Thursday, May 31, 2007
O fim do trio-maravilha
Quem assiste aos jogos pela televisão não se apercebe tanto. Só quem assistiu ao vivo aos jogos do Sporting (como eu assisti com o Belenenses) pode aperceber-se da enorme cumplicidade entre Nani, Djaló e Miguel Veloso. João Moutinho, sendo da mesma geração, ascendeu à equipa principal mais cedo do que eles. É mais "adulto", na mentalidade, na atitude. Mas Djaló, Miguel Veloso e Nani, juntos, pareciam três colegas do liceu. Voltar a vê-los juntos, só na selecção. Desejo as maiores felicidades ao Nani, e que os outros dois façam carreiras brilhantes no Sporting.
Um novo emblema para Lisboa
'That Guy'
A mais esplêndida lista dos últimos tempos, com uma introdução que vale a pena citar na íntegra: «What is a "That Guy"? A That Guy is a B-list character actor who's just talented enough to secure bit parts in a handful of movies every year, but not quite talented enough to become a brand-name star like Chris Kattan. Some specialize in playing villains and others in having freaky-enormous chest tattoos, but combined, these brave, barely handsome men have appeared in every single movie produced in the last decade.».
Creio que cada um de nós teria dois ou três nomes de culto para adicionar à lista. Pessoalmente acho quase criminosas as ausências de Reginald VelJohnson (que, depois do seu papel em Die Hard, interpretou o mesmo "polícia decente e honrado' em pelo menos mais duas centenas de filmes) e Brian Dennehy (o tal que, décadas depois de ter atormentado Rambo, ainda anda por aí a fazer de "xerife corrupto e violento de pequena cidade americana", papel estereotipado que vai intercalando com algumas variações artísticas sobre o tema "xerife bonacheirão, porém algo cínico, de pequena cidade americana").
Creio que cada um de nós teria dois ou três nomes de culto para adicionar à lista. Pessoalmente acho quase criminosas as ausências de Reginald VelJohnson (que, depois do seu papel em Die Hard, interpretou o mesmo "polícia decente e honrado' em pelo menos mais duas centenas de filmes) e Brian Dennehy (o tal que, décadas depois de ter atormentado Rambo, ainda anda por aí a fazer de "xerife corrupto e violento de pequena cidade americana", papel estereotipado que vai intercalando com algumas variações artísticas sobre o tema "xerife bonacheirão, porém algo cínico, de pequena cidade americana").
Mas os meus preferidos são Michael Wincott e Michael Lerner (os senhores nas imagens). O primeiro especializou-se em fazer de vilão roufenho, preferencialmente contra heróis semi-desenhados. Foi némesis de Robin Hood, do Corvo, dos Mosqueteiros, e até de Cristóvão Colombo, tendo ainda arranjado tempo para produzir discos dos Doors no filme de Oliver Stone.
O segundo tem menos visibilidade, mas foi o responsável pelo supremo "That Guy" do cinema recente: o seu fabuloso ditador de gabinete em Barton Fink não fez escola, mas devia ter feito.
(Adenda: Já não me lembro se a peça do O'Neill inclui algum xerife corrupto, mas acredito que o Dennehy tenha sido inexcedível na dita, independentemente do papel que lhe coube.
Mas o currículo teatral não é para aqui chamado. Ser um 'That Guy' não exclui necessariamente a posse de um enorme e camaleónico talento. A melhor experiência teatral acessível ao público português nos últimos 50 anos foi a interpretação de um homem chamado Fernando Luís na peça "O Poder da Górgone", do Peter Shaffer. O Fernando Luís é o "That Guy" que fez uma série da SIC chamada "Médico de Família" e mais um programazeco com um cão-polícia. E garanto que seria igualmente notável a fazer de intelectual tuberculoso, ou de xerife corrupto.)
Wednesday, May 30, 2007
Jackson C. Frank
Catch a boat to England, baby,
Maybe to Spain.
Wherever I have gone,
Wherever I've been and gone,
Wherever I have gone,
The blues are all the same.
Send out for whisky, baby,
Send out for gin.
Me and room service, honey,
Me and room service, babe,
Me and room service, well
We're living a life of sin.
When I'm not drinking, baby,
You are on my mind.
When I'm not sleeping, honey,
When I ain't sleeping, mama,
When I'm not sleeping,
Then you know you'll find me crying.
Try another city, baby,
Another town.
Wherever I have gone,
Wherever I've been and gone,
Wherever I have gone,
The blues come following down.
Living is a gamble, baby,
Loving's much the same.
Wherever I have played,
Whenever I've thrown them dice,
Wherever I have played,
The blues have run the game.
Maybe tomorrow, honey,
Some place down the line,
I'll wake up older,
So much older, mama,
I'll wake up older,
And I'll just stop all my trying.
Catch a boat to England, baby,
Maybe to Spain.
Wherever I have gone,
Wherever I've been and gone,
Wherever I have gone,
The blues are just the same.
(Jackson C. Frank, «Blues Run the Game»)
Fogueteiro über alles
Ouvi hoje, de passagem, as seguintes palavras, proferidas por um grisalho cavalheiro à porta de uma barbearia na Margem Sul: «... as mulheres portuguesas, a fidelidade portuguesa, o vinho português, o pão português...»
Desconheço a direcção que levou este apetitoso fragmento. Desconheço até se o senhor sabia que estava a cometer uma pequena glosa sobre a segunda estrofe da Deutschlandlied.
(Curiosamente, ontem à noite, no aprazível espaço que é o novo restaurante da Cinemateca [novo para mim, que não o conhecia, e onde comi um hambúrguer de carne alentejana, acompanhado com molho de mostarda, puré frio, e um cone de massa folhada recheado de batatas fritas], oito alemães passaram mais de uma hora em amena cavaqueira. Apesar dos meus esforços, não consegui entender uma palavra do que disseram, mas parece-me inteiramente plausível que tenham trocado entre si versos de Henrique Lopes de Mendonça. O sentido de humor teutónico tem sido injusta e consistentemente sub-valorizado pela História.)
Sei que fui por ali, no Parque Eduardo VII
Exclusivo Pastoral Portuguesa: ontem, na Feira do Livro de Lisboa, Paulo Portas adquiriu um exemplar da revista Cais, depois de ter sido barbaramente ameaçado pelo vendedor com uma declamação integral do «Cântico Negro» de José Régio.
Segundo Exclusivo Pastoral Portuguesa: na mesma Feira do Livro, no pavilhão da Cotovia, é possível adquirir, pela sóbria quantia de onze euros e vinte cêntimos, a mais interessante recolha de crónicas em língua portuguesa que li nos últimos anos. O título é Valsas Nobres e Sentimentais, e o autor chama-se Frederico Lourenço, nome que desconhecia até há poucos dias, facto do qual me envergonho profundamente, mas pelo qual também vos culpo um bocadinho (custava muito avisar-me?).
Uma das crónicas («O Som de Portugal», publicada originalmente no Público) aborda um tema que me interessa bastante: o ponto de articulação da letra 'R'. Frederico Lourenço usa como exemplos os candidatos presidenciais (o texto é de Janeiro de 2006), e nota que os candidatos de esquerda
«...têm outra coisa em comum, além do facto de serem de esquerda. Algo de muito sonoro os distingue de Aníbal Cavaco Silva. Trata-se do som da letra 'r' em início de palavra ("revolução"), com grafia dupla no interior de um vocábulo ("terra"), ou em sequências como "honra" e "guelra". O ponto de articulação do "r" dos candidatos de esquerda é apical: a ponta da língua contra o palato duro, um pouco atrás daquilo a que Homero chamou "a barreira dos dentes". No caso de Cavaco Silva, o "r" é articulado na garganta: é o som gutural de quem anuncia a intenção de escarrar.»
Tendo sido, há muitos anos, convertido a esta peculiar maneira de ouvir o mundo, não pude deixar de reparar que Paulo Portas é um homem de 'R's inconfundivelmente guturais; e que o senhor vendedor da revista Cais (que, de resto, me confessou em privado preferir "o irmão, o outro Portas"), não poderia ser mais apical na sua articulação dos vários 'R's do Cântico Negro.
Esqueçam os Compassos Políticos ou aqueles totobolas ideológicos que varrem ciclicamente a blogosfera. O derradeiro teste tem de partir deste facto: há 'R's de esquerda, e há 'R's de direita.
E você, leitor? Como é que pronuncia a palavra "Rogério"?
«Entre as brumas da memória» - Lançamento em Coimbra
Dia 31 de Maio, às 21:15, na Livraria Almedina Estádio
Apresentação por:
* Rui Bebiano (Prof. da Fac. de Letras da Universidade de Coimbra)
* José Dias (Pres. do Conselho da Cidade de Coimbra)
Uma iniciativa de «Ideias Concertadas»
Ler mais aqui
Lançamento: "O Fim do Mundo Está Próximo?"
O livro é da autoria de Jorge Buescu e é lançado em Lisboa hoje pelas 18h30, na Fnac do Centro Comercial Colombo. A apresentação do livro estará a cargo de Fernando Santo, Bastonário da Ordem dos Engenheiros, e de Nuno Crato, Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática.
A greve preventiva
Eu não estou de greve. Sou trabalhador independente precário, tanto posso trabalhar à noite e ao domingo como não trabalhar durante a semana (com limites). Em qualquer circunstância, um bolseiro como eu dizer que estava "de greve" seria ridículo. Mas não percebo os objectivos desta greve. As greves devem fazer-se quando há objectivos concretos, e não para protestar contra o governo. Para isso há as eleições. Eu não vi objectivos concretos na convocatória desta greve (que esteve longe de ser unânime, mesmo dentro da CGTP). Assim, o mecanismo da greve só fica empobrecido.
