Tuesday, June 5, 2007

Leite democraticamente coalhado por meio de um fermento




A minha tendência natural para levar imediatamente o dedo ao gatilho sempre que ouço ou leio algum comentário, por mais pertinente e racional que seja, sobre a necessidade de haver certos limites na comédia, é algo de que não me orgulho, e que tenho vindo a tentar refrear com a ajuda de bastantes iogurtes naturais. A prova de um relativo sucesso terá sido uma ocasião recente, em que, evidenciando notável tolerância, decidi não partir uma única secção óssea do corpo de um conterrâneo de Jonathan Swift que afirmou à minha frente, e de uma forma muito séria, que a Sarah Silverman era uma cripto-fascista que merecia ser presa. A Sarah Silverman, esclareço, é alguém em quem não descortino um valor por aí além, com quem me rio apenas esporadicamente, e por quem nunca passarei noites na prisão. Mas há princípios com os quais não se brinca, até porque os iogurtes não são infalíveis.

Há duas maneiras de ver isto. Uma é pensar que houve uma pessoa que conduziu um automóvel alcoolizada, colocando potencialmente em risco a integridade física de terceiros. Que foi posta sob liberdade condicional e que violou prontamente essas ditas condições. Que poucas horas antes de ter de se apresentar na cadeia para cumprir pena, e num clima noticioso totalmente dominado por esse facto, decide assistir ao vivo a uma cerimónia da MTV apresentada por uma comediante notoriamente avessa a piadinhas sobre amendoins ou "airline food", perante uma plateia constituída por pessoas que não me parecem estar a dar largas a nenhuma orgia de "moralismo sexual" ou "let's-all-laugh-at-the-rich-girl" (embora concorde com quase tudo o que o Bruno diz, custa-me ver a teoria do «momento de justiça/vingança (a ética do trabalho junta-se a algum moralismo sexual)» imputada a uma plateia que inclui Jack "orgy" Nicholson e Rogério "serially unemployed" Casanova).
Esta maneira de ver a coisa permite-me pensar que me ri daquilo sem grande desconforto porque aquilo tem piada (os fantasmas passíveis de análise sociológica também são um factor, mas não assumem maior ou menor relevância do que em todas as outras coisas a que eu acho piada, nomeadamente cartoons sobre ovelhas, vídeos com gatinhos, entrevistas do Norman Mailer, ou a Zita Seabra). No dia em que os comediantes começarem a dilatar o critério (que até considero válido) da «permeabilidade/fragilidade de quem é visado» para que este exclua a possibilidade de ser um bocadinho mauzinho para a Paris Hilton numa entrega de prémios da MTfuckingV, será, convenhamos, o dia em que a Via Láctea começará discretamente a cair aos bocados.
A outra maneira de ver as coisas é encarar tudo aquilo como "um nojo", "desumano" e "repugnante", posição adoptada por duas pessoas na caixa de comentários do Avatares (que também inclui o clássico gâmbito da "inveja, as pessoas que riem têm é inveja"). O que me põe a pensar, entre colheradas frenéticas de Adagio Simbiótico: que vocabulário é que restará a esta gente para descrever aquelas coisas - que nunca se passam em cima de um palco - e que são efectivamente "um nojo", "desumanas" ou "repugnantes"?

(Para que as minhas caixas de comentários não comecem a ficar para trás em matéria de epítetos à queima-roupa, quero aqui relembrar que cada vez gosto mais do blogue do
Luis Miguel Oliveira.
E num assunto à parte, alertar para a manchete mais incorrecta de todos os tempos, que se podia ler hoje, até há poucas horas atrás, na edição online d' A Bola: "Tudo certo com Peseiro". Meus senhores: com Peseiro, nunca esteve, nem nunca estará "tudo certo".)

No comments:

Post a Comment

Blog Archive