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Podemos definir o "voto solto", nas Europeias de 2009, como os novos votos ou os votos que mudaram a sua escolha relativamente às Europeias de 2004. Chegamos assim a 725.157 votantes (os 155.599 votantes adicionais em relação às europeias anteriores, mais os 569.558 perdidos pelo PS comparativamente com 2004).
É interessante notar que esses 725.157 votos se distribuiram em partes identicas pelos partidos à esquerda e pelos partidos à direita do PS cabendo a cada uma das alas cerca de 40% dos "votos soltos". Os 20% restantes foram parar aos partidos que previsívelmente não obteriam qualquer representação no Parlamento Europeu indiciando uma atitude imune às lógicas da utilidade, por parte de 145 mil desses eleitores.
Esta aparente simetria entre a esquerda e a direita, feita à custa do partido maioritário, tem no entanto consequências pouco simétricas. Os votos ganhos à direita esboçam uma maioria alternativa enquanto que tal não sucede à esquerda. Mesmo a improvável aliança de um dos partidos de esquerda (BE ou PCP) com o PS resulta mais fraca do que a aliança de direita (PSD+CDS). Tudo isto tomando como base as percentagens obtidas pelos partidos nas Europeias de 2009.
A verdade é que tudo isto não passa de uma miragem. Nas próximas legislativas irão às urnas mais dois milhões e trezentos mil votantes do que nas europeias, se se repetir a relação entre as europeias de 2004 e as legislativas seguintes de 2005.
Esse enorme número de votantes adicionais pode, em teoria pelo menos, dar a maioria absoluta a qualquer um dos principais partidos portugueses.
Apesar de ser esta a "realidade" quase todas as opiniões omitem esta questão. O PSD compreende-se que o faça, o Bloco também pois está a disfrutar da ascensão ao terceiro lugar na hierarquia dos partidos (apesar de ter tido menos de metade dos votos habituais do PCP nas legislativas de há 20 anos).
No caso do PS é mais estranho que tal aconteça.
Está portanto tudo em aberto e cabe aos partidos tentar ganhar o maior número de votos de quem se absteve, ou votou nulo, ou votou em branco ou votou em partidos sem representação parlamentar.
Mas essa luta vai fazer-se em condições adversas para o PS já que deixou criar esta sensação de que a maioria absoluta, sozinho, lhe está vedada. Tal sensação é reforçada pelo tipo de relações que o PS mantém com os partidos à sua esquerda e que torna uma aliança com eles pouco provável aos olhos da opinião pública.
É estranho que o PS não tenha percebido o beco em que se estava a meter. Já terá ficado claro, entretanto, que não é adoptando avulsamente "propostas fracturantes" que impedirá o Bloco de crescer. O BE está neste momento como uma criança que tendo ido à caixa das bolachas não consegue evitar voltar lá repetidamente. Neste "momento de glória" (que os números desaconselhariam) o céu parece o limite e já sonha certamente substituir-se ao PS na liderança de toda a esquerda.
Por outro lado o PS parece ter subestimado o poder do binário PSD/Cavaco na questão das "obras faraónicas". Logo na noite das eleições Rangel introduziu a necessidade do adiamento não tanto para limitar as decisões do governo actual mas para insinuar a ideia de que após as eleições os decisores serão outros. Hoje mesmo o PS cedeu e deixou cair o TGV.
Temos portanto um PS, acossado à esquerda e à direita, lambendo as feridas que não soube evitar.
Os seus inimigos de direita exigirão cada vez mais alto que defina as suas alianças para lhe reduzirem o trunfo da governabilidade (se as não esclarecer) ou lhe roubarem mais eleitores ao centro (se as esclarecer).
Os seus inimigos de esquerda aumentarão a parada sempre que ele tentar aproximar-se pois, à falta de um programa executável, só lhes resta alimentar-se dos despojos da velha nave socialista enquanto esperam pelo momento revolucionário.
Não me peçam para prever o nosso futuro imediato mas, para já, não parece brilhante.
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