Tuesday, May 29, 2007
O novo aeroporto e o poder local
Estou convencido da necessidade da construção de um novo Aeroporto de Lisboa. Sobre a sua localização, inclino-me mais para a Margem Sul do Tejo (Poceirão ou Faias, os tais “desertos” de que o ministro falava, que aparentemente não têm grandes problemas ambientais ou de segurança), embora não tenha uma opinião definitiva. Mas admiro-me com quem a já tem, e defende a opção Ota sem prestar atenção devida a outros argumentos.
Houve vários aspectos risíveis nas declarações desastradas da semana passada, quer do ministro Mário Lino, quer de Almeida Santos. Independentemente de só este último, creio eu, ter medo de construir pontes por causa dos “atentados terroristas”, a verdade é que a necessidade da construção de uma nova ponte sobre o Tejo para um aeroporto na Margem Sul é usada como argumento pelos defensores da Ota, que são maioritariamente provenientes dos distritos de Santarém, Leiria e Coimbra (não conheço praticamente nenhum defensor da Ota que não provenha de um destes distritos). O extraordinário é que estes cidadãos (que, recorde-se, já têm – ou vão ter – uma ligação ferroviária de alta velocidade que os liga aos aeroportos de Lisboa – seja ele onde for – e Porto) crêem mesmo que a margem sul é um deserto, e que serão provavelmente eles os únicos utentes do futuro aeroporto. Ninguém pensa na acessibilidade de um aeroporto na Ota aos habitantes da margem sul (especialmente do Barreiro). As Faias ou o Poceirão ficam à mesma distância de Lisboa que a Ota, é verdade. Mas ficam mais próximas da população da Margem Sul de Lisboa e Setúbal, que de outra forma ficaria muito longe de um aeroporto internacional. Ninguém parece discernir que, seja para ligar os passageiros da margem norte ao Poceirão ou para ligar partes da margem sul à Ota, uma terceira travessia do Tejo vai mesmo ter de ser construída. Chegar à Ota não é a mesma coisa que à Portela. Por muito que isso assuste Almeida Santos. Ou então se calhar há quem repare, mas nos últimos tempos para defender a Ota tem valido tudo.
Ainda por outras duas razões, e embora não tenha ainda uma opinião definitiva e nem recuse liminarmente nenhuma das hipóteses, eu tendo a preferir um aeroporto na margem sul. A primeira é por esta localização ser mais distante do Porto, e é do interesse nacional que o aeroporto do Porto não seja subalternizado em relação à Ota. O norte e centro-norte do país devem ser servidos preferencialmente pelo aeroporto do Porto. A segunda, e quanto a mim a razão principal, é que tanto quanto sei um aeroporto nas Faias ou no Poceirão será mais seguro, mais barato e terá maior expansibilidade que um aeroporto na Ota.
Mas como sempre em Portugal tudo se reduz aos interesses locais. Toda a gente quer ter um aeroporto próximo da sua cidade ou freguesia. Receio que a questão do aeroporto seja decisiva nas próximas eleições autárquicas de Lisboa (quando não é um assunto só de Lisboa). Autarcas da região centro, das mais variadas cores políticas (CDS à CDU), defendem a construção do aeroporto da Ota. Entre os muitos autarcas do PSD que apoiam esta localização está Francisco Moita Flores, presidente da Câmara de Santarém, que, com uma grande honestidade intelectual, recorda que a Ota sempre foi defendida pelo PSD até a o governo Sócrates decidir avançar. Ou seja, os interesses locais estão acima de tudo o resto, interesses partidários ou nacionais. Que seja assim com os interesses nacionais, acho pena. E o novo aeroporto de Lisboa é um grande projecto nacional (sem subalternizar os outros, como escrevi), que não diz só respeito a passageiros nacionais (se calhar diz mesmo mais respeito a passageiros estrangeiros). Deve permitir a transferência e o tráfego de passageiros entre a América do Sul, a África e outros países da Europa. Deve permitir a exportação de bens de consumo, de cargas que a Portela não está em condições de permitir. Deve ser grande o suficiente para tudo isto, que não é irrealista nem megalómano: dois pequenos/médios aeroportos, a alternativa que muita gente gosta de propor, não permitiriam nenhuma destas possibilidades.
Mas se o país se encontrasse dividido em regiões, como muita gente continua a insistir em propor, o mais provável é que se acabasse mesmo com dois aeroportos pequenos, em localizações distintas. O interesse nacional raramente coincide com a sobreposição de meros interesses locais. É bom que pensemos nisto.
Adenda: podem consultar-se as distâncias das diferentes opções a diferentes cidades no Blasfémias. A estes dados acrescento, a partir do Barreiro: Portela - 47 km, Poceirão - 54 km, Ota - 85 km.
Publicado também no Cinco Dias.
Houve vários aspectos risíveis nas declarações desastradas da semana passada, quer do ministro Mário Lino, quer de Almeida Santos. Independentemente de só este último, creio eu, ter medo de construir pontes por causa dos “atentados terroristas”, a verdade é que a necessidade da construção de uma nova ponte sobre o Tejo para um aeroporto na Margem Sul é usada como argumento pelos defensores da Ota, que são maioritariamente provenientes dos distritos de Santarém, Leiria e Coimbra (não conheço praticamente nenhum defensor da Ota que não provenha de um destes distritos). O extraordinário é que estes cidadãos (que, recorde-se, já têm – ou vão ter – uma ligação ferroviária de alta velocidade que os liga aos aeroportos de Lisboa – seja ele onde for – e Porto) crêem mesmo que a margem sul é um deserto, e que serão provavelmente eles os únicos utentes do futuro aeroporto. Ninguém pensa na acessibilidade de um aeroporto na Ota aos habitantes da margem sul (especialmente do Barreiro). As Faias ou o Poceirão ficam à mesma distância de Lisboa que a Ota, é verdade. Mas ficam mais próximas da população da Margem Sul de Lisboa e Setúbal, que de outra forma ficaria muito longe de um aeroporto internacional. Ninguém parece discernir que, seja para ligar os passageiros da margem norte ao Poceirão ou para ligar partes da margem sul à Ota, uma terceira travessia do Tejo vai mesmo ter de ser construída. Chegar à Ota não é a mesma coisa que à Portela. Por muito que isso assuste Almeida Santos. Ou então se calhar há quem repare, mas nos últimos tempos para defender a Ota tem valido tudo.
Ainda por outras duas razões, e embora não tenha ainda uma opinião definitiva e nem recuse liminarmente nenhuma das hipóteses, eu tendo a preferir um aeroporto na margem sul. A primeira é por esta localização ser mais distante do Porto, e é do interesse nacional que o aeroporto do Porto não seja subalternizado em relação à Ota. O norte e centro-norte do país devem ser servidos preferencialmente pelo aeroporto do Porto. A segunda, e quanto a mim a razão principal, é que tanto quanto sei um aeroporto nas Faias ou no Poceirão será mais seguro, mais barato e terá maior expansibilidade que um aeroporto na Ota.
Mas como sempre em Portugal tudo se reduz aos interesses locais. Toda a gente quer ter um aeroporto próximo da sua cidade ou freguesia. Receio que a questão do aeroporto seja decisiva nas próximas eleições autárquicas de Lisboa (quando não é um assunto só de Lisboa). Autarcas da região centro, das mais variadas cores políticas (CDS à CDU), defendem a construção do aeroporto da Ota. Entre os muitos autarcas do PSD que apoiam esta localização está Francisco Moita Flores, presidente da Câmara de Santarém, que, com uma grande honestidade intelectual, recorda que a Ota sempre foi defendida pelo PSD até a o governo Sócrates decidir avançar. Ou seja, os interesses locais estão acima de tudo o resto, interesses partidários ou nacionais. Que seja assim com os interesses nacionais, acho pena. E o novo aeroporto de Lisboa é um grande projecto nacional (sem subalternizar os outros, como escrevi), que não diz só respeito a passageiros nacionais (se calhar diz mesmo mais respeito a passageiros estrangeiros). Deve permitir a transferência e o tráfego de passageiros entre a América do Sul, a África e outros países da Europa. Deve permitir a exportação de bens de consumo, de cargas que a Portela não está em condições de permitir. Deve ser grande o suficiente para tudo isto, que não é irrealista nem megalómano: dois pequenos/médios aeroportos, a alternativa que muita gente gosta de propor, não permitiriam nenhuma destas possibilidades.
Mas se o país se encontrasse dividido em regiões, como muita gente continua a insistir em propor, o mais provável é que se acabasse mesmo com dois aeroportos pequenos, em localizações distintas. O interesse nacional raramente coincide com a sobreposição de meros interesses locais. É bom que pensemos nisto.
Adenda: podem consultar-se as distâncias das diferentes opções a diferentes cidades no Blasfémias. A estes dados acrescento, a partir do Barreiro: Portela - 47 km, Poceirão - 54 km, Ota - 85 km.
Publicado também no Cinco Dias.
Os convites continuam...
Monday, May 28, 2007
Algumas notas sobre a final
O jogo foi equilibrado, como é típico de uma final e de um jogo de final de época. O Sporting teve as melhores oportunidades e é um vencedor justo.
Como já aqui defendi, quando o Sporting nem sequer estava envolvido, é ridículo continuar-se a jogar a final da Taça de Portugal no Estádio do Jamor, um estádio obsoleto, quando há tantos estádios novos e mais confortáveis no país inteiro, alguns deles com lotação bem superior. O que se passou com os bilhetes este ano foi o resultado de uma final entre um grande e um clube com grande implantação popular (ainda por cima de Lisboa). Se fosse com dois grandes ainda seria pior, apesar de se achar menos estranho. De certa forma foi pedagógico.
De qualquer maneira não tencionei ir ao Jamor. Fui a Alvalade ver a final em écran gigante.
