Reactivando um hábito de outros anos, e porque entendo que o feminismo começa verdadeiramente na distribuição das tarefas domésticas elementares, de acordo com a minha ética proletária, observo o Dia da Mulher... com uma receita. Homens para a cozinha, pois então!
Confesso no entanto que a receita que escolhi este ano não foi a pensar em nenhuma mulher: é mais dedicada ao jornalista, crítico gastronómico e blóguer Duarte Calvão. O Duarte Calvão costuma publicar crónicas no Diário de Notícias sobre os excelentes restaurantes que visita, em Portugal e no mundo inteiro. E confirma-nos aquela máxima da cozinha portuguesa que a torna verdadeiramente atractiva e democrática: pobres e ricos comem as mesmas coisas (excluo os "muito pobres", como é evidente, que mal tenham dinheiro para comer). O que quero mesmo dizer é o seguinte: se excluirmos restaurantes de luxo, é frequente encontrarmos ementas semelhantes em restaurantes mais caros e mais baratos. A diferença de preço está só no local onde se come. No Brasil, pelos vistos, a situação não é muito diferente. E é assim que vemos o Duarte Calvão, na sua crónica do DN, todo orgulhoso por ter pago 15 euros em São Paulo por um hambúrguer. Recordo-me que o mesmo jornalista, no passado mês de Junho, por altura dos santos populares, escreveu outra crónica onde gabava umas sardinhas assadas que tinha comido em Alfama, pelas quais tinha pago a módica quantia de... 20 euros. Tinha gostado tanto que voltara ao mesmo restaurante para comer... umas febras de porco! Um prato que já não comia há dois anos! O crítico gastronómico Duarte Calvão não comia febras de porco há dois anos. E ficou tão comovido por as descobrir no mesmo sítio onde tinha pago 20 euros pelas sardinhas que voltou lá de propósito, só para as comer, tendo voltado a desembolsar 20 euros por um prato!
Eu não sou o Duarte Calvão, mas quando pago 20 euros por um prato num restaurante (é muito raro, mas pode acontecer), não é para comer febras de porco. Sendo assim, hoje, Dia da Mulher, dia em que os homens se deveriam habituar a ir mais à cozinha (como todos os outros), eu deixo aqui uma receita de febras de porco. Dedicada ao Duarte Calvão.
Tome as febras, tempere-as com colorau, louro e um pouco de pimenta. Junte-lhes uns dentes de alho em rodelas (Duarte, se for cortar os alhos, tenha cuidado não se vá cortar). Junte um pouco de vinho branco e deixe marinar por umas horas. Escorra-as na marinada e leve-as a fritar em margarina ou banha, a seu gosto. Estando fritas, junte a marinada até esta reduzir. Acompanhe com umas boas batatas cozidas com casca. (Duarte, se for cozer as batatas, lave-as bem primeiro, corte-as – cuidado, não se corte! É melhor não as descascar! -, ponha-as em água com sal que entretanto pôs ao lume (cuidado, não se queime!) e deixe-as cozinhar até ficarem tenras.)
E pronto: com ingredientes que compram em qualquer supermercado, têm aqui um pitéu que vale, nos restaurantes que o Duarte Calvão costuma frequentar, 20 euros. Et voilá, como dizem os chefs desses restaurantes. Bon appétit.
Publicado também no Cinco Dias.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
Blog Archive
-
▼
2007
(1051)
-
▼
March
(92)
- Águas de Março fechando o inverno
- Lenine - o concerto
- Não tem havido muita geada nocturna ultimamente
- Vem aí muita civilização
- Ovelhas Negras (II)
- Strange Maps
- "O Novo Capital", etc. e tal...
- Um debate à portuguesa, com certeza
- O dia em que faremos contato
- Grandes curtas
- Ouvido no supermercado, ao pé da prateleira das co...
- Os escolhidos pelos portugueses
- NIGHT WALTZ
- Liberalismo e catolicismo
- Diálogo à hora do almoço
- O Maior Português de Sempre
- Os Grandes Portugueses
- O maior responsável pela entrada de Portugal na Eu...
- Europa: valores comuns
- Bruxelas
- Everyman
- Ovelhas Negras (I)
- Post sem links, blogosfera sem lei
- Fernando Pessoa: nasty bitch
- Revolução nas artes do desenho
- Antes da Ota, há que falar na Portela
- E8 e o marxista heterótico
- Somebody else
- A minha anglofilia também está tingida
- Revolutionary Titanic Beauty
- O debate de anteontem
- Jograis U...Tópico
- O drama da info-exclusão
- Hoje é dia da poesia portanto vim aqui postar um p...
- Religiosidade "gourmet"...
- Desde o tempo dos dinossauros que os carros andam ...
- A direita trauliteira
- Esquerdistas e activistas
- "Proponho uma torrada aos noivos"
- Assim de repente: "In the burning sands of Numidia...
- Amnésia Cultural
- Never Work
- Entre as Brumas da Memória II
- יוֹם הֻלֶּדֶת שָֹמֵחַ
- Breaking America
- Convenceu-me (2)
- Convenceu-me (1)
- Conteúdos digitais sem espaço em 2010 ?
- I am first going to talk to you about rabbits
- Não, não sou o único
- Inconvenientes da vitória
- Roommates íntimos
- O pesadelo do ateu
- Blogues novos (e respeitinho pelos esquimós)
- Cheltenham - rescaldo
- Arsenalski
- As novas burkas
- Pedido de visita
- A Fórmula 1 sem Schumacher
- Lista feita por pessoas que leram os mesmos livros...
- Wikipédia e originalidade
- Entre as Brumas da Memória
- Encontros presidenciais
- Gostei de ler
- O problema
- Os cinco melhores anagramas (do Oxford Guide to Wo...
- Novo Testamento
- Quando as letras não pagam as expectativas II
- Are you my caucasian?
- Nature abhors a vacuum
- O meu Pipi
- Barak, a Fox e o fumo
- "As vidas dos outros" e as nossas
- Receita Dia da Mulher 2007
- James in Greeneland
- Le décès n'a pas eu lieu
- Blogues novos, blógueres não tão novos
- Seinfeld - The Lost Episode
- A China em Abrantes
- Obrigado!
- Wood, woodpecker
- O velho esquema desmorona dessa vez para valer
- Manuel Bento (1948-2007)
- One, two, three, four
- Dido e A Valquíria
- "I don't think they like us very much"
- Buried Alive
- PKD
- Link do dia
- No title
- Um ano
- Três citações sobre um blog sobre Kleist
-
▼
March
(92)
No comments:
Post a Comment