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A grande questão política do nosso tempo - como confirmam as controversas decisões do Governo francês e a polémica na Alemanha por causa das declarações de Sarrazin - é de natureza eminentemente biopolítica e diz respeito aos imigrantes e à demografia. Não há nada mais ideológico do que o modo como o declínio demográfico é entendido.
Do ponto de vista ecológico, a diminuição da população devia ser vista como um dado positivo, sendo negativos apenas os desequilíbrios na sua distribuição. Mas um sistema baseado no crescimento imparável, como é o sistema capitalista, não é compatível com o emagrecimento demográfico.
Se a vida de todos nós se alimenta de um endividamento que vai sendo transportado para o futuro (de modo que cada vez é maior a fatia de futuro hipotecado), se não houver no futuro mais gente para pagar a dívida, o sistema colapsa. Marx, que desprezava abertamente Malthus, mostrou como a questão da sobrepo-pulação emergiu "de um modo que não encontramos em nenhum outro período anterior da humanidade", isto é, de um modo coerente com "o grande papel histórico do capital". A que papel histórico se refere Marx? Digamos, em síntese: o de criar trabalho excedente.
Trabalho excedente e população excedente estão numa relação de dependência e ambos são um produto necessário da acumulação capitalista. Mais do que isso: são a sua própria condição de existência. Atualmente, esta condição entrou numa fase que engendrou o metatrabalho, bem conhecido de muitos "precários" (o precariado, esse novo sujeito da História...). Trata-se do trabalho não remunerado a que muitos se sujeitam, na esperança de arranjar trabalho, as formas de trabalho para arranjar trabalho. É, em suma, uma forma de contrair uma dívida cuja única garantia de pagamento é o próprio tempo de vida do indivíduo.
Este interessantíssimo texto, publicado por António Guerreiro no Expresso desta semana, refere justamente o sistema económico actual como dependente de uma contínua expansão do mercado. Isso pressupõe a existência de um "exército de reserva" que se possa ir incorporando na produção, sob a forma de novos trabalhadores e de novos consumidores.
É por essa razão que a China tem podido manter há tanto tempo uma expansão "capitalista", a taxas muito elevadas, há já várias décadas. Explica também o impasse europeu onde, à falta de crescimento demográfico, a poupança se reduziu perigosamente e o crédito teve que atingir níveis incomportáveis.
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