As Ciências Sociais são, por fama e proveito, um repositório de má prosa. As excepções à regra (que, em abono da verdade, também não são assim tão raras) costumam estar incluídas em uma de duas categorias: ou os pioneiros, que se anteciparam ao enrodilhanço conceptual e terminológico que eles próprios ajudaram a criar (Marx, por exemplo, que escrevia transtornantemente bem, o sacana); ou os casos extremos de vocação cancelada, como Geertz, que possuem o talento, o humor, e leveza de toque necessários para utilizarem o léxico disciplinar sem serem utilizados por ele, nem caírem na taralhoquice retórica.
José Machado Pais, investigador-coordenador no ICS e um homem bastante mais calvo do que eu, não que isso seja relevante para esta discussão, não cai em nenhuma dessas categorias. Seria incorrecto vir aqui chamar nomes feios à sua prosa (acima de tudo porque Quem sou eu?, não é verdade, além de um diletante com muito mais cabelo que ele), mas proporciona os melhores exemplos que conheço de um maneirismo bastante comum: o abuso impiedoso da metáfora. Quando percebe um quadro metafórico que o titila, Machado Pais nunca mais o larga. Se, para iluminar um qualquer fenómeno social, decide recorrer a uma analogia com uma fábrica de tintas, então o leitor pode estar certo de que, vinte parágrafos e trinta suspiros depois, ainda vai haver baldes da Robialac espalhados pela página.
No seu "Paradigmas sociológicos na análise da vida quotidiana", que tenho andado a ler por manifesta falta de vida quotidiana própria, detectamos um certo calorzinho pela classe dos insectos. E se, a dada altura, aprendemos que «as interpretações possíveis formigam através de perspectivas e discursos que, apesar de tudo, as disciplinam» então não seremos de todo surpreendidos quando, pouco depois, Machado Pais nos fala «desse formigueiro de interpretações», ou, ainda mais tarde, das «formigas à procura do retórico». Não do açúcar, mas do «retórico». E para que a flora não se sinta retoricamente desenfranchisada em relação à fauna, Machado Pais debruca-se depois sobre as raízes. De que é que se fala? De «delimitar um reportório fixo e simples de aspirações últimas em cuja realização se estimula o conformismo». Qual é a metáfora? Uma de Rubert de Ventós: «um asno anda sempre atrás de uma cenoura com que lhe acenem, mas detém-se frente a um campo cheio delas». Como é que se pode melhorar isto? «Daí a necessidade de redescobrir a cenoura interior». Uma estratégia retórica que permite proceder por iluminação gradual transforma-se assim numa involuntária redução ao absurdo. Pelo menos creio que é involuntária. Nunca se sabe, com este pessoal das cenouras interiores.
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