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Ao fim de quase três anos o Tribunal Criminal de Lisboa terminou finalmente o julgamento da condutora que, a 2 de Novembro de 2007, atropelou três mulheres no Terreiro do Paço, em Lisboa e condenou-a a três anos de cadeia.
Independentemente da justeza da pena, que segundo parece vai ser objecto de recurso durante vários anos, os termos da sentença são reveladores da ideologia dominante nesta matéria. A condenada “não mostrou arrependimento”, mas antes uma “frieza afectiva”.
A ideologia dominante quanto à sinistralidade, a tese imbecil da "guerra civil na estrada", insiste em centrar as atenções na culpa desprezando o estudo das verdadeiras causas dos acidentes.
Ao fim de três anos e depois do julgamento continuamos sem saber qual foi realmente a causa do acidente. A velocidade do veículo, mesmo que superior à permitida no local, não explica o despiste e o atropelamento dos peões sobre o passeio. A velocidade poderia ser uma boa explicação para o despiste se o automóvel estivesse a descrever uma curva, o que não é o caso.
Algo terá acontecido certamente para que o veículo saísse da estrada com os resultados trágicos que se conhecem; ou a condutora adormeceu, ou se distraíu a falar ao telemóvel, por exemplo.
Do ponto de vista da prevenção rodoviária o que interessa é perceber muito bem o que se passou e por que razão aconteceu. Do ponto de vista da justiça e do ressarcimento das vítimas importa também perceber muito bem o que se passou pois há uma diferença entre culpa e responsabilidade; não se tem, por exemplo, culpa por adormecer mas tem-se certamente a responsabilidade pelas consequências e danos resultantes de tal facto. Pode-se e deve-se mostrar arrependimento quando há culpa mas não faz sentido alguém arrepender-se de algo que não decidiu ou de que não teve consciência.
Mas estes detalhes não interessam muito aos fundamentalistas que querem essencialmente mostrar todos os condutores como potenciais criminosos.
Os exageros e disparates que esta linha de pensamento produz estão bem ilustrados na primeira pégina do "I" hoje publicado. "São atropeladas 17 pessoas por dia" grita irresponsávelmente o jornal para só nas páginas interiores informar que afinal só morreram 92 durante um ano inteiro e não os 6.133 que a primeira página insinuava.
Estes dislates, que tentam ocultar a fortíssima redução do número de acidentes e de vítimas nos últimos anos, foram inspirados numa "tese de mestrado defendida esta terça-feira no ISCTE por Maria João Martins, enfermeira com cerca de 20 anos de experiência em trauma causado por acidentes".
A grande descoberta desta tese é que "a maior parte dos condutores não se culpabiliza e tenta atribuir a responsabilidade a outros elementos externos". A "cientista" parte do princípio de que os condutores são culpados, não admite sequer como hipótese que o não sejam, e portanto conclui que a atitude dos condutores é não só criminosa como incapaz de admitir a culpa.
Esta fervor ideológico mascarado de "ciência" não explica quase nada sobre as causas dos acidentes ou a forma de os evitar mas parece-se muito com a caça às bruxas tal como era conduzida pela santa inquisição.
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