Wednesday, March 31, 2010

Pela igualdade no acesso aos cuidados de saúde

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Texto de Rosa Penim Redondo


Agora que a propósito do PEC se tem falado das deduções com a saúde em sede de IRS , deixando no ar a ideia de que os mais beneficiados pelo Orçamento são os que têm seguros de saúde;
agora que a propósito das reformas dos médicos e greves dos enfermeiros se volta a falar do sorvedouro de dinheiros públicos que é o SNS;
é altura para tentar perceber melhor qual é a real situação dos portugueses quanto ao acesso aos cuidados de saúde.

Em Portugal temos três sistemas: Serviço Nacional de Saúde (SNS), seguros privados de saúde (SPS) e Assistência na Doença aos Servidores do Estado (ADSE).

O SNS abrange todos os portugueses e residentes; a ADSE abrange 1.346.356 pessoas (funcionários públicos, activos ou aposentados, com os respectivos agregados familiares); os SPS abrangiam em 2008 cerca de 1.850.000 pessoas.

Para se perceber melhor o que significa estar abrangido por um ou por outro destes sistemas, em termos de acesso aos cuidados de saúde, de peso no orçamento familiar e de peso no Orçamento de Estado, é necessário conhecer melhor o modo como cada sistema funciona. Até porque, sendo aquilo que se declara no IRS o remanescente do que foi abatido ou comparticipado no sistema de saúde, o facto de uma família apresentar mais despesas do que outra não significa necessariamente que usou mais os cuidados de saúde; pode significar apenas que foi menos “subsidiada”. A que declara menos pode ser afinal a que mais pesa no OE.

Vejamos então o quadro “Comparação do SNS, Seguros Privados de Saúde e ADSE

Desse quadro que acabámos de ver podemos desde já tirar duas conclusões:

1. O acesso dos portugueses aos cuidados de saúde é muito desigual.
As grandes deficiências do SNS só são colmatadas para 2 grupos de cidadãos: os que beneficiam da ADSE e os que têm um seguro privado.
E destes dois são os segundos que estão em pior situação porque, apesar de gastarem muito mais dinheiro para obter cuidados do mesmo tipo, são mais penalizados pelos limites fiscais e não têm as mesmas garantias.
No quadro "Comparação do SNS, Seguros Privados de Saúde e ADSE"  mostra-se um exemplo de seguro de saúde cujo prémio anual é de 1.850 Euros. Basta fazer contas para concluir que um beneficiário da ADSE teria de ganhar mais de 8.800 euros por mês para que a sua contribuição anual para a ADSE alcançasse tal valor.

2. A ADSE é o melhor seguro de saúde que existe; dá acesso a todos os cuidados, aos mesmos prestadores dos seguros privados, mas sem nenhuma das limitações destes; abrange o titular e seu agregado, no activo e na reforma, e por um “prémio” proporcional ao vencimento de cada um!

A discussão à volta da saúde tem sempre sido muito distorcida pelos preconceitos políticos de esquerda e de direita: uns defendem acerrimamente o SNS, outros elogiam os seguros privados. Ora bem, meus senhores, então e a ADSE? A “quadratura do circulo” tem estado aqui, debaixo dos nossos olhos!

A solução é exigir que todos os cidadãos possam entrar para a ADSE.
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Recordações do Red Light District

A primeira vez que visitei Amesterdão, ao passear pelo Red Light District (na vizinhança do qual morei uns meses) ocorreu-me que, ali no meio, "só faltava uma igreja" para o contraste ser total. Mais uns metros... e dei com ela. A Oude Kerk. Ao mesmo tempo em que os sinos tocavam, moças seminuas exibiam-se nas montras. Aquela cidade era única (e não era por isso que eu gostava dela).
Não era eu o único a espantar-me com aquele contraste, como testemunha esta interessante reportagem da Sofia Lorena no Público.


Mariska Majoor


Forte e poderosa, no Red Light District

Trabalhou durante quase seis anos como prostituta e já deixou de o fazer há 20, mas há 16 voltou a ter uma montra no Red Light District de Amesterdão. Para mudar as cabeças dos outros e assim ajudar as prostitutas a andarem de cabeça erguida. Por Sofia Lorena (texto) e Miguel Manso (fotos), em Amesterdão


Foi quando deixou de ser prostituta que Mariska Majoor conseguiu a melhor montra do Red Light District (RLD). No quarteirão da imponente Oude Kerk, a Igreja Velha, sinos a replicarem a cada meia hora. De um lado da montra de Mariska está uma loja de bebidas, produtos de higiene e afins; do outro há um espectáculo Non Stop Hard Porno, com sons que chegam à rua e se misturam com os sinos. Rua abaixo, mais montras, das que têm prostitutas do lado de lá, dia e noite, e das que a câmara de Amesterdão tem vindo a entregar a designers e onde se expõem peças de joalharia.

Era mesmo aqui que Mariska queria estar, no coração do RLD. Já não para se prostituir, mas para falar sobre o que é isto da prostituição ser legal, como é trabalhar atrás de uma montra. "Fundei este centro há 16 anos, antes trabalhava como prostituta. Trabalhei nas montras durante cinco anos, quase seis. Quando decidi parar, quis manter-me em contacto com o assunto. Interessa-me. A maioria das pessoas que anda por aqui não percebe nada disto", conta no interior do Centro de Informação sobre a Prostituição, que é uma montra com uma cadeira e uma loja e é também o seu escritório.

É sábado à tarde e Mariska Majoor acabou há pouco a visita que organiza uma vez por semana. Pelas quatro horas, o centro estava composto: vários turistas, quase todos de meia- idade, uns um pouco mais velhos. Não há guia de Amesterdão que não anuncie o centro de Mariska e não o sugira como uma boa introdução ao RLD e à cidade onde a prostituição é legal e as prostitutas estão à vista de todos.

"As pessoas vêem uma igreja e depois vêem as montras e entram em choque total", descreve. Mariska, que já foi prostituta atrás de uma montra alugada, sabe-o bem. Depois de deixar de ser uma trabalhadora do sexo concluiu que a melhor maneira de continuar ligada à prostituição era dedicando-se a explicar aos outros como é estar do outro lado. Aos 41 anos, continua a querer fazê-lo.

"Para mim tem tudo a ver com liberdade de escolha. É uma forma de ganhar dinheiro e não tem nada a ver com bem ou com mal. Onde a prostituição é ilegal há muito mais violência contra quem trabalha nesta área." Isso chega-lhe e Mariska garante não ser "demasiado romântica" e diz que é também por saber que há chulos, há tráfico e mulheres trazidas de países pobres para Amesterdão que faz o que faz.

Ainda antes do centro vieram as revistas, para ajudar prostitutas e clientes a conhecerem melhor direitos e deveres, opções, a conhecerem-se uns aos outros. A Red Lantern é para prostitutas; a Pleasure Guide para clientes.

Na Red Lantern escreve-se muito sobre impostos e há anúncios de todas as organizações que trabalham para ajudar quem trabalha na prostituição, mesmo daquelas (e são muitas) com as quais Mariska tem divergências importantes. Mas também há textos sobre os riscos da profissão e histórias com finais pouco felizes: "Quando uma mulher decide trabalhar como prostituta, costuma ser uma decisão impulsiva, pouco ponderada. É preciso que alguém nos prepare para o que aí vem." Há ainda histórias sobre prostituição noutras partes do mundo, em países africanos, por exemplo. "É muito importante saber como vivem as colegas." E "pequenas entrevistas com trabalhadoras do sexo, que contam como lidam com os clientes".

Na Pleasure Guide há informações sobre preços e serviços oferecidos, sobre "onde ir e o que fazer", com muitas mensagens importantes sobre sexo seguro "embrulhadas em histórias agradáveis". Também há testemunhos: "Alguns homens gostam de saber como é que uma prostituta se vê."

Esclarecer, acima de tudo

Com as revistas veio o dinheiro dos anúncios (a revista para prostitutas é distribuída gratuitamente, a Pleasure Guide custa três euros). "Depois pedi algum dinheiro emprestado aos meus pais para começar." Assim nascia o centro, a cada ano que passa mais cheio, mas ali desde sempre, com montra e tudo: na loja vendem-se T-shirts, pins, cartazes, livros de fotografia que mostram como o Red Light foi crescendo década após década, revistas, o seu livro When Sex Becames Work, postais, batons.

A missão de Mariska é esclarecer e para isso associa-se a outras organizações e até aos políticos, dos quais "por princípio" discorda. "O ponto de partida das autoridades é que a prostituição é um problema e para mim é um tipo de trabalho. Querem controlar as regras de uma actividade que nem entendem." Mas Mariska colabora com quem quer que faça algo de positivo pelos trabalhadores, mesmo porque são as organizações das quais mais discorda que "têm o dinheiro" para investir, enquanto ela sabe "mais do que as pessoas desses grupos por ter sido prostituta e por estar aqui".

