O “Público” parece ter descoberto as questões relacionadas com mobilidade. Só é pena que, avaliando pelo suplmento da semana passada, esteja a servir-se dela para promover questões que com ela nada têm a ver, pelo menos diretamente.
Num primeiro artigo, anuncia-nos que “já compramos muitas bicicletas – para andar faltam as ciclovias”. Eu sou um defensor da criação de ciclovias em cidades congestionadas por trânsito automóvel (não necessariamente em lugares turísticos só para efeitos de recreio, como se vê agora). Mas, como utilizador quotidiano de bicicleta (sem ciclovias), não posso aceitar que um jornal “decida” que só com ciclovias é que se pode andar de bicicleta. Essa é uma decisão pessoal, que deve ser estimulada (e a criação de ciclovias onde se justifiquem é um bom estímulo), mas que não deve depender nem ficar à espera da criação das mesmas.
Mas o exemplo mais gritante da utilização das questões da mobilidade para fins políticos que lhe são alheios é esta entrevista onde se defende que “sem regionalização não haverá transportes públicos de qualidade”. Eu compreendo que uma rede integrada de transportes públicos extravasa as autarquias, que têm que atuar em rede de uma forma concertada. Mas o principal problema nos transportes públicos em Portugal é a dispersão de operadores – de empresas.
Só na cidade de Lisboa tem-se a Carris, o Metro e a CP. Na região de Lisboa acrescem a Fertagus e inúmeras operadoras municipais, todas elas representando entidades patronais distintas, praticando diferentes tarifários, com diferentes bilhetes. Poderia argumentar-se que se estas empresas fossem fundidas todas numa entidade regional, tudo funcionaria de uma forma muito mais integrada. Mas a regionalização não garantiria isso (no caso de Lisboa, Carris, Metro e CP andam muitas vezes de costas voltadas e são três empresas do estado – serem “regionalizadas” não resolveria por si nada se continuassem a ser três entidades independentes). Por outro lado, fundir estas empresas (no caso do Metro e da Carris) e colocá-las (com a CP Lisboa e todos os operadores municipais) sob a alçada de uma autoridade metropolitana de transportes (que poderia perfeitamente ser uma entidade supramunicipal) não implica regionalização nenhuma. Desde que houvesse um regime de tarifas (bilhetes e passes) compatível, a responsabilidade pela adequação da oferta, em cada município, poderia ser da responsabilidade da câmara respetiva. (No caso de Lisboa, a Carris e o Metro pertencem não à Câmara mas ao Estado, uma questão bem mais controversa. Mas a entrevista não a aborda.)
Tudo o que eu aqui disse também se aplica ao Porto, substituindo Carris por STCP, e a outras autarquias. Defender que só com a regionalização pode haver transportes públicos de qualidade, para além de um tiro no pé para quem quer defender os transportes públicos, parece-me uma enormíssima desonestidade política. A regionalização tem outras implicações profundas, e que nada têm a ver com transportes públicos.
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