A festa foi bonita. Sem confrontos ou conflitos, como outras. Somos mesmo um clube diferente. O pior foram os “momentos musicais” que se teve de ouvir entre o final do jogo no Jamor e a chegada da equipa a Alvalade. Um dos “artistas”, de nome “Júnior”, trauteava uma coisa que versava sobre o consumo de “ganzas”. Era engraçado ouvi-la e olhar ao mesmo tempo para o ar compenetrado de um rapaz ao pé de mim, que queimava diligentemente uma pedra de haxixe e enrolava um charro. Musicalmente, mais teria valido um dueto entre a Maria José Valério e o João Braga.
Os jogadores foram sendo chamados um a um. O mais contente era o Carlos Martins, que provavelmente não sabe quando volta a ter hipótese de ganhar um troféu destes. A menos que vá para o Porto (tudo é possível). O último, também provavelmente pela última vez, foi o Custódio, que carregava o troféu. Qualquer um deles deu pena, mas é a vida. Desejo felicidades a ambos. Mais pena tive de não estar ali o Sá Pinto e de o Pedro Barbosa não ter subido com a equipa técnica (para não estragar a festa ao Paulo Bento?).
Houve não sei quantas repetições de “e quem não salta é lampião”... Eu não saltava – estou velho, reservo as minhas energias para o "e quem não salta é laranjinha" das manifes, e nem sequer dou esta importância a lampiões. Mas chegaram-me mesmo a perguntar, apesar do meu cachecol, se eu não era lampião! No final, cantava-se uma música dedicada ao Simão Sabrosa, que por pudor e respeito mínimo - mesmo mínimo - que ainda tenho por ele, me abstenho de aqui escrever. Rimava “sexy hot” com “pacote”. Também se entoavam as clássicas “cada lampião, cada cabrão” e “SLB, SLB, filhos da puta, SLB, são a merda que se vê”.
E foi assim. Para o ano há mais. Esperemos que outra taça, e desta vez o campeonato.
Sunday, May 27, 2007
Venho por este meio espojar-me humildemente aos santos pés de Pipi Romagnoli
«Ganhar a Taça é como ganhar a Liga» - epigrama de Paulo Bento, que deveria ser imediatamente transformado em graffiti e espalhado por todo o país (o epigrama, e não Paulo Bento, cuja actual composição química e estado físico indivisível este blogue aprova inequivocamente).
Parecem-me mais ou menos evidentes os motivos pelos quais o Sporting Clube de Portugal venceu hoje (peúgas, chuva, Fátima, cachecol da sorte, lesão do Amaral, comentários abertos na Causa, problema dorsal do meu melhor amigo, etc), pelo que me vou abster de os explicar aqui.
A minha maior preocupação dos últimos tempos (superando, neste aspecto, até o enredo complicadíssimo do livro policial que ando a ler) era saber como iria a equipa reagir quando fosse finalmente confrontada com a inevitabilidade de não marcar um golo praticamente antes de o jogo ter começado. Noventa minutos de domínio intelectual confirmaram o descabimento do receio; nenhum dos adolescentes em campo deixou acumular as tensões de décadas que assombram o vulgar adepto, continuando todos a tratar o resto do jogo como se o senhor árbitro tivesse acabado de apitar para o rola-bola, independentemente de certas acções atrevidas de jogadores do Belenenses, inexplicavelmente alheios à superioridade metafísica do oponente. Os nervos, esses, estavam todos nas bancadas. (Uma situação que revela curiosos paralelos com o referido livro: Ellery Queen cheio de paciência metafísica, e eu a roer as unhas do lado de fora das páginas, tentando perceber se a incongruência no horário dos comboios no capítulo VII é relevante ou mero erro tipográfico).
O resultado é justíssimo, e a nação sportinguista poderá agora dedicar-se a uma preocupação racional e muito mais urgente: a permanência de Leandro Atilio Romagnoli. O ritual estival mantido por sucessivas direcções ao longo dos anos repetir-se-á: um vice-presidente virá para os jornais falar de "contenção financeira" e o desgraçado do rapaz regressará ao México, sendo prontamente substituído por um internacional "B" peruano emprestado por um clube austríaco, após recomendação de um cunhado de Carlos Janela. Aviso desde já que estarei indisponível para campanhas que envolvam NIBs e slogans embaraçosos ("Fica Pipi!"), mas não queria deixar de salientar que se a porção do orçamento para esta temporada empregue nos obscenos salários do não menos obsceno Alecsandro e do verdadeiramente pornográfico Carlos Bueno tivesse sido investida nos cavalinhos Slim Pickings (Grand National) e Dun Doire (Cheltenham), os retornos teriam sido mais do que suficientes não apenas para garantir a continuidade de Romagnoli até ao final da sua trágica carreira, mas também para trazer mais três ou quatro internacionais argentinos.
(Dr. Soares Franco, a Royal Ascot é na terceira semana de Junho. Seja inteligente. Pergunte-me como.)
Parece-me também cada vez mais óbvio que o Sporting conseguiu, por meios certamente sobrenaturais, instaurar um sistema táctico-dinâmico perpétuo, que é independente do treinador, e que está directamente relacionado com as características do seu centro-campista dominante. O Sporting de Rochemback (nunca houve um "Sporting de Peseiro", e gostaria, aliás, de não voltar a ler nem a ouvir essa caluniosa expressão) movia-se com a graça e acutilância dos elefantes de Aníbal. Era uma tropa pesadona e lenta - muita mais física que esta -- cujo famoso losango se dedicava a fabricar um tecido ininterrupto de toma-lá-dá-cás, na esperança de que, mais tarde ou mais cedo, o adversário ficasse tão encantado com a coisa que escancarasse os Pirinéus. E Rochemback e Pedro Barbosa, além de quatro colecções de tarsos e metatarsos como já não se fazem, tinham a vantagem de possuír arcaboiços normalmente associados com grandes mamíferos, que lhes permitiam caminhar por ali cheios da paciência que o público ingrato raramente tinha, rodopiando e atropelando gente com sucessivas cargas de ombro, até que fosse possível prosseguir a jogada sem envolver o Custódio.
Já o Sporting de hoje - além de ser abençoado com o melhor 'trinco' português desde Paulo Sousa - é indiscutivelmente o Sporting de Romagnoli. O sacrossanto losango é o mesmo, mas o bicho é diferente, com menos afinidade com elefantes do que com uma praga de gafanhotos bíblicos. Rochemback atropelava romanos, e parecia mais pesado do que era; Romagnoli esvoaça entre eles, e parece mais pessoas do que é (é apenas um, tomei o cuidado de verificar). Vi muito poucos jogos completos esta época, mas parece-me que a jogada-padrão aperfeiçoada pelo Sporting é arranjar maneira (não sei como) de colocar Romagnoli sozinho numa das quinas da área, sem qualquer adversário num raio de cinco metros. Isto acontece vezes sem conta, e o adversário nunca aprende (nem eu). Romagnoli, com a bola nos pés, é tão bom como os melhores médios estrangeiros que vi jogar no Sporting (Balakov, Rochemback e, respirar fundo, Roberto Assis). Mas sem bola, é melhor que todos eles.
E pelo tal sobrenatural processo de osmose, a própria equipa parece adaptar-se à essência de Romagnoli. O losango de Rochemback era gordo, lento, tecnicamente perfeito, rematava bem de longe e dividia o seu tempo entre esmagar equipas por 4 ou 5-0 e perder com clubes dolorosamente inferiores, sempre com 80% de posse de bola. O losango de Pipi é pequenito, móvel, tecnicamente perfeito, só domina no máximo metade do tempo de jogo útil, e não sabe chutar à baliza, mas a brincar, a brincar, já ganhou uma Taça de Portugal, o que é precisamente um título a mais do que os conquistados pelo losango de Rochemback.
Por tudo isto, e por mais uma série de motivos que as lágrimas nos olhos me impedem de desenvolver, sugiro as seguintes prioridades para 2007/08: contratem Romagnoli por tudo quanto ainda é sagrado neste mundo cão. Contratem um guarda-costas para o impedir de fumar durante as folgas. Contratem um cardiologista para o acompanhar a partir da linha lateral sempre que o jogo passar dos 60 minutos. Contratem o João Cutileiro para lhe fazer a estátua que ele merecerá no final da época.
(E, já agora, façam regressar o Varela do deserto espiritual da Margem Sul para onde o baniram. Se o Varela tem começado o jogo de hoje no lugar de Alecsandro, o Sporting teria falhado pelo menos doze oportunidades claras antes do intervalo, em vez daquelas parcas três ou quatro.)
(E, já agora, façam regressar o Varela do deserto espiritual da Margem Sul para onde o baniram. Se o Varela tem começado o jogo de hoje no lugar de Alecsandro, o Sporting teria falhado pelo menos doze oportunidades claras antes do intervalo, em vez daquelas parcas três ou quatro.)
(Adenda com olhitos semi-secos: uma pequena observação sobre Nani, que empena um pouco a teoria, já que, pelas suas características, tem muito mais em comum com o "losango Rochemback" do que com o "losango Pipi". Estarei aqui para comer estas doutas palavras, caso isso se prove necessário, mas creio que Nani nunca terá sequer o sucesso de Quaresma (falta-lhe a precisão no cruzamento e remate) ou de Simão (falta-lhe um clube dependente dele), quanto mais o de C. Ronaldo (falta-lhe a potência) ou de Figo (falta-lhe tudo). Mas parece-me que, com o acompanhamento certo, Nani poderá, em vez dessa coisa quase banal nestes tempos Alcochetianos que é ser o novo Figo ou o novo Ronaldo, ser uma coisa muito mais rara, e muito mais benéfica para a Humanidade em geral: o novo Pedro Barbosa. Para isso, e para uma longa carreira de mártir, atraíndo a parcela maior dos injustos e irritantes assobios dos sócios, só precisa de se libertar do vício de fazer aqueles arranques idiotas, dos quais só 10% têm conclusão satisfatória. Para correr está lá a bola. E o Abel Hargreaves...)
