Argel chamavam-lhe, simplesmente, «a mãe Stella». «Amigos, Companheiros e Camaradas. Fala a Voz da Liberdade, emissora da Frente Patriótica de Libertação Nacional.» A voz tremeu-lhe, engasgou-se, quando disse estas palavras de abertura das emissões radiofónicas dos exilados portugueses em Argel. «Ainda hoje me comovo quando digo isto» , conta Stella Piteira Santos, a primeira locutora da «Voz da Liberdade», agora com 82 anos, mergulhada em memórias que ilustram grande parte da história da luta pela democracia.
Até chegarem a Argel e porem «no ar», em finais de 63, uma rádio de opositores ao regime salazarista, Stella e o marido, Fernando Piteira Santos, tinham feito um longo percurso, que incluiu praticamente a separação do casal. «As emissões eram gravadas num velho estúdio da rádio oficial da Argélia, e montadas pelo sistema do metro e tesoura» , recorda Manuel Alegre, que se juntou à FPLN após a prisão em Angola, continuando o trabalho iniciado por Stella aos microfones. As emissões que «fizeram história» foram: o primeiro directo, aquando da doença de Salazar, e uma entrevista a Amílcar Cabral. Alegre recorda que, em todas as iniciativas da FPLN e no apoio aos exilados, Stella estava presente e activa. «A sua casa era uma referência para todos nós. Ela era o laço familiar que se refazia, era a 'mãe' que tínhamos deixado, era a 'avó' dos meus filhos. Era a ela que recorríamos sempre que tínhamos problemas. E no exílio os problemas são muitos, até de sobrevivência. A mãe Stella, que além do mais era uma grande cozinheira, muitas vezes matou a fome à malta.» Mas como é que uma filha da burguesia, educada em colégio de freiras, se torna uma revolucionária, perseguida pela polícia política, presa e finalmente exilada?
«Enquanto eu for vivo, não sai nenhuma procissão à rua» , assim falava José Bernardo, o patriarca da família Sousa Correia, lavrador algarvio de pendor republicano e profundamente anticlerical. O facto é que só depois da sua morte os padres se atreveram a fazer desfilar um andor. Mas, na casa rural onde se centrava a vida da família, reinava um espírito de grande abertura. E, quando chegou a vez das netas, Maria Manuela e Maria Stella, o avô ateu fechou os olhos à educação religiosa.
Do pai médico, e mais tarde também advogado, Stella guarda fortes lembranças, não só da infância e adolescência, mas pelo papel que viria a desempenhar ao longo da sua vida de oposição ao regime (ele morre em 72 e, estando a filha no exílio, Marcello Caetano autoriza-a a vir ao funeral).
«O meu pai foi uma das pessoas que participaram no 5 de Outubro de 1910. Dei, há pouco, a pistola 'Sauvage' de que ele se serviu na revolução.»E o seu pai chegou a disparar? «Ah, sim. Disparou mesmo!» Aos cinco anos, aprende a ler e escrever em alemão. Além duma «Fräulein», uma professora portuguesa dá lições às duas irmãs. As meninas fazem a primeira instrução em casa. Depois, a «Fräulein» partiu e, para não perderem o que já sabiam, foram para a Escola Alemã. «Passados três anos, a minha mãe opôs-se. Disse que éramos portuguesas, devíamos ter uma educação em português.»
Entretanto, Stella e a irmã são internadas no Colégio das Doroteias, em Sintra, onde tiveram uma educação muito convencional e de cariz religioso. Ali fez as normais amizades de adolescentes, mas a maior parte delas acaba quando casa, aos 17 anos, com Inácio Fiadeiro. «Nesse tempo havia o costume de raparigas e rapazes telefonarem uns aos outros. Assim começou o namoro.» Depois de muitos telefonemas, Stella e Inácio quiseram conhecer-se pessoalmente. Marcaram encontro no Cinema Central, que então funcionava na «baixa». «Como não saíamos sozinhas, disse-lhe que iria com o meu avô e a minha irmã, expliquei como estaria vestida, que camarote ocuparíamos, etc.»
Inácio Fiadeiro, com 21 anos, estudante de Direito, era já conhecido da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, antecessora da PIDE) pela sua militância política. Companheiro de Álvaro Cunhal, que será convidado para a boda, Fiadeiro, mais tarde, terá o seu escritório de advocacia lado a lado com o do pai do amigo, Avelino Cunhal.
«Casámos com toda a pompa, na Igreja do Campo Grande. Quatro damas de honor, vestido branco de longa cauda, grande copo-d'água... Depois fomos numa viagem de barco à Madeira.»

