Tendo concluído com sucesso o período de hibernação auto-imposto para restaurar todas as minhas faculdades e institutos a tempo do Certame, creio estarem reunidas as condições para sermos felizes novamente (o facto de estar acordado às cinco da manhã e de ainda me lembrar da password do blogger avaliza a minha seriedade). Que essa felicidade possa ser consequência directa da prestação portuguesa no Certame já é mais duvidoso, como explica o besugo neste post catadióptrico, cujo grau de superlatividade é confirmado pelo rigor com que simultaneamente reflecte e refracta as minhas próprias opiniões sobre a matéria, que agora descubro sempre ter tido, desde pequenino.
O problema de Portugal é ter os jogadores errados não só para os jogadores certos que tem, como também para os outros jogadores errados, e ter o treinador errado tanto para os jogadores certos como para os errados, mas ainda assim o suicídio seria nesta altura precipitado. Os três jogos de preparação efectuados contra sucessivos fardos do homem branco mostraram, mais do que circunstanciais dificuldades físicas (tirando o Miguel, que está um trambolho, o resto parece-me tudo dentro das normas vigentes) uma assustadora ausência daquela dinâmica telepática que qualquer equipa a jogar só com 3 pessoas no meio-campo precisa para disfarçar o facto de só jogar com 3 pessoas no meio-campo. Mesmo tendo em conta que, especialmente no primeiro jogo contra Cabo Verde, havia ali instruções para "manter a forma", o que mais transtornou não foi a adesão fanática a um espartilho táctico, mas sim o reduzido número de opções que cada jogador na posse da bola tinha para dar seguimento a um lance, numa manobra colectiva atacante significativamente menos coreografada do que uma flash-mob convocada por telemóvel.
Parece-me evidente que este Portugal não pode ser o Portugal do rendilhado perpétuo, o Portugal dos 65% de posse de bola, o Portugal que fazia isto, por exemplo
nem o Portugal de 2004 e 2006, vagamente modelado no controlo de jogo passivo-agressivo do Porto de Mourinho, que encarava qualquer equipa adversária como uma frota humanitária turca.
Nesta convocatória há apenas dois jogadores com capacidade para essas coisas (Pedro Mendes e Deco), com a agravante de que nem sequer eles são, nesta fase das suas carreiras, transportadores de bola (Enfim, o Deco vai ser dos jogadores portugueses com melhores exibições durante o Mundial, isso é certinho, mas não vai ser o portento físico e táctico de 2004, onde chegou a jogar um prolongamento inteiro a lateral-direito - e bem). E o Pedro Mendes, apesar daquela hiper-competência no passe lateral, e da quase psicótica renitência em cometer disparates, continua a parecer-me um corpo estranho ali no meio.
A discussão sobre a escolha do onze numa competição a eliminar não se esgota em momentos de forma, ou nas posições ideais de cada um, mas no impacto potencial que aquilo que cada um faz bem poderá ter nos outros. Numa equipa com Maniche, Figo, Rui Costa e Nuno Gomes, o Pedro Mendes seria titular indiscutível. Mas tudo aquilo que ele faz extremamente bem (talvez melhor do que qualquer outro jogador português neste momento) tem um impacto irrisório no comportamento dos poucos jogadores da selecção que podem ser decisivos.
Como o besugo tentou explicar, como até o Jesualdo Ferreira deu ideia de conseguir perceber aqui há dois anos, apenas para dar a ideia de não ter percebido nada logo a seguir, a única maneira de conjugar as especificidades técnicas e biomecânicas dos jogadores com qualidade para serem titulares nesta selecção é descartar triangulações, jogo apoiado e consequentes homossexualidades, e adoptar o que é irritante mas correctamente designado como jogo de transições rápidas - o jogo que o melhor Porto do Lucho e do Lisandro jogava: um jogo para o qual o Raúl Meireles está formatado, para o qual o Pepe, mesmo a 80%, pode perfeitamente fazer de Paulo Assunção/Fernando, o Deco de Lucho, o Danny de Cristián Rodriguez, e o Cristiano Ronaldo de qualquer coisa que, graças a Deus, o Porto nunca teve. Faz falta, muita falta, o Bosingwa, e faz falta o Fábio Coentrão que quase toda a gente insiste em ver, mas que eu sinceramente ainda não vi. (Assisti a seis jogos completos do Fábio Coentrão como lateral esta época, ao longo dos quais demonstrou repetidamente que não sabe defender cruzamentos do lado oposto, para além de ter sido comido sete vezes pelo Kuyt, duas vezes pelo Bruno Gama, uma vez por um jogador cabo-verdiano que alinha no Pandurii Târgu Jiu da Roménia, pelo que podemos todos estar descansados quando apanhar o Kalou pela frente).