Saturday, May 26, 2007
António Brotas: a Ota e a Câmara de Lisboa (II)
A campanha para a Câmara de Lisboa estava em risco de se transformar num referendo pró, ou contra o aeroporto da Ota.
A intervenção de ontem do Exmo. Senhor Presidente da República alterou profundamente a situação.
O país vai mesmo discutir a localização do novo aeroporto de Lisboa (do NAL).
Esta discussão durará, possivelmente, dois anos. Se, no final, se concluir que o NAL pode ser construido num local da margem Sul (há vários locais pelo menos à primeira vista propícios para isso) são ganhos dois anos porque um aeroporto na margem Sul demora, no mínimo, quatro anos menos a construir do que um aeroporto na Ota.
Infelizmente, o ministro Mário Lino não esperou três dias. Abriu um concurso para adjudicar o projecto de um aeroporto na Ota e fez esta semana uma pré-selecção de três concorrentes. Por mais competente que seja o vencedor e por melhor que trabalhe, projectará sempre um aeroporto acanhado, com maus acessos, deficiente sobre muitos aspectos, caro, muitíssimo dificil de construir e insuficiente para servir o país por um largo periodo. (Que o ministro comparou a um indivíduo sem uma perna, com um braço partido e todo torto, mas sem um cancro).
Se, entretanto, se concluir que que o NAL pode ser construido na margem Sul, o projecto do aeroporto da Ota vai para o lixo. O país perderá bastante dinheiro, mas não fica com o futuro atrofiado como seria o caso de embarcar numa obra errada.
A única questão que pode ser impeditiva da construção do NAL na Margem Sul e que exige um estudo sério e aprofundado é o da protecção dos aquíferos subterraneos. O debate sobre esta questão, que foi levantada por alguns ambientalistas, pelo próprio ministro, pelo Presidente da CCRLVT e, mais recentemente, por alguns professores de Coimbra, deve ser conduzido com grande abertura e limpidez para ser convincente. Dispomos de dois anos para o fazer porque os estudos sobre o aeroporto da Ota propriamente dito estão atrasadíssimos.
Em qualquer caso, os estudos sobre os aquíferos serão sempre uteis, pois sensibilizarão o país para a importantíssima questão da sua protecção, que não é um problema posto unicamente pela construção de um aeroporto mas, também, por uma série de outros projectos industriais, urbanísticos e agricolas.
O outro argumento impeditivo apresentado pelo ministro, o dos choques de aviões com aves migratórias, é perfeitamente risivel. Numa primeira ocasião procurarei escrever sobre ele para recordar os estudos de 1999 e me interrogar sobre os actuais.
É altamente desejavel que os candidatos à Câmara de Lisboa se interessem por estes assuntos e exijam que sejam sériamente estudados. Mas, no periodo curto da campanha, não são eles que o podem fazer, e há outros assuntos mais directamente relacionados com a cidade que devem reter a sua atenção.
António Brotas
A intervenção de ontem do Exmo. Senhor Presidente da República alterou profundamente a situação.
O país vai mesmo discutir a localização do novo aeroporto de Lisboa (do NAL).
Esta discussão durará, possivelmente, dois anos. Se, no final, se concluir que o NAL pode ser construido num local da margem Sul (há vários locais pelo menos à primeira vista propícios para isso) são ganhos dois anos porque um aeroporto na margem Sul demora, no mínimo, quatro anos menos a construir do que um aeroporto na Ota.
Infelizmente, o ministro Mário Lino não esperou três dias. Abriu um concurso para adjudicar o projecto de um aeroporto na Ota e fez esta semana uma pré-selecção de três concorrentes. Por mais competente que seja o vencedor e por melhor que trabalhe, projectará sempre um aeroporto acanhado, com maus acessos, deficiente sobre muitos aspectos, caro, muitíssimo dificil de construir e insuficiente para servir o país por um largo periodo. (Que o ministro comparou a um indivíduo sem uma perna, com um braço partido e todo torto, mas sem um cancro).
Se, entretanto, se concluir que que o NAL pode ser construido na margem Sul, o projecto do aeroporto da Ota vai para o lixo. O país perderá bastante dinheiro, mas não fica com o futuro atrofiado como seria o caso de embarcar numa obra errada.
A única questão que pode ser impeditiva da construção do NAL na Margem Sul e que exige um estudo sério e aprofundado é o da protecção dos aquíferos subterraneos. O debate sobre esta questão, que foi levantada por alguns ambientalistas, pelo próprio ministro, pelo Presidente da CCRLVT e, mais recentemente, por alguns professores de Coimbra, deve ser conduzido com grande abertura e limpidez para ser convincente. Dispomos de dois anos para o fazer porque os estudos sobre o aeroporto da Ota propriamente dito estão atrasadíssimos.
Em qualquer caso, os estudos sobre os aquíferos serão sempre uteis, pois sensibilizarão o país para a importantíssima questão da sua protecção, que não é um problema posto unicamente pela construção de um aeroporto mas, também, por uma série de outros projectos industriais, urbanísticos e agricolas.
O outro argumento impeditivo apresentado pelo ministro, o dos choques de aviões com aves migratórias, é perfeitamente risivel. Numa primeira ocasião procurarei escrever sobre ele para recordar os estudos de 1999 e me interrogar sobre os actuais.
É altamente desejavel que os candidatos à Câmara de Lisboa se interessem por estes assuntos e exijam que sejam sériamente estudados. Mas, no periodo curto da campanha, não são eles que o podem fazer, e há outros assuntos mais directamente relacionados com a cidade que devem reter a sua atenção.
António Brotas
António Brotas: a Ota e a Câmara de Lisboa (I)
O aeroporto de Lisboa vai estar em funcionamente 10, 20 ou mais anos. Nem sequer está provado que deva ser desactivado. Um novo aeroporto para a região de Lisboa (NAL) é em absoluto necessário para substituir ou completar o da Portela. É algo que decidiremos daqui a alguns anos. A última coisa que podemos agora desejar é que o debate sobre o destino a dar aos terrenos (ainda não devolutos) da Portela venha inquinar o problema da escolha da localização NAL .
Em qualquer, caso há problemas muito mais urgentes a tratar.
Assim, o Partido Socialista propos-se no seu programa eleitoral para as legislativas construir uma ponte para o Barreiro para TGV atravessarem o Tejo. No dia 6 de Março, a Secretária de Estado Ana Vitorino confirmou, na Sociedade de Geografia este propósito. No final de Março, o Ministério precisou que a ponte seria rodo-ferroviária e que a estação terminal seria nas Olaias.
No programa do Partido Socialista a ponte para o Barreiro era, porém, destina aos TGV para Badajóz, para o Algarve, para o Porto e ainda para um shuttle para o aeroporto da Ota, enquanto que, no documento "Orientações estratégicas para o sector ferrroviário" divulgado pelo MOPTC, em 28 de Outubro, está prevista uma entrada a Norte de Lisboa pelo Lumiar para o TGV para o Porto.
O que está actualmente previsto são, assim, duas entradas para o TGV em Lisboa. Se o propósito for para diante, tal significa que a Câmara de Lisboa terá de se defrontar com o gigantesco problema ambiental e urbanistico criado pela construção de 10 km de vias para os TGV circularem no interior da cidade (e ainda ninguém precisou onde serão em tunel, em viaduto ou à superfície).
Os estudos de engenharia necessários para construir a ponte do Barreiro e as linhas para os TGV no interior de Lisboa, na margem Sul, e pela margem Norte até à Ota ainda não estão feitos.(Este último trajecto foi posto ee lado há poucos anos pela REFER dado o seu custo excessivo). A decisão definitiva sobre o projecto global das entradas do TGV em Lisboa e, consequentemente, sobre a ponte do Barreiro, não está, assim, ainda tomada.
Quem tem de decidir sobre estes assuntos é, sem dúvida, o Governo.
Mas, qual é o papel da Câmara de Lisboa no meio de todas estas questões?
É a pergunta a fazer aos candidatos a esta próxima eleição. O que não é admissivel é que, enquanto o Governo faz os seus projectos, a Câmara se entretenha a aprovar urbanizações incompativeis com esses mesmos projectos.
O que propõe é que a Câmara reivindique o direito de ser ouvida e mantida informada e, ainda, que, simultaneamente, assuma como prática normal estudar com antecedência e transmitir ao Governo sugestões e opiniões sobre os problemas que interessem directamente à cidade. Mas, para isso, a Câmara tem de se preparar.
O que julgo indicado, é a Câmara criar um gabinete de estudos, francamente aberto a uma colaboração exterior, por exemplo, das Universidades, vocacionado não para decidir, mas para estudar e analisar os projectos das grandes infraestruturas de transportes.
No que diz respeito à travessia do Tejo, não acredito que vá ser tomada nenhuma decisão definitiva nestes dois anos. Há, no entanto, uma proposta simples sobre a qual parece haver consenso. A proposta de Portugal na Cimeira Ibérica deste ano propor à Espanha a construção com grande prioridade da linha TGV de Badajoz ao Pinhal Novo (onde há uma estação da Fertagus).
Um gabinete de estudos como o referido pode debruçar-se sobre esta proposta e, no caso de concordar com ela, pode propor à Câmara de Lisboa para a apoiar vivamente. Se esta proposta for aceite, teremos, então, dois ou três anos para estudar seriamente o problema da travessia do Tejo, muito relacionado com o problema do traçado da linha do TGV para o Porto. O gabinete referido deverá estudar estes problemas mantendo um diálogo com o Ministério e com os municípios vizinhos, mas dando especial atenção às suas implicações sobre Lisboa.