Passeio no Tejo: (1.ª fila, a contar da esquerda): Stella, Pilar Baptista Ribeiro, Soeiro Pereira Gomes; (2.ª fila): Inácio Fiadeiro, Ramos da Costa, Rui Grácio, Alves Redol e Maria Virgínia Com o casamento, Stella Bicker passa a chamar-se Stella Fiadeiro e a sua vida entrecruza-se com a de muitos militantes comunistas, numa época em que, segundo nos diz, «o PC estava muitíssimo desorganizado». Havia reuniões na casa dos Fiadeiro e, com os amigos, davam passeios de fragata pelo Tejo, onde discutiam a guerra civil espanhola, a política castradora de Salazar e cantavam «A Internacional».
Ao casar com Inácio, Stella começa a fazer parte dessa «geração que sabia que era uma geração». Em Álvaro Cunhal, Uma Biografia Política (I Volume), José Pacheco Pereira faz o retrato sociológico desses jovens, vindos de organizações de estudantes, de intelectuais, todos unidos pelo antifascismo, onde avulta «a figura muito magra, com ar de iluminado» de Cunhal, que vai tornar-se «o condutor».
Nessa época, a intimidade do casal Fiadeiro com Cunhal é de tal ordem que, ao nascer-lhes o primeiro filho, em 1938, o convidam para padrinho. A criança irá chamar-se António, numa homenagem a Francisco Paula de Oliveira (Pável), figura lendária dos primórdios do PCP, que usava o pseudónimo «António Bugio», e se encontrava preso e doente.
Nesses anos quentes a polícia política está particularmente activa. São inúmeras as prisões, com torturas - nalguns casos até à morte - e deportações para os Açores e o Tarrafal. A grande maioria dos companheiros «mergulha». Na prática, isso consiste em passar à clandestinidade Ao ser preso no início de 1938, Pável tenta incendiar o prédio onde vive, na Rua da Beneficência, a fim de ganhar tempo e destruir papéis comprometedores. Mais tarde conseguirá fugir da enfermaria da cadeia do Aljube, onde fora internado por a polícia temer que ele lhes morresse às mãos. Conta com a inesperada ajuda de um enfermeiro, Augusto Rodrigues, que em jovem fora comunista e agora era informador da PVDE mas se dizia decepcionado com os métodos utilizados pelos esbirros de Salazar. O enfermeiro dispõe-se a ajudá-lo na fuga, com a condição de o acompanhar na viagem para a URSS.
No plano de fuga e saída de Portugal, Stella participa activamente, com o marido e outros antifascistas. É ela uma das pessoas que está no carro estacionado nas traseiras do Aljube, esperando que Pável surja de uma clarabóia e desça pelas paredes do prédio. A sua missão é levá-lo para uma das casas da família, na Estrada de Benfica, onde preparara um esconderijo. Não teve medo de ser descoberta e presa? «Curiosamente, nunca tive medo físico. Penso que, naquela altura, trabalhávamos com tal amor, púnhamos tanto de nós nas coisas que fazíamos, que o medo, se existia, não dávamos por ele.» Pável acaba por fugir por outras vias mas aparece-lhe em casa de madrugada. Precisa de ajuda médica, pois ferira-se na fuga. «Ele estava em tal estado que não se lembrava sequer do nome da mãe», lembra Stella. Entretanto, Pável tenta chegar à URSS - onde se formara na Escola Leninista e tinha uma família, mulher e filho, a aguardá-lo - sem nunca o conseguir. Bloqueado no caminho, frustrado por não poder cumprir a palavra que dera ao enfermeiro Augusto de o levar consigo para a União Soviética, Pável acaba por rumar ao México. É de lá que, 40 anos depois, em Novembro de 1988, envia um poema a Stella.
Na Europa, é de novo a guerra. Após a derrocada dos republicanos de Espanha, começam a chegar a Portugal refugiados, sobreviventes de massacres, guerrilheiros escapados a pelotões de fuzilamento e, pouco depois, judeus fugidos à crescente ameaça nazi. Um grupo de mulheres antifascistas cria a Associação Feminina Portuguesa para a Paz, cuja missão era receber e ajudar os refugiados. O facto de Stella falar alemão foi providencial para os contactos, feitos maioritariamente com judeus da Alemanha. Com o desenrolar da guerra, a actividade da associação centra-se na ajuda aos prisioneiros e aos fugitivos dos nazis. «Enviávamos encomendas com roupa e comida para os campos de concentração. Não sei se chegaram aos destinatários, mas só uma delas nos foi devolvida, através da Cruz Vermelha. Suponho que a pessoa tivesse morrido.»
Em Lisboa, a associação pagava pensões para alojar refugiados, com ajuda de quotas e apoios de particulares. As «mulheres pela paz» estavam sob a mira da polícia secreta porque a paz, como se sabe, é sempre suspeita. «Não sabíamos bem como aquela polícia funcionava. Nunca fomos presas. Mas algumas de nós eram perseguidas, seguiam-lhes os passos.» O facto é que a PIDE encerra a Associação, numa fase em que esta era liderada por Maria Helena Pulido Valente. Stella passa a outra política de ajuda, uma organização feminina para apoio às famílias dos presos políticos portugueses.
Entretanto, acaba a guerra e acaba o casamento com Inácio Fiadeiro, destino natural de muitas das uniões sentimentais daquela geração que andava a abrir caminhos para o futuro. «Foi uma separação perfeitamente amigável, mas depois estive 40 anos sem lhe falar.» Stella ficou com os dois filhos - entretanto nascera Maria Antónia, por coincidência afilhada de Fernando Piteira Santos, que viria a ser o seu padrasto - e pela primeira vez na vida decide procurar emprego, «para não estar completamente dependente da ajuda dos pais».
O domínio do alemão é-lhe particularmente útil. Arranja colocação numa empresa alemã (ao todo, trabalhará em três firmas alemãs, a última das quais a Siemens) e recomeça a vida. Dois anos mais tarde, em 1948, casa com Fernando Piteira Santos. «Ele saiu da prisão dois meses antes. Como eu ajudava os presos políticos, estivemos sempre em contacto. Mas o nosso casamento nada teve a ver com os nossos divórcios.»
A vida do novo casal, Stella e Fernando Piteira Santos, foi sempre marcada por separações. «Como ele foi expulso do PCP em 52, deixou de contar com o apoio da rede clandestina do partido. Quando andava fugido da polícia, o que aconteceu durante anos, nunca nos víamos.» Com o telefone sob escuta, os passos seguidos, Stella rodeava-se de precauções. «Ele às vezes telefonava e dizia, 'Estás boa?', e eu desligava logo». Ficavam a saber que estavam ambos vivos e em liberdade, mas mais nada. «Aqueles primeiros anos de casamento foram de angústia. Havia normas rígidas de segurança. Quando o Fernando não estava preso e desaparecia, eu só podia procurá-lo dois dias depois.»

