O Partido Socialista cometeu uma enorme imprudência, para não lhe chamar provocação, ao forçar José Sócrates como candidato nestas eleições, mesmo sabendo que uma larga maioria dos portugueses já não podia sequer vê-lo repetir as suas lengalengas.
A campanha socialista, por causa disso, consistiu numa frenética diabolização dos adversários a quem atribuiu as intenções mais monstruosas ao estilo "vem aí o lobo" (ainda contarão esta história às crianças?).
Perante os resultados da votação é caso para perguntar se a maioria dos portugueses querem realmente a destruição do estado social e a instauração da selvajaria nas relações laborais. É claro que não querem.
Os portugueses não acreditaram na veracidade dessas acusações e castigaram aqueles que tentaram usar o medo para se manter no poder.
Este episódio é no entanto o culminar de um longo processo com que Sócrates anestesiou o PS, de tal modo que ninguém se atreve hoje a prever o modo como se fará a sua substituição. Ele emergiu em 2005, num momento de excessiva facilidade, aproveitando uma onda contra Santana Lopes que lhe deu a maioria absoluta. Já na altura eu alertei o júbilo da esquerda para uma vitória com pés de barro, por não se alicerçar num projecto digno desse nome.
Em 2009 Sócrates foi reeleito, embora perdendo a maioria absoluta, mas a sua vitória, sabemos hoje, baseou-se em omissões e mistificações sobre a real situação financeira do país. Essa fuga para a frente, por vezes alucinante, manteve-se até à sua irremediável queda em 2011, abandonado pelo próprio ministro das finanças.
Pelo caminho cometeu o que seria talvez o seu maior erro estratégico. Não soube resistir à chantagem do Bloco e embarcou na candidaventura presidencial de Manuel Alegre. De uma penada afrontou o seu eleitorado de duas formas: por um lado misturando-se com o "radicalismo irresponsável" e por outro afrontando Cavaco que se mantinha como o único referencial para a maioria do eleitorado do centro. A manobra era obviamente postiça mas os 19% de Alegre nas urnas mostraram que uma grande parte dos votantes socialistas tinham optado pelo adultério.
De toda essa trapalhada o PS só conseguiu um resultado, o regresso ontem ao redil de uns 4% de eleitores que em 2009 tinham fugido para o BE. Se não fosse esse regresso a derrota do Partido Socialista teria uma dimensão histórica, só comparável ao descalabro que lhe causou o PRD de inspiração eanista em 1985.
A demissão de Sócrates, apresentada no meio das ruínas, foi o último acto desta tragédia protagonizada por um homem que se revelou um comunicador de grande nível mas que nunca conseguiu ultrapassar a sua própria pequenez cultural e de carácter. O país acordou mais livre.
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