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Dou-me muito mal com uma expressão que percorre, sem descanso, os nossos obituários e outras homenagens menos póstumas: “era amigo do seu amigo”.
Sou levado a pensar que se trata de uma fórmula reveladora, como poucas, do “amiguismo” que vigora na nossa sociedade.
As efemérides e as homenagens aos falecidos tornaram-se uma espécie de indústria com os seus especialistas e habitués. São também uma arma de arremesso entre capelinhas; tem-se chegado ao ridículo de disputar em público a primazia na intimidade dos mortos enquanto eram vivos.
“Amigo do seu amigo”? então havíamos de ser amigos de quem? dos nossos inimigos?
O pleonasmo é tão gritante que indicia um segundo- ou terceiro- sentido; uma cornucópia de favores, empenhos e cunhas; uma girândola de prebendas, avenças e promoções; um derramar de contratos, adjudicações e falcatruas.
É desta massa semântica que nascem os BPN’s e os Loureiros quer sejam ministros ou autarcas. Reproduzem-se como Coelhos nos contentores, como Varas nas caixas ou como Amarais nas pontes.
Os casos que se sucedem nos jornais, e que sucedendo-se vão fazendo esquecer os anteriores, só são possíveis porque esta “cultura” está profundamente enraizada. De tal forma que as pessoas, na sua ingenuidade, já nem se dão conta.
Hoje mesmo recebi por email um inocente pedido de ajuda nos seguintes termos:
“É uma pessoa formidável, generosa. Teve de fugir para o estrangeiro enquanto estudava medicina, por motivos óbvios. Acabou lá o curso e dedicou-se a ajudar a comunidade portuguesa. O seu trabalho desinteressado foi reconhecido e condecorado.
Continua a viver e a exercer no estrangeiro, com algumas dificuldades, como toda a gente. Recentemente comprou uma casa de campo mas foi aldrabada pelo vendedor e a casa precisa de muitos mais arranjos do que esperava- para os quais não têm dinheiro que chegue.
Sendo assim resolveu participar num concurso para ganhar um telhado. Mas para isso precisa de ser o mais votado dos concorrentes. Por isso vos peço que vão ao site...”
Os colegas do liceu estão a mobilizar-se "para ajudar" e acham normal incomodar meio mundo com uma questão privada, como tantas outras, que não chega sequer a ser dramática.
Dizem eles na sua missiva cheia de boas intenções: “Por isso recorremos à ajuda dos nossos amigos, porque os amigos dos nossos amigos...”
Um verdadeiro tratado sobre o pequeno mafioso que vive dentro de cada um de nós.
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