Na verdade, aquilo que é o conteúdo do "regresso a Marx" resume-se ao facto de o Estado estar a intervir para tentar remendar os efeitos da crise financeira e minimizar os efeitos dessa crise na chamada "economia real", como se a outra fosse "irreal", ou seja, Bush quando decide injectar no sistema financeiro uns milhões de dólares, ou Obama quando quer salvar a General Motors, Sócrates quando reforça o capital da CGD com fundos públicos, ou os governos quando avançam com variantes nacionais de programas como o Tennessee Valley Authority de Roosevelt para combater o desemprego estão a propor uma solução "marxista" para os problemas da crise. Mais intervenção do Estado, menos "mão invisível", menos mercado livre, logo mais Marx. Para quem conheça Marx esta ilação é completamente absurda.
..."Só por ignorância de Marx, e de Engels como intérprete "legítimo" de Marx, é que se pode considerar que o reforço do papel do Estado na economia, através quer de nacionalizações, quer de "regulação", correspondem ao programa político marxista. Quer Marx, quer Engels, quando confrontados com as primeiras formulações de um programa "mínimo" por aqueles que hoje conhecemos como os fundadores do Partido Socialista Alemão, nos chamados "programas de Gotha e Erfurt", não fizeram outra coisa senão mostrar como a ilusão da intervenção do Estado era mais uma adaptação do capitalismo do que um passo na sua destruição, mais uma extensão do Estado prussiano e da política de Bismarck do que algo que revolucionários pudessem aceitar. Apesar de algumas ambiguidades dos "programas mínimos", mais presentes em Engels do que em Marx, a rejeição das ideias de Lassalle é radical, perguntando-se Engels na crítica ao Programa de Erfurt se a reivindicação de serviços públicos estatais (justiça, saúde, etc.) era compatível com "a rejeição do socialismo do Estado". E, por fim, a cereja no bolo marxista: é criticando o Programa de Gotha que Marx se refere a que entre "a sociedade capitalista e a sociedade comunista" está a "ditadura do proletariado".
..."Depois, nada há de menos marxista do que confundir a "luta de classes" com o discurso genérico e ambíguo dos ricos e dos pobres, o que faria Marx tremer de raiva. Na verdade, um dos grandes combates políticos de Marx como "marxista", depois de ser hegeliano, foi insistir que o papel do proletariado não vinha da vontade nem do irredentismo operário (bem menor em muitos países do que o da pequena-burguesia ou do campesinato), mas da condição proletária, ou seja, de um dado "científico" inscrito na relação de exploração."
Pacheco Pereira no "Abrupto"
É pena ter que ser um militante do PSD a vir dizer estas coisas.
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