Fotos de Stella no arquivo da PIDE Certa vez, a separação foi muito longa. A jornalista Gina de Freitas, no seu livro A Força Ignorada das Companheiras, dedica um capítulo a Stella, que conta: «Quando foi da intentona de Beja, em que o meu marido tomou parte activa, a PIDE foi a nossa casa, onde ele felizmente já não estava porque se tinha ausentado na véspera. Durante nove meses não tivemos o mínimo contacto, pois ele estava na clandestinidade. De vez em quando recebia uma ou outra palavra, mas nunca o vi nem falei com ele. Tanto que durante um certo tempo nem sequer sabia se ele estava cá ou se já tinha saído de Portugal.»
O papel de Stella não foi meramente de espectadora da intentona de Beja. O general Humberto Delgado, que viera do exílio em Marrocos para «tomar o poder», desencontrara-se com o seu enviado e mentor do golpe, Manuel Serra, e não conseguia contactar os seus apoiantes - talvez por ser fim de ano, 31 de Dezembro de 1961. Chovia torrencialmente nessa noite e a PIDE farejava qualquer coisa «no ar». As portas de Lisboa estavam cercadas pela polícia. Quando Delgado já desesperava, o casal Piteira Santos disponibilizou-se para ajudá-lo a chegar a Beja. O plano incluía algumas mudanças de automóvel, como medida de precaução. Na primeira fase, Stella conduziu o general, até Porto Alto. Aí, Delgado mudou-se para o carro de Adolfo Ayala, seguindo para Beja, onde a cidade já se encontrava em pé de guerra. Na sequência do golpe, a PIDE desencadeia forte repressão sobre os mais conhecidos antifascistas. Para não ser de novo preso, Piteira Santos desaparece na sombra. Na caça aos clandestinos, a polícia secreta recorria a ciladas. Com Stella, são utilizados vários ardis, a ver se ela estabelece o fio de ligação ao marido, a viver algures, na mesma cidade, com outro nome e outras referências.
No dia 15 de Fevereiro de 1962, mês e meio após o «mergulho» de Piteira Santos, o telefone toca às 7h30 na casa de Stella. No melhor estilo conspirativo, uma voz feminina sussurra: «Não diga nada, oiça só o que vou dizer. O seu marido acaba de ser preso.» Stella desliga, sem falar. Sabe que é típico da PIDE atacar àquela hora, «a hora do padeiro», em que as pessoas estão estremunhadas e pouco preparadas para reagir adequadamente. Muitos antifascistas são presos ao acordar. Alguns têm a arma debaixo do travesseiro e nem se lembram de disparar. O telefonema pode ser apenas uma provocação, mas Stella também admite que possa tratar-se de uma informação verdadeira. Há que proceder com precaução. Faz três telefonemas. «Um para Mário Soares, porque tinha um almoço combinado com ele para esse dia, e outros para Lyon de Castro e João Sá da Costa, ambos editores e companheiros da luta antifascista. Todos são incomodados pela PIDE».
Nenhum desses fios conduz ao esconderijo de Piteira Santos, e a PIDE passa directamente ao ataque. Pouco depois, ao sair de casa acompanhada da filha, então com 18 anos e aluna da Faculdade de Letras, Stella é abordada por um pide, Abílio Pires. Na esquina, está estacionado um carro suspeito, cheio de agentes. Pires, que já a conhece das visitas às cadeias, diz-lhe: «Sra. D. Stella, faça o favor de me acompanhar, só para uns pequenos esclarecimentos.» Sabendo o que significava a detenção pela polícia política, Stella trata de pôr a salvo uma carta do marido, que tinha recebido por «correio secreto» e guardara na carteira, dentro de uma agenda. «Naquele momento o mais importante para mim era não deixar a carta cair nas mãos da PIDE.»
A filha, Maria Antónia Fiadeiro - jornalista que se distinguiu na defesa dos direitos das mulheres, hoje assessora principal do Ministério da Cultura - completa o relato: «Eu já estava na paragem de autocarro quando percebi que a minha mãe tinha sido abordada. Voltei para trás e disse ao pide que a queria acompanhar. Ele disse: 'A menina não complique as coisas, a sua mãe vem a casa almoçar.'». Mãe e filha tentam ganhar tempo. Stella diz-lhe que é dia de receber a pensão da Dona Leonilde (mãe de Piteira Santos, que vivia com o casal) e fazer alguns pagamentos, e despeja a carteira, com a preciosa agenda, dentro do saco escolar da filha. O pide Abílio intervém: «Isso é que não, quero a sua agenda.» Stella mete a mão no saco da filha, agarra a agenda, sacode-a para deixar cair a carta no interior, e guarda-na na mala. A carta estava a salvo. Stella, não.
Maria Antónia lembra-se de que nesse dia «foi como se de repente tivesse ficado adulta». A jovem tinha pela frente um exame de História Clássica; a mãe fora levada pela PIDE e não podia falar do assunto aos colegas; o padrinho, que amava como um pai, vivia escondido e não podia ser encontrado; em casa, sempre à espera de notícias, estava a Dona Leonilde, «a minha avó afectiva, com quem vivi desde os quatro anos», e a quem a verdade, por ser dura de mais, nunca podia ser contada por inteiro.
«Lembro-me dela receber postais do filho enviados de vários países, quando afinal ele estava em Portugal. Houve sempre a preocupação de protegê-la.»

Em Chrèa, na Argélia, num piquenique de exilados Stella, levada para a António Maria Cardoso, fica quatro dias de «estátua» (de pé, sem dormir nem se poder mexer). «No primeiro dia, recusei-me a comer, lembrando que me tinham garantido que iria almoçar a casa. Dizia-lhes: estou detida ou não? Só quando me informaram que estava oficialmente detida, voltei a comer, porque a partir daí não sabia quanto tempo estaria nas mãos deles.»
Entretanto, Maria Antónia contacta Mário Soares, para o informar da prisão da mãe e saber se, de facto, o padrasto fora preso. «O Mário Soares olha para mim muito sério e diz que só há uma pessoa que pode saber disso. Então, tomando as maiores precauções, mudando de táxi várias vezes, fui ter com essa pessoa. Toco à porta e não conheço quem me atende. Disse-lhe: 'Venho ter com o meu padrinho.' No interior da casa, ele ouviu a minha voz e mandou-me entrar.»
A primeira precaução foi tirar Piteira Santos daquele esconderijo e colocá-lo noutro lugar seguro. Nos dias seguintes, Maria Antónia insiste muito com os inspectores da PIDE para que a deixem falar com a mãe, incomunicável. «Os meus argumentos deviam parecer-lhes um bocado ingénuos, dizia-lhes que era muito nova para tomar conta da casa e de uma avó de 89 anos, que havia muito que fazer e eu não sabia como, precisava de orientação da minha mãe, etc.» O facto é que a deixaram ver a mãe, entretanto transferida para Caxias. «Dei-lhe um beijo na orelha, enquanto sussurrava 'o Fernando não foi preso'. Esta informação descansou-a.»
Seguiram-se mais 48 dias de reclusão para Stella. «Em Caxias, metem-me na cela onde estavam as presas do Comité Central do PCP, a Alda Nogueira, a Sofia Ferreira e a Cândida Ventura. Como a Cândida tinha sido mulher do Fernando, pensaram se calhar que nos íamos pegar as duas. E não. Demo-nos lindamente. A Cândida, que estava presa há muito tempo, sem notícias do exterior, queria saber tudo. Eu lá lhe ia dando as informações que tinha. Falávamos tanto, ao ponto da Alda Nogueira nos mandar calar, farta de nos ouvir.» Quase dois meses depois, Stella é libertada sob fiança, paga pelo pai, e proibida de sair do país. Entretanto, um pide visitou a Siemens, advertindo o chefe de pessoal que não deveria receber a funcionária de volta. «Mas ele foi impecável e, quando saí da prisão, tinha o meu emprego.» Stella ainda hoje não sabe por que é que a libertaram. O pai e os amigos influentes tinham exercido as pressões possíveis, mas a hipótese que lhe parece mais fiável é esta: «A PIDE deve ter pensado que, comigo em liberdade, conseguiria localizar o meu marido.»
Quando, após o 25 de Abril, Stella leu os ficheiros da polícia secreta, ficou admirada por ter sido seguida durante tanto tempo, sem dar por isso. «Verificavam todos os meus passos. Nunca pensei que fosse objecto de tal vigilância. Mas, como estava treinada para não deixar pistas, levava a minha vida normal e eles, através de mim, nunca chegariam ao Fernando.»
Como o cerco apertava, começou a congeminar maneiras de sair do país. Uma casual ida a Ayamonte deu-lhe a primeira ideia. Pediram-lhe a «autorização do marido» para passar a fronteira (uma lei humilhante, em vigor até 1969, proibia a saída de mulheres casadas sem permissão do marido). Foi um alerta. «Aprendi a imitar a assinatura do Fernando. Levei muitas horas a treinar, sem dizer nada a ninguém. Quando achei que estava bem, pedi ao meu pai para a reconhecer no notário. O notário reconheceu-a.» De três em três meses, Stella imitava a assinatura do marido e o pai levava-a ao notário. Nunca houve problemas no reconhecimento. Só o pai levantou a lebre: «Então tu dizes que não sabes do paradeiro do teu marido e ele assina os papéis?» Stella guardava o seu segredo.
Entretanto, o filho António, que vivia em Londres, anuncia-lhe o casamento e deseja a sua presença. Stella pede um passaporte, que foi recusado. Faz uma exposição ao ministro do Interior, em termos veementes, de mãe que não pode perder uma data tão marcante na vida do filho, e aguarda. O ministro procura informações no consulado de Portugal em Londres, onde lhe confirmam a entrada da documentação para o casamento, e mandou emitir o passaporte. «A minha ida a Londres poderia ter sido a saída para o exílio, mas não foi...» Combinara com a filha que esta lhe enviaria postais em nome de Stella Piteira Santos, caso o marido ainda estivesse no país, e de Stella Correia Ribeiro, se ele já tivesse saído. A Londres, três semanas depois, os postais continuavam a chegar em nome de Stella Piteira Santos. «Então voltei a Portugal e voltei a ser funcionária da Siemens.» O facto de ter saído de Portugal, e voltado, teria dado certa confiança à PIDE, do género «ela foi e voltou, cumpriu a sua palavra». Mas o plano de fuga estava em marcha.

