Assisti ao jogo na página de live betting (que não linko devido ao nevoeiro jurídico que creio ainda pairar sobre a coisa em Portugal) de uma certa agência de apostas com base em Gibraltar, retransmitido, salvo erro, através de um servidor em Hong-Kong, mostrado num ecrãzinho apenas ligeiramente maior que o mostrador do meu relógio de pulso, (que é de fabrico italiano, não que isso venha agora ao caso) e, não sei por que carga de água, narrado em alemão (o jogo, não o relógio, que é tão mudo como Lavinia, e por motivos muito semelhantes).
O mundo, como saberá o caro leitor, divide-se entre os que colocam o seu optimismo em cheque, e os que lhe passam cheques em branco. As perspectivas eram optimistas: se acoplei 10 das minhas suadas libras a uma vitória do Sporting por mais de 3 golos de diferença, fi-lo apenas porque a aposta se me afigurou inteiramente razoável quando confirmei os onzes iniciais (introduzidos pelo rapaz alemão, já agora, com o que me pareceu ser uma série de referências esotéricas ao John Allegro, aquele senhor que achava que Jesus Cristo era um cogumelo, mas o meu domínio da língua é quase inexistente, e posso ter percebido mal). O Benfica jogou em 1-2-1-1-3-1-1, a saber: um líbero clássico maquiavelicamente disfarçado de lateral-esquerdo (Leo), dois serventes de pedreiro (Anderson e David Luiz), um supervisor de serventes de pedreiro (Petit), uma enigmática dor de cabeça (Nélson), três jogadores de futebol (Rui Costa, Karagounis e Mirohito), um interessante estivador não-ortodoxo (Katsouranis) e uma vítima de voodoo (Nancy Gomes). Do outro lado, estavam 9 jogadores de campo, mais o Abel.
O que a História nos ensina sobre estes jogos não tem nada a ver com aquele soundbite estafado de que "ganha sempre a equipa em pior momento". Se isto fosse verdade, o Sporting raramente perderia um derby. A verdade resume-se antes em dois pontos de fácil assimilação: 1) o Sporting só ganha na Luz quando não precisa de ganhar na Luz. 2) Deus não me grama.
A primeira parte foi jogada apenas por uma equipa, e apenas numa metade do relvado, com interlúdios. Um oportuno rebuffering condenou-me a seguir os minutos iniciais somente pelo comentário áudio do rapaz alemão, que deu a ideia de ter gostado imenso do flugkopfball do Liedson, e que aproveitava todas as oportunidades para pronunciar o seu nome em estéreo (Lídzon, Lídzon). O regresso das imagens comprovou alguns sinais preocupantes, como a arcaica tradição de 90% dos ressaltos caírem para jogadores do Benfica, independentemente de estes estarem a ser rotineiramente esmagados em todas as outras vertentes do jogo. O meu amigo Paulinho, que tirou um curso nessa inimpugnável instituição que é o ISCAL, provou estatisticamente que o Benfica ganha mais bolas divididas do que todos os outros clubes do mundo em conjunto, e eu não duvido por um segundo que seja das suas conclusões.
O rapaz alemão, entretando, tinha alterado o seu foco, e mostrava alguma incredulidade com o facto de o João Moutinho ter escolhido este jogo específico para mostrar aos olheiros europeus que também sabe falhar passes. Isto, esclareço, é uma mera inferência, não apoiada por imagens, pois o ecrãzinho estava outra vez em branco.
Depois de quinze segundos de impecável transmissão, seguiram-se mais duas prolongadas quedas do servidor, uma delas, como é natural, no preciso minuto em que o Mirohito empatou, lance que o nosso teutónico amigo celebrou efusivamente, gritando o nome de vários filósofos.
A segunda parte começou com o som inconfundível da minha vida a andar para trás.
Abel, depois do erro inicial que foi o cruzamento para Lídzon Lídzon, e para alívio generalizado, reverteu ao que melhor sabe: falhar einwurfs em série. Até o rapaz alemão parecia resignado. Lin-kisch ein-wurf, gemia ele repetidamente, perante a minha louvável renitência em dizer palavrões. Rodrigo Tello, um jogador que aprendi a amar, um pouco como aprendemos a amar aqueles cães muito estúpidos que mijam constantemente o chão todo, que nunca devolvem o osso, mas que dominam na perfeição um dos truques básicos, conseguiu a proeza de cruzar a bola três ou quatro vezes para o ÚNICO local da área onde esta poderia concebivelmente ser despachada pelos estrábicos centrais benfiquistas.
