Depois da derrocada do “socialismo real”, uma vez e outra Marx regressa, quase sempre como uma moda.
Faz sentido tentar perceber o que se mantém válido e o que está ultrapassado nas teses de Marx. Mas não faz muito sentido discutir Marx na base dos “erros de previsão”, tratando-o como um mago cujo objectivo fosse adivinhar o futuro.
A única coisa que ele previu foi que os homens lutariam contra a exploração, como sempre fizeram, mas nos moldes próprios da nova era industrial cuja adolescência ele presenciou. Nessa previsão acertou em cheio e, se o resultado obtido não nos satizfaz, não é a Marx que devemos culpar.
O nó górdio do marxismo está na relação, mal conseguida, entre a noção de “modo de produção” e a luta política e partidária pelo acesso ao poder. Como se a tomada do poder fosse suficiente para a emergência de uma "sociedade sem exploração".
Na esquerda marxista é comum tomar-se como bastante a luta política e sindical do dia a dia sem curar de compreender e integrar o ciclo mais longo da transição para um novo paradigma de organização social e económica. Dessa forma legitima-se, sem ter consciência disso, a famosa tese de Thatcher “there is no alternative”.
Sem dúvida que “a história de toda a sociedade até hoje é a história da luta de classes”, no sentido em que esse combate perpassa toda a evolução da humanidade. Mas convém perceber em que circunstâncias e em que condições a luta de classes deixa de ser uma mera questão de auto-defesa e se converte no motor da transição profunda nas formas de produzir e distribuir em sociedade.
Esta falta de clareza estende-se também à questão de saber qual é o papel e quais são as limitações do voluntarismo na transição do modo de produção. Com esta questão prende-se uma outra que é a de saber quando e onde se pode, ou deve, exercer tal voluntarismo. Seja qual for, em abstracto, a eficácia do voluntarismo ela efectivar-se-á em qualquer momento e em qualquer lugar ou estes têm que ser ponderados e escolhidos de acordo com determinados critérios ?
O primeiro a cometer o erro de escamotear as condições prévias para o desabrochar de um novo modo de produção foi curiosamente o próprio Marx. Em 1850 convenceu-se de que o capitalismo estava a chegar ao fim. Eis como em 1895 Engels conta o sucedido na introdução a “As lutas de classes em França de 1848 a 1850”:
“A nós e a todos quantos pensávamos de modo semelhante a história não deu razão. Mostrou claramente que nessa altura o nível de desenvolvimento económico de modo algum estava amadurecido para a eliminação da produção capitalista. Demonstrou isto por meio da revolução económica que alastrava por todo o continente desde 1848 e fizera a grande industria ganhar pela primeira vez foros de cidadania em França, na Áustria, na Hungria, na Polónia e ultimamente na Rússia, e, além disso, tornara a Alemanha num país industrial de primeira categoria. E tudo isto sobre fundamentos capitalistas que, em 1848, ainda tinham grande capacidade de expansão”.
(Marx e Engels – Obras Escolhidas, Trad. Portuguesa, Edições Avante, 1982, Tomo I, pag. 195).
Vejamos como Marx formalizou no prefácio de “Para a crítica da Economia Política”, 1859, os ensinamentos retirados do erro cometido:
“Uma formação social nunca decai antes de estarem desenvolvidas todas as suas forças produtivas para as quais é suficientemente ampla, e nunca surgem relações de produção novas e superiores antes de as condições materiais de existência das mesmas terem sido chocadas no seio da própria sociedade velha. Por isso a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois que, a uma consideração mais rigorosa, se achará sempre que a própria tarefa só aparece aonde já existem, ou pelo menos estão no processo de se formar, as condições materiais da sua resolução”
(Marx e Engels, Obras Escolhidas, Trad. Portuguesa, Edições Avante, 1982, Tomo I, pag. 531).
É neste ponto que, quanto a mim, devemos retomar Marx.
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