Encontrava-me acabado de chegar à capital espanhola. Por razões que não vêm ao caso, tinha acabado de comer ameixas, sentado num banco público, em plena Gran Via. Tinha as mãos sujas e não dispunha de um guardanapo. Tinha acabado de almoçar e precisava de um café.
Mesmo em frente a mim encontrava-se uma “chocolateria”, fundada em 1935. E que parecia na mesma como em 1935, ou pelo menos como no franquismo. As mesas, as ementas, os talheres, a louça fina. A esplanada no passeio, separada por canteiros. Os aquecimentos para quem se quiser sentar ao ar livre no Inverno, uma ideia provavelmente importada de Paris. Os empregados de gravata.
A alternativa residia um quarteirão acima. Um Starbucks, algo que, como viria a descobrir depois, é bastante frequente na cidade. Hesitei; não mais entrara na cadeia de cafés norte-americana desde que saí dos EUA, há quase quatro anos. Mas a alternativa era mesmo a chocolateria, o café em Espanha às vezes é mau, e no Starbucks pode ser sempre a mesma coisa mas ao menos é seguro. Entrei.
Foi bom beber o mesmo café que bebia há quatro anos, nas minhas deambulações pela América profunda, quando queria um espresso minimamente de confiança. Foi bom reencontrar o mesmo leite à disposição do cliente, que foi parte de vários pequenos-almoços meus. Foi bom poder servir-me da casa de banho à vontade. Não li o The New York Times, mas li o El Pais e a Marca à minha vontade enquanto tomava o meu café e na sala tocava o Rufus Wainwright. Sobretudo, foi bom reencontrar-me com o mesmo tipo de pessoas de antes. Empregados simpáticos e eficientes. Clientes de proveniências diversas, jovens na sua maioria, sozinhos ou em grupos. A conversarem, a namorarem, a navegarem na internet sem rede nos seus portáteis. Foram ao Starbucks para tomarem café, nas muitas variedades em que este lá se encontra, e para passarem algum tempo e conviverem. Não para “mostrarem” aos outros clientes que também são chiques. Na verdade um cliente do Starbucks só está preocupado consigo e com a sua companhia. Desde que não o incomodem, não quer saber se os outros clientes andam com uma mochila às costas e se têm as mãos todas cagadas de ameixa. A diferença principal em relação à chocolateria é mesmo esta. Como poderia eu lá ter entrado?
Foi um prazer saborear um bom café, mas o melhor mesmo foi reencontrar um pouco de Nova Iorque em plena Madrid.
Enquanto o café em Portugal for de qualidade e barato (apesar do muito que tem aumentado), não creio que corramos o risco de sermos invadidos pelo Starbucks. Mas se a moda de servir o café com dois pires e uma bolacha em pacote se generalizar, não dou muito tempo para termos o Starbucks cá.
Este texto foi publicado originalmente no Cinco Dias. Vale a pena acompanhar a discussão nos comentários lá.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
Blog Archive
-
▼
2007
(1051)
-
▼
August
(49)
- Kiluanji Kia Henda em Sines
- A grande transferência do defeso (sem contar com a...
- Eduardo Prado Coelho (1944-2007)
- Guerras dinásticas no BCP
- As saudades que eu vou ter do Channel 4
- O Trabalho, o Consumo, a Informática e o Futuro
- Andebol, basquetebol, mão; futebol, pé
- A melhor da semana passada - 2
- Eu preferia quando a Eufémia era vermelha
- O que eu fiz nas minhas férias
- Aprés la sieste
- No title
- O cinema e as pipocas
- Fernando Santos
- Dez anos
- “Pessoa comum no seu tempo”, livro de memórias de ...
- VERDE LEITÃO
- Entretanto, as eleições americanas
- A melhor da semana passada - 1
- Carioca ao vivo
- De uma junta de freguesia do distrito de Aveiro
- Santa Ingenuidade
- As novas tecnologias e as velhas relações sociais ...
- A globalização na Almirante Reis
- Estamos em obras...
- Julius Wess (1934-2007)
- Demasiados corvos em Lisboa
- Foi como lavar os dentes
- A propósito de utopia
- Em vez do vintage, eu diria um tinto alentejano re...
- Comidas, La Casera e vinho
- Os dois grandes erros da TAP
- A Utopia e as malas Vuitton (1)
- A minha leitura "Foi Assim":
- A explicação do AAA e do RAF
- Continua, sempre
- Madrid só tem mesmo Starbucks
- Golpe quase perfeito
- 3.000 Assinaturas
- ¡Madrid me mata… de aburrimiento!
- São Cavaco, padroeiro dos jornalistas
- Le Big Mac
- Fernando Charrua mentiu e parece que ninguém reparou
- Carta Aberta a António Costa e Sá Fernandes
- Ponte sobre o Mississipi
- Starbucks everywhere
- Arte no Metro de Lisboa
- Mais 1000 assinaturas em dois dias.
- Em Madrid, desde que o café é café
-
▼
August
(49)
No comments:
Post a Comment