A bola, já que falamos nela, insistia em permanecer do mesmo lado a que tinha sido habituada na primeira parte, alheia ao pormenor de os melhores jogadores estarem agora do outro lado. O servidor sussurrava-me promessas lânguidas de permanência e constância, mas voltou a ir abaixo. A vinte segundos de black-out sucederam-se dois cantos consecutivos para as mãos peçonhentas do Quim (um nome impronunciável para alemães, para ingleses, para seres civilizados, para marcianos). Nas bancadas da luz, os observadores estrangeiros escrevinhavam notas frenéticas sobre Nani, que continua a abdicar da possa da bola com uma classe sem paralelos na História recente. Mais ou menos na altura em que Anderson decidiu praticar amor livre com Polga dentro da grande área, fui abrir uma janela e dizer a Birmingham o que pensava sobre as coisas em geral. O meu vizinho Fortunato ("call me Fred!") estava na varanda, a fumar o que apenas posso descrever como um cigarro.
Quando voltei à base, o rapaz alemão, nesta altura audivelmente preocupadíssimo com o verletzung do Ricardo, achou por bem introduzir uma nota ligeira na noite tépida, lembrando-nos que o Benfica e o Sporting são ambos de Lissabon, o que esclareceu todos aqueles que julgavam que o jogo estava a decorrer em Castelo de Videsburg.
Os treinadores fizeram as substituições que se impunham, e o estóico comentador alemão saiu ileso das suas tentativas de pronunciar o nome de Pereirinha.
Abel, depois do erro inicial que foi o cruzamento para Lídzon Lídzon, e para alívio generalizado, reverteu ao que melhor sabe: falhar einwurfs em série. Até o rapaz alemão parecia resignado. Lin-kisch ein-wurf, gemia ele repetidamente, perante a minha louvável renitência em dizer palavrões. Rodrigo Tello, um jogador que aprendi a amar, um pouco como aprendemos a amar aqueles cães muito estúpidos que mijam constantemente o chão todo, que nunca devolvem o osso, mas que dominam na perfeição um dos truques básicos, conseguiu a proeza de cruzar a bola três ou quatro vezes para o ÚNICO local da área onde esta poderia concebivelmente ser despachada pelos estrábicos centrais benfiquistas.
A bola, já que falamos nela, insistia em permanecer do mesmo lado a que tinha sido habituada na primeira parte, alheia ao pormenor de os melhores jogadores estarem agora do outro lado. O servidor sussurrava-me promessas lânguidas de permanência e constância, mas voltou a ir abaixo. A vinte segundos de black-out sucederam-se dois cantos consecutivos para as mãos peçonhentas do Quim (um nome impronunciável para alemães, para ingleses, para seres civilizados, para marcianos). Nas bancadas da luz, os observadores estrangeiros escrevinhavam notas frenéticas sobre Nani, que continua a abdicar da possa da bola com uma classe sem paralelos na História recente. Mais ou menos na altura em que Anderson decidiu praticar amor livre com Polga dentro da grande área, fui abrir uma janela e dizer a Birmingham o que pensava sobre as coisas em geral. O meu vizinho Fortunato ("call me Fred!") estava na varanda, a fumar o que apenas posso descrever como um cigarro.
Quando voltei à base, o rapaz alemão, nesta altura audivelmente preocupadíssimo com o verletzung do Ricardo, achou por bem introduzir uma nota ligeira na noite tépida, lembrando-nos que o Benfica e o Sporting são ambos de Lissabon, o que esclareceu todos aqueles que julgavam que o jogo estava a decorrer em Castelo de Videsburg.
Os treinadores fizeram as substituições que se impunham, e o estóico comentador alemão saiu ileso das suas tentativas de pronunciar o nome de Pereirinha.
O schiedsrichter apitou. O dinheiro não voltou. Os adeptos do Sporting, inexplicavelmente, aplaudiram.
Parabéns ao Porto.
Parabéns ao Porto.
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