Stella e Fernando Piteira Santos num desfile das comemorações do 25 de Abril «Havia uma mulher que era, e ainda é, tida como antifascista - não digo o nome porque a senhora está viva mas, se ler isto, saberá que é a ela que me refiro - que de repente se fez muito minha amiga. Começou a enviar-me bolos para Caxias - onde me puseram de sobreaviso quanto a ela - e, no dia em que fui libertada, veio cumprimentar-me.» Esta «amizade» inclui alguns almoços em casa da senhora, um passeio a Sintra, a disponibilização de uma casa de campo «se Stella quisesse encontrar-se com o marido», e outros mimos.
Num dos almoços, Stella, por vários sinais de nervosismo da dona da casa, desconfia que há alguém à escuta. Ela fá-la levantar-se da cadeira onde estava e sentar-se noutra, de costas para o terraço; quando Stella tenta correr as cortinas da casa de banho, que davam directamente para esse espaço, a dona da casa fica muito aflita e impede-a de o fazer, com uma desculpa esfarrapada; finalmente, a provocação vai ao ponto de, muito alto, na cozinha que dava acesso ao exterior, perguntar-lhe directamente: «Então, quando é que vai ter com o seu marido?» Com a calma possível, Stella comenta: «Eu?! Ir ter com o meu marido? Então a senhora acha que, com uma filha de 18 anos, uma sogra idosa, e o meu ordenado a fazer falta para elas viverem, eu iria ter com o meu marido? Nem pense nisso!» Depois, Stella convida-a para almoçar em sua casa, daí a duas semanas. «Penso que isto a tranquilizou, quanto à minha possível fuga.»
A confirmar que a «antifascista» - o «camaleão», na gíria, ou elemento infiltrado - tinha ligações à PIDE, Stella conta que, no passeio a Sintra, e desconfiada de que a «amiga» queria localizar uma casa que os Piteira Santos tinham em Venda Seca, a levou lá. «Mostrei-lhe a casa, disse-lhe que ali passávamos fins-de-semana, etc. Claro que só lá estava o caseiro.» A senhora insiste: «Mas esta casa não tem número, a rua não tem nome, como é que se chega aqui?» Stella explicou-lhe: basta passar o fontanário, contar as ruas, virar em tal parte, e é o terceiro portão. Simplesmente, enganou-a. O portão não era o terceiro, mas o quarto. E, numa madrugada, os pides irrompem pela «terceiro portão», arrancam da cama duas velhotas espantadas, e viram tudo do avesso. Só depois se apercebem do engano. Stella obtém assim a confirmação de que a «amiga» é informadora da PIDE. «Denunciei-a a duas pessoas, que não acreditaram. Portanto, não voltei a mencionar o nome dela.»
Está em andamento o plano de fuga. «Quando a convidei para almoçar em minha casa, queria apenas dar-lhe confiança e ganhar tempo. Já tinha tudo preparado para sair. Fui levando cestos de fruta, que vinham da quinta do Algarve, para casa da minha mãe. Os cestos só levavam fruta por cima e, por baixo, as minhas coisas.»
Antes de tentar passar a fronteira, Stella deixou dois postais. Um, para a «amiga», pedindo-lhe desculpa por não a poder receber em casa no dia previsto, porque tinha ido a Londres tratar-se de uma doença grave (um atestado médico, passado por um amigo, confirmava-o); outro, para a Siemens, a avisar que se ausentaria por tempo indeterminado. «Como devia passar a fronteira no Sábado, dei os postais à minha filha, pedindo-lhe para só os pôr no correio na Segunda-feira.»
Stella finalmente dirige-se à fronteira do Caia, rumo ao exílio, em Setembro de 1962, num carro-caravana do casal Lyon de Castro. «Eles habitualmente iam para férias naquela altura, não levantando suspeitas.» Na fronteira, Lyon de Castro deixa as duas mulheres no carro e leva os três passaportes à polícia, incluindo a autorização de Piteira Santos para Stella sair do país. «Passou mais de meia hora. Eu cravei as unhas nas mãos até fazer sangue.» Como tudo parecia estar em ordem, deixaram-nos seguir.
«Lyon de Castro levou-me até à fronteira francesa, aí apanhei o comboio para Paris. Estive dois meses em França sem que o meu marido, que estava em Marrocos, soubesse. Eu não queria que ele soubesse, com receio de que me pedisse para voltar atrás, para não deixar a filha e a mãe sozinhas. Mas eu tinha decidido que queria viver com ele o resto da minha vida.»
Apoiada por outros exilados, a estada de Stella em França foi «mais bem guardada que muitos segredos de Estado». Piteira Santos, que todas as semanas telefonava para os camaradas de Paris, só soube que a mulher se encontrava lá quando desembarcou no aeroporto. Ficou zangado? «Um pouco. Foi difícil, a princípio, muito difícil...» Stella e Fernando estiveram em Paris alguns meses, durante a organização da Frente Patriótica de Libertação Nacional, e depois seguiram para Argel, onde lhes tinham sido oferecidas condições de permanência e continuação do trabalho político. «Ficámos até ao 25 de Abril.»
Manuel Alegre, que os acompanhou neste percurso, conta que uma das frustrações foi ter-lhes sido pedido para não entrarem em Portugal antes de 2 de Maio de 1974, para evitar confrontações com outras forças políticas durante a manifestação do Dia do Trabalhador. Maria Antónia Fiadeiro, que fora a Espanha buscá-los, com bilhetes de avião, regressa sozinha, e triste.
Stella, que viera de comboio, também só entra em Portugal no dia seguinte à manifestação. O casal Piteira Santos finalmente vive em liberdade no seu próprio país. Até 92, ano em que morre o marido, participam ambos em inúmeras actividades políticas. Depois, Stella continua sozinha o seu percurso. «Não recuso nenhum convite para falar do fascismo e do que ele fez aos portugueses.» Afinal, ela sabe bem do que está falando.
Texto de ÂNGELA CAIRES