"Envolvo-me em tudo o que posso, faço actividades com estudantes de todo o mundo que querem saber com que tipo de problemas lidamos. Colaboro com organizações que fazem acções de treino de auto-defesa, com grupos que fazem prevenção de VIH. Também participei com o Governo na criação de um número de telefone anónimo para atender vítimas de tráfico. Dou-lhes páginas nas minhas revistas para anunciarem e explicarem os seus projectos. Por exemplo, se há uma sede de um grupo em Haia é bom anunciarem porque a minha revista é distribuída gratuitamente em todo o país", explica. "Mas o principal é sempre financiar o meu centro."

É a partir do centro que quer mudar a cabeça das pessoas. Hoje, talvez mais do que nunca, isso significa também combater as autoridades e os seus projectos para o RLD. Com o projecto Red Light Design, a câmara já fechou mais de 100 montras e entregou-as a artistas. A ideia é tornar o centro da cidade mais apetecível para quem se sente incomodado com as prostitutas, mais fashion e menos shady (sombrio), como o próprio município anuncia.

"Há uma parte do conselho municipal que quer mudar a imagem do Red Light, que sempre foi uma parte muito especial da cidade. O problema é essas pessoas verem a zona como o seu projecto. Têm esta ideia de encher a zona história com hotéis elegantes e a indústria do sexo está no caminho. Há restaurantes que querem expandir os negócios. O problema é que o querem fazer à custa das prostitutas. E eu odeio isso. Ao expulsar daqui as mulheres só as estão a empurrar para a clandestinidade, ao fecharem bordéis não estão a ajudar as verdadeiras vítimas do tráfico", defende.

Se é preciso combater as autoridades, combate-se. Mariska está cá para o que for preciso. Conta, com orgulho, como a câmara já foi obrigada a desistir de encerrar todas as montras em redor da Oude Kerk. As prostitutas argumentaram em tribunal que prestam um serviço social na zona e ganharam.

O que mais enfurece Mariska no actual discurso do município é que este sublinha cada preconceito que as pessoas têm sobre a prostituição. "É uma confirmação. Permite às pessoas dizerem: "Vêem, tínhamos razão. Isto é mau. Se eles dizem, é porque é verdade."" E este é que é o seu combate. "[Se] te olham de cima, vais ter mais dificuldades em acreditar que mereces respeito e em exigir os teus direitos."

Para além das visitas ao sábado, Mariska já organizou "dias abertos", em que leva grupos a passear por todo o RLD, montras incluídas, e a conversar com quem por ali vive e trabalha. Virão mais, o próximo já em Abril ou Maio. "Assim respondemos, devolvemos o murro."

Eu e a minha grande boca

Mariska é como a estátua que demorou anos a conseguir inaugurar no seu RLD: Belle, que tem a cabeça erguida, os dois pés assentes no chão e pede "respeito pelos trabalhadores do sexo de todo o mundo". Apesar dos guias de viagem falarem das "ex-prostitutas" que trabalham no seu centro, o centro é mesmo só ela. "Sou eu e a minha grande boca. Às vezes as pessoas pensam que isto é uma grande coisa, porque eu pertenço a várias organizações, tenho os livros e as brochuras e sou ex-prostituta."

Apesar de tudo, Mariska não pensa que os preconceitos sociais contra a prostituição tenham vindo sempre a piorar. "Depende, se lermos os livros de História, percebemos que já foi pior. A Igreja neste país não é tão forte como era há 100 anos e, se dependesse da Igreja, a prostituição seria sempre ilegal. Mas há mais violência contra as trabalhadoras do sexo do que há alguns anos", diz. Por isso é que ela acusa as autoridades de travarem as batalhas erradas. Se ela mandasse, declarava guerra total aos chulos: "A polícia é mole. Os senhorios sabem quem são e dizem que não sabem. Se eu tivesse forças, partia-lhes os joelhos, corria com eles à pancada."

Cá fora ainda é de dia e é quando há luz do sol que o RLD é mais irreal: prostitutas sentadas e não em pose, como estarão à noite, umas bebem sumos, outras enviam sms. Há montras vazias, só com as cadeiras. Alguns turistas param especados. Um tenta tirar uma fotografia e acaba a dizer palavrões e a atirar com uma lata a uma montra, depois de ter sido mandado embora. Quando fica escuro, acendem-se as luzes vermelhas e cor-de-rosa em redor das montras e as suas ocupantes exibem a melhor lingerie e mostram-se produzidas. O ambiente é estranhamente glamoroso. Há homens que se portam como se estivessem num circo, mas outros são discretos e tentam escolher ao longe, para só se aproximarem quando souberem o que querem, como se aconselha.

Mariska Majoor sabe que naquelas montras não há só mulheres informadas e senhoras do seu nariz. Mas acredita que a prostituição de montra, que existe noutras nove cidades holandesas, é aquela em que as mulheres podem ser mais independentes, como escreve no seu livro. "Paga-se renda pelo quarto e enquanto se trabalha ali aquela é a nossa loja. Somos empregadas de nós mesmas e podemos decidir os nossos preços e métodos de trabalho." Ao início, explica, pode ser assustador para qualquer mulher, mas com o tempo e a atitude certa é possível sentir-se "forte e poderosa".

Sinais dos tempos

À porta dos jornais



À porta dos estádios


À porta dos supermercados



À porta dos hospitais



À porta das igrejas

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Tuesday, March 30, 2010

Em terra de cegos

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A maneira como tem estado a ser tratada a questão da indemnização dos utentes do SNS que cegaram devido a um erro hospitalar é simplesmente repugnante.
Um aparelho de Estado dado ao despesismo, em que a ministra esbanjou recentemente muitos milhões de euros numa vacina contra um boato de  gripe, revela-se agora meticuloso e sovina quando se trata de compensar pessoas que viram as suas vidas destruídas.
Num país onde tantos gestores públicos, que devem os seus lugares às amizades e conivências, arrecadam em cada ano milhões de euros em prémios só por terem feito aquilo que lhes compete, vemos agora nomear uma comissão para calcular ao tostão as indemnizações dos que vivem, por responsabilidade alheia, o horror da cegueira.

Aterroriza-me de tal forma a hipótese de perder a visão que considero quase impossível "pagar" tal sacrifício. Por isso acho que são casos em que as vítimas dificilmente receberão demais.
Gostaria de ver o Estado exercer com elas a magnanimidade que costuma reservar às corporações profissionais chantagistas e aos empreiteiros de obras públicas que custam sempre muito mais do que o orçamento.
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O Big Bang recomeça a partir de hoje

Para acompanhar ao vivo do LHC: Ciência Viva TV ou diretamente do CERN.

Choque frontal em excesso de velocidade

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O grande acelerador de partículas do CERN - Laboratório Europeu de Física de Partículas vai voltar hoje a fazer colidir feixes de protões à velocidade da luz, esperando-se que a experiência multiplique enormemente o conhecimento científico.

O Big Bang inicial, hoje recriado no CERN, foi afinal um acidente de trânsito. Um choque frontal em excesso de velocidade.
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Monday, March 29, 2010

