O segundo post de hoje é subordinado a este texto profundamente ofensivo, que foi descoberto e lincado de uma forma profundamente ofensiva pelo Bibliotecário de Babel. O texto tem a sua piada. Mas a piada que tem não deve nem por um instante distrair-nos do essencial, que é o facto de o texto me ter ofendido profundamente.
O texto quer ser um manual de receitas rápidas para a elefantíase literária. A comédia da coisa - que é, a espaços, ternurenta, e que distribui equitativamente as suas veladas antipatias - parte, ainda assim, de um princípio duvidoso, de um princípio, diria mesmo, profundamente ofensivo: o de que a elefantíase literária é uma coisa artifical, uma espécie de levedura retórica utilizada para insuflar desonestamente um parágrafo que podia ter sido mais curto. Quero deixar bem claro que isto é mais profundamente ofensivo do que uma conferência de imprensa do João Gabriel. Os minimalistas, esses animais, deviam todos ser compulsivamente tatuados na testa com uma citação completa do Thomas Wolfe, que, em resposta a uma carta profundamente ofensiva de F. Scott Fitzgerald sugerindo algum desbaste lexical, disse mais ou menos isto: «Well, don't forget, Scott, you bumbling anorexic faggot, that a great writer is not only a leaver-outter but also a putter-inner, and that Shakespeare and Cervantes and Dostoievsky were great putter-inners — greater putter-inners, in fact, than taker-outers — and will be remembered for what they put in — remembered, I venture to say, as long as that smelly cheese-eating-surrender-monkey Pedro Silva-chest-incident-denialist Monsieur Flaubert will be remembered for what he left out».
Um estilo literário, para reiterar o que deveria ser algospasmicamente evidente, não é um puzzle com peças opcionais. É uma maneira de pensar e de ver, uma ética orgânica cujos princípios não são negociáveis.
Este texto profundamente ofensivo tem o seu reflexo humanista noutro texto que eu, curiosamente, acabei de escrever, em língua inglesa, para o diário russo Kommersant. Um texto que inverte a maliciosa engenharia do protótipo e ensina o neófito escrivão a mirrar a sua arte à maneira afónica de Hemingway. Apresento agora uma versão resumida do meu texto em língua inglesa para o diário russo Kommersant, pelo qual peço imensas desculpas à população em geral e ao Filipe Guerra em particular:
Shrinking masterpieces with Ernest Hemingway
0. Begin with a masterpiece, such as «The Death of Ivan Ilyich» (Ex: «The Death of Ivan Ilyich»)
1. Force some complex anti-aesthetic surgery on the aforementioned masterpiece, removing what is known in literary circles as "every fucking detail that makes it a masterpiece".
2. You can accomplish this by covering the masterpiece in lubricant and subjecting it to a sweaty aerobics session, to the sound of pounding german techno.
3. Remove all symbols, unless they are painfully obvious, as well as all motifs, and lengthily developed themes; replace them all with faux-macho sentimental shit. And rain.
4. Cut off all organic links between your style and your subject matter; forget all your russian homosexual meditations on the senseless tragedy of death after a proper but unfulfilled life. Treat death as something that happens just before it rains.
5. Suffocate your language's vitality with a string of short sentences. Drown your rhythm in a vat of fake pathos. Add more rain.
6. Don't even think about setting up some high-falutin' dichotomy between the spiritual authenticity of a vaguely apprehended inner life and your actual decaying physical casket. Just focus on the rain, and shoot some more adjectives in the face with a big manly shotgun.
7. Give it that Hemingway shine. In the end, you will have turned «The Death of Ivan Ilych» into two simple, boring, suicide-inducing sentences:
"He looked very dead. It was raining."
O texto quer ser um manual de receitas rápidas para a elefantíase literária. A comédia da coisa - que é, a espaços, ternurenta, e que distribui equitativamente as suas veladas antipatias - parte, ainda assim, de um princípio duvidoso, de um princípio, diria mesmo, profundamente ofensivo: o de que a elefantíase literária é uma coisa artifical, uma espécie de levedura retórica utilizada para insuflar desonestamente um parágrafo que podia ter sido mais curto. Quero deixar bem claro que isto é mais profundamente ofensivo do que uma conferência de imprensa do João Gabriel. Os minimalistas, esses animais, deviam todos ser compulsivamente tatuados na testa com uma citação completa do Thomas Wolfe, que, em resposta a uma carta profundamente ofensiva de F. Scott Fitzgerald sugerindo algum desbaste lexical, disse mais ou menos isto: «Well, don't forget, Scott, you bumbling anorexic faggot, that a great writer is not only a leaver-outter but also a putter-inner, and that Shakespeare and Cervantes and Dostoievsky were great putter-inners — greater putter-inners, in fact, than taker-outers — and will be remembered for what they put in — remembered, I venture to say, as long as that smelly cheese-eating-surrender-monkey Pedro Silva-chest-incident-denialist Monsieur Flaubert will be remembered for what he left out».
Um estilo literário, para reiterar o que deveria ser algospasmicamente evidente, não é um puzzle com peças opcionais. É uma maneira de pensar e de ver, uma ética orgânica cujos princípios não são negociáveis.
Este texto profundamente ofensivo tem o seu reflexo humanista noutro texto que eu, curiosamente, acabei de escrever, em língua inglesa, para o diário russo Kommersant. Um texto que inverte a maliciosa engenharia do protótipo e ensina o neófito escrivão a mirrar a sua arte à maneira afónica de Hemingway. Apresento agora uma versão resumida do meu texto em língua inglesa para o diário russo Kommersant, pelo qual peço imensas desculpas à população em geral e ao Filipe Guerra em particular:
Shrinking masterpieces with Ernest Hemingway
0. Begin with a masterpiece, such as «The Death of Ivan Ilyich» (Ex: «The Death of Ivan Ilyich»)
1. Force some complex anti-aesthetic surgery on the aforementioned masterpiece, removing what is known in literary circles as "every fucking detail that makes it a masterpiece".
2. You can accomplish this by covering the masterpiece in lubricant and subjecting it to a sweaty aerobics session, to the sound of pounding german techno.
3. Remove all symbols, unless they are painfully obvious, as well as all motifs, and lengthily developed themes; replace them all with faux-macho sentimental shit. And rain.
4. Cut off all organic links between your style and your subject matter; forget all your russian homosexual meditations on the senseless tragedy of death after a proper but unfulfilled life. Treat death as something that happens just before it rains.
5. Suffocate your language's vitality with a string of short sentences. Drown your rhythm in a vat of fake pathos. Add more rain.
6. Don't even think about setting up some high-falutin' dichotomy between the spiritual authenticity of a vaguely apprehended inner life and your actual decaying physical casket. Just focus on the rain, and shoot some more adjectives in the face with a big manly shotgun.
7. Give it that Hemingway shine. In the end, you will have turned «The Death of Ivan Ilych» into two simple, boring, suicide-inducing sentences:
"He looked very dead. It was raining."
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