Thursday, May 5, 2011

Quem o feio ama bonito lhe parece

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Um erudito mal-intencionado varreria a genialidade de Eça de Queiroz reduzindo-o a um erro:
em Singularidades de Uma Rapariga Loura, o protagonista, Macário, parte para Cabo Verde, onde atravessa "rios tranquilos". Ora, em Cabo Verde não há rios... Nos tempos que correm, de informação abundante, esses caça picuinhas são risco de confusão, fujo deles. Tento perceber a linha geral. Entendi, por exemplo, pelas notícias do acordo com a troika, que isto está diferente do que se dizia, perdão, gritava. Amanhã talvez estude as incidências da subida do IMI e da descida do IMT, isto é, irei catar descuidos de Eça. Mas, por enquanto, fico-me nas linhas gerais: a troika, estrangeiros imunes à propaganda do Governo, acordou com ele condições melhores do que estávamos à espera. A causa só pode ser uma de duas, ou ambas. Ou não estávamos tão mal como Cavaco Silva disse em discurso catastrófico na tomada de posse. Ou a troika ajuda Portugal por razões que nos ultrapassam: preocupada com a falência iminente da Grécia, quer dar um sinal de apaziguamento aos mercados. A primeira hipótese é de conclusão menor: só confirma a irresponsabilidade política de Cavaco. A segunda prova mais. Para lá de termos de resolver um problema que só nós podemos resolver, a falta de crescimento, sobre a dívida há que reconhecer um inimigo externo. Nos próximos três anos, os partidos deveriam expressar uma vontade nacional.
Ferreira Fernandes no DN de hoje


Caro Ferreira Fernandes,

conto-me entre aqueles que apreciam as suas crónicas. É por isso que me custa constatar que uma pessoa como você se pode deixar enfeitiçar por certos discursos de sereia. Também eu posso invocar os clássicos, na circunstância o grande Shakespeare, para lembrar a poção de Oberon que levou Titania a fazer a triste figura de se apaixonar por umas orelhas de burro.

No seu caso a paixão oblitera a mais simples arquitectura do pensamento lógico.
Quando diz que "a troika, estrangeiros imunes à propaganda do Governo, acordou com ele condições melhores do que estávamos à espera" não seria prudente interrogar-se acerca da razão porque estava à espera do pior e quem lhe semeou na cabeça tais expectativas?
Será que "Cavaco Silva disse em discurso catastrófico na tomada de posse" que Portugal está tão falido quanto a Grécia?
Serão as duas hipóteses que apresenta as únicas possíveis? Ou há outras como, por exemplo, a Grécia não ter tido PEC1, nem PEC2, nem PEC3 antes da "ajuda internacional"? 
Como diz o ditado "quem o feio ama bonito lhe parece", e todos os que não o acharem bonito entram para o imenso rol dos "inimigos externos" atrás dos quais escondemos a nossa inépcia e os nossos vícios.
A sua lamentável crónica de hoje pode resumir-se a uma frase: congratulemo-nos porque afinal a nossa situação não é tão grave como a da Grécia.
Será isso suficiente para salvar a nossa democracia e o nosso país?

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