Notícias mais lidas na edição europeia do Wall Street Journal online, às 00:23

1.Benfica Helped by River Plate Reunion
2.Manure Raises a New Stink

Vibrações em JavaScript

Durante a pavorosa conflagração que decidiu conflagrar a meros centímetros do meu nariz, dei por mim a confrontar corajosamente a minha própria mortalidade. Demonstrando típica ausência de egomania, pensei não em mim, mas no povo: se eu fenecesse, o que seria de vocês? Será possível moderar comentários a partir do Além? Será possível recordar passwords terrenas? Se a minha essência espiritual emitir um post ilustrado através de vibrações cósmicas, algum funcionário do Blogger será capaz de o interceptar, ou isso só no Sapo? Diversos monoteísmos tentaram obliquamente responder a estas perguntas, mas há mistérios metafísicos que só a televisão é capaz de elucidar. Felizmente, alguém na TVI deve ter passado recentemente por uma provação semelhante à minha, e decidiu transmitir um programa sobre o assunto.
A televisão anda há anos a explorar tangencialmente o contacto dos vivos com os mortos, seja através de séries ficcionais (Six Feet Under, Ghost Whisperer) ou de programas de entretenimento apresentados por hologramas de cadáveres (Larry King, Eládio Clímaco), pelo que a ideia de ir directo ao assunto sem eufemismos é menos revolucionária do que à partida poderia parecer. A empreitada foi enriquecida com um exemplo perfeito de casting tecnológico: um amplificador natural, capaz de transportar as suas vastas tonelagens decibélicas até ao estuário do Estige e aos arenques do Aqueronte, a voz de Júlia Pinheiro é possivelmente o instrumento mais adequado para qualquer tentativa de intimidar falecidos a falar on the record.
Foi, portanto, uma moderada desilusão descobrir que Júlia Pinheiro estaria presente apenas como tradutora («He's curious. Are you concentreite?»), e que o diálogo com os mortos estaria a cargo de uma médium britânica chamada Anne Germain. A necessidade de uma tradutora para os vivos, aliada ao facto de os mortos em questão serem aparentemente monolingues, tornou inviável qualquer manobra para evitar a pergunta óbvia: o contacto vai ser efectuado em que língua? Júlia Pinheiro apressou-se a esclarecer que no Além a língua "não é importante", uma vez que se comunica através de uma linguagem universal, como o Esperanto ou o JavaScript.
Nos anos 20, quando o espiritualismo ainda conquistava pentacampeonatos, ilusionistas profissionais como Houdini tentavam pacientemente explicar que falar com mortos era uma actividade equivalente a transformar um lenço numa pomba ou serrar assistentes ao meio, enquanto vultos do racionalismo, como os editores da Scientific American ou Sir Arthur Conan Doyle, se desdobravam em manifestações públicas de credulidade, demonstrando que o método científico é um instrumento de aplicabilidade limitada.
Francisco Moita Flores foi chamado ao palco para cumprir a mesma função de Conan Doyle: empregar todas as suas faculdades de raciocínio dedutivo no acto de ficar tão boquiaberto que uma inflamação auto-induzida dos seios perinasais provoque uma sinusopatia intelectual capaz de cancelar as mesmas faculdades de raciocínio dedutivo. A interacção proporcionou poucas oportunidades para o espanto. As tacteantes adivinhações da médium destacavam-se pela sua flagrante trivialidade, provando apenas que o dialecto formal dos mortos sofreu algumas transformações desde que os primeiros canais de comunicação foram abertos. Onde antes se expressavam por meio de fluentes epigramas vitorianos, os mortos utilizam agora uma curiosa mistura de poesia simbolista e generalização centrípeta que se vai limitando gradualmente até tropeçar numa hipótese concreta para significar.
Velhos favoritos como “sinto uma vibração” ou “sinto uma presença feminina” continuam a aparecer, por vezes em arrojadas combinações como “sinto a vibração de uma presença feminina”. A presença feminina vibratória podia perfeitamente ser Júlia Pinheiro que, após vários minutos de circunspecta tradução efectuada num volume praticamente humano parecia tão tensa como uma raquete de Roger Federer, mas Moita Flores decidiu fornecer a sua própria boquiaberta narrativa. A médium também topou logo, com admirável argúcia, que estava perante uma pessoa “muito ciosa da sua privacidade”, característica supostamente herdada da presença feminina vibratória, que agora envolvia Moita Flores com “asas de anjo”. Este feroz sentido de privacidade foi serenamente confirmado por Moita Flores - num estúdio de televisão e perante uma plateia, enquanto comunicava em diferido com a sua falecida mãe.
A médium transferiu de seguida a sua atenção para os membros do público. Uma pessoa foi informada de que alguém muito jovem pretendia fazer-lhe um link: "tenho uma vibração de muitas luzes fortes". Provavelmente uma daquelas janelas pop-up com publicidade a slot machines. Seguiram-se algumas sugestões vagas sobre alguém que estivera numa ambulância, ou possivelmente num hospital, onde "fizera muitos exames", expressão que, como sabemos através das escutas a Sócrates e Armando Vara, é código para "adquirir furtivamente um canal televisivo onde se fala com os mortos". Se se vier a provar que a extensão da conspiração para controlar os media inclui este tipo de comunicações, Pinto Monteiro ainda pode mandar destruir o Céu. Outro membro do público foi confrontado com uma fotografia que está, pelos vistos, sempre a cair - apenas a forma de o respectivo falecido dizer que está em casa. (Freddie Flinstone, salvo erro, usava o mesmo método, ainda quando estava vivo). Um motivo recorrente, aliás, era o tipo de manobras que os espíritos usam para sinalizar a sua presença: tombar fotografias, roubar brincos, espalhar penas de almofada pelo chão. Comportamentos típicos de uma criança na faixa etária dos 2-4 anos; provavelmente há espíritos que andam pela casa a roubar danoninhos do frigorífico ou a ligar a televisão no canal JimJam.
Tudo isto, evidentemente, e um bocadinho ridículo, pelos mesmos motivos que qualquer manifestação pública de extremos emocionais (amor, mágoa) é um bocadinho ridícula para qualquer pessoa que não os partilhe naquele momento. Eu, por exemplo, cada vez tenho mais dificuldades em ler poemas. Mas não me parece um sinal sociológico alarmante, nem uma razão forte para palmirasilvar a coisa, tentando sepultar a confusão debaixo de um pedagógico dilúvio de links para páginas do Skeptical Enquirer sobre "leitura a frio" ou "validação subjectiva".
Ao contrário do que parece pensar Carlos Fiolhais, este tipo de programa não é "profundamente prejudicial para as pessoas mais frágeis". As "pessoas mais frágeis" presentes no estúdio, aliás, pareceram-me todas extremamente satisfeitas com os resultados, e a forma como cada indivíduo decide processar o seu luto deve ser avaliada pela eficácia. Frágeis ou não-frágeis, quase todos nos encontramos em situações onde uma calibração da nossa incredulidade pode ter consequências positivas; como adepto de um clube condenado a ser dirigido nas próximas épocas pelo Cardeal Richelieu, eu sei isto melhor que ninguém.
O grande acto sobrenatural da noite foi mesmo o tom de voz de Júlia Pinheiro, cuja curva entoacional sofreu misteriosas variações que a destituíram de 70% dos seus decibéis habituais: nada de guinchos bruscos ou gargalhadas simultaneamente exdrúxulas, graves e agudas, sinal inequívoco de que um espírito familiar andou pelo estúdio antes do programa a esconder-lhe as anfetaminas.

China investe no Brasil


O ano de 2010 deverá assistir a um salto no volume de investimentos da China no Brasil, com os maiores negócios da história das relações bilaterais. A maior quantidade de recursos estará concentrada nos setores de petróleo, mineração e siderurgia, que atendem a necessidades estratégicas do país asiático para manutenção do alto ritmo de crescimento econômico.
A visita ao Brasil do presidente Hu Jintao, em 15 e 16 de abril, será um marco nessa onda de investimentos. Durante a passagem do líder chinês pelo Brasil deverá ser assinado contrato entre a LLX, do empresário Eike Batista, e a estatal Wisco (Wuhan Iron and Steel Corporation) para a construção de uma siderúrgica no Porto do Açu. Se concretizado, o investimento será o maior já realizado pela China no setor de siderurgia em outro país, além de ser o maior investimento chinês já recebido pelo Brasil. A Wisco entrará com 70% dos US$ 4,7 bilhões necessários à concretização do projeto.
A Petrobras e a Sinopec discutem parceria que pode levar à exploração conjunta de petróleo no Brasil e trabalham para que o acordo seja anunciado durante a visita de Hu. A estatal chinesa já tem participação de 20% em dois poços da Petrobras no Pará. Além disso, a companhia brasileira negocia novo empréstimo de US$ 10 bilhões com o Banco de Desenvolvimento da China (BDC), que poderá ser anunciado na visita do líder chinês.
Com a perspectiva de manter forte crescimento no futuro próximo, os chineses estão preocupados com a segurança energética e tentam garantir fontes estáveis de fornecimento. O descobrimento do petróleo na camada do pré-sal no Brasil abriu novo capítulo na exploração do produto e criou uma fonte potencial de fornecimento à China. "O setor de petróleo levará ao surgimento de nova geração de projetos de investimentos chineses no Brasil", disse o embaixador do Brasil na China, Clodoaldo Hugueney. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

O mundo continua a transformar-se aceleradamente. Quem poderia prever, há meia dúzia de anos, que a China substituiria os Estados Unidos como mais importante parceiro comercial do Brasil ?
Também neste plano precisamos de acertar o relógio pela nova hora.

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Saturday, March 27, 2010

Um país destes com um povo destes



Hoje percorri uma parte do Norte de Portugal. De Vila do Conde a Guimarães onde visitei a Feira de Doces Conventuais no antigo convento das clarissas. Um portento de deliciosa criatividade em pleno centro histórico da "cidade berço", ela própria um doce arquitectónico de alto calibre.
Depois rumei ao Douro, via Penafiel, num país de belíssimas colinas e vinhedos, camélias e magnólias em flor. Por fim empanturrei-me de vitela assada numa vilória qualquer e prestei vassalagem ao fenomenal  e popular vinho verde tinto.   

