Tuesday, May 12, 2009

FHC



Não apoiei muitas das medidas do seu governo. "Apoio" esta excelente entrevista a Teresa de Sousa:

Há que inventar coisas novas. É óbvio que o liberalismo solto não funciona. Os mercados não têm capacidade para se auto-regularem. O que não significa dizer que os Estados têm. Então, tem de se inventar alguma coisa que não seja nem uma imposição estatal, nem uma liberdade de mercado. Agências reguladoras, maior participação da sociedade. Algo de novo tem de ser criado. E tem de ter alguma utopia, para inventar o futuro.

Ninguém está propondo nada semelhante ao marxismo. Marx tinha o quê? Uma análise crítica do capitalismo, aliás muito bem feita. E havia no lado político a ideia de que era preciso substituir a propriedade privada dos meios de produção pela propriedade colectiva. Ninguém propõe isso hoje. Vamos ter de ter algum tipo de controlo social, algum mecanismo para gerar mais bem-estar social, não pela via só do mercado mas pela via da redistribuição.

O Estado tem que ter um papel maior. Tem que ter. Mas que Estado? O Estado democrático. Se o Estado for totalitário, também não resolve. E esse Estado democrático hoje exige participação da sociedade, mecanismos de parceria, órgãos de Estado e não de governo.

A Internet produziu uma revolução no mundo e o sistema partidário está "ilhado", não responde a boa parte da demanda da população porque ela não passa por aí, passa por outros mecanismos. Tenho cinco netos e vivem o dia inteiro no computador. Estão perdendo tempo? Não. Estão conectados. Com quê? Com o mundo. E cada um deles forma opinião e isso não passa pelos partidos.

Eu acho que uma das coisas boas do soft power do Brasil é essa. O Brasil tem uma certa capacidade de aceitar o outro. O mundo vai precisar de desenvolver essa capacidade. A Europa precisa. Está tentando. Se não, é a guerra de todos contra todos. É preciso mais espírito de tolerância, mas é preciso também que os grandes líderes se incumbam disso. Obama tem a virtude de ser ele próprio um exemplo disso. Porque ele é negro, viveu na Indonésia, o pai nasceu no Quénia, é doutor em Harvard e é Presidente dos EUA.

Acho que a Europa, apesar de ter esse espírito comum da Europa social e da Europa económica, não tem o espírito comum da Europa política, da Europa activa no mundo. Pesa menos do que poderia pesar.

A Europa, tem-se a sensação de que está a perder tempo. Tem de ter uma unificação política maior. Não pode ter peso se for só apêndice dos EUA.

Tenho a impressão que as lideranças actuais estão muito submergidas nos problemas nacionais. As lideranças do passado, como houve a guerra, tinham uma motivação muito grande. Schmidt, Kohl, Felipe González, Mitterrand, Mário Soares, tinham outro peso e outra visão. Depois, a Europa deu certo, enriqueceu, e o enriquecimento amolece. Ficou muito agradável, mas talvez tenha perdido a vontade. Tony Blair, que eu respeito, a certa altura poderia ter representado uma Europa modernizada e vigorosa. Mas aquela ligação...

Noutro dia alguém me perguntou o que é que nos faltava para sermos do primeiro mundo. Eu digo: falta educação, segurança, menos desigualdade. Hoje, o problema do Brasil não é tanto económico. A economia brasileira produz tudo, está forte, e a sociedade é dinâmica. Mas esses problemas têm de ser resolvidos.


Entrevista ao Público, 09-05-2009

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