A propósito deste caso exemplar que nos é contado pelo Santiago no Conta Natura, recordo outro caso em que esteve e discussão (entre outras coisas) a utilização de fontes da internet por parte de um jornalista científico.
Devo começar por esclarecer que colaborei recentemente com a secção de Ciência do PÚBLICO, tendo sido um dos seleccionados para o programa "Cientistas na Redacção". Nunca tive nenhum tipo de relação com a jornalista em questão que não fosse de trabalho e, desde que terminou a minha colaboração com o jornal, no passado mês de Outubro, não voltei a falar com ela.
Não me vou pronunciar sobre a utilização por parte da jornalista de artigos publicados em outras revistas, científicas ou não, embora segundo julgo ter percebido todas as revistas consultadas tenham sido referidas (o que torna mais difícil, relativamente às mesmas, qualquer acusação de "plágio"). Quero concentrar-me somente sobre a utilização por parte de um jornalista de fontes que são do domínio público, que estão na Internet, mais concretamente na Wikipédia.
É possível que haja excepções, uma vez que a informação disponível na Internet é muito vasta e variada, mas pode dizer-se que, em grande parte, os conteúdos da Wikipédia não são nada originais. São baseados em informações que podem ser colhidas noutros sítios da rede, mas também em livros, jornais e revistas, especializados ou não. Em grande parte das vezes, quando se trata de informação factual, nem sequer é fornecida a fonte dessa mesma informação.
Tratando-se de dados factuais do domínio público (e que, portanto, não constituem por si valor noticioso), a utilização da Wikipédia como fonte de informação sobre estes factos parece-me tão válida como outra qualquer. Eu mesmo, enquanto jornalista científico, utilizei várias vezes informações provenientes da Wikipédia. Eram sempre informações factuais, que poderia encontrar num livro especializado - que eu provavelmente poderia encontrar numa biblioteca ou na minha colecção particular -, mas que não seria a fonte mais prática de consultar, estando na redacção do jornal e sem acesso a eles.
Refiro-me, é claro, a conceitos que são conhecidos por especialistas mas não pelo leitor comum, tendo por isso de ser explicados de uma forma básica pelo jornalista ao dar a notícia. Sobretudo - e isto é que é importante: são informações complementares, sem nenhum tipo de valor jornalístico, nunca constituindo o motivo ou o conteúdo principal do texto. Não me parece por isso correcto acusar alguém de "plágio" só por utilizar este tipo de informações num artigo. Foi este tipo de informações que eu usei (e creio poder dizer-se o mesmo das utilizadas pela jornalista do PÚBLICO).
É claro que são de evitar transcrições textuais de textos de qualquer fonte, incluindo a Wikipédia, mas convém esclarecer que, com definições técnicas, é inevitável a repetição de ideias, palavras e conceitos. Desafio quem pensar de outra forma a enunciar o teorema de Pitágoras de outra forma que não seja "o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos". Será esta última frase plágio? É assim que vem na Wikipédia.
Finalmente, convém esclarecer a prática relativa aos direitos de autor em textos de índole científica, mesmo se de divulgação. É uma prática provavelmente diferente em alguns aspectos da do jornalismo clássico, mas que se aplicará melhor ao jornalismo científico, que tem especificidades próprias. Num texto deste tipo há sempre uma distinção clara entre o que é um conceito ou facto original e o que é uma revisão. A única fonte que há a obrigação de citar é o autor do original, e não os das revisões que foram feitas desde então. Desde que não se cometam transcrições integrais, nenhum autor de uma revisão - por revisão também pode entender-se uma página da Internet como a Wikipédia - pode considerar "plágio" outro trabalho de revisão, ou pedir para ser por este citado. O que é mal visto na comunidade científica é falar-se de temas e citar-se trabalhos que não se conhece bem. É esperado que um autor de um texto entenda o que escreveu, de forma a poder ser considerado realmente o autor desse texto, mesmo se se tratar de uma revisão. Creio que o mesmo critério pode e deve ser aplicado ao jornalismo científico. É isso que distingue um bom de um mau jornalista científico. É muito fácil para um especialista, ao ler uma notícia, distinguir se quem a escreveu a entendeu ou não.
Entramos assim num domínio - a avaliação da competência de alguém - que não é e nem pode ser democrático.
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