As considerações que se tecem aqui e aqui sobre a forma como o comum adepto inglês (eu alargaria a coisa ao comum adepto britânico) percebe um lance de futebol podem não me agradar, mas tenho de reconhecer que são certeiras.
A melhor ilustração que conheço desse curioso defeito no equipamento estético foi feita inadvertidamente por Jack Charlton, então seleccionador da Irlanda, no Estádio da Luz. O jogo era, salvo erro o último da fase de apuramento para o Euro '96. Com poucos minutos de jogo, o Rui Costa recebeu um passe de João Pinto antes da linha de área, com três ou quatro defesas irlandeses à sua frente e sem colegas desmarcados; o que ele fez, naturalmente, foi picar a bola sobre o guarda-redes e enfiá-la na sua baliza preferida. Na conferência de imprensa pós-jogo Charlton elogiou o lance com a seguinte escolha de palavras: «Não conheço muitos jogadores que resolvessem aquele problema daquela maneira». Para ele, receber a bola em condições, e com espaço, a cinco metros da linha de área é um "problema". Segundo o manual de instruções britânico, o "problema" é melhor resolvido com uma sapatada na direcção geral dos postes. Um gesto subtil é contra-natura. E fintar é anátema - o recurso do oleoso prestidigitador continental e, como bem notou o maradona, tido como um gesto algo indelicado para o defesa (um amigo escocês, adepto do Celtic, continua a referir-se ao Deco como "that rude player of yours", não por ter insultado ou cuspido em alguém, mas por ter feito uma cueca ao Neil Lennon na final de Sevilha).
A melhor ilustração que conheço desse curioso defeito no equipamento estético foi feita inadvertidamente por Jack Charlton, então seleccionador da Irlanda, no Estádio da Luz. O jogo era, salvo erro o último da fase de apuramento para o Euro '96. Com poucos minutos de jogo, o Rui Costa recebeu um passe de João Pinto antes da linha de área, com três ou quatro defesas irlandeses à sua frente e sem colegas desmarcados; o que ele fez, naturalmente, foi picar a bola sobre o guarda-redes e enfiá-la na sua baliza preferida. Na conferência de imprensa pós-jogo Charlton elogiou o lance com a seguinte escolha de palavras: «Não conheço muitos jogadores que resolvessem aquele problema daquela maneira». Para ele, receber a bola em condições, e com espaço, a cinco metros da linha de área é um "problema". Segundo o manual de instruções britânico, o "problema" é melhor resolvido com uma sapatada na direcção geral dos postes. Um gesto subtil é contra-natura. E fintar é anátema - o recurso do oleoso prestidigitador continental e, como bem notou o maradona, tido como um gesto algo indelicado para o defesa (um amigo escocês, adepto do Celtic, continua a referir-se ao Deco como "that rude player of yours", não por ter insultado ou cuspido em alguém, mas por ter feito uma cueca ao Neil Lennon na final de Sevilha).
Tudo isto seria mais irritante - e faria mais sentido - se o futebol inglês tivesse uma tradição de eficiência vencedora, um pouco como o alemão. Mas num povo geneticamente incapaz de marcar uma grande penalidade, e com um palmarés desportivo completamente desfazado da sua auto-estima, esta noção paradoxal de associar o cavalheirismo à falta de jeito acaba por ter um valor pitoresco que redime tudo o resto. A minha ternura por eles não tem limites.
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