Na época de 2002/03 - que acompanhei à distância, através de uma complexa rede de informação que consistia em apreciações funcionalmente iletradas no Record online e em SMSs funcionalmente não-abstémios de amigos incompetentes - convenci-me de que o futuro do futebol português tinha um nome, e que esse nome era Hélder Postiga.
Numa altura em que Ronaldo e Quaresma eram submetidos à humilhação ritual por que têm de passar todos os extremos talentosos formados no Sporting (serem vaiados, num Domingo à noite, por oito mil e setecentos avatares dos velhos dos marretas) Hélder Postiga ia acumulando lances geniais a um ritmo positivamente alcochetense.
Esta perspectiva ignorante foi rapidamente corrigida. Ainda antes da desastrosa e esclarecedora transferência para o Tottenham (sancionada, com indisfarçável alívio, por José Mourinho) já Postiga começava a ser assolado pelo naipe de dúvidas existenciais que se colam, mais cedo ou mais tarde, a todos os avançados portugueses com as suas características físicas (pescoço frágil, maxilar inexistente) e técnicas (bom toque de bola, total ausência de velocidade ou potência): é um ponta-de-lança puro ou um segundo avançado? Joga melhor sozinho ou acompanhado? Numa linha ofensiva de dois ou de três? Com futebol directo ou apoiado? À chuva ou ao sol? De dia ou de noite? Fruta ou chocolate?
As perguntas acompanharam-no na meteórica passagem por Inglaterra, que foi puro vaudeville: uma calamitosa sucessão de choques frontais com postes, remates meticulosamente enrolados, e falhanços a trinta centímetros da baliza. O epíteto de "Postigoal", forjado pelos inacreditavelmente optimistas adeptos do Tottenham à sua chegada, acabaria por ser encurtado, no final da época, para um contundente "Posti_go!"
Adriaanse, com a presciência só ao alcance de um maluco holandês, tentou transformá-lo num número 10 - operação matemática que nem Georg Cantor seria capaz de executar. Foi preciso o pragmatismo de Jesualdo Ferreira para encontrar a melhor forma de o encaixar no sistema táctico do Porto: colocar o namorado da Marta Leite Castro na posição "nove", e colocar Postiga num voo da TAP para Atenas.
A reputação de Postiga assenta hoje em duas aparições ao serviço da Selecção. Um jogo circunstancialmente notável contra a (Eslovénia? Eslováquia? Não tenho tempo, ajudem-me), e um golo contra a Inglaterra no Euro 2004 resultante de um cabeceamento defeituoso, e que tem a particularidade histórica de ser o único golo em fases finais de Campeonatos da Europa marcado com o esternoclidomastóideo.
Não faço ideia se este intrigante conjunto de credenciais vale o quarto de milhão de euros de que o Sporting decidiu separar-se. Mas sei que Hélder Postiga vai acabar a época 2008/09 com precisamente cinco golos marcados: um desvio fortuito contra o Leixões; um hat-trick na Taça da Liga contra o Penafiel; e um golo decisivo ao minuto 90 contra o Porto (chapéu a Helton, depois de túneis a Bruno Alves e Fucile), sisudamente festejado com o dedo indicador colado aos lábios, em frente aos Super-Dragões.
Para o resto do ano teremos Yannick, Tiuí e as farmácias de serviço habituais.
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