Temos um problema adicional no facto de o Liedson não ser o Lisandro, e continuar, aliás, a subsistir no futebol português como um curioso exemplo de anti-NunoGomismo; excelente em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era mau, péssimo em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era muito bom, Liedson está agora a ser para a selecção nacional o mesmo que tem sido para o Sporting: uma coisa alienígena ali no meio a emperrar a engrenagem colectiva, condição disfarçada em Alvalade pelo facto de ele ser extravagantemente melhor do que a engrenagem que emperra.
Também fiquei com a ideia de que o Queiroz "anda a industriá-los para jogarem em ataque planeado", menos pelo que se viu nos jogos de preparação do que pelas suas repetidas declarações sobre uma "fidelidade" a "princípios muito nossos". Deixa-me sempre arrepiado, esta conversa da fidelidade a princípios futebolísticos (não aquele arrepio bom de quando vemos um youtube de momentos do Mundial de 1990 ao som do "Friends Will Be Friends" dos Queen, mas o arrepio mau de quando alguém nos tenta ler um poema, ou quando somos atacados por um pombo numa caixa multibanco dos Restauradores enquanto tentamos carregar o telemóvel de um amigo que por coincidência é columbofóbico).
Com as restrições que Portugal tem (o leque de jogadores convocáveis nunca é, num determinado momento, superior a 30, como demonstrou aquela pré-convocatória de 50), não poderemos ser fiéis a princípios. O Brasil, por exemplo, não só pode ser fiel a princípios, como até tem dois conjuntos de princípios opostos aos quais pode atrelar a sua fidelidade, como o Freitas do Amaral. A convocatória do Dunga (que eu decidi por unanimidade unilateral ser a pessoa mais detestável do Certame, superando até o Domenech e o Steven Gerrard), mostra que a tendência ideológica actual é a de 1994, com a presença de dois Dungas (Josué e Gilberto Silva), um Mauro Silva (Felipe Melo) e dois Zinhos (Ramires e Kléberson), três dos quais serão sempre titulares. Mas havia condições para seguir a tendência de 1970: ceder ao populismo romântico, convocar o Ronaldinho, o Pato, mais o Ganso, o Neymar e o resto daquela absurda catrefada de adolescentes talentosos do Santos, metê-los em campo ao mesmo tempo, transformar cada partida da fase de grupos num lento meiinho de praia, antes de serem elegantemente eliminados pela Itália nos quartos-de-final, possibilitando aos cronistas do Record reabilitarem para o discurso futebolístico a palavra "perfume".
Portugal não tem - nunca teve - a opção. Está obrigado a escolher os melhores jogadores do período em questão, independentemente das tipologias, sem subordinar a escolha a uma filosofia. E como nem sempre as tipologias são tão harmónicas como foram em 2000 (tão harmónicas que bastou o Humberto Coelho para as potenciar), o trabalho do seleccionador cai precisamente na área entre Logística e Estratégica - o improviso táctico - que sempre foi o mais profundo dos mistérios para Queiroz, o exemplo mais aflitivo que conheço daquele tipo de inteligência que não reconhece nada entre "fidelidade a princípios" e "visão a longo prazo", entre a Constituição e o Projecto. Queiroz ou pensa no que é de base, ou no que está dez anos para a frente, nunca no imediato. É um tipo de inteligência que não admite contingências - e historicamente, a sua resposta a contingências tem sido desastrosa. Estamos a falar de um homem capaz de planear com rigor uma campanha transnacional de vacinação preventiva, ou de fazer um plano quinquenal para erradicar a constipação. Mas se alguém espirra à sua frente, o homem desintegra-se, e é capaz de tirar o Paulo Torres ao intervalo, meter o Capucho a lateral-esquerdo e levar seis golos do Benfica, ou do Brasil.