Entretanto, deverá dar especial atenção aos problemas internos da cidade, dialogando com a Carris, a CP e a empresa do metro. A meu ver, por exemplo, estão erradas as extensões actualmente previstas da rede vermelha do metro para o Aeroporto e para Campolide (bairro) . Lamento que tenha sido posta de lado a saida prevista para o lado de Sacavem que evitaria a entrada diária de dezenas de milhares de carros na cidade. A ligação da gare do Oriente ao Aeroporto podia ser feita com um investimento incomparavelmente menor (e mais cómodo para os utentes) por 6 autocarros que fizessem uma navete pela Avenida de Berlim. Do outro lado, o metro devia ir à estação de Campolide e não ao bairro de Campolide. Depois, devia descer a Av. de Ceuta. Transportados à superfície, os futuros moradores nesta avenida (que alguns pensam urbanizar com torres) irão inevitavelmente engarrafar o táfego vindo pela Autoestrada e pela Marginal. No que diz respeito a Campo de Ourique, o acesso às traseiras do bairro pode ser feito por escadas rolantes a partir de uma estação na Av. de Ceuta. É o processo de dignificar toda aquela zona.
São isto questões de simples bom senso, de quem pensa um bocado e conhece o locais, que podem, talvez , sensibilizar os candidatos.
António Brotas
Em qualquer, caso há problemas muito mais urgentes a tratar.
Assim, o Partido Socialista propos-se no seu programa eleitoral para as legislativas construir uma ponte para o Barreiro para TGV atravessarem o Tejo. No dia 6 de Março, a Secretária de Estado Ana Vitorino confirmou, na Sociedade de Geografia este propósito. No final de Março, o Ministério precisou que a ponte seria rodo-ferroviária e que a estação terminal seria nas Olaias.
No programa do Partido Socialista a ponte para o Barreiro era, porém, destina aos TGV para Badajóz, para o Algarve, para o Porto e ainda para um shuttle para o aeroporto da Ota, enquanto que, no documento "Orientações estratégicas para o sector ferrroviário" divulgado pelo MOPTC, em 28 de Outubro, está prevista uma entrada a Norte de Lisboa pelo Lumiar para o TGV para o Porto.
O que está actualmente previsto são, assim, duas entradas para o TGV em Lisboa. Se o propósito for para diante, tal significa que a Câmara de Lisboa terá de se defrontar com o gigantesco problema ambiental e urbanistico criado pela construção de 10 km de vias para os TGV circularem no interior da cidade (e ainda ninguém precisou onde serão em tunel, em viaduto ou à superfície).
Os estudos de engenharia necessários para construir a ponte do Barreiro e as linhas para os TGV no interior de Lisboa, na margem Sul, e pela margem Norte até à Ota ainda não estão feitos.(Este último trajecto foi posto ee lado há poucos anos pela REFER dado o seu custo excessivo). A decisão definitiva sobre o projecto global das entradas do TGV em Lisboa e, consequentemente, sobre a ponte do Barreiro, não está, assim, ainda tomada.
Quem tem de decidir sobre estes assuntos é, sem dúvida, o Governo.
Mas, qual é o papel da Câmara de Lisboa no meio de todas estas questões?
É a pergunta a fazer aos candidatos a esta próxima eleição. O que não é admissivel é que, enquanto o Governo faz os seus projectos, a Câmara se entretenha a aprovar urbanizações incompativeis com esses mesmos projectos.
O que propõe é que a Câmara reivindique o direito de ser ouvida e mantida informada e, ainda, que, simultaneamente, assuma como prática normal estudar com antecedência e transmitir ao Governo sugestões e opiniões sobre os problemas que interessem directamente à cidade. Mas, para isso, a Câmara tem de se preparar.
O que julgo indicado, é a Câmara criar um gabinete de estudos, francamente aberto a uma colaboração exterior, por exemplo, das Universidades, vocacionado não para decidir, mas para estudar e analisar os projectos das grandes infraestruturas de transportes.
No que diz respeito à travessia do Tejo, não acredito que vá ser tomada nenhuma decisão definitiva nestes dois anos. Há, no entanto, uma proposta simples sobre a qual parece haver consenso. A proposta de Portugal na Cimeira Ibérica deste ano propor à Espanha a construção com grande prioridade da linha TGV de Badajoz ao Pinhal Novo (onde há uma estação da Fertagus).
Um gabinete de estudos como o referido pode debruçar-se sobre esta proposta e, no caso de concordar com ela, pode propor à Câmara de Lisboa para a apoiar vivamente. Se esta proposta for aceite, teremos, então, dois ou três anos para estudar seriamente o problema da travessia do Tejo, muito relacionado com o problema do traçado da linha do TGV para o Porto. O gabinete referido deverá estudar estes problemas mantendo um diálogo com o Ministério e com os municípios vizinhos, mas dando especial atenção às suas implicações sobre Lisboa.
Entretanto, deverá dar especial atenção aos problemas internos da cidade, dialogando com a Carris, a CP e a empresa do metro. A meu ver, por exemplo, estão erradas as extensões actualmente previstas da rede vermelha do metro para o Aeroporto e para Campolide (bairro) . Lamento que tenha sido posta de lado a saida prevista para o lado de Sacavem que evitaria a entrada diária de dezenas de milhares de carros na cidade. A ligação da gare do Oriente ao Aeroporto podia ser feita com um investimento incomparavelmente menor (e mais cómodo para os utentes) por 6 autocarros que fizessem uma navete pela Avenida de Berlim. Do outro lado, o metro devia ir à estação de Campolide e não ao bairro de Campolide. Depois, devia descer a Av. de Ceuta. Transportados à superfície, os futuros moradores nesta avenida (que alguns pensam urbanizar com torres) irão inevitavelmente engarrafar o táfego vindo pela Autoestrada e pela Marginal. No que diz respeito a Campo de Ourique, o acesso às traseiras do bairro pode ser feito por escadas rolantes a partir de uma estação na Av. de Ceuta. É o processo de dignificar toda aquela zona.
São isto questões de simples bom senso, de quem pensa um bocado e conhece o locais, que podem, talvez , sensibilizar os candidatos.
António Brotas
Sapo recomenda
Pela primeira vez, que eu me tenha dado conta, este blogue vinha na lista de blogues recomendados do Sapo (ontem). A razão? O texto... de José Manuel Fernandes.
Friday, May 25, 2007
Homem caucasiano procura-se!
As minhas intervenções neste blog, têm sido ultimamente, muito certinhas, com artigos que pretendem denunciar os males do mundo. No entanto, e porque este blog não serve só para os meus artigos sérios e aborrecidos, já que o Fernando vai introduzindo uma grande variedade de temas, vou hoje referir um assunto menor, mas que me provocou profunda indignação.
A polícia judiciária (PJ) de Faro resolveu esta tarde fazer a descrição de um suposto raptor do badalado caso da menina inglesa, indicando que o mesmo seria caucasiano, com uma dada altura, etc., etc.
O que provoca a minha indignação é a PJ traduzir à letra para português o termo que os americanos usam para designar os brancos, que é caucasiano. Em Portugal, e a PJ devia saber isso, nunca se chamou a um branco caucasiano. O que de certeza leva a população portuguesa a pensar que o eventual raptor seja alguém dessas paragens ignotas e que nada tenha a ver com um português de gema.
Na TSF online chega-se ao ponto de dizer PJ procura homem caucasiano, como se um caucasiano, não se sabe se muçulmano ou cristão, fosse o responsável por este rapto.
Por favor, acabem com estas traduções apressadas, que só provocam a perturbação da já delicada e muito pervertida língua portuguesa.
A polícia judiciária (PJ) de Faro resolveu esta tarde fazer a descrição de um suposto raptor do badalado caso da menina inglesa, indicando que o mesmo seria caucasiano, com uma dada altura, etc., etc.
O que provoca a minha indignação é a PJ traduzir à letra para português o termo que os americanos usam para designar os brancos, que é caucasiano. Em Portugal, e a PJ devia saber isso, nunca se chamou a um branco caucasiano. O que de certeza leva a população portuguesa a pensar que o eventual raptor seja alguém dessas paragens ignotas e que nada tenha a ver com um português de gema.
Na TSF online chega-se ao ponto de dizer PJ procura homem caucasiano, como se um caucasiano, não se sabe se muçulmano ou cristão, fosse o responsável por este rapto.
Por favor, acabem com estas traduções apressadas, que só provocam a perturbação da já delicada e muito pervertida língua portuguesa.
PS. Já hoje o "Expresso", e bem, chama branco ao tal caucasiano da PJ.
That Summer Feeling
Soube agora mesmo pelo Público (jornal com sede na Margem Norte) que Jonathan Richman vai ao Santiago Alquimista (na Margem Norte) na próxima Quarta-feira. Lanço o apelo às pessoas do costume (que moram quase todas na Margem Norte): eu sei que o dia seguinte, para vocês, é dia de trabalho (nos vossos empregos da Margem Norte), mas isto é diferente.
Jonathan Richman, que um dia, em resposta à pergunta asinina de um jornalista, disse "I sing about what matters", é diferente. Jonathan Richman, que um dia terminou um espectáculo com dezassete versões diferentes de «Roadrunner», é diferente. Jonathan Richman, que um dia interrompeu uma canção para discursar durante aproximadamente dez minutos em hebraico perante uma estupefacta plateia londrina, e que terminou a palestra com um peremptório "What I meant by that, ladies and gentlemen, is that people in love should never be ridiculed", é mesmo diferente.
Jonathan Richman até já esteve em Portugal antes (sempre na Margem Norte), e eu até já o vi duas vezes (na Margem Norte do Tamisa), mas isto é diferente. Frank Black, não sei se sabem, dedicou-lhe os seguintes versos: «Though le loved to rock and roll/All these many years/He cared about the old people/And little children's ears»
Isto, ladies and gentlemen, para além de ser rigorosamente verdade, é diferente, e merece aprovação universal (em ambas as Margens).