Então perguntei-me: como é que um país destes, com um povo destes pode estar deprimido e descrente ? que praga de ineptos, que falsa elite tem governado este país ? que cegueira, que mesquinhez conseguiu pôr de joelhos um país com esta vitalidade e  este potencial ?
Não me venham dizer que este acesso de patriotismo e estas perguntas são consequência do vinho verde, que a graduação é baixa.


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Friday, March 26, 2010

Sexta com Louçã, sábado com Sócrates

Foi assim o meu fim de semana passado: na sexta na apresentação do livro de Louçã, aqui referido; no sábado, no "Fórum Novas Fronteiras", uma iniciativa de encontro do PS com independentes. Este Fórum valeu a pena sobretudo pelo diretor do INESC-Porto, o reitor da Universidade do Minho e alguns antigos alunos desta universidade onde trabalho, exemplos de iniciativas de sucesso (não gosto da palavra "empreendedorismo") ligadas às novas tecnologias, algo em que Braga e o Minho têm dado o exemplo.
A maior parte da audiência, porém, estava ali para o "comício" do Primeiro Ministro. Não eram independentes, mas militantes partidários. Recordo duas senhoras de idade, com ar de camponesas de uma das muitas aldeias à volta de Braga, que me viram com o programa. Pediram-me para vê-lo, perguntaram-me quem estava a falar (era um dos independentes) e fizeram as contas para quantos faltavam até "ele" falar.
Antes "dele", falou Jaime Gama. Falou do PEC. Ouviu-se um sururu. Ainda pensei: querem ver que vão haver protestos contra os cortes dos benefícios sociais e contra as privatizações (tal como já o fizeram destacados socialistas)? Não: era uma discussão sobre os lugares sentados. Os militantes queriam estar bem instalados para quando "ele" falasse.

Thursday, March 25, 2010

PEC gestual

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Hoje, já farto de ouvir os discursos partidários sobre o PEC, desliguei o som da televisão e comecei a ouvir música. De repente apercebi-me da enorme expressividade da senhora que, no quadrado inferior direito, traduzia os discursos em linguagem gestual.
Abriu-se-me um novo mundo de significados para o gesticular mudo dos deputados.
Achei que os lugares comuns do costume ganhavam ressonâncias inesperadas e fiquei fascinado durante muito tempo a ver aqueles dedos que tão depressa se uniam como que a dizer cambalacho, se agitavam como quem sacode o capote ou se contorciam como quem diz o contrário daquilo que pensa. Um tratado de retórica política.
Assim se prova que a Assembleia da República para ser clara como a água não precisa dos dedos de Manuel Pinho.
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Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Neste caso, foram os comboios, o que eu acho pior (é um transporte público):

Pediram que "evitasse morrer" junto às casas.

Entretanto, anteontem foi dia de greve da CP. O pobre septuagenário provavelmente desejaria ter morrido logo na terça feira, mas por causa dos malvados grevistas teve de adiar tudo um dia. Na próxima greve da CP, para além dos transportes alternativos, será de exigir também um serviço mínimo de suicídios?

Também publicado no Esquerda Republicana

Wednesday, March 24, 2010

Os orçamentos dos ilusionistas


Os orçamentos de 2008 e 2009, por exemplo, são omissos quer em relação ao défice externo, quer no que diz respeito ao endividamento externo medido pela Posição de Investimento Internacional. Mas o Orçamento de 2010 já refere seis vezes o primeiro conceito e oito vezes o segundo.
Jornal de Negócios 24.03.2010

Até parece que o problema só começou agora, o que não é verdade. Como é que os cidadãos podem confiar nos seus governantes, e no sistema democrático, quando são alvo de tais ilusionismos ?

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Radicalismos súbitos

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O governo da China bloqueou ontem o acesso ao site do Google que funciona a partir de servidores de Hong Kong. Com isso, usuários chineses não conseguem ver o conteúdo não censurado do site alternativo, segundo a edição online do The New York Times.
A medida da Google de redirecionar as buscas foi uma tentativa de driblar a censura imposta às ferramentas Google Search, Google News e Google Images. A estratégia, é claro, não agradou à China, que, por meio de um porta-voz do Escritório de Informação do Conselho de Estado, acusou a empresa de quebrar uma promessa feita por escrito, quando o site começou a funcionar no país, em 2006.
O governo chinês, aliás, agiu rápido para evitar que os conteúdos censurados no Google pudessem ser acessados com a transferência de dados para Hong Kong. A busca por palavras ou expressões que remetessem para assuntos proibidos no país, como “Tibet”, nomes de alguns movimentos religiosos e a famosa manifestação pela democracia na Praça Tian-an-men, em 1989, não era completada e mensagens de erros ou problemas na conexão apareciam no programa de navegação na internet.

Causa-me alguma perplexidades este radicalismo súbito da Google, depois de vários anos de contemporizações. Parece um ataque de purismo fora de tempo e permite interpretações que atribuem a sua decisão à incapacidade para aceitar a posição minoritária (30%) do seu motor de busca na China.

A decisão de afrontar um poder como aquele que representa o governo da China, se por um lado exige coragem por outro devia apoiar-se na razoabilidade. Para os chineses e para a abertura democrática da China seria talvez mais apropriado que a Google evitasse este conflito.

É realmente muito má a supressão de certas informações nas buscas mas o mundo não se esgota no Tibete nem na praça Tian-an-men. Há milhões de outras palavras para além dessas que os chineses precisam de continuar a pesquisar para conhecer o mundo.

 

Tuesday, March 23, 2010

Recordações de Long Island

No Esquerda Republicana, inquiri o Ricardo Alves sobre se teria cabimento supor-se que algum condutor poderia alguma vez seguir de Alcântara a Benfica sem notar que a polícia o estava a mandar parar. Lembrei-me de uma história que era muito contada na universidade onde estudei, em Long Island, no estado de Nova Iorque, e concluí que essa possibilidade, embora muito remota, até pode ter algum cabimento.
A história resume-se da seguinte forma: um aluno tinha defendido a sua tese nesse dia, e decidiu ir a Nova Iorque com os amigos celebrar. O grupo foi de carro (uns 80 km), com o novo graduado ao volante. Saíram da universidade e não pararam num sinal de stop. A polícia viu e mandou-os parar. Só que o estudante não viu o carro da polícia (deveria ir a conversar com os amigos) e seguiu. Seguiu dentro da universidade, seguiu na estrada de acesso à autoestrada, seguiu na autoestrada. Sempre com um carro da polícia atrás, a mandá-lo parar. Tanto seguiu, tanto seguiu, até um certo ponto, em que tinha a autoestrada cortada com carros–patrulha à espera do carro fugitivo.
O que há a aprender deste episódio? Que fique bem claro: não defendo os modos de atuar da polícia americana, nem pretendo que ela seja exemplo para a portuguesa. Mas há sobretudo que comparar. Onde é que a polícia portuguesa alguma vez tinha meios para cortar uma autoestrada para intercetar um fugitivo? As notícias ontem falavam numa perseguição na Austrália que envolveu cem policiais. Não morreu ninguém nem consta que tenha havido tiros. Seria possível em Portugal mobilizar cem policiais para uma perseguição?
Desde essa altura que tenho a ideia que a polícia portuguesa tem muito poucos recursos, muito má preparação, e faz o que pode com eles. É uma profissão mal paga e muito pouco dignificada. Os polícias, que não podem ser sindicalizados, têm de andar sempre impecavelmente apresentados, e no entanto são eles que têm que comprar e tratar as suas fardas. Têm acesso a armas, mas têm de justificar toda e cada bala que disparam (e ainda bem!). Arriscam a sua vida. São sempre identificados. Quando erram, são responsabilizados. Têm muitas vezes opiniões xenófobas, que transparecem de certas declarações que eles não devem nem têm de proferir, mas não têm grande formação (nem sequer para o seu próprio ofício).
Situações como a que ocorreu esta semana são lamentáveis e não podem ficar sem resposta; devem ser apuradas responsabilidades e punir quem tiver de ser punido. O ministro da Administração Interna deveria exigir um inquérito. Agora, antes de desatarmos a tratar o corpo da polícia como um bando de criminosos (que eles não são), deveríamos refletir sobre o que lhes podemos exigir com os recursos, os meios e a preparação que eles têm ao seu dispor.
O resto da história do estudante, não sendo muito feliz, também não chega a ser trágica: o estudante ficou um ou vários dias na prisão, não sei precisar (sei que era europeu, e graças a esta história perdeu o avião de regresso ao seu país…). Por originalmente não ter parado num stop. Podemos achar exagerado, mas pelo menos cumprem-se as leis, que são iguais para todos. Mas o que eu quero frisar é que o estudante fugitivo foi apanhado e não morreu. Nem levou nenhum tiro.