Discografia do essencial (1)

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Depois de 45 anos a ouvir musica resolvi começar a publicar a minha "Discografia do Essencial". Esta versão do Concerto Triplo no formato LP, gravada em 1969, foi um dos primeiros discos que eu comprei depois de regressar da Guiné em 1970. É o padrão pelo qual avalio todas as outras interpretações.

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Sunday, January 25, 2009

A verdade é que não tenho sono nenhum


Vinte anos depois, continua a não ser arquivado nas secções de "Humor". A quantidade de gente que continua a levar este monte de entulho a sério é que nunca deixa de me surpreender. O Ibsen batia no cão, o Marx tinha bolhas na pilinha, o Edmund Wilson gostava de levar tau-tau - nunca houve reunião de costureiras com uma acta tão sofisticada.
Tentar invalidar um sistema de pensamento através da higiene pessoal não é uma metodologia particularmente revolucionária: a minha mãe anda a tentar a mesma coisa desde 1987. Mas não resulta, não resulta. Qualquer produção intelectual está enraizada numa personalidade, mas a correlação nunca é directa. Algumas abordagens conseguem ser interessantes mesmo quando são inadequadas; mas Paul Johnson tem o dom de induzir o desespero numa pessoa mesmo quando tem razão. O capítulo sobre Marx, valha-me Deus. O Aron e o Popper conseguiram demolir criticamente o marxismo sem precisarem de contar sabonetes. Há casos específicos em que a vida invalida as ideias, mas esses casos são raros. O facto de uma conduta pessoal não ser coerente com um conjunto de princípios não invalida os princípios - quando muito, invalida a conduta pessoal.
Paul Johnson critica a deficiente compreensão da História partilhada por Marx e Tolstoi, mas a sua própria compreensão é pouco mais do que uma caricatura sem bonecos. Para já, é possível ler-se as doze mil e setecentas páginas de Intellectuals sem perceber o que é um "intellectual". Segundo os atrapalhados parâmetros do autor, um intelectual é alguém que tenta usar a Razão para construir uma nova ordem social. A sério? Hemingway? Ibsen? Edmund Wilson? James Baldwin? A sério? E o Elton John? E o Eric Cantona? E o Carlos Daniel? Na tentativa de desmantelar bezerros de ouro, o Paul Johnson artilhou um de vapor. E ali está ele, entretido, a mandar cócó aos fantasmas.
Nessa elite espectral, Johnson vê uma espécie de clero secular: “aventureiros do espírito”, cujas inovações morais e ideológicas já não são limitadas pelos “cânones da autoridade externa” e pela “herança da tradição”. Mas esses mesmos limites foram eles próprios aventuras do espírito - sucessivamente melhorados e cronologicamente institucionalizados; a exterioridade que Johnson lhes atribui é uma mera convenção. Os grandes sistemas teóricos, e as restrições que os contêm, são manifestações humanas; mesmo ao seu melhor (e há poucos exemplos) limitam-se a resgatar uma aproximação à verdade e a intensificá-la. No processo, essa verdade é inevitavelmente distorcida, cabendo às gerações o trabalho de refinamento. Paul Johnson, que só é capaz de assimilar e aceitar uma cultura hierática, procura as vantagens de uma ideia na legitimidade de quem a professa. Quer idolatrar, não conteúdos falíveis, mas Livros inerrantes. Quer uma purezazinha aberrante que se possa seguir cegamente. O corolário lógico do seu catálogo de objecções é evidente: se uma teoria perigosamente deficiente, como o marxismo, tivesse sido Revelada no Monte Sinai, as suas deficiências teriam em Paul Johnson o seu mais infatigável acólito.
A conclusão de “Intelectuais” é que as pessoas têm sempre mais importância que os conceitos. Como conceito, isto é eminentemente defensável. Mas é um conceito; e um conceito pelo qual muitas pessoas entenderam que valia a pena morrer. O conceito no qual Paul Johnson predicou este livro indefensável é um mau conceito, que apenas se consegue invalidar a si próprio. Até o Paul Johnson - que passou a vida a beber que nem um mineiro siberiano, a bater em cães, e pelo menos treze anos numa relação adúltera com uma amante que lhe dava palmadinhas com implementos de cabedal - é mais importante do que isto.
Entretanto, na frente doméstica, tenho o prazer de anunciar que estou a abandonar tranquilamente a maionese:

Equadogue

Entalada entre duas telenovelas da TVI (uma das quais, Olhos nos Olhos, é a melhor coisa em exibição na televisão portuguesa) a adaptação de Equador continua a explorar delicadamente um tema pertinente: a epidemia de defeitos da fala no Portugal de início de século XX. A série tem muitas qualidades, mas é particularmente recomendável às pessoas que gaguejam: vão-se sentir muito melhor consigo próprias.
A melhor pirotecnia oral até agora (perdi o primeiro episódio) pertence ao actor Marco d'Almeida, que interpreta uma personagem inglesa. O seu sotaque faz um virtuoso périplo Miguelcadilheano pelas ilhas britânicas, antes de assentar arraiais na pequena localidade de Sean-Connery-on-Methadone. «Tree monshes?» pergunta ele, escandalizado, referindo-se a um período de tempo de três meses. Pede-se encarecidamente aos argumentistas que lhe escrevam tantos diálogos com consoantes sibilinas quanto possível, sem prejudicar a integridade do guião. As vogais, essas, estão por conta de São José Correia, que interpeta Pilar, uma prostituta espanhola. Pilar quer fugir para Madrid com Antero, para mostrar que é ela quem «mandá na sssuá bidá», mas antes tem de aconselhar uma prostituta mais nova, que anseia ela própria por mandár na sssua bidá: «Um diá también hás dé tér ú téu Antéro!» A prostituta mais nova acena resignadamente, antes de ir aviar o próximo cliente, um conde que troca os érres pelos guês: «Onde é que vais com tanta peguéssa a esta óga?». O conde é integpetado pelo actogue Gui Mendes, e, se a memória não me falha, deixa de aparecer quando a acção é transferida para São Tomé, o que deve estar quase a acontecer, dada a indignação com que a actriz inglesa (esta genuína) recebeu a novidade: «Sow Tommy Prince Yippie? That's one of the poorest regions on earth!» Pois é, pois é, mas temos a televisão nacional, que é uma das mais ricas, madam.