Vou ver de bilhetes (à Margem Norte). E vocês (os do costume, os da Margem Norte) ficam avisados: se ninguém alinhar, vou ali apanhar um avião (à Margem Norte) e não volto a pôr cá os pés tão depressa.
(Penso que é pertinente assinalar que estou a escrever este post a partir da Margem Sul, acto que se tornará ainda mais frequente num futuro não muito longínquo. A Margem Sul precisa de muitas coisas - nomeadamente que a minha presença se torne mais assídua - mas parece-me extravagantemente óbvio que não precisa de todas as coisas. Precisa, por exemplo, de mais quiosques cujos donos não se recusem a vender-me o Público quando eu tento pagá-lo com uma nota de dez euros. Isso precisa. Não precisa, por exemplo, de um aeroporto, nem de uma falangezinha de beatos histéricos a defender a sua honra ferida. Isso não precisa.)
Isto, ladies and gentlemen, para além de ser rigorosamente verdade, é diferente, e merece aprovação universal (em ambas as Margens).
Vou ver de bilhetes (à Margem Norte). E vocês (os do costume, os da Margem Norte) ficam avisados: se ninguém alinhar, vou ali apanhar um avião (à Margem Norte) e não volto a pôr cá os pés tão depressa.
(Penso que é pertinente assinalar que estou a escrever este post a partir da Margem Sul, acto que se tornará ainda mais frequente num futuro não muito longínquo. A Margem Sul precisa de muitas coisas - nomeadamente que a minha presença se torne mais assídua - mas parece-me extravagantemente óbvio que não precisa de todas as coisas. Precisa, por exemplo, de mais quiosques cujos donos não se recusem a vender-me o Público quando eu tento pagá-lo com uma nota de dez euros. Isso precisa. Não precisa, por exemplo, de um aeroporto, nem de uma falangezinha de beatos histéricos a defender a sua honra ferida. Isso não precisa.)
O ministro, a Ota ou como o autismo só pode criar suspeições
José Manuel Fernandes no Público de hoje:
O ministro das Obras Públicas passou da teimosia ao autismo e deste a uma tão desastrada cegueira que, com toda a frontalidade, é preciso perguntar: a quem interessa este ministro? (...) Ou o ministro e o Governo explicam a bondade da Ota, ou a dúvida instalar-se-á na opinião pública. É que se Mário Lino estivesse limitado à capacidade de raciocínio de quem tem um único neurónio, algo que por certo não sucede num engenheiro "a sério" que até está inscrito na Ordem, o que disse seria desculpável. Tendo mais neurónios, por que fez do discurso uma sucessão de atoardas, inverdades, mistificações e disparates?
Como é que um ministro diz que a Margem Sul do Tejo é um "deserto para onde seria necessário deslocar milhões de pessoas"? E como foi possível tentar corrigir agravando o disparate, dizendo que não se referia à Margem Sul, apenas às localizações alternativas propostas para o novo aeroporto? Para assim falar, ou Mário Lino nunca olhou para um mapa de Portugal, ou vive em Marte. Qualquer das alternativas fica mais perto de Lisboa do que a Ota; qualquer delas é hoje servida por duas ou três auto-estradas já construídas. Há uma linha férrea que passa por lá. Um hospital central mais perto do que haveria na Ota. Indústria por todo o lado. Há portos perto, enquanto para a Ota só se poderia contar com o "famoso" porto de águas profundas de Peniche, hipótese que alguns lunáticos já colocaram. Em suma: qualquer das novas localizações está mais próxima dos milhões de pessoas que deveria servir do que a Ota. Mesmo para quem mora em concelhos a norte do Tejo como Cascais, Sintra ou Oeiras. De resto, se para ter um aeroporto fosse necessário deslocar para as suas proximidades "milhões de pessoas", então o melhor é deixá-lo onde está, no centro de Lisboa. Mário Lino falou também de um deserto e de sítios "sem gente, sem turismo, sem comércio" quando lhe bastaria, de novo, olhar para o mapa ou abrir o Google Earth para perceber que estava a dizer um disparate. Ou não existissem estudos a defender que, excluindo o impacto ambiental, Rio Frio seria melhor do que a Ota, estudos que estão na Internet mas que Lino disse não existirem...
Não contente, interrogou-se sobre se a engenharia portuguesa teria alguma dificuldade em resolver o problema de "um aterrozinho num mundo onde se constroem aeroportos no mar". Sucede que o tal aterrozito implicará a movimentação do equivalente a uma coluna de terra com as dimensões de um campo de futebol e 10 quilómetros de altura. Faz-se, mas só com muito dinheiro. Ou, por outras palavras, dando muito dinheiro a ganhar a muita gente. Em Portugal sabe-se o que isto costuma significar. (...) A pérola final foi considerar que escolher aquelas localizações seria como construir "uma Brasília no Norte do Alentejo". Norte do Alentejo? O nosso engenheiro "a sério" já esqueceu a instrução primária, pois lá terá aprendido que os lugares em discussão ainda ficam na Estremadura, e nunca deve ter olhado para os mapas das regiões-plano, pois situam-se na que é conhecida por "Lisboa e Vale do Tejo".
Músicas do Mundo
A MÚSICA COM ESPÍRITO DE AVENTURA VOLTA A SINES
Entre 20 e 28 de Julho de 2007, em Sines e Porto Covo, a nona edição do Festival Músicas do Mundo traz ao Litoral Alentejano 32 concertos com artistas dos cinco continentes.
Veja AQUI
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Thursday, May 24, 2007
Pierre-Gilles de Gennes (1932-2007)
O cientista francês, galardoado com o Prémio Nobel de Física de 1991 pelo seu trabalho em polímeros e cristais líquidos (como os que temos nos visores dos relógios e telemóveis, por exemplo) faleceu na semana passada em Orsay, ao sul de Paris, onde vivia.
Só vi de Gennes uma vez, em Lisboa, por ocasião de um seminário para que foi convidado. Era um homem polémico, que gostava de dar as suas opiniões, frequentemente contra a corrente. Era um feroz crítico da organização da ciência francesa. A meu ver poderia ter razão nas suas críticas pontuais, mas no geral parece-me que o sistema francês funciona bem. Muito melhor que em Portugal, Espanha ou Itália. A sua crítica era a comum: ao centralismo e à omnipresença do estado.
P-GdG esquece-se que sem financiamento público não há ciência fundamental que se faça: há muita ciência que não tem interesse comercial, e por isso só pode funcionar com o apoio do estado. Talvez por só se ter dedicado a Física Aplicada (que teve aplicações imediatas na indústria, onde revolucionou todo um sector), de Gennes sempre criticou este apoio. Discordo, mas não é por isso que deixo de reconhecer nele um grande cientista e um homem extremamente inspirador.
De Gennes adorava a exposição pública, ser polémico e não perdia uma oportunidade de dar uma entrevista. (Ficou célebre em Portugal a entrevista que deu ao "Diário de Notícias" em 2004, onde se deixou fotografar, em fato de banho, ao lado de uma piscina.) Recomendo vivamente a todos (cientistas e não só) a leitura desta entrevista que deu aquando dessa sua passagem por Lisboa. Deixo-vos com a nota de óbito da France Presse (via Libération).
Pierre-Gilles de Gennes est mort
Prix Nobel de Physique en 1991, Pierre-Gilles de Gennes est décédé vendredi à l'âge de 74 ans. C'est par une annonce dans le carnet du Monde que l'on a appris la mort de ce chercheur polyvalent, spécialiste de la physique de la matière condensée. Pierre-Gilles de Gennes a apporté des contributions marquantes dans des domaines variés, allant du magnétisme à l'hydrodynamique en passant par la supraconductivité, les polymères et les cristaux liquides.
Né le 24 octobre 1932 à Paris, fils d'un médecin et d'une infirmière, il fut élève de l'Ecole normale supérieure. Agrégé de physique et docteur ès sciences, il a d'abord été ingénieur au Commissariat à l'énergie atomique (CEA), en 1955, avant d'être professeur à la faculté des sciences à Orsay (de 1961 à 1971). En 1971, il est nommé professeur titulaire de la chaire de physique de la matière condensée au Collège de France. Son ouvrage «The Physics of Liquid Crystals», publié en 1974, reste une référence.
En 1991, il reçoit le Nobel de physique pour avoir découvert que des méthodes développées pour étudier des phénomènes d'ordre dans les systèmes simples peuvent être généralisées à des formes plus complexes de matière, en particulier aux cristaux liquides et polymères. Pour justifier cette distinction, l'Académie Nobel parle «d'Isaac Newton de notre temps». Cette année-là, Pierre-Gilles de Gennes est le seul à recevoir cette récompense suprême habituellement partagée par deux sinon trois chercheurs.
Pierre-Gilles de Gennes a toujours tenté de comprendre l'ordre et le désordre tels qu'ils se présentent dans la nature. Il avait à cœur de partager son savoir et son expérience avec les plus jeunes. Après avoir reçu le Prix Nobel, il réfléchit au rôle social du scientifique et à la façon d'enseigner les sciences. C'est à la suite de la suggestion d'un lycéen sur le plateau de l'émission télévisée Apostrophes que Pierre-Gilles de Gennes entame une tournée d'un an et demi dans cent-cinquante établissements où il rencontre des milliers d'étudiants. Il tire de ces conférences dans les collèges ou lycées un livre : «Les Objets fragiles».
Directeur de l'Ecole supérieure de physique et chimie industrielles de la Ville de Paris de 1976 à 2002, il avait plus récemment rejoint l'Institut Curie, abordant le domaine des systèmes du vivant et la compréhension des mécanismes cellulaires. Pierre-Gilles de Gennes était membre de l'Académie des Sciences et professeur honoraire au Collège de France.