O problema de Portugal é ter os jogadores errados não só para os jogadores certos que tem, como também para os outros jogadores errados, e ter o treinador errado tanto para os jogadores certos como para os errados, mas ainda assim o suicídio seria nesta altura precipitado. Os três jogos de preparação efectuados contra sucessivos fardos do homem branco mostraram, mais do que circunstanciais dificuldades físicas (tirando o Miguel, que está um trambolho, o resto parece-me tudo dentro das normas vigentes) uma assustadora ausência daquela dinâmica telepática que qualquer equipa a jogar só com 3 pessoas no meio-campo precisa para disfarçar o facto de só jogar com 3 pessoas no meio-campo. Mesmo tendo em conta que, especialmente no primeiro jogo contra Cabo Verde, havia ali instruções para "manter a forma", o que mais transtornou não foi a adesão fanática a um espartilho táctico, mas sim o reduzido número de opções que cada jogador na posse da bola tinha para dar seguimento a um lance, numa manobra colectiva atacante significativamente menos coreografada do que uma flash-mob convocada por telemóvel.
Parece-me evidente que este Portugal não pode ser o Portugal do rendilhado perpétuo, o Portugal dos 65% de posse de bola, o Portugal que fazia isto, por exemplo
nem o Portugal de 2004 e 2006, vagamente modelado no controlo de jogo passivo-agressivo do Porto de Mourinho, que encarava qualquer equipa adversária como uma frota humanitária turca.
Nesta convocatória há apenas dois jogadores com capacidade para essas coisas (Pedro Mendes e Deco), com a agravante de que nem sequer eles são, nesta fase das suas carreiras, transportadores de bola (Enfim, o Deco vai ser dos jogadores portugueses com melhores exibições durante o Mundial, isso é certinho, mas não vai ser o portento físico e táctico de 2004, onde chegou a jogar um prolongamento inteiro a lateral-direito - e bem). E o Pedro Mendes, apesar daquela hiper-competência no passe lateral, e da quase psicótica renitência em cometer disparates, continua a parecer-me um corpo estranho ali no meio.
A discussão sobre a escolha do onze numa competição a eliminar não se esgota em momentos de forma, ou nas posições ideais de cada um, mas no impacto potencial que aquilo que cada um faz bem poderá ter nos outros. Numa equipa com Maniche, Figo, Rui Costa e Nuno Gomes, o Pedro Mendes seria titular indiscutível. Mas tudo aquilo que ele faz extremamente bem (talvez melhor do que qualquer outro jogador português neste momento) tem um impacto irrisório no comportamento dos poucos jogadores da selecção que podem ser decisivos.
Como o besugo tentou explicar, como até o Jesualdo Ferreira deu ideia de conseguir perceber aqui há dois anos, apenas para dar a ideia de não ter percebido nada logo a seguir, a única maneira de conjugar as especificidades técnicas e biomecânicas dos jogadores com qualidade para serem titulares nesta selecção é descartar triangulações, jogo apoiado e consequentes homossexualidades, e adoptar o que é irritante mas correctamente designado como jogo de transições rápidas - o jogo que o melhor Porto do Lucho e do Lisandro jogava: um jogo para o qual o Raúl Meireles está formatado, para o qual o Pepe, mesmo a 80%, pode perfeitamente fazer de Paulo Assunção/Fernando, o Deco de Lucho, o Danny de Cristián Rodriguez, e o Cristiano Ronaldo de qualquer coisa que, graças a Deus, o Porto nunca teve. Faz falta, muita falta, o Bosingwa, e faz falta o Fábio Coentrão que quase toda a gente insiste em ver, mas que eu sinceramente ainda não vi. (Assisti a seis jogos completos do Fábio Coentrão como lateral esta época, ao longo dos quais demonstrou repetidamente que não sabe defender cruzamentos do lado oposto, para além de ter sido comido sete vezes pelo Kuyt, duas vezes pelo Bruno Gama, uma vez por um jogador cabo-verdiano que alinha no Pandurii Târgu Jiu da Roménia, pelo que podemos todos estar descansados quando apanhar o Kalou pela frente).