A "outra metade" da humanidade

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Por mero acaso coincidem no dia de hoje, 26 de Janeiro, as comemorações do Novo Ano Chinês (que já referimos aqui) e o grande feriado nacional da Índia, o Dia da República, em que se tornou Estado soberano (26 de Janeiro de 1950).
Sem nós darmos por nada, virados para o nosso precioso umbigo, há cerca de doil mil e quinhentos milhões de seres humanos em festa do outro lado do planeta.

É a "outra metade" da humanidade que só conhecemos como exotismo e a que só concedemos a condição de folclore.
No entanto a grandeza do fenómeno devia comover-nos ou, no mínimo, provocar-nos tonturas. Sem pieguices.
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Com tranquilidade...

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Quase sem distinção, surgem novos processos de fraude ou de corrupção. Já não lhe conhecemos os nomes ou as designações. Há bancos que estão em vários, do "furacão" aos "off-shores", das "facturas" ao "apito", da contabilidade paralela ao favoritismo, passando pela promiscuidade. Há gente que acumula irregularidades. Que todos conhecem, menos as entidades ditas reguladoras e a justiça. Ou, pior ainda, que talvez as entidades reguladoras e a justiça também conheçam...
O próprio primeiro-ministro pôs em causa a eficácia e a orientação ou do Ministério Público ou a de uma certa imprensa com acesso às "fugas" orientadas. Os processos de políticos, de grandes empresários, de banqueiros, de dirigentes de futebol, eventualmente de autarcas, de artistas e de atletas... não começam ou não chegam ao fim. Ou não se esclarecem. Ou chegam tarde. Ou prescrevem. E entretanto, o criminoso fugiu, o bandido desapareceu, o vigarista recomeçou vida...
Em qualquer dos casos que vem até ao proscénio, os protagonistas não se cansam de repetir que aguardam, "com serenidade", que justiça seja feita. Todos afirmam que respeitarão a justiça portuguesa e que nela confiam. Muitos pedem que se faça justiça rapidamente e bem. "Até ao fim", dizem. "Até às últimas consequências, doa a quem doer", acrescentam. É o que se diz. É lugar-comum obrigatório.
Mas a certeza é que ninguém espera com tranquilidade. Nem vítimas, nem culpados.
António Barreto, Público 25.01.2009


A descrição do problema está correcta mas discordo das conclusões.
Se os culpados dizem que aguardam "com serenidade" que a justiça seja feita não é por ser "lugar comum obrigatório" mas por saberem que nunca serão condenados.
Parafraseando Paulo Bento: haverá muita gente em Portugal que encara a justiça "com tranquilidade" mas não serão certamente as vítimas.
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Literatura infantil

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ALEGRE VAI LANÇAR LIVRO INFANTIL
Manuel Alegre vai publicar este ano um livro infantil intitulado “O Príncipe do Rio” pela editora Dom Quixote.
Expresso, 24.01.2009

Será a compilação dos discursos políticos de 2008 ?

Saturday, January 24, 2009

Quem manipula quem ?

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WASHINGTON - Desde seus primeiros dias, a administração de Barack Obama já coloca a China, sua moeda e seu enorme excedente comercial com os Estados Unidos na mira, apesar de Washington reconhecer que precisa de Pequim - seu maior parceiro comercial atualmente - para reativar a economia mundial.

O gigante asiático, actual terceira potência económica, ocupou boa parte do discurso de Timothy Geithner no comité de Finanças do Senado, que ontem aprovou sua nomeação como secretário do Tesouro de Barack Obama.

"O presidente Obama - respaldado pelas conclusões de grande parte dos economistas - acredita que a China manipula sua moeda", declarou Geithner aos senadores, indignados com a suposta subvalorização do iuan, com o objetivo de aumentar artificialmente as exportações.

"O presidente Obama está decidido a recorrer a todas as vias diplomáticas disponíveis para obter uma mudança nas práticas da China em relação a sua moeda", declarou Geithner, acrescentando que "um dólar forte é de interesse nacional" para os EUA.

Eu pensava que tinham sido precisamente os Estados Unidos a manipularem, durante décadas, a seu belo prazer, a sua moeda para efeitos económicos e políticos. Claro que posso estar enganado.

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Friday, January 23, 2009

O João faz falta (2)

Só faltou ele dizer que é engenheiro aeroespacial... do Técnico! Para castigo, este texto leva a etiqueta "LEFT". No fundo o João deveria ter andado na LEFT.

Fartos da birra

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"O primeiro-ministro anunciou, enquanto secretário-geral do PS, que na sua moção para o próximo congresso do partido propõe a legalização do casamento civil das pessoas do mesmo sexo. O anúncio teve lugar domingo passado. O assunto foi objecto de destaque nas notícias, nomeadamente quanto à hipótese de essa legalização incluir ou não a possibilidade de adopção. Esse destaque não resultou, no entanto, naquilo que normalmente se segue ao anúncio de uma medida considerada polémica: não houve declarações inflamadas da oposição (nem à esquerda nem à direita), nem debates na TV com gente contra e a favor. Os representantes das associações LGBT, que deviam ser disputados em noticiários televisivos, não deram sinal de vida na pantalha - à excepção da TVI, ninguém os chamou. Nem a sempre instantaneamente excitada blogosfera deu sinal de indignação. Será que afinal a medida é pacífica?"
Fernanda Câncio no DN 23.01.2009 e no JUGULAR.

A reacçao da Fernanda é como a das crianças que têm a mania de fazer birras rojando-se pelo chão e que, um dia, os adultos resolvem ignorar e deixar fazer o que lhes passar pela cabeça.

Acabou-se a graça da birra ou, no caso vertente, a romântica luta na defesa dos perseguidos (neste caso os perseguidos têm força suficiente para torcer Sócrates, o que nem os professores ainda conseguiram).

