Faz parte da minha actividade profissional participar regularmente em seminários, a maior parte das vezes a assistir. Quem assiste a seminários técnicos com a duração de uma hora, ou está muito interessado e muito por dentro do assunto, ou inevitavelmente perde a concentração (pelo menos é o meu caso) a um dado momento. No primeiro caso pode-se intervir activamente, fazer perguntas e, no fundo, é um pouco como se se fosse também orador. No segundo caso, a maior parte das vezes quando o orador começa a descrição dos pormenores mais técnicos, acaba-se por adormecer brevemente. Passar pelas brasas. Dar ar às pálpebras, como eu costumo dizer. O facto de o seminário ser em salas fechadas e consistir em ouvir-se a mesma voz durante uma hora, muitas vezes sem interrupções, contribui muito para este efeito.
(O fenómeno de dormir nos seminários já foi estudado e existe literatura sobre o assunto, usando o meu orientador de doutoramento como case-study. O meu orientador de doutoramento é uma espécie de Mário Soares da física teórica: é mais respeitado e percebe mais do assunto a dormir do que muitos acordados. Tenho uma grande admiração por pessoas assim. Recomendo-vos vivamente The Art Of Sleeping In Seminars, pelo meu professor Warren Siegel, dedicada ao seu colega meu orientador.)
A maior parte das vezes consegue-se acompanhar o seminário e perceber a mensagem, mesmo se se passa pelas brasas uns minutos. Mas é muito frustrante se calha estarmos a dormitar quando é apresentado o argumento principal, e quando acordamos já não percebemos nada e não podemos pedir ao orador para voltar atrás. Neste aspecto assistir a um seminário é como ver um filme no cinema ou na TV (também se pode adormecer e perder o fio à meada), mas com a vantagem de podermos ler na maior parte das vezes a literatura (artigos) original. Mas não deixa de ser frustrante quando perdemos o principal de um seminário (ou de um filme) por causa de um pequeno cochilo.
Existe porém uma terceira categoria de seminários: os que não nos dizem nada, que não têm nada a ver connosco, mas a que temos que assistir por mera cortesia. Neste caso o efeito da voz do orador não se aplica, pois não lhe estamos a prestar atenção nenhuma. É a sensação mais irritante: estarmos a assistir a um seminário que não nos interessa para nada e de onde não podemos sair, pensarmos “ao menos era bom que adormecesse agora! Dorme! Dorme!” e nem assim conseguimos adormecer. Só adormecemos nos seminários a que prestamos (ou queremos prestar) atenção. É triste mas é verdade.
Tudo o que eu acabei de descrever em relação aos seminários é directamente transponível para os filmes. A classificação dos filmes (bem como dos seminários) de acordo com as três diferentes categorias que enunciei é evidentemente pessoal e subjectiva: depende dos gostos e interesses de cada um. Tomemos como exemplo Manoel de Oliveira, que faz hoje cem anos (os meus sinceros parabéns!) e que é alvo das mais diversas (e merecidas) homenagens (como esta do Rui) por parte de quem supostamente vê os seus filmes, quer adormeça quer não. No meu caso, a esta terceira e última categoria pertenceriam os filmes do cineasta Manoel de Oliveira, se por alguma razão eu me visse obrigado a vê-los mais do que o que já vi.
O que eu penso do cineasta Manoel de Oliveira, numa frase, é isto: Manoel de Oliveira é tão chato que nem sequer me consegue fazer dormir.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
Blog Archive
-
▼
2008
(890)
-
▼
December
(75)
- Na despedida de 2008
- Bom 2009 para todos!
- 2008 acaba em grande, que venha 2009
- Automobilistas ou criminosos ?
- Para quem não viu...
- Perguntas e Respostas sobre a última guerra israel...
- Leiria no tempo das Invasões Francesas
- Sócrates bipolar ?
- Estou farto, farto !
- A CRISE
- Imperialismo sem canhoneiras
- Para quem ainda não recebeu as prendas
- Um singelo balanço
- A "Intifada judaica" e o "pogrom palestiniano"
- E nós ?
- Um Natal economicamente viável para todos
- Natal Global ?
- To Kill a Mocking Bird
- 00-zero
- Três dias, três músicas
- Marx e os seus retornados
- O estado é um predador, preda tão completamente...
- PUCCINI
- O que são "as esquerdas" ?
- The letter as a work of art
- Museu Virtual do Cartoon
- A nossa imprensa desportiva
- Jogo de sombras chinesas
- Anti-gay ou anti-casamento ?
- E se os médicos jogassem no Estrela da Amadora ?
- "PCP e BE vão perder pau e bola"
- Um partido sidecar ?
- Isto diverte mas começa a ser cansativo
- West Coast
- S...de Santana
- Atamancar a política
- A arte para o povo explicada aos velhinhos que gos...
- Um Fórum Pós-Capitalista
- Está tudo doido
- Acabou por ser um bom fim-de-semana, só foi pena t...
- Vou "linkar" um "blogue", como dizem os jovens
- Ah Lobo Antunes, és um cordeirinho
- Complexo de Olívia - costureira ou patroa ?
- A macdonaldização da Antena 2
- Pimba TMN
- Invenções
- As promessas
- Onde é que vai cair ?
- "Café com blogues" na Rádio Universitária do Minho
- Aviso à navegação
- Cem anos de Manoel de Oliveira
- O gesto é tudo
- Direitos Humanos
- Do conflito entre os professores e o ministério da...
- Sexta-feira Paralamentar
- Da conflitualidade social
- Amigo do seu amigo
- A liberdade conquista-se
- Da vontade da maioria
- O João faz falta
- Sacrilégios contemporâneos
- Atenção aos sinais
- A endrominação dos functores
- Os professores como barrigas de aluguer
- Graus Celsius e graus Fahrenheit
- A maior greve de sempre ?
- Uma imagem, uma revolução
- Da desobediência
- Uma esquerda de guichet
- No title
- A crise de 1983
- "Está a nevar!"
- China se torna o maior financiador do déficit dos EUA
- Quanto ? como ? e com quem ?
- Sporting - 3, Guimarães – 0
-
▼
December
(75)
No comments:
Post a Comment