Também publicado no Esquerda Republicana

Boas notícias sobre as cidades



O Fórum Urbano Mundial foi estabelecido pelas Nações Unidas para analisar um dos problemas mais urgentes que o mundo enfrenta hoje: a rápida urbanização e seu impacto nas comunidades, cidades, economias, mudanças climáticas e políticas.

O tema do FUM5 é “O Direito à Cidade: Unindo o Urbano Dividido” e decorre entre 22 e 26 de Março de 2010, nos armazéns da zona portuária do Rio de Janeiro.
Na abertura que ocorreu ontem o UN-HABITAT, United Nations Human Settlements Programme, divulgou um relatório com dados interessantes sobre as cidades que os brasileiros, como anfitriões, têm estado a comentar intensamente.

Em todo o mundo, o relatório estima que 227 milhões de pessoas deixaram de viver em assentamentos precários entre 2001 e 2010.
A redução na proporção de moradores de assentamentos precários no Brasil é atribuída a políticas que "aumentaram a renda dos pobres urbanos", à redução do crescimento populacional e a programas de urbanização, entre outros.

Segundo o relatório, a desigualdade nas cidades brasileiras é "muito alta", no mesmo patamar de centros urbanos de países como Colômbia, Argentina, Etiópia e Zimbábue.
Pequim surge no Relatório como a cidade com menor desigualdade segundo o coeficiente de Gini.




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Desigualdade nas Cidades
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Cidade..........Coeficiente de Gini


Pequim
..........0,22
Hanói ..........0,39
Amã ..........0,39
Caracas ..........0,39
Washington ..........0,537
Brasília ..........0,6
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Monday, March 22, 2010

"... And not least that of Voloshinov" (foto-reportagem doméstica)

Às 18 horas de hoje ("ontem", em terminologia humana), as minhas reflexões críticas sobre a futilidade inerente aos estratagemas da ficção pós-moderna para forjar autenticidade foram brutalmente interrompidas pelo som de pessoas a gritar fogo à janela. Mais um incidente provocado pelo incompreensível planeamento urbanístico português, que continua a construir edifícios em sítios onde um dia mais tarde há incêndios.



A resposta dos bombeiros foi rápida. Em menos de meia-hora, o Regimento de Sapadores, liderado por Ferris Bueller (foto abaixo) acolheu ao local, tendo negociado com sucesso sete viaturas mal estacionadas à porta da Pastelaria Alfacinha, um jogo de futebol à porta da mercearia, dezoito transeuntes libertários manifestando uma natural desconfiança sobre o papel do Estado, e dois pilares da EMEL.



O edifício em chamas, saliento, continuava em chamas, alguns metros à frente do espaço onde eu pondero a validade da solução meta-ficcional para os dilemas miméticos (sendo que a representação do real é sempre um acto de prestidigitação necessariamente parcial, modulado por uma entidade subjectiva - o eu - que não se pode representar a si própria sem que o processo colapse como um prédio devoluto) uma solução que implica simultaneamente representar e realçar os limites dessa representação.



Uma escada Magirus foi prontamente colocada à frente do restaurante Mesa de Frades, e erguida para a abóbada celeste, que permanecia altiva e azul-cinza, como Jesus.



É uma instituição muito especial, com créditos inigualáveis no scouting psicométrico, aquela que consegue substituir um sociopata moderado como Ricardo Sá Pinto por alguém que todas as evidências apontam ser uma mistura moderna de Robespierre e da professora da Helen Keller. Caso Costinha fosse director-desportivo em 1994, Cherbakov teria sido arrastado para o treino assim que os paramédicos conseguissem extrair a alavanca das mudanças do seu pâncreas, e teria jogado o 3-6 sob analgésicos, para bem da coesão do grupo. Quem sabe o rumo que a História teria seguido?



Entretanto o fogo continuava activo. Alguns residentes, alheios à coesão do grupo, exigiam cobardemente ser evacuados. As autoridades agiram de pronto, instalando um poderoso cordão moral para lhes bloquear a saída.



Um misterioso homem de capa fala com o pai do George.



Pouco depois das 19 horas, os bombeiros conseguiram finalmente controlar as chamas, com o auxílio de água e complexos tubos de borracha muito compridos, impedindo o alastramento aos edifícios contíguos.



«Anderson rightly upbraids linguistic or discursive imperialism, but he his himself too uncritical of Saussure, appearing to endorse his view of parole as some form of free individual contingency. On the contrary, discourse theory (and not least that of Voloshinov, in his Marxism and the Philosophy of Language) has revealed the rigorously constrained social determinations of all speech, the subject of which is never, as Anderson asserts, 'axiomatically individual' but always, as Bakhtin has shown, a dialogic subject.»



O fogo, nesta altura, desistiu, alegando não sentir a confiança e o oxigénio necessários para continuar a dar o seu contributo. Outros incêndios, em circunstâncias semelhantes, sacrificaram-se em nome da coesão do grupo, sabendo que o "nós" está acima do "eu".



O flagelo do trânsito citadino, e também um livro de Cynthia Ozick, que inclui os contos « Levitation» e «Usurpation (Other People's Stories)», sobre os quais eu tento reflectir um bocadinho, sempre que não há incêndios.



Uma profecia: num prazo máximo de seis meses, Costinha vai entrar em campo sozinho e o árbitro vai marcar um penalty a favor do Sporting, prontamente convertido pelo próprio. Vai tudo piar mais fino.

Disciplina segundo Costinha

Um artigo de Luís Avelãs no Record que resume o essencial do que há a dizer sobre (mais) este caso do meu triste Sporting.
Estava fácil de perceber, desde o súbito desaparecimento do russo da convocatória para o embate com o Atlético Madrid, que a novela em torno de Izmailov iria ser longa e complexa. E o curioso é que quanto mais surgem afirmações das personagens envolvidas, mais complicado fica perceber o que aconteceu, o que se passa de momento ou até o que irá suceder nas próximas horas.

Que há muita mentira pelo meio, creio que já todos entenderam. Basta atentar nas palavras de Costinha, do médico Gomes Pereira e do empresário Paulo Barbosa para ter a certeza que tudo isto segue repleto de episódios que, pura e simplesmente, não encaixam uns nos outros.

Deixemos de lado as suposições, tudo o que suscita (pela falta de confirmação) interpretações dúbias e concentremo-nos no óbvio: Costinha pode ter toda a razão para estar zangado com Izmailov mas, objectivamente, entrou "a pé juntos" numa situação em que, os interesses do clube, pediam uma intervenção mais sensata.

Na ânsia de mostrar serviço e de impor uma gestão diferente, mais profissional, Costinha apenas conseguiu amplificar um problema que, independentemente de ser grave, exigia tratamento com pinças. Ver alguém que prometeu um balneário blindando ir a correr para a sala de imprensa, após o adeus à Liga Europa, oferecer "a cabeça" do russo é, por si só, um erro tremendo.

Izmailov pode não ter estado bem neste "filme", mas é justo dizer que tem um passado no clube que, no mínimo, merecia outro tratamento. Não me recordo de ver outro futebolista dizer que abdicava do ordenado enquanto estivesse a recuperar de lesão. Por outra lado, ainda recentemente abdicou de um salário mais alto na sua terra para continuar de leão ao peito.
A juntar a isto, convém ter presente que é dos melhores jogadores do plantel, bem como um dos activos mais significativos da SAD. Equacionar medidas radicais contra ele é, em traços gerais, desfalcar a equipa e rasgar dinheiro. Num grupo sem muitas soluções de qualidade e num emblema que não respira grande saúde financeira... tal devia ser proibido.

Costinha, depois de um súbito ataque de sportinguismo, teve outro, agora apelando à sua costela de disciplinador. Visto de fora foi uma reacção completamente exagerada, embora - reafirmo esta ideia - possa assistir-lhe muita razão. Por outras palavras, creio ter ficado claro que, a exemplo do que sucedeu com Sá Pinto, também Costinha deixou claro que, de momento, ainda não é a pessoa certa no posto adequado.

Saliento ainda como curiosidade o facto de Costinha ter colocado em causa o profissionalismo de um russo quando, ele próprio, saiu da Rússia (Dínamo de Moscovo) com o rótulo de pouco profissional. Aliás, na parte final da sua carreira de futebolista, o ex-internacional viveu vários momentos cinzentos. O súbito afastamento da Selecção (onde chegou a ser um dos "meninos bonitos" de Scolari) foi outro.