Do alto da sua autoridade democrática, numa fase da vida em que pode bem com as chantagens, Mário Soares veio, no Público, reduzir a questão à sua modesta dimensão:
"Os casamentos entre homosexuais são (questões) de consciência complicadas, não são esses os problemas fundamentais... mas há certos radicais que querem ir adiante para mostrarem que são de esquerda".

Aqui ficam algumas pistas para a Fernanda perceber porque razão o anúncio de Sócrates não causou alarido:

1. o pessoal acha que este é um "não problema"
2. o pessoal está farto de aturar birras
3. o pessoal já sabe que Sócrates, como em geral os políticos em vésperas de eleições, quer jogar pelo seguro e portanto não há mais nada a fazer.

A Fernanda devia tentar perceber que a generalidade das pessoas que se opõem ao tal casamento (parece que são a maioria) não querem perseguir ninguém. Quem é contra o casamento hetero, não está numa de perseguir os heteros, nem quer acabar com as relações heterossexuais. Acha apenas que o casamento é uma instituição desnecessário ou mesmo prejudicial.

Num momento em que devíamos estar todos a gritar "acabem com todos os casamentos" aparecem uns maduros, cujo charme podia precisamente ser irem contra as convenções. a dizer que querem ser como os mais convencionais dos burgueses.

Mais uma vez lhe digo: sou contra o casamento, e em especial o casamento gay, por razões estéticas. Mas se os gays querem fazer figuras ridículas e casar-se, eu por mim tudo bem, não haverá nenhum cataclismo.
Realmente tenho mais em que pensar. Que sejam muito felizes e tenham muitos meninos (adoptados, bem entendido)
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Café com Blogues

se pode ouvir na rede o último programa onde eu, o Luís Aguiar Conraria e o Gabriel Silva falamos do Cristiano Ronaldo, do caso Esmeralda, das declarações de D. José Policarpo e do conflito israelo-palestiniano.

Thursday, January 22, 2009

The day after

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Com Obama o Império Americano ascende a um novo patamar. Já não é só o mais rico, militarmente poderoso e mediáticamente influente. Agora é também o "guia espiritual" de todo o "mundo livre".

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CRISE

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Arcadio Esquivel, Cagle Cartoons, La Prensa, Panama

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Ainda há

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Dois homens que terão estado envolvidos na produção e venda do leite contaminado com melamina foram condenados hoje à morte pela justiça chinesa.
Tian Wenhua, a responsável pela empresa de lactícinios, a Sanlu, que esteve no centro do escândalo foi condenada a prisão perpétua. Seis crianças morreram e cerca de 300 mil crianças ficaram doentes nesta crise que abalou o mundo.
...Um dos homens condenados à morte é Zhang Yujin que, entre Outubro de 2007 e Agosto de 2008, terá feito e vendido mais de 600 toneladas de pó que continha melamina. A melamina é usada para disfarçar leite diluído e aumentar artificialmente os níveis de proteínas. O pó foi adquirido por intermediários que fizeram a mistura necessária para disfarçar leite mais fraco e diluído, comprado a agricultores, e que depois foi vendido ao Grupo Sanlu.
Um desses intermediários é o outro homem condenado à morte. O produtor de lacticínios terá revendido 230 toneladas de malte misturado com melamina, para outras firmas, em Shijiazhuang e três outras cidades na província de Hebei.
A sessão do julgamento ainda não terminou. Hoje à tarde será lida a sentença para mais 21 arguidos também implicados neste caso.
Público 22.01.2009

Ainda há neste mundo quem, num prazo razoável, julgue e faça punir a ganância homicida.
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Afinal Santana era literato

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A Câmara de Lisboa desistiu da megabiblioteca de 11 andares que prometeu para o Vale de Santo António em 2005, num investimento então calculado em 30 milhões de euros. Quer o vereador do Urbanismo quer o das Obras Municipais dão por adquirido este facto. Esqueceram-se foi de o anunciar à população.
Os arquitectos encarregues do projecto, Manuel Aires Mateus e Alberto Souza Oliveira, também não foram informados de que o edifício que desenharam dificilmente verá a luz do dia.Mais do que uma simples biblioteca, o projecto visava criar nas proximidades da Avenida do General Roçadas, já não muito longe do Tejo, um grande pólo cultural, no qual pudesse ser também alojado o arquivo histórico municipal, com documentos desde o séc. XII, um centro de convenções, com dois auditórios, uma livraria, galerias de exposições e terraços com esplanadas e restaurantes.
A ideia de criar uma biblioteca central vinha já de João Soares, mas foi Santana Lopes quem lançou a primeira pedra, numa cerimónia preparada para o efeito. O projecto não foi isento de críticas: mesmo no departamento camarário de Cultura houve quem o achasse megalómano. Mais tarde, responsáveis camarários haveriam de defender a sua redução. Mas afinal nem uma versão menor irá por diante.
O vereador das Obras, Marcos Perestrello, invoca os elevados custos da obra, que devia ter ficado concluída no final de 2008, para justificar a desistência. Já o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, garante que será construído no local um edifício - mas não uma biblioteca.
O PÚBLICO tentou ainda obter esclarecimentos sobre o assunto por parte da vereadora da Cultura, mas sem resultado. "Trata-se de um projecto fundamental para redimir do abandono esta zona da cidade", observa Aires Mateus. "Se o projecto é reformulável? Claro, mas nunca me pediram para o fazer". "É uma pena se o edifício não for construído", diz também Souza Oliveira. "Este edifício seria uma âncora, tal como a Casa da Música no Porto". Aires Mateus compara-o ao Centro Cultural de Belém. "Megalómano? Não, de todo. O arquivo foi calculado para os próximos 40 anos, como mandam as normas internacionais", frisa Souza Oliveira. Da obra prevista, a única coisa que arrancou foi a escavação e a contenção de terras. Entre isto e o projecto, a autarquia gastou perto de três milhões de euros. PÚBLICO 22.01.2009
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O plano de estímulo de Obama deve incluir ciência

O meu guru (científico) David Gross é o co-autor deste artigo no Financial Times onde defende que o plano de estímulo à economia de Barack Obama deve necessariamente incluir um substancial aumento no financiamento público da ciência. À atenção dos governantes (e críticos) americanos... e europeus!
Cheguei a este texto através do Ars Physica, um blogue a que cheguei por acaso (através de uma pesquisa no Google) e que considero o melhor blogue de Física em português (pelo menos). É (muito bem) escrito por vários estudantes de doutoramento brasileiros (um deles no mesmo instituto onde eu me doutorei). Um blogue a seguir.

