.
A lição de Berlusconi
Por Saldanha Sanches, Expresso 28.11.2009
A justiça italiana, tal como a portuguesa, funciona mal. Giulio Andreotti afinal não era um cúmplice da máfia nem mandou matar jornalistas e acabou por ser absolvido. Berlusconi tem feito tudo o que pode para que ela funcione ainda pior.
Entre nós o pacto PSD/PS também fez o que pôde. Berlusconi, quando alguns magistrados conseguem remover os obstáculos que a lei lhes coloca no caminho, declara que é um mártir e que os magistrados que o perseguem são comunistas.
Nesta pequena Itália vai sucedendo o mesmo: os heróicos paladinos da liberdade insurgem-se contra o Estado policial que surge no horizonte. Os magistrados têm motivações políticas. As escutas telefónicas são a forma moderna da tortura e por isso devem ser ainda mais limitadas.
Num certo sentido são uma tortura: para quem a actividade empresarial tem como componente essencial os subornos e as comissões, o perigo, mesmo remoto, de ser escutado constitui um problema sério. Sem telemóvel é tudo desesperadamente lento e a economia paralela tem as suas exigências.
Para mais as cifras de que se falou na operação ‘Face Oculta’ parecem mostrar que do lado da corrupção a oferta é cada vez maior e as comissões estão mais magras.
Logo, acabar com a possibilidade de escutas nesta zona, mesmo judicialmente mandatadas, constitui uma questão central para este largo sector da economia portuguesa. Percebe-se por isso os clamores de alguns colunistas empenhados na defesa preventiva dos seus clientes para impedir processos e acusações.
As disfunções do modelo actual do Ministério Público e as mudanças destinadas a tornar o Código do Processo Penal um empecilho ainda maior à investigação tornam a detecção improvável, mas não impossível. A probabilidade de uma qualquer acusação acabar com uma condenação em tempo útil é muito remota, mas ser arguido envolve sempre algum incómodo.
Em Portugal como na Itália, nos crimes de colarinho banco, sem cadáver nem flagrante delito, qualquer advogado competente consegue prolongar o processo e às vezes nem isso é necessário: o processo encalha em qualquer parte.
Na Itália, Berlusconi, mesmo depois do seu revês no Tribunal Constitucional, encontrou a fórmula mágica para impedir a acusação dos crimes de colarinho branco: a lei do processo rápido, que diminui os prazos de prescrição e torna virtualmente impossível que estes processos acabem.
Cá, devem estar a pensar no mesmo.
Se a justiça continua a perseguir quem não deve, então um prazo curto de prescrição constitui a fórmula mágica: o nosso processo penal já garante que um caso como o de Madoff (já com condenação definitiva e a cumprir pena) seja impossível. Justiça rápida em crimes económicos, no nosso ordenamento jurídico, é uma graça de mau gosto. Tal como na Itália. Prazos de prescrição mais rápidos, na próxima reforma do Código do Processo Penal, podem ser a solução definitiva seguindo a lição de Berlusconi. Seria inteiramente inconsequente que copiassem o discurso, sem copiarem as soluções. Adenda: a situação no Continente atingiu pontos tais que Jardim mostra o seu nojo e o seu desinteresse. Desde que continue a receber a sua mesada.
.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
Blog Archive
-
▼
2009
(761)
-
▼
December
(39)
- Se os recursos fossem ilimitados, não precisaríamo...
- O concerto do ano: GNR
- Bom Ano
- O concerto fracassado do ano: Gal Costa
- Demérito
- O ovo do Colombo
- A ler, n'"A Bola"
- As verdades que Copenhaga ignorou
- ÁGORA
- China em alta velocidade
- O Concílio de Copenhaga
- Mal ou bem, por tímida que seja, uma reforma sempr...
- Boas festas
- Bom Natal
- O Milagre de Natal
- Ao fundo do túnel o quê ?
- Ocultações
- Notícia contra a corrente
- O aquecimento global por vagas de frio
- Velhas profissões
- O Carnaval dos Hospitais
- A ópera de três euros
- Um país a discutir o sexo dos (marm)anjos
- Duas ou três coisas sobre o “caso Berlusconi”
- Cuba em 1995
- Inaugurado gasoduto de 6.800 km entre Turcomenistã...
- O silogismo de Vara
- Vamos brincar à caridadezinha ?
- UM, NENHUM E CEM MIL
- Vara a Governador do Banco de Portugal
- O "falhanço" da China
- Manobras de diversão
- Um dia à beira do Ceira
- Há mar e mar
- S. Clara. Ou será escura ?
- Parabéns, Tiago!
- Uma mentira, repetida em muitos blogues, acaba por...
- A lição de Berlusconi
- Já Cícero sabia
-
▼
December
(39)
No comments:
Post a Comment