Três convicções muito pessoais a fechar:

- não acredito que este caso tivesse chegado tão longe caso o nome do empresário de Izmailov não fosse Paulo Barbosa;
- não acredito que este caso tivesse chegado tão longe caso o Sporting não necessitasse de vender jogadores e se não existissem propostas da Rússia para levar o futebolista;
- não acredito que este caso tivesse chegado tão longe se o presidente do Sporting agisse, de vez a vez, como tal.

Sócrates refugia-se no Magreb

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Era o amigo Vara. Vê lá tu que no país deles ainda fazem inquéritos parlamentares só por causa de uma face oculta.

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Sunday, March 21, 2010

Para estragar o seu Domingo

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A evidência histórica confirma que há uma correlação muito forte entre crises bancárias e bancarrotas de países afectados, quer no caso de países ricos como emergentes. As crises bancárias em geral precedem as crises de dívida soberana — aliás, ajudam a predizê-las, afirma o professor de Economia Kenneth Rogoff, da Universidade de Harvard, que tem trabalhado com Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, na história económica e financeira dos últimos 200 anos.
...
O problema estrutural reside no peso da dívida externa total (pública e privada) que atingiu rácios superiores a 100% em relação à riqueza criada anualmente (produto interno bruto, PIB) em diversos países ricos, com destaque para os europeus. Há os casos extremos da Irlanda e da Islândia, nos 1000% do PIB, seguidos do Reino Unido (413%), Holanda (310%), Bélgica (293%) e Suíça (273%). Portugal (230%) encontra-se em 8º lugar, neste clube de risco dos 20 países desenvolvidos com maior dívida externa total em relação ao PIB.
A “bomba ao retardador”, de que a revista “Time” falava há 25 anos, “deslocou-se” geograficamente dos países em desenvolvimento para os ricos. Nos anos 1980, quatro países da América Latina — Argentina, Brasil, México e Venezuela — concentravam metade da dívida externa mundial. Hoje esse lugar é ocupado por três países ricos: Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha. Os EUA passaram, desde 1985, a ser o principal tomador de empréstimos internacionais e apenas sete países da União Europeia — Reino Unido, Alemanha, França, Holanda, Espanha, Irlanda e Bélgica — detêm hoje mais de 50% da dívida total mundial. Os quatro países latino-americanos referidos representam, agora, apenas, 1% da dívida mundial.
O caso grego (apesar de ter uma dívida total em percentagem do PIB inferior aos 13 primeiros) despoletou-se, subitamente, em virtude da perda de confiança nas estatísticas oficiais que haviam ‘maquilhado’ a dívida externa (que ‘baixou’ 72% entre 2007 e 2008!) bem como o défice público durante o governo anterior. Perda de confiança que foi aproveitada pelos especuladores para um ataque à zona euro. Mas qualquer fagulha, inesperada, sublinha Rogoff, poderá incendiar este panorama estrutural no seio dos ricos. Com uma agravante: em caso de recaída na recessão mundial, a margem de manobra para políticas anticrise nestes países desenvolvidos será muito “mais curta” do que em 2007-2009, diz o economista francês Philippe Trainar.
Extracto do artigo "O risco de bancarrota nos países ricos",  Expresso Economia 20.03.2010 
 
Caminhamos, de surpresa em surpresa, com a leve sensação de pisar a tampa de um vulcão. Medina Carreira afinal é um optimista.
Lamento ter-lhe estragado o Domingo mas também eu, imprudentemente, li isto logo ao pequeno almoço.
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Saturday, March 20, 2010

Campanha ambiciosa

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O candidato à liderança do PSD Pedro Passos Coelho apresentou hoje a moção global de estratégia, cujas «preocupações essenciais estão voltadas para o país», considerando que Portugal tem pela frente «uma tarefa fazível, mas gigantesca».
TSF, 20.03.2010
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Friday, March 19, 2010

Economia(s)

Lançamento do livro de Francisco Louçã e José Castro Caldas agora às 18 horas, na Livraria Centésima Página, em Braga. Até já.

Thursday, March 18, 2010

Mesmo sem o Granadeiro


A China Mobile, maior operadora móvel do mundo em número de clientes (522 milhões de subscritores), registou um resultado líquido anual de 115,2 mil milhões de yuans (cerca de 12,24 mil milhões de euros) em 2009, reportam a agências internacionais com base em números publicados esta quinta-feira.
A companhia aumentou o lucro 2,3% face ao balanço do ano anterior, mas as margens cresceram 25%. O resultado bruto de exploração (ebitda) cresceu 5,9%, para os 229 mil milhões de yuan renminbi, enquanto as receitas progrediram quase 10%, somando 452,1 mil milhões.
Os números do último trimestre do exercício apontam crescimento de 3% nos lucros, cujo montante ascendeu a 31,3 mil milhões. Durante o exercício, a empresa obteve um crescimento líquido de 65 milhões de novos subscritores.
Dinheiro Digital, 18.03.2010

Esta empresa, que tem oito vezes mais clientes que a PT, que cresceu no ano passado o equivalente a uma PT, deve dar uns prémios fabulosos aos administradores.
É coisa para albergar um regimento de Ruis Pedro Soares.
Ao menos lá o Primeiro Ministro nunca dirá que não sabia de nada.

Tudo o que o Sporting não precisa



O balneário do Sporting não precisa de nenhum "team manager" (seja isso o que for, mas muito menos se for da Juventude Leonina). Não importa agora se o senhor em questão esteve ligado a uma administração dos CTT (com Carlos Horta e Costa, nomeada pelo governo PSD-CDS) investigada por suspeita de ilícitos na alienação de imóveis. Importa, sim, que o senhor foi um dos fundadores da Juve Leo. E, uma vez Juve Leo, sempre Juve Leo, como comprovam estas significativas declarações, cujas consequências não se fazem esperar. Independentemente de quem desencadeou os conflitos entre os adeptos do Sporting e do Atlético, declarações incendiárias como estas são de esperar num dirigente da Juventude Leonina, mas inadmissíveis num dirigente do Sporting. Também independentemente do resultado de hoje - e espero que o Sporting ganhe, e este ambiente não afete a equipa -, Miguel Salema Garção não pode continuar a desempenhar funções no Sporting. No final da época, deveria seguir com ele quem o contratou e protegeu. Não adiantam os grupos de apoio no Facebook criados pelo sobrinho desta desgraça de presidente (os poucos apoiantes chamam-se todos "Granger" ou "Bettencourt"): o Sporting não pode ficar reduzido a isto.

Equação ruinosa

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Governo pondera excepção na aplicação da regra "2 por 1" para as áreas da educação, saúde e forças de segurança, que empregam 347 mil pessoas. Cortes serão noutras áreas.
Jornal I, 19.03.2010

Com a regra "saiem dois e entra um" não há nenhum "corte". O que acontece é um aumento da despesa do Estado.
Em vez de dois o Estado passa a pagar três funcionários; as pensões dos dois que se aposentaram mais o salário daquele que foi admitido para os substituir.
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Wednesday, March 17, 2010

O "Prós & Prós" tornou-se "Contras & Contras"

Fala-se muito na "governamentalização" da RTP, mas alguém já reparou no perfil cada vez mais conservador dos painéis de convidados do "Prós & Contras"? Esta semana estava lá António Pires de Lima, o tal que quer fazer do CDS um "partido mais sexy". E Miguel Morgado, que fazia Pires de Lima parecer um esquerdista.

A ratoeira

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As empresas também vão poder beneficiar da amnistia fiscal que será concedida a quem resolva declarar o dinheiro que está aplicado no exterior, avança o Jornal e  Negócios indicando que o Estado se prepara para perdoar empresas que fugiram ao fisco através de off-shores.
A novidade, que tentará repatriar capitais saídos do País, foi introduzida pelos socialistas na recta final da discussão do Orçamento do Estado (OE), com o apoio dos partidos da direita e, apesar de ter passado despercebida, terá grande impacto.
Isto vai permitir que as sociedades que, por exemplo, estejam envolvidas em esquemas "offshore", como os detectados na Operação Furacão, limpem a sua ficha tributária e criminal durante este ano mediante o pagamento de uma taxa de 5%, adianta o jornal.
Dinheiro Digital, 17.03.2010

Parece uma excelente ratoeira. Usa-se o dinheiro das falcatruas como isco e apanha-se mais algum dinheiro dos cidadãos incautos para substituir os impostos que os vigaristas não pagaram.
É a mensagem errada no momento errado.
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Tuesday, March 16, 2010

Vasco Pulido Valente, a corrupção e a falta de exemplo

Nem sempre concordo com Vasco Pulido Valente, mas acho que a sua crónica no Público da passada sexta feira vale a pena ser lida. Explica muito da tradicional falta de autoconfiança e autoestima dos portugueses.

