Thursday, February 3, 2011

O pão que o diabo amassou

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O projeto Farol, desenvolvido pela Deloitte com o apoio de vários personalidades, divulgou agora uma sondagem de opinião, assente em 1002 entrevistas distribuídas proporcionalmente ao longo do país. As conclusões são chocantes: 46% dos inquiridos dizem que a situação económica e social é hoje pior ou muito pior do que antes de 1974. 58% pensam que a situação é hoje pior do que há 25 anos, quando aderimos à CEE. E daqui a 10 anos, 53% pensam que vamos estar pior. Depois, 78% consideram que estamos a caminhar na direção errada, porque (66%) não existe uma estratégia de desenvolvimento. 64% dizem que não somos um país competitivo, mas não valorizam o empreendedorismo, a reforma do modelo social, a iniciativa privada ou a inovação e tecnologia como fatores importantes para sair da crise. A maioria (54%) considera que é mais importante o Estado apoiar as iniciativas de empreendedorismo do que eliminar as barreiras a essas iniciativas. E a esmagadora maioria (74%) defende que é o Estado que deve dar o principal contributo para a competitividade e desenvolvimento económico do país. Se a empresa tiver de mudar de local/localidade, 56% não estão dispostos a ir viver para outro sítio, mesmo que isso lhes assegure o emprego. 49% também não estão dispostos a flexibilizar as suas condições contratuais para evitarem ser despedidos. Se estiverem no desemprego, 51% recusam uma oferta de emprego se forem ganhar menos do que o subsídio. 54% também não estão dispostos a arriscar num negócio próprio para ter melhores condições de vida e maior capacidade económica. E 71% não estão dispostos a abdicar de um centro de saúde no concelho ou próximo de casa em troca de o Governo baixar impostos. Contudo, os portugueses não são modestos: cada um por si considera que contribui muito mais frequentemente para diversas áreas económicas e sociais do que os outros. E, claro, a responsabilidade pela redução e prevenção da pobreza é responsabilidade quase exclusiva do Governo (86%). 
Enfim, digamos que para os portugueses o passado é sempre melhor do que o presente. Mas o presente é muito melhor do que o futuro. Manifestamente, não valorizamos o que temos nem o que alcançámos nos últimos 40 anos. Depois, somos fartos a culpar os governos por tudo o que de mau acontece, mas achamos que deve ser o Estado a resolver os problemas. Além disso, somos egoístas e estamos acomodados. Mas achamos que somos muito melhores do que todos os outros nossos concidadãos. Que país é este? E que prova melhor de que precisamos de revolucionar mentalidades se queremos sobreviver no futuro?
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A Europa está a caminho de ser a nova China. Não em matéria de crescimento económico, onde vamos continuar a vegetar em torno de taxas muito aquém das que se verificam no Império do Meio. Mas, sim, em matéria de legislação laboral. Ainda manteremos por algum tempo as semanas de trabalho em torno das 40 horas, cinco dias por semana. Ainda manteremos restrições ao trabalho ao fim de semana. Continuaremos a aceitar a existência de sindicatos e que os trabalhadores tenham direito à greve. E, claro, ofereceremos forte resistência a que seja possível voltar a utilizar trabalho infantil. Mas não nos iludamos. Ao contrário do que se esperava com a globalização, os direitos dos trabalhadores chineses pouco avançaram. Em contrapartida, os direitos dos trabalhadores europeus vão claramente a pique. E quem comanda a ofensiva contra o Estado social é a Comissão Europeia, que no dia 11 de janeiro aprovou um documento, ‘Annual Growth Survey’, onde estão expressas as linhas de força dessa orientação: aumento dos impostos indiretos, enfraquecendo o caráter progressivo dos impostos; incentivo ao aumento dos horários de trabalho; elevar a idade de reforma e pressionar a privatização dos sistemas de pensões; enfraquecer a legislação que protege o emprego; reduzir os apoios diretos ao desemprego; e liberalizar o sector público.
Estas orientações, a serem concretizadas, reduzem claramente os direitos dos trabalhadores em favor do capital, dos escalões mais elevados de rendimentos e dos bónus pagos no sector financeiro; e atingem o equilíbrio do Estado social e o projeto europeu. 


Textos de Nicolau Santos, em dois artigos diferentes, "Que país é este?" e "Europa social à pequinense", publicados no Expresso desta semana


Nicolau Santos esqueceu-se de referir a grande lição que a experiência chinesa, apesar das suas limitações, nos proporciona.
Não há saída para a miséria ou, no caso da Europa, para a decadência anunciada, que não passe por muitos sacrifícios, disciplina e abnegação.
A riqueza actual da China, que é uma condição para construir um futuro melhor para o seu povo, não resultou de terem encontrado jazidas de petróleo ou de terem andado a explorar colonialmente outros povos.
Duas ou três gerações de chineses comeram o pão que o diabo amassou.
Nenhum político, numa democracia ocidental, se atreve a propor tal coisa.


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