Le Nobel de physique a même joué au cinéma, dans le film «Les Palmes de M. Schutz» réalisée par Claude Pinoteau en 1997. Dans ce film inspiré de la vie de ses célèbres prédécesseurs Pierre et Marie Curie, il interprétait l'un des deux cochers, l'autre étant Georges Charpak, prix Nobel de physique 1992.
Les implications de ses travaux dans la vie quotidienne sont omniprésentes: ils ont notamment conduit à la fabrication des écrans plats de téléviseurs ou d'ordinateurs, des calculettes, des montres..., tout en contribuant à la mise au point de «superglues», qui permettent aujourd'hui d'assembler des matériaux longtemps considérés "incollables".
L'inhumation aura lieu dans la plus stricte intimité, indique sans plus de détail l'annonce parue dans le carnet du Monde mardi.
Wednesday, May 23, 2007
NOVO !!! Gerador Automático de Discursos
Clique aqui para aceder ao novo Gerador Automático de Discursos.
Quem sabe se não poderá usá-lo já na próxima campanha eleitoral...
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Blogue "Blasfémias" defende as conquistas da revolução
Entre as consequências da Revolução Industrial está o surgimento do proletariado e do socialismo. Mas também um progresso incomparável para as nossas vidas.
Para o "Blasfémias", a grande conquista da Revolução Industrial é o carro próprio. Tudo em nome do "conforto" e - já cá faltava - da sacrossanta "liberdade individual". Quem disse que os trabalhadores é que estavam agarrados aos "direitos adquiridos"? O transporte em viatura própria dentro da cidade é um desses "direitos adquiridos" (neste caso pela burguesia) que terá que desaparecer.
"Desenvolvimento sustentável" é ideia que não passa por aquelas cabeças (e nem pela dos cidadãos em geral), o que demonstra o longo caminho que ainda se tem de percorrer. Que passa, como Paulo Varela Gomes anunciou no "Prós e Contras", por falar a verdade.
Para o "Blasfémias", a grande conquista da Revolução Industrial é o carro próprio. Tudo em nome do "conforto" e - já cá faltava - da sacrossanta "liberdade individual". Quem disse que os trabalhadores é que estavam agarrados aos "direitos adquiridos"? O transporte em viatura própria dentro da cidade é um desses "direitos adquiridos" (neste caso pela burguesia) que terá que desaparecer.
"Desenvolvimento sustentável" é ideia que não passa por aquelas cabeças (e nem pela dos cidadãos em geral), o que demonstra o longo caminho que ainda se tem de percorrer. Que passa, como Paulo Varela Gomes anunciou no "Prós e Contras", por falar a verdade.
Tuesday, May 22, 2007
Lisboa bem amada que mal me quis, que me quer bem
Devo começar por esclarecer que eu sou um alfacinha de gema: nasci e vivi em Lisboa até acabar o curso. Saí depois por nove anos e regressei recentemente. Conhecia muito bem a cidade quando parti, e continuo a conhecer, no que diz respeito a pontos de referência. Mas estive fora muito tempo: o tempo suficiente para não conhecer muitos dos locais da cidade que pessoas da minha idade, que cá ficaram, conhecem.
Um exemplo paradigmático é o “Lux”, onde de resto nunca estive. A primeira vez que ouvi falar no “Lux”, sem o saber, foi quando li, num artigo do Miguel Sousa Tavares
no Público, a expressão “esquerda Lux”. Percebi a quem é que o Miguel se referia, mas associei o “Lux” à conhecida marca de sabonetes. Julguei que, por alguma razão (talvez um anúncio...) o sabonete “Lux” estivesse associado à “esquerda Lux”. Ou então talvez, por algum motivo para mim obscuro, o Miguel Sousa Tavares conhecesse os hábitos de higiene pessoal de Ana Drago ou Miguel Portas.
Tudo isto para dizer que por vezes sinto-me um estranho em Lisboa, a cidade onde cresci. Em particular, não conheço praticamente nenhum dos locais que a Marta Rebelo referiu no seu texto da semana passada. O único lugar que eu conheço, simplesmente de nome, é o “Eleven”, do relato da minha irmã, cujo trabalho é ligado à Medicina, e que por pura coincidência ainda na semana passada teve um jantar de uma conferência nesse restaurante. (Os médicos adoram fazer as suas conferências nos locais mais luxuosos;dizem-me que é dos patrocínios da indústria farmacêutica. Só por comparação - e desculpem se estou a falar muito de mim - eu sou físico, e o meu orientador costuma dizer que, num banquete de físicos, as pessoas mais bem vestidas são os empregados de mesa.)
Quis o destino que eu, enquanto estive fora, vivesse nas duas “capitais do mundo”, Nova Iorque e Paris. E que eu tenha o enorme privilégio de, graças a isso, me sentir em casa nessas duas cidades. “Sentir-me em casa”, numa cidade, é saber fugir aos locais destinados aos turistas endinheirados. Paris não é só os Grands Boulevards ou o Bd. Saint Germain: também é Montparnasse (para um canard) ou a Butte Aux Cailles (para um boudin noir). Nova Iorque não é só o Rockefeller Center. Na Grande Maçã encontrar locais que não se destinem a turistas endinheirados não é fácil à partida, mas é possível. E nos arredores, como referi a semana passada, é possível comer “lagosta com todos” por menos de dez dólares. Ambas as cidades têm muitos locais principalmente destinados a fazer dinheiro com os turistas, mas recebem um volume de turistas que Lisboa não recebe e nem receberá. Apesar disso, mantêm uma vida própria: não dependem dos turistas. O comércio, a restauração, a cultura são para todos os habitantes (salve as desigualdades sociais, que principalmente em Nova Iorque são muitas), e não só para os turistas.
Posso estar a ser algo injusto, não conhecendo muitos desses locais (por não me atraírem), mas o que me deixa mais apreensivo em Lisboa é que, nestes últimos anos, parece ser uma cidade mais preocupada com os turistas do que com os seus habitantes. E, por isso, uma cidade muito pouco acolhedora. Principalmente para quem, como eu, aqui cresceu e sabe o que deveria esperar. E isto é um erro crasso: não são os turistas que vão dar vida ao centro da cidade e às zonas históricas todos os dias, todo o ano. Em Nova Iorque ou Paris há zonas que sobrevivem assim (só graças aos turistas), mas Lisboa não tem esse potencial. Por isso Lisboa tem de pensar mais sobretudo em quem cá trabalha e mora em casa alugada ou nos arredores. Nos jovens trabalhadores precários, a maior parte licenciados e doutorados. Nesse aspecto Lisboa teria muito a aprender com o Porto e com cidades portuguesas mais pequenas, com menos atractivos culturais mas uma qualidade de vida melhor.
Uma vez mais, não conheço a «Wallpaper», a revista que a Marta Rebelo refere. Mas creio que faríamos melhor se em alternativa prestássemos mais atenção a guias como o “Time Out”, ou o “Let’s Go!”, ou o “Lonely Planet”.
Publicado também no Cinco Dias.
Um exemplo paradigmático é o “Lux”, onde de resto nunca estive. A primeira vez que ouvi falar no “Lux”, sem o saber, foi quando li, num artigo do Miguel Sousa Tavares
no Público, a expressão “esquerda Lux”. Percebi a quem é que o Miguel se referia, mas associei o “Lux” à conhecida marca de sabonetes. Julguei que, por alguma razão (talvez um anúncio...) o sabonete “Lux” estivesse associado à “esquerda Lux”. Ou então talvez, por algum motivo para mim obscuro, o Miguel Sousa Tavares conhecesse os hábitos de higiene pessoal de Ana Drago ou Miguel Portas.
Tudo isto para dizer que por vezes sinto-me um estranho em Lisboa, a cidade onde cresci. Em particular, não conheço praticamente nenhum dos locais que a Marta Rebelo referiu no seu texto da semana passada. O único lugar que eu conheço, simplesmente de nome, é o “Eleven”, do relato da minha irmã, cujo trabalho é ligado à Medicina, e que por pura coincidência ainda na semana passada teve um jantar de uma conferência nesse restaurante. (Os médicos adoram fazer as suas conferências nos locais mais luxuosos;dizem-me que é dos patrocínios da indústria farmacêutica. Só por comparação - e desculpem se estou a falar muito de mim - eu sou físico, e o meu orientador costuma dizer que, num banquete de físicos, as pessoas mais bem vestidas são os empregados de mesa.)
Quis o destino que eu, enquanto estive fora, vivesse nas duas “capitais do mundo”, Nova Iorque e Paris. E que eu tenha o enorme privilégio de, graças a isso, me sentir em casa nessas duas cidades. “Sentir-me em casa”, numa cidade, é saber fugir aos locais destinados aos turistas endinheirados. Paris não é só os Grands Boulevards ou o Bd. Saint Germain: também é Montparnasse (para um canard) ou a Butte Aux Cailles (para um boudin noir). Nova Iorque não é só o Rockefeller Center. Na Grande Maçã encontrar locais que não se destinem a turistas endinheirados não é fácil à partida, mas é possível. E nos arredores, como referi a semana passada, é possível comer “lagosta com todos” por menos de dez dólares. Ambas as cidades têm muitos locais principalmente destinados a fazer dinheiro com os turistas, mas recebem um volume de turistas que Lisboa não recebe e nem receberá. Apesar disso, mantêm uma vida própria: não dependem dos turistas. O comércio, a restauração, a cultura são para todos os habitantes (salve as desigualdades sociais, que principalmente em Nova Iorque são muitas), e não só para os turistas.