Temos um problema adicional no facto de o Liedson não ser o Lisandro, e continuar, aliás, a subsistir no futebol português como um curioso exemplo de anti-NunoGomismo; excelente em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era mau, péssimo em todos os aspectos em que o Nuno Gomes era muito bom, Liedson está agora a ser para a selecção nacional o mesmo que tem sido para o Sporting: uma coisa alienígena ali no meio a emperrar a engrenagem colectiva, condição disfarçada em Alvalade pelo facto de ele ser extravagantemente melhor do que a engrenagem que emperra.
Também fiquei com a ideia de que o Queiroz "anda a industriá-los para jogarem em ataque planeado", menos pelo que se viu nos jogos de preparação do que pelas suas repetidas declarações sobre uma "fidelidade" a "princípios muito nossos". Deixa-me sempre arrepiado, esta conversa da fidelidade a princípios futebolísticos (não aquele arrepio bom de quando vemos um youtube de momentos do Mundial de 1990 ao som do "Friends Will Be Friends" dos Queen, mas o arrepio mau de quando alguém nos tenta ler um poema, ou quando somos atacados por um pombo numa caixa multibanco dos Restauradores enquanto tentamos carregar o telemóvel de um amigo que por coincidência é columbofóbico).
Com as restrições que Portugal tem (o leque de jogadores convocáveis nunca é, num determinado momento, superior a 30, como demonstrou aquela pré-convocatória de 50), não poderemos ser fiéis a princípios. O Brasil, por exemplo, não só pode ser fiel a princípios, como até tem dois conjuntos de princípios opostos aos quais pode atrelar a sua fidelidade, como o Freitas do Amaral. A convocatória do Dunga (que eu decidi por unanimidade unilateral ser a pessoa mais detestável do Certame, superando até o Domenech e o Steven Gerrard), mostra que a tendência ideológica actual é a de 1994, com a presença de dois Dungas (Josué e Gilberto Silva), um Mauro Silva (Felipe Melo) e dois Zinhos (Ramires e Kléberson), três dos quais serão sempre titulares. Mas havia condições para seguir a tendência de 1970: ceder ao populismo romântico, convocar o Ronaldinho, o Pato, mais o Ganso, o Neymar e o resto daquela absurda catrefada de adolescentes talentosos do Santos, metê-los em campo ao mesmo tempo, transformar cada partida da fase de grupos num lento meiinho de praia, antes de serem elegantemente eliminados pela Itália nos quartos-de-final, possibilitando aos cronistas do Record reabilitarem para o discurso futebolístico a palavra "perfume".
Portugal não tem - nunca teve - a opção. Está obrigado a escolher os melhores jogadores do período em questão, independentemente das tipologias, sem subordinar a escolha a uma filosofia. E como nem sempre as tipologias são tão harmónicas como foram em 2000 (tão harmónicas que bastou o Humberto Coelho para as potenciar), o trabalho do seleccionador cai precisamente na área entre Logística e Estratégica - o improviso táctico - que sempre foi o mais profundo dos mistérios para Queiroz, o exemplo mais aflitivo que conheço daquele tipo de inteligência que não reconhece nada entre "fidelidade a princípios" e "visão a longo prazo", entre a Constituição e o Projecto. Queiroz ou pensa no que é de base, ou no que está dez anos para a frente, nunca no imediato. É um tipo de inteligência que não admite contingências - e historicamente, a sua resposta a contingências tem sido desastrosa. Estamos a falar de um homem capaz de planear com rigor uma campanha transnacional de vacinação preventiva, ou de fazer um plano quinquenal para erradicar a constipação. Mas se alguém espirra à sua frente, o homem desintegra-se, e é capaz de tirar o Paulo Torres ao intervalo, meter o Capucho a lateral-esquerdo e levar seis golos do Benfica, ou do Brasil.
Vou agora estudar a situação das esplanadas com ecrã gigante na capital, mas manter-me-ei atento, prolífico, e carinhoso.
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