Saturday, July 31, 2010

SNS - "tendencialmente gratuito" ou "tendencialmente falido" ?

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As propostas recentes de Passos Coelho para a revisão da Constituição, consensualmente consideradas como inoportunas e em muitos aspectos desajustadas, abriram caminho a mais uma desenfreada campanha retórica da parte de José Sócrates. Fustigado pelo mar encapelado das sondagens, agarrou-se a essa tábua de salvação com o desespero próprio dos náufragos.

Mas a discussão entre os "coveiros" e os "salvadores" do Estado Social é esquizofrénica.
A proposta de eliminação da expressão "tendencialmente gratuita", que o texto constitucional refere a propósito do direito à saúde, ilustra bem o nível e a qualidade da discussão em curso.

Quem propôs tal eliminação parece ignorar que, já hoje, uma parte dos cidadãos paga taxas moderadoras quando recorre ao Serviço Nacional de Saúde. 
Mas quem se escandaliza com tal proposta, e grita desesperadamente contra o fim da igualdade dos cidadãos no acesso à saúde, parece ignorar que há dois milhões de portugueses que pagam seguros privados do seu próprio bolso.
A esses dois milhões há ainda que acrescentar umas centenas de milhar, os funcionários da administração pública, a quem o Estado proporciona o melhor seguro de saúde que existe em Portugal e que se chama ADSE.

Ou seja, cerca de 25% da população considera o SNS insuficiente e, tendo recursos para isso, contrata com privados uma parte dos cuidados de que necessita.
As razões para esta realidade são a inexistência de cobertura no SNS para certas especialidades (por ex. estomatologia) e os tempos de resposta na marcação de certos tipos de consultas, cirurgias, etc.
Esses milhões de cidadãos, ao obterem cuidados de saúde a expensas próprias fora do SNS, têm contribuído para evitar a sua ruptura. Mas ao contrário do que seria de esperar o SNS, apesar de ser aliviado de milhões de actos médicos que deveria prestar, tem visto os seus custos aumentar de ano para ano.

Por tudo isto, que costuma ser varrido para debaixo do tapete, é absurdo falar, como faz Passos Coelho, da necessidade de "quem pode começar a pagar mais". Quem pode já hoje paga mais e, com a sua ausência das filas de espera, facilita o acesso dos mais desfavorecidos aos cuidados prestados pelo SNS.
Também é absurdo, como faz Sócrates, falar de um SNS ideal e puro como se dentro dele não existissem gigantescos negócios privados; escamotear o descalabro financeiro do SNS que, se não forem tomadas medidas de controle e disciplina, caminha aceleradamente para a extinção.

O assunto é demasiado sério para que o tratem com tamanha ligeireza.
Ontem mesmo o DN titulava "Governo vende hospitais para pagar dívidas" a propósito de mais uma negociata em que o Estado vende os edifícios dos hospitais para realizar dinheiro a curto prazo.
A discussão não devia ser sobre o SNS "tendencialmente gratuito" mas sim sobre o SNS "tendencialmente falido".

Adenda.

Texto de Orlando Monteiro da Silva, Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, no Público de 30.07.2010.

Atente-se nalguns dados estatísticos sintomáticos de factores de insustentabilidade:

1.  0 orçamento do SNS é actualmente de cerca de quase 10.000.000.000 de euros;
2.  0 que equivale aproximadamente a 1000 euros anuais por cada português;
3.  Acresce ainda a despesa privada em Saúde, cerca de 25% da despesa total;
4.  Estas despesas totais em Saúde, constituindo mais de 10% do PIB, crescem a um ritmo muito superior ao da riqueza produzida;
5.  0 desperdício no SNS é calculado em perto de 25% do total da despesa;
6.  25% do orçamento da Saúde é gasto com a indústria farmacêutica, o que faz de Portugal um país paraíso para o mercado farmacêutico.


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