"Um estudo de Luís de Sousa, sociólogo do ICS, mostra que 63% dos portugueses toleram (ou, mais precisamente, aprovam) a corrupção, desde que ela produza "efeitos benéficos" para a generalidade da população. Isto não é um sentimento transitório, provocado por trapalhadas recentes; é uma cultura. A cultura dessa grande guerra que desde que nasceu qualquer de nós tem com o Estado opressor e remoto e com Governos que nunca respondem pelo que fazem ou deixam de fazer. O português médio execra a autoridade, seja sob que forma for, e vive no seu país como se vivesse sob ocupação estrangeira. O servilismo e a falta de carácter, que tanta gente pelos tempos fora lamentou, escondem a vontade de salvar a pele e a aspiração, muito natural, de enganar quem manda.
Não há regras para ninguém, porque ninguém cumpre as que por acaso há. Quem pode levar a sério uma escola em que o próprio ministério fabrica os resultados, proíbe legalmente a reprovação e aceita a violência ? Quem pode levar a sério um regime que se diz democrático e selecciona o funcionalismo pela fidelidade partidária ? Quem pode considerar um ponto de honra pagar impostos, quando a fraude e a injustiça fiscal são socialmente sinais de privilégio e de esperteza ? Quem vai pedir um recibo ao canalizador ou ao electricista ou a factura no restaurante, quando sabe o que paga e o que o Estado gasta sem utilidade e sem sentido ? E quem vai obedecer às determinações da câmara do seu sítio, quando a camara é uma agência de negócios de favor e uma bolsa de favores sem explicação e sem desculpa ?
Não admira que o "povo dos pequenos" conspire constantemente contra a lei e até contra a decência. Que falte ao trabalho ao menor pretexto; que trabalhe mal, se trabalhar bem lhe custa; que peça aqui ou empurre ali, para se beneficiar ou aliviar; que torne as ruas uma lixeira pública; que guie, na cidade ou na estrada, como se estivesse sozinho; que minta a torto e a direito sobre o que lhe apetece e lhe convém; que não passe, enfim, de um miserável cidadão, indiferente à política e ao país. Não lhe ensinaram outra coisa. Os chefes são como ele. O Estado é como ele. Como exigir que ele se porte como Portugal inteiro não se porta ? Claro que ele aprova a corrupção e consegue ver nela virtudes redentoras. Não é agora altura de mudar de costumes."

Lei da Rolha

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Monday, March 15, 2010

Querem mesmo discutir peanuts?


Entre a liderança do PSD e os jogos parlamentares do governo, em Portugal, há algum esquecimento da ameaça que impende sobre a economia mundial. O PIB chinês cresceu acima de 8% em 2009, o crédito concedido voltou a superar o imaginável no mês passado, e três dos maiores bancos mundiais já são da China. A dimensão do pacote anticrise e uma política de juros baixos explicam o dito "milagre de 2009". No Ocidente era uma esperança: o gigante asiático seria motor da retoma global. Contudo, longe de validar esse keynesianismo, a China pode antes ser a vitória da teoria dos ciclos monetários de Hayek.
O crescimento que, ao longo de 30 anos, assentou nas exportações contrasta hoje com o estado dos seus mercados principais. Com menor escoamento, a liquidez injectada não encontra actividades rentáveis na economia real. O resultado é a inflação em múltiplos activos, particularmente no imobiliário. O filme já foi visto. As bolhas podem seguir o guião dos EUA. Com a diferença que uma crise de liquidez no país com a maior reserva de divisas do mundo, e detentor de uma fracção enorme da dívida americana, resultará na venda maciça dessas reservas. O colapso do dólar, o fim do financiamento ao Sudeste asiático, e a travagem do motor mundial seriam devastadores.
Querem mesmo discutir peanuts?
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por Carlos Santos, Publicado no Jornal I em 15 de Março de 2010

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Sunday, March 14, 2010

Lapidar

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O tão esperado PEC conheceu finalmente a luz do dia e a primeira coisa que se pode dizer é que nada era mais previsível do que o seu conteúdo. Sumário: os mesmos de sempre vão pagar mais para que os mesmos de sempre ganhem mais ou não percam nada.
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Os tais 'priveligiados', que Sócrates apontou como exemplo da injustiça fiscal e que agora vão ser massacrados com 45% de IRS, mais o corte nas deduções com a Saúde, a Educação e os PPR (com que aliviam as despesas do Estado nestes sectores), são o alvo falso de uma demagogia que pretende esconder o fundamental: o Estado gasta metade da riqueza do país e o país continua pobre. Em lugar de verem agradecido o seu esforço (em cinco anos, passaram de 40 para 45% do IRS e agora, juntando os impostos directos e indirectos mais a Segurança Social, vão passar a entregar 60% do que ganham!), os ‘privilegiados’ são tratados como se fossem eles os culpados pelo deboche financeiro em que temos vivido. Eles, os únicos que não fogem ao fisco — porque os outros, os do grande dinheiro, estão no abrigo de offshores, fundações ou sociedades feitas para tal, e a grande massa dos evasores, aqueles que, pagando podiam de facto fazer a diferença, são os coitadinhos que não passam facturas, falsificam o IVA e vivem em economia paralela e protegida pelo Estado. Por isso é que os que vão pagar 45%, representando apenas 1% dos contribuintes, respondem por 18% da receita do IRS. É em grande parte graças a eles que foi possível a este Estado voraz recolher mais receitas fiscais do que a própria despesa nos últimos dez anos (ou seja, cobrou mais do que necessitava), e ter aumentado a receita fiscal seis vezes mais do que o PIB (isto é, colectou impiedosamente os poucos que criaram riqueza para dar aos que nada acrescentaram). Ser generoso com o dinheiro alheio é, aliás, uma característica bem portuguesa: basta ver os salários e mordomias dos gestores públicos.

Não falo dos justamente assistidos — dos que vivem com pensões de 300 euros ou do meio milhão de verdadeiros desempregados. Falo, para começar, dos imediatamente acima, mas moralmente bem abaixo: dos que vivem dos esquemas do subsídio de desemprego enquanto mantêm empregos paralelos ou vegetam no café ou à porta do Estádio da Luz a dizer mal de tudo; dos ‘biscateiros’ que nunca passam factura nem pagam um tostão de impostos e se acham cidadãos exemplares; dos que cultivam as falsas baixas e arruínam o sistema de saúde público com doenças que não têm, exames de que não precisa e remédios que não pagam; dos que compram Mercedes com subsídios para plantar batatas ou produzir 'arte' ou gravuras paleolíticas.
E falo dos ainda mais acima na escala dos assistidos: dos que oferecem robalos em troca de telefonemas, andares recuados em troca de urbanizações e milhões em offshores em troca de subtis alterações às leis. Falo, enfim, de todos os que vivem à conta e não sabem viver de outra maneira, dos tais 46% que se declaram soberbamente indisponíveis para aceitar sacrifícios- com a certeza adquirida de que os 'outros' é que têm de o fazer. São esses que o PEC protege.

Extracto da crónica de Miguel Sousa Tavares, publicada ontem no Expresso, intitulada "PEC: Plano de Extermínio dos Contribuintes".

Uma análise lapidar que merece ser lida na íntegra.

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A nova temporada de Fórmula 1

Aqui deixo algumas considerações, que já andava para fazer desde o final da época passada.
Acho inconcebível que um piloto com o talento de Kimi Raikkonnen não encontre lugar na Fórmula 1 presentemente só porque não tem o apoio de um conhecido banco espanhol. A partir do momento em que esse banco passou a patrocinar a Ferrari, o resto era uma questão de tempo: Alonso teria de entrar, e alguém teria de sair. A relação de Massa com a equipa é melhor (e Massa é um piloto mais convencional que o finlandês, que é um tipo muito especial). A história assim repetiu-se: pela segunda vez, Kimi foi despedido por esse banco para Alonso poder entrar. A primeira vez foi na McLaren; agora, na Ferrari. Só que na primeira vez Alonso entrava na McLaren como bicampeão do mundo; agora, é mais um piloto a querer relançar a carreira. Na primeira vez, recordo, foi lindo: Kimi, o piloto que foi despedido para dar lugar a Alonso, acabou campeão do mundo na Ferrari. Estava à espera que isso pudesse suceder este ano, não na Ferrari (que contratou Alonso) mas na Mercedes ou noutra equipa qualquer. Não foi possível. Paciência. Espero que Kimi seja feliz na opção que tomou.
A Mercedes entretanto contratou Schumacher, que se afirma assim como o Mário Soares da Fórmula 1. Vamos ter confrontos interessantes e inéditos, como o de Schumacher com Hamilton. Tal como com Mário Soares, também não estou à espera que a história se repita com o regresso de Schumacher. Mas é indesmentível que este regresso vem dar um outro interesse ao campeonato, graças à qualidade e à classe indesmentíveis do alemão. Seguramente vou torcer por ele muitas vezes. Quem sairá vencedor? Eu aponto outro alemão, Vettel, mas não aposto em ninguém.

