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"A neve caía num dia de Inverno em 1991 quando Lu Gang, um estudante chinês baixo e magro que recentemente concluíra o seu doutoramento em Física de Plasmas, entrou numa sala de aulas da Universidade de Iowa, pegou num revólver Taurus de calibre 38, e matou o professor Christoph Goertz, o seu orientador de tese, Robert A. Smith, membro do júri que avaliara a sua dissertação, e Shan Linhua, um outro estudante chinês de doutoramento, e seu rival.
De seguida, Lu dirigiu-se ao gabinete do coordenador do Departamento de Física e Astronomia, Dwight R. Nicholson, que estivera também no júri da sua tese de doutoramento, e disparou mais três tiros mortais. A seguir, foi até à Ala Jessup e exigiu falar com Anne Cleary, vice-reitora responsável pelos assuntos académicos. Quando ela saiu do seu gabinete, matou-a, e depois atirou na sua assistente de 23 anos. Finalmente, num auditório vazio, Lu encostou a arma contra a cabeça e suicidou-se.
Como teria um jovem, brilhante e trabalhador físico chinês, que aterrara nos Estados Unidos seis anos antes cheio de orgulho e esperança, chegado a um fim tão amargo é o tema de Dark Matter, o filme que se estreou recentemente nos EUA, dirigido pelo realizador Chen Shi-Zheng, ele próprio nascido na China. O actor Liu Ye é o protagonista, inicialmente idealista e ambicioso, depois humilhado e enraivecido (no filme aparece com o nome de Liu Xing); Aidan Quinn é o arrogante orientador da faculdade (fazendo de Christoph Goertz); e Meryl Streep é uma bondosa, se bem que ingénua, benemérita da universidade que recebe estudantes chineses.
Dark Matter pode à primeira vista parecer apenas mais um filme sobre assassínios em série num campus universitário norte-americano, embora com um toque chinês. Quando Liu Xing chega à Universidade de Iowa proveniente de Pequim, proclama com optimismo "a sua sorte por chegar à América, Meiguo, O Belo País. Possamos todos alcançar aqui o nosso sonho! Vou resolver o problema da Matéria Negra, vencer o Prémio Nobel, e casar com uma rapariga americana de olhos azuis!"
Mas gradualmente convence-se de que os professores conspiram para atrasar o seu doutoramento e negar-lhe o legítimo reconhecimento como académico. A sua paranóia aumenta quando o júri recusa aceitar a sua tese até ele refazer alguns dos cálculos, impossibilitando assim que ganhe o prémio da melhor dissertação. No final do filme, o seu profundo sentido de humilhação leva-o a um estado psicótico, e num acesso de raiva mata os professores." Público, 10.08.2008
Este texto foi extraído de um extenso artigo de Orville Schell: "China, Humilhação e Jogos Olímpicos" (que pode ler aqui). Ele parte da descrição do filme "Dark Matter" para mostrar como são complexas as relações entre "o Ocidente" e a China, o que vem mesmo a propósito neste tempo em que qualquer um se sente habilitado a julgar e aconselhar o imenso e antiquíssimo país oriental. Diz Orville Schell:
"Quando se trata de aceitar críticas estrangeiras em relação a assuntos como os Jogos Olímpicos, Tibete, Darfur e Birmânia, os dirigentes chineses mostram-se invariavelmente impenetráveis. As suas reacções defensivas sugerem que as suas memórias de histórica fraqueza e humilhação ainda ardem com intensidade. E se críticas justas não devem ser caladas só porque os líderes chineses as consideram desagradáveis, também devíamos, enquanto estrangeiros em contacto com a China, ter mais em mente que muita da matéria negra gerada pela história ainda flutua no universo que nos é comum."
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