A palavra "lícito" tinha vindo para a ribalta quando, recentemente, se percebeu que ser corrompido para "acto lícito" é um crime que prescreve muito mais depressa do que ser corrompido para "acto ilícito". Mas não ficou por aí.
Agora voltou, ainda que indirectamente, na legislação que promete perseguir o enriquecimento ilícito. Se há enriquecimento ilícito então, para haver lógica, também terá que haver enriquecimento lícito.
Isto parece uma coisa de nada mas não é. Estas subtilezas semânticas revelam muita coisa.
Quando a Crise Financeira Em Curso (CFEC) rebentou como uma bomba, apesar de toda a gente ter obrigação de a prever, houve logo quem falasse do fim da desregulação, do fim do neoliberalismo e até mesmo do fim do capitalismo. Agora toda a gente, mesmo a "esquerda da esquerda", já só fala do enriquecimento ilícito que é outra forma, implícita, de legitimar todo o enriquecimento que não é ilícito.
Eu não discuto se os ricos fazem falta ou não, pelo menos no sistema actual. Mas os ricos deste sistema tornam-se ricos através de um processo que, mesmo quando considerado "lícito" é, pelo menos, arcaico e socialmente indesejável. Eu preferia que os ricos, a existirem, nascessem de relações de produção mais avançadas e produtivas. Mais igualitárias.
Este protagonismo da palavra "lícito" nos discursos da esquerda significa apenas uma coisa: que apesar da crise, uma oportunidade de oiro, a esquerda não sabe o que propor como alternativa.
Tenho pena. Irrita-me que se varra este problema para baixo do tapete.
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