Friday, March 12, 2010

As negativas do primeiro período

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DN 12.03.2010


- A vaca tem quatro patas, duas à frente, duas atrás, duas à direita, duas à esquerda. São tão compridas que chegam ao chão. É um animal cercado de pelos por todos os lados.! Com o seu leite a vaca fabrica nata.!
- Os Romanos construíram as ruínas de Pompeia.!
- César tinha os cabelos carecas!
- Os homens primitivos viviam cem mil anos, trezentos mil anos, quinhentos mil anos!
- Os faraós comiam os escribas. Os faraós eram enterrados em túmulos mandados fazer propositadamente e colocados em múmias; O corpo era envolvido em ligaduras e perfumado com um perfume tão forte que se não estivesse morto morreria! Os Egípcios pintavam nas paredes dos túmulos cenas domésticas para as múmias não se aborrecerem.
- As iluminuras eram letras desenhadas pelos copistas com tinta fluorescente!
- A Inquisição em Espanha foi terrível. Vinham de muito longe para assistir às execuções: isto desenvolveu o turismo.!
- Napoleão mandou construir o Arco do Triunfo para que pudessem desfilar sob ele os combatentes de 1914-18.!
- Por vezes cavavam-se em redor dos castelos largos fossos onde se colocavam crocodilos. Quando não havia crocodilos os fossos eram cheios com água!
- Depois de recolhido, o milho é conservado em iglos!
- Na Roma antiga o suicídio era punido com a morte.!
- Certos navegadores praticavam o mercado negro a fim de repovoar a América com escravos.!
- As duas primeiras guerras de Luis XIV terminaram com mortos!
- Filipe Augusto ganhou em 1014 a batalha de Bouvines graças aos mísseis comunistas.!
- O último rei dos Franceses foi Luís-Filipe. Foi morto pela morte!
- Arquimedes inventou a engrenagem, que não encontrou a sua plena utilização senão alguns anos mais tarde, com a invenção do motor de explosão e do despertador!
- A Páscoa é o dia em que os Judeus marcharam 40 anos no deserto.

de O livro vermelho dos cábulas (Jean Charles)
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Thursday, March 11, 2010

Não foi para isto

35 anos se passam sobre uma data que marcou a modernização da economia portuguesa na década de 70. Com efeito, nessa época a regra nos países europeus era as grandes empresas, os principais meios de produção serem considerados estratégicos e estarem nas mãos do estado. A isto acrescentou regalias para os trabalhadores que há quem ainda hoje não aceite, como os subsídios de férias e Natal e o salário mínimo. O que o governo do “terrível revolucionário” Vasco Gonçalves se limitou a fazer foi o mesmo que se fazia na Europa.
35 anos se passaram, e discute-se o PEC. O PEC que tem medidas muito positivas e há muito reivindicadas, como a criação de um novo escalão de IRS para os rendimentos mais altos e a taxação das mais-valias. Também concordo com o fim dos benefícios fiscais anunciados, e não me faz confusão os não-aumentos na função pública e a suspensão de obras públicas como o TGV até melhor data (embora, como afirma o João Vasco, tal medida venha dar razão ao PSD e lance dúvidas sobre se o PS mudou de ideias ou se (e nos) enganou nas contas – qualquer uma delas é má). Mas tais medidas não são suficientes para compensarem tudo o que o governo se prepara para anunciar, nomeadamente um pacote de privatizações de empresas e serviços públicos de que o estado não pode abrir mão, a começar pelos Correios e pela Rede Energética Nacional. Concordo: um governo socialista não privatiza os correios (nem a REN). Os socialistas têm de levantar-se e dizer "BASTA!”
Mesmo nas restantes empresas, e independentemente do que se achar que o Estado deve deter (e eu acho que deve detê-las), como anuncia o Daniel Oliveira, tais privatizações fazem mal ao défice.
Não direi que para mim tal intenção constitui a “gota de água” porque infelizmente representa muito mais do que uma gota (se só quisessem privatizar uma gota, estaríamos nós bem). De qualquer maneira, e uma vez que escrevo sobre política sem nenhum interesse que não seja o de exprimir as minhas opiniões e partilhá-las com os leitores, da mesma forma que anunciei antes das eleições que iria votar no PS, anuncio agora que, a confirmar-se este programa, se houvesse neste momento eleições não votaria no PS. Se o governo levar as privatizações avante, deixa de contar com o meu apoio.

Wednesday, March 10, 2010

He is unmarried, a keen ornythologist and motor-cyclist, goes to sea and likes shooting when he can


Como devem proximamente ter reparado, daqui a três semanas não vou ter conseguido actualizar o blogue nas últimas três semanas

O índice remissivo da colecção de ensaios de Zadie Smith (Changing My Mind) não inclui uma única referência a James Wood. Inclui nove referências a Hans van den Broek (personagem de Joseph O'Neill), catorze a Dorothea Brooke (personagem de George Eliot), uma referência a Thierry Henry (personagem de Arsène Wenger), uma a Joan Baez (personagem de Bob Dylan), uma a John Locke (personagem de João Carlos Espada), duas a Truman Capote (personagem de Truman Capote), e três a Jews (personagem de Pedro Arroja), mas nenhuma referência a James Wood em trezentas páginas, o que só é digno de realce porque o livro é essencialmente sobre ele.
Pelo menos dois dos ensaios são respostas explícitas ao programa estético de Wood, com passagens que estão comicamente próximas de serem notas de rodapé a parágrafos do tal ensaio sobre o "Realismo Histérico", e outras que estão perigosamente próximas de serem pastiches estilísticos. Wood tem um «the author's porous scout», Zadie Smith tem um «the narrator's flawless interpreter»; Wood tem um «drawn, like a larcenous banker, to raid again and again the very source that sustained him», Zadie Smith tem um «like a lapsed High Anglican, Netherland hangs on to the rituals and garments of transcendence»; Wood tem um «The house of fiction has many windows, but only two or three doors», Zadie Smith tem um "The novels we know best have an architecture. Not only a door going in and another leading out, but rooms, hallways, stairs, trapdoors, hidden pasageways, et cetera». E no entanto, a única coisa vagamente parecida com uma menção indirecta é uma referência lá para o meio aos "nossos críticos mais proeminentes".
O que se pode concluir é que James Wood e Zadie Smith são secretamente casados e que a sua relação já atingiu aquele patamar evolutivo em que se pode discutir durante horas através de insinuações e remoques cifrados sem nunca nomear a outra parte: «certas pessoas cá em casa não arrumam a louça como prometeram», etc. O livro é muito bom, ao contrário do futebol em geral. Há algo de profundamente errado com o futebol em geral.
Os livros de Bolaño também são muito bons, mas estou cada vez mais convencido de que há algo de profundamente errado com eles todos. O que é que pode haver de errado com livros que gostei tanto de ler (apesar de não ter a mínima vontade de os reler)? O que me parece é que os livros de Bolaño, tal como o meu interesse pelos livros de Bolaño, são produtos do acaso; o meu prazer ao lê-los foi totalmente determinado pela forma que a minha sensibilidade literária adquiriu. Com quase todos os outros livros de que gostei tanto, houve uma sensação de inevitabilidade (mesmo que falsificada): a minha personalidade poderia ser outra, mas o efeito seria semelhante. Mas a sensação que tenho com os livros de Bolaño - que são caóticos, que não fazem sentido, que apelam a uma parcela dessa sensibilidade alicerçada em arbitrariedades tão concretas como o facto de gostar muito de "livros sobre pessoas que gostam de livros" - é que a minha opinião sobre eles poderia ser radicalmente diferente caso tivesse usado umas meias de cor diferente na última terça-feira, ou tivesse jantado salmão em vez de lasanha ontem à noite. Continuo a achar que os livros são todos muito bons, que fique bem claro, mas esta aura de contingência é um bocadinho desconcertante para alguém que gosta de coisas predestinadas, como o amor, a eliminação do Real Madrid, ou as cíclicas tentativas do Luís Miguel Oliveira em descrever a realidade visível a personagens de Louis Braille.

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