Wednesday, January 21, 2009

Coração cor-de-rosa das Trevas

Há fortes probabilidades de ter tido, na noite passada, um sonho homoerótico com Medeiros Ferreira. No sonho, eu e o Medeiros Ferreira estávamos os dois num barco, de camisolas de alças, a subir o Rio Zambeze, cujas águas eram muito escuras e cheias de enguias. Medeiros Ferreira falava-me da descolonização. Às tantas houve mergulhos, no meio das enguias.
Nada, em nenhum dos livros que li até agora, me preparou para lidar com isto. Nem no Hazlitt, que é, a partir desta semana, o melhor escritor do mundo de todos os tempos. A passagem que se segue é de um texto chamado «Character of Mr. Burke», que foi tão violentamente sublinhado no meu exemplar que a integridade do próprio livro está agora em perigo. Resta-me aguardar que a tendência suicida da libra continue, e que daqui a pouco tempo a Amazon me ofereça dinheiro para eu encomendar um exemplar de substituição:

«He applied the habit of reflection, which he had borrowed from his metaphysical studies, but which was not competent to the discovery of any elementary truth in that department, with great facility and success, to the mixed mass of human affairs. He knew more of the political machine than a recluse philosopher; and he speculated more profoundly on its principles and general results than a mere politician. He saw a number of fine distinctions and changeable aspects of things, the good mixed with the ill, and the ill mixed with the good; and with a sceptical indifference, in which the exercise of his own ingenuity was obviously the governing principle, suggested various topics to qualify or assist the judgment of others. But for this very reason, he was little calculated to become a leader or a partizan in any important practical measure. For the habit of his mind would lead him to find out a reason for or against any thing: and it is not on speculative refinements, (which belong to every side of a question), but on a just estimate of the aggregate mass and extended combinations of objections and advantages, that we ought to decide or act. Burke had the power of throwing true or false weights into the scales of political casuistry, but not firmness of mind (or, shall we say, honesty enough) to hold the balance. When he took a side, his vanity or his spleen more frequently gave the casting vote than his judgment; and the fieriness of his zeal was in exact proportion to the levity of his understanding, and the want of conscious sincerity

Mandem-me correntes, sff. Estou mais ou menos de férias

Esta amável corrente que me foi passada pelo Impensado, e que demorei nove dias a decifrar, é uma boa corrente. Gostava que as pessoas me mandassem mais correntes. Passemos então à elaboração sobre a corrente.


Pede-se uma foto:


e uma banda, que decidi interpretar livremente como autorização para escolher as obras completas de Philip K. Dick (se percebi bem, agora responde-se ao questionário com títulos de canções da banda, que decidi interpretar livremente como etc etc. Não tenho rigorosamente nada que fazer neste momento.)

1. Homem ou mulher?
The Variable Man

2. Descreve-te.
The Divine Invasion

3. O que pensam de mim?
a) 75% das pessoas que me enviam spam: We Can Build You
b) a minha mãe: The Father-Thing
c) a população feminina em geral: Vulcan's Hammer

4. Como descreves o teu último relacionamento?
Flow My Tears, The Policeman Said

5. Descreve o estado actual da tua relação.
Mary and the Giant

6. Onde querias estar agora?
Puttering About in a Small Land

7. O que pensas do amor?
The Cosmic Puppets

8. Como é a tua vida?
The Crack in Space

9. O que pedirias se pudesses ter só um desejo?
We Can Remember It For You Wholesale

10. Escreve uma frase sábia:
Gather Yourselves Together

11. Descreve o 4-4-2 em losango com o Miguel Veloso na posição 6 e o Rochemback na posição 7:
A Maze of Death

12. Descreve as circunstâncias mais adequadas aos talentos específicos do Miguel Veloso e do Rochemback:
Counter-Clock World

13. Qual seria, na tua humilde opinião, um título muito mais adequado para as memórias de Paul Auster do que Hand to Mouth:
Confessions of a Crap Artist

14. Partindo do princípio de que ela existe, qual seria a audiência com mais probabilidades de tirar algum proveito intelectual do acompanhamento de uma conversa entre o Filipe Moura e o Carlos Vidal:
Clans of the Alphane Moon

15. Qual a solução que, nas alturas mais difíceis, te parece mais adequada para resolver o problema com que te deparas sempre que a Dona Feliciana, a tua vizinha surda, se põe a ver o Prós & Contras com o volume no máximo:
The Zap Gun

16. E o Carlos Daniel? Não tens nada a dizer sobre o Carlos Daniel?
Eye in the Sky

17. Que engenho é que gostarias de aplicar à pessoa do Carlos Daniel?
The Preserving Machine


Passo esta corrente, de acordo com os trâmites, ao Tiago Galvão e também ao Sérgio Gouveia, duas pessoas completamente diferentes.

Obamei!


Nunca dei demasiada atenção às campanhas eleitorais dos países onde vivi (exceptuando o referendo europeu em França em 2005). A razão (mesmo para esta excepção) é simples: só me diziam respeito muito indirectamente, por lá viver. Mas eu não votaria, pelo que a campanha não me afectaria. Acompanhava as campanhas somente pelo interesse de ver como se faz política nestes países, e não mais do que isso. Tinha colegas meus que viam discursos, liam livros e panfletos. Nunca me dei muito a esse trabalho.
Só ontem comecei realmente a prestar a atenção devida a Obama, ao ouvi-lo como presidente dos EUA. Agora, sim, o que ele diz diz-me (e muito) respeito. Pode ser uma descoberta tardia, quando comparado com outros blógueres, mas gostei. Fiquei rendido. Que a acção de Obama corresponda à sinceridade e à esperança que emana do seu discurso, é o que eu lhe desejo. Boa sorte, América!
Quanto ao concerto antes da tomada de posse, gostei de ouvir Bono, dos U2, a referir que "In The Name Of Love" é o desejo de israelitas... e palestinianos. Naquele país é preciso coragem para referir os palestinianos. Tivesse-os Bono omitido e ninguém acharia estranho.

Adenda: Leiam o André Abrantes Amaral, num texto com dois anos.

Santuário Capitólio

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O Avenida Central chama sermão ao discurso de posse de Obama e basílica ao Capitólio, corroborando uma ideia que já me tinha assaltado também.

Quanto a mim não se trata de discutir a eventual religiosidade de Obama ou mesmo se a sua governação vai ser muito, ou pouco, influenciada pela religião.

Eu, ao assistir à "inauguração" pela TV, tive a sensação de estar perante um daqueles pregadores das novas igrejas, ou melhor, que a multidão esperava e precisava que Obama funcionasse como os tais pregadores das "igrejas da esperança".

A mensagem é a mesma: "A salvação virá se acreditarmos nos pais fundadores e praticarmos todos, muito, o Bem".

É assustador pensar que uma potência como a América se vai refundar sobre um discurso que omite deliberadamente as complexidades do mundo e dos mecanismos da história, colocando-se acima e para lá deles.

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