O país assiste atónito ao afundamento da primeira maioria absoluta do Partido Socialista, apesar de na campanha eleitoral em 2005 Sócrates ter pedido a maioria absoluta como uma espécie de seguro contra a incerteza.
Passados três anos o PS não tem qualquer rival partidário que o atormente mas todos temos a sensação de que a sua capacidade para governar nos moldes que tinha anunciado é cada vez mais titubeante.
O ministro da saúde já foi despedido, sob um paradoxal coro de elogios à sua competência, e a ministra da educação vai segui-lo a muito curto prazo apesar de ser outro dos membros do governo que parece saber para onde quer ir.
O governo está cada vez mais enredado e manietado por forças contrárias que desafiam o conceito de democracia tradicional, talvez porque a maioria absoluta não dá muitas hipóteses à luta partidária convencional. Sucedem-se as campanhas mediáticas, as providências cautelares, os pedidos de demissão, as manifestações e as greves com laivos de desobediência civil.
Se isto fossem expressões genuínas de grandes massas do povo talvez tivéssemos razões para nos congratular mas as sondagens aí estão para nos mostrar que o governo continua a gozar de grande popularidade e, mais importante ainda, que a população não descortina qualquer alternativa credível no panorama partidário. Se todo este ruído é apenas a expressão de particularismos, jogos de interesses corporativos e aproveitamentos demagógicos, então talvez tenhamos boas razões para temer pelo futuro da nossa democracia.
Se aqueles que moram nos arredores de um SAP que se decidiu encerrar, ou os professores que não admitem ser avaliados, desfilando nas ruas, têm o poder de correr com os ministros de um governo que tem maioria na Assembleia da República, então o cidadão votante interrogar-se-á sobre a utilidade de visitar as urnas de quatro em quatro anos. Ninguém parece saber muito bem como gerir este equilíbrio entre a "legitimidade democrática" e os descontentamentos, quantas vezes desproporcionados, de grupos sociais que têm um enorme poder funcional. Em termos de crise de funcionamento da democracia é indiferente saber se a razão está do lado do governo ou de quem protesta nas ruas.
Neste quadro é legítimo desenvolver a seguinte antevisão para o período que nos separa das próximas eleições em 2009:
- as reformas desencadeadas pelo governo encontram cada vez mais obstáculos da parte daqueles que se consideram lesados (quaisquer que sejam as medidas que se tomem haverá sempre quem legitimamente possa invocar prejuízos)
- os ministros vão sendo substituídos por versões light que, de cedência em cedência, desbaratam o próprio sucesso obtido ao nível das contas públicas
- o PSD e o CDS, que actualmente são a principal fonte do anedotário nacional, bebem novo folego nos recuos do governo e renovam-se para as eleições.
- o PCP e o BE, que podem reclamar a parte de leão nas derrotas de Sócrates, vão para as eleições de 2009 em condições de roubar uma parte importante do eleitorado da esquerda do PS.
- as forças centrífugas no interior do PS, com destaque para Manuel Alegre, são aceleradas com efeitos imprevisíveis.
Quem olhe para esta descrição não poderá estranhar que Sócrates se demita e provoque eleições antes de 2009 já que a passagem do tempo lhe é desfavorável em todos os tabuleiros referidos.
O PS tem maior probabilidade de ganhar as eleições em 2008 do que em 2009 mas, como já se percebeu, ganhar as eleições não é tudo. Tal manobra, para além de aumentar as hipóteses de vitória nas eleições, destinar-se-ia também a referendar as reformas do governo e a desbaratar a oposição das classes profissionais e dos interesses regionais que a elas resistem.
Se ainda há salvação para Sócrates ela só poderá vir de um apelo dramático ao povo que assiste pela televisão à infindável guerra de trincheiras entre o governo, o poder judicial, os sindicatos e as autarquias.
Será que Sócrates tem a necessária coragem populista ?
Por ironia do destino, ou talvez não, três anos depois do derrube de Santana (também ele apoiado numa maioria absoluta) o populismo volta a ser o fantasma de Portugal.
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