Passam hoje quarenta anos sobre o início da Guerra dos Seis Dias. Entretanto tem dado que falar a recusa do físico americano Steven Weinberg em participar numa conferência no Reino Unido em homenagem ao falecido físico paquistanês Abdus Salam, fundador do Centro Internacional de Física Teórica, dirigido principalmente a físicos dos países em desenvolvimento. Weinberg (judeu) e Salam (muçulmano) partilharam com Sheldon Glashow o prémio Nobel da Física de 1979 pela formulação do Modelo Padrão das interacções electrofracas, que permitiu unificar a descrição do electromagnetismo e de um certo tipo de forças nucleares.
A razão da recusa de Weinberg é um “boicote ao boicote”: académicos britânicos não desejam a presença no país dos seus colegas israelitas, como forma de protesto contra a política levada a cabo pelos sucessivos diferentes governos de Israel no Médio Oriente. Weinberg, americano e professor reformado da Universidade do Texas em Austin, decidiu solidarizar-se com os seus colegas israelitas por considerar o protesto britânico de cariz… (adivinhem!) anti-semita.
A carta de Weinberg, e os detalhes da história, podem ser lidos aqui. Lendo a carta, podemos aperceber-nos que Weinberg vê “anti-semitismo” (ou em alternativa “medo de provocar a comunidade muçulmana na Grã Bretanha”) em órgãos como a BBC, o The Guardian e o The Independent.
Devo esclarecer que não acho adequado o boicote à presença de académicos de uma certa nacionalidade ou credo. O credo ou a nacionalidade não vinculam ninguém à política colonialista e agressiva de Israel. Concordaria se o boicote se limitasse a mercadorias, a bens de consumo. Mas pessoas não são mercadorias. Deve boicotar-se o capital, mas não as pessoas. Por isso lamento o tal boicote e lamento profundamente a decisão de Weinberg. O seu colega Salam, que tão frutíferas colaborações com ele teve, não o merecia.
Soube deste episódio através do blogue The Reference Frame. E é para esta mesma entrada deste blogue que eu quero chamar a vossa atenção, nomeadamente para os seus comentários. Comentários que demonstram bem como é impossível ter uma discussão racional sobre o conflito israelo-palestiniano nos EUA. Eu tentei ter essa conversa por algumas vezes e sei o que me aconteceu. Um comentador de bom senso (europeu), Kasper Olsen, fala timidamente sobre o direito dos palestinianos a terem o seu próprio estado, e é imediatamente rodeado por falcões pró-israelitas. Convido-vos a passarem por lá e a fazerem o vosso próprio julgamento. Podem encontrar opiniões que em Portugal (por enquanto) só o colunista do DN Alberto Gonçalves tem o desplante de emitir (enquanto escreve “Palestina” entre aspas), como
“I would probably also give up at this moment and give them a country - which means that Palestinians have the right, too. If you asked what I really think, my answer would be No, they don't deserve it. The concept of the Palestinian nation is just an abstract, soft construct.”
Eu sou contra a Intifada, mas notem que toda esta opinião – o “desistir e dar-lhes um país”, apesar de achar que os palestinianos não têm direito a ele – é o melhor argumento a favor dessa mesma Intifada que eu já li.
Quero ainda destacar
“The problem is that the more land and authority they were granted... the more israelis died in terrorist attacks...”
Como se os territórios ocupados fossem uma concessão feita aos palestinianos, uma prenda que se lhes dava – e não uma devolução daquilo que legitimamente sempre lhes pertenceu. É esta a visão que prevalece na opinião pública americana (que defende um “Grande Israel”) e nos principais meios de comunicação social (não é só a “Fox News”).
Não julguem que estes comentadores são necessariamente neoconservadores, ou mesmo simplesmente republicanos. Pelo contrário: muitos deles são, infelizmente, democratas.
Espero que esta pequena (mas representativa) amostra demonstre que a principal prioridade em política internacional é a necessidade de acabar com o apoio incondicional dos EUA a Israel, se se quer ter um mundo mais seguro. Enquanto isso não acontecer, no que a Europa deve apostar é numa política de defesa comum e autónoma (sem pôr em causa as suas alianças) o mais depressa possível. Que nos proteja das ameaças dos talibãs e dos Ahmenijads, sem dúvida. Mas que nos proteja também dos Drs. Estranhoamores de Washington e dos falcões de Tel Aviv.
Publicado também no Cinco Dias.
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