Posso estar a ser algo injusto, não conhecendo muitos desses locais (por não me atraírem), mas o que me deixa mais apreensivo em Lisboa é que, nestes últimos anos, parece ser uma cidade mais preocupada com os turistas do que com os seus habitantes. E, por isso, uma cidade muito pouco acolhedora. Principalmente para quem, como eu, aqui cresceu e sabe o que deveria esperar. E isto é um erro crasso: não são os turistas que vão dar vida ao centro da cidade e às zonas históricas todos os dias, todo o ano. Em Nova Iorque ou Paris há zonas que sobrevivem assim (só graças aos turistas), mas Lisboa não tem esse potencial. Por isso Lisboa tem de pensar mais sobretudo em quem cá trabalha e mora em casa alugada ou nos arredores. Nos jovens trabalhadores precários, a maior parte licenciados e doutorados. Nesse aspecto Lisboa teria muito a aprender com o Porto e com cidades portuguesas mais pequenas, com menos atractivos culturais mas uma qualidade de vida melhor.
Uma vez mais, não conheço a «Wallpaper», a revista que a Marta Rebelo refere. Mas creio que faríamos melhor se em alternativa prestássemos mais atenção a guias como o “Time Out”, ou o “Let’s Go!”, ou o “Lonely Planet”.
Publicado também no Cinco Dias.
A Transformação da Política
"A política é um âmbito de inovação, e não só de gestão. E a capacidade criadora tem estreitas relações com a invenção de uma linguagem apropriada para tratar o novo. Poderíamos encontrar aqui um novo eixo para delimitar a esquerda da direita, um indicativo para distinguir o progresso da tradição. O que é inovador é a capacidade de descobrir, nomear e enfrentar problemas; conservadora seria a segurança indiscutível, que oculta a dificuldade e dissimula as perple-xidades. E avançada a política que acolhe as interrogações incómodas que a preguiça mental evita com receio de ter de questionar os seus cómodos esquemas, as suas práticas habituais e a sua falta de atenção às coisas que se movem. A verdadeira demarcação política é a que distingue os que só encontram motivos para confirmar o que já sabiam daqueles que são capazes de incerteza. As novas situações lembram à política que, perante cada reforma, terá de formular uma interrogação: está na presença de problemas que pode, simplesmente, resolver ou de transformações históricas que exigem uma nova maneira de pensar? A inovação procede sempre de alguém ter querido saber se o que até então era dado por válido se ajustava às novas realidades. Quem for capaz de conceber a mudança como oportunidade verá como a erosão de alguns conceitos tradicionais, da sua rigidez e estreiteza, torna de novo possível a política.
A política consiste, fundamentalmente, em formar uma ideia do conjunto e compatibilizar na medida do possível os elementos que estão em jogo. Para isso, é necessário dispor de uma visão geral (ou imaginá-la, actuando um pouco às cegas, por tentativas, e assumindo riscos, como habitualmente acontece). "
Daniel Innerarity
em "A Transformação da Política", Teorema, 2005
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Caoticidade do fluxo de Teichmüller
É o título do colóquio que o meu amigo Artur Ávila dá hoje à tarde na Sociedade Portuguesa de Matemática. Destina-se a todos os matemáticos em geral.
Monday, May 21, 2007
Chomsky e pilinhas
No humor literário anglo-saxónico existe uma figura cuja centralidade é tão manca que deu origem a um pantanal de teorias: o cínico rancoroso.
V. S. Pritchett (que todos os leitores do Pastoral Portuguesa, a bem ou a mal, um dia aprenderão a venerar), tentou a seguinte explicação, num ensaio clássico sobre Mark Twain:
«Twain (...) represents the obverse side of Puritanism. We have never had this obverse in England, for the political power of Puritanism lasted for only a generation and has since always bowed if it has not succumbed to civilised orthodoxy. If an Englishman hated Puritanism, there was the rest of the elaborate English tradition to support him; but American Puritanism was totalitarian and if an American opposed it, he found himself alone in a wilderness with nothing but bottomless cynicism and humorous bitterness for his consolation.»
Como qualquer generalização, isto é vulnerável ao ocasional exemplo de excepção (Swift, que na definição de Pritchett seria americano), mas impõe, no abstracto, uma certa lógica cambaleante.
O “bottomless cynicism” e a “humorous bitterness” fundaram uma tradição cómica indiscutivelmente americana, que sobreviveu às condicionantes que a fizeram nascer; a resposta de combate teve tantos aderentes que acabou por se tornar ela própria uma ortodoxia. Essa tradição, que começou com Twain, que inclui Ambrose Bierce e H. L. Mencken, e que até admite vitais modulações (Gore Vidal, que é a face aristocrática do estereótipo, e Kurt Vonnegut, que representa o seu lado mais meigo e resignado), veio também a influenciar uma escola de stand-up (oposta à comédia "de observação"), de que Lenny Bruce é o exemplo mais conhecido, e Bill Hicks o mais talentoso.
Na hierarquia dos meus comediantes de eleição, Hicks não faz sequer parte do pódio. Prefiro a verborreia surreal de Ross Noble, a pose anti-social de Larry David, as torrentes de non-sequiturs de Demetri Martin e Mitch Hedberg (uma descoberta recente), ou a eloquência chula de Richard Pryor.
Mas Bill Hicks tem cá um lugarinho, conquistado a ferro e fogo. No seu melhor, Hicks era um Gore Vidal sem o verniz patrício, ou um Vonnegut sem a calma farfalhuda. Um pessimista amnésico: aquele que espera o pior da raça humana, mas que reage sempre com espanto quando esta corresponde às suas mais baixas expectativas.
Que Hicks tenha conseguido trabalhar toda a sua carga negativa em rotinas por vezes incrivelmente cómicas parece quase um acidente. A sua misantropia (ou a sua - uma expressão melhor para a qual agora não me lembro de equivalente - self-righteousness) estava sempre a um curto passo de rasteirar o seu talento, embora seja inegável que também o tenha alimentado. Ainda assim, há alturas em que Hicks transmite a ideia de que o palco está abaixo dele; o que ele deseja é um púlpito, de onde possa vociferar as suas sisudíssimas missas negras.
Mas há muitos, muitos motivos para amar incondicionalmente Bill Hicks, e até para uma rendição parcial ao mito. E motivos políticos, convém explicar isto às crianças, não estão entre os principais. A “comédia de intervenção” de Hicks cumpre exactamente o mesmo propósito, e deve apelar às mesmas sensibilidades, que os míticos “State of the Union” alternativos que Vidal dava nos anos 70, ou que os melhores livros de P. J. O’Rourke. Quem consome estas coisas à procura de nutrição ideológica está a cometer um erro duplo.
Tal como muitas das pessoas de quem me sinto politicamente mais próximo, Hicks não era bem de Esquerda, nem bem de Direita (apesar de alguns equívocos, e de ele próprio ter definido o seu espectáculo de palco como “Chomsky with dick jokes”); pertencia antes ao partido mais numeroso e mais balcanizado do planeta: o Partido Libertário no Interior das Nossas Cabeças; aquele que sanciona moral e juridicamente tudo aquilo que é apetitoso.
(*Caso alguém esteja interessado, o meu enclave político é mais ou menos este: uma utopia fiscal laica, com um sistema de saúde universal financiado pela generosidade dos magnatas proprietários dos inúmeros casinos e agências de apostas (que existem em cada esquina), e que me permita passar uma tranquila tarde de Domingo no meu bunker, empunhando a minha arma semi-automática adquirida legalmente e sobre a qual não paguei um cêntimo de imposto, fumando um charro monstruoso adquirido legalmente e sobre o qual não paguei um cêntimo de imposto, à espera que as três louras com quem coabito em tripla união de facto cheguem dos seus respectivos empregos no hipódromo local, para podermos ir à cerimónia de casamento civil dos nossos vizinhos imigrantes homossexuais.
No fundo, uma espécie de cruzamento entre o rancho de Hunter S. Thompson, a cabeça de Milton Friedman, o palácio de Tibério e a social-democracia sueca.
Admiro-me eu de ter poucos amigos.)
A dupla bitola da extrema-direita
Se fosse em Paris, chamar-lhe-iam "escumalha". Na Avenida dos Aliados... é lamentável.
Sunday, May 20, 2007
21:05
"Sporting vice-campeão. Acesso directo à Champions League", dizia o painel. Acaba o campeonato mais mal perdido pelo Sporting de que eu me recordo. Não foi o campeonato em que o Sporting foi mais prejudicado pela arbitragem, mas nunca pequenos erros dos árbitros que custaram um ou outro ponto terão sido tão decisivos. Resta a taça, para a semana. Esperemos que sirva de consolação.
20:56
No dragão, vai entrar Vítor Baía para a baliza do FC Porto, que ganha por 3-1. É a última esperança: dois frangos em cinco minutos. Baía! Baía!
Para apoiar a equipa, em Alvalade pula-se e grita-se "e quem não pula é lampião!" Marcaram-se mais dois golos.
Para apoiar a equipa, em Alvalade pula-se e grita-se "e quem não pula é lampião!" Marcaram-se mais dois golos.
Intervalo
19:37
2-0 por Alecsandro. OK, toda a gente já percebeu que o Belenenses só está com a cabeça na final da Taça. Toda a gente já percebeu que a grande decisão já não passa por aqui. Jogo entra em velocidade de cruzeiro. Ouvidos no Dragão.
19:27
Já estávamos a ficar nervosos: mais de 10 minutos tinham passado e o Sporting ainda não tinha marcado. Marcou o levezinho, assegurando o título de melhor marcador.
18:45
Na altura da inauguração deste estádio, o antigo futebolista (e responsável pelas instalações) José Eduardo anunciava, entusiasmadíssimo, muitos "sumos e hambúrgueres" que poderiam ser consumidos no interior. Ora, estádio de futebol que é estádio de futebol requer que sejam vendidos, para além das bandeiras e cachecóis, bifanas, coiratos, imperiais e vinho a copo. Tal e qual como na minha infância. Tudo continua na mesma. Fiquei mais tranquilo.
Benfica decide
Jesualdo Ferreira e "professor" Neca: dois benfiquistas decidem se o campeão é o Sporting ou o FC Porto.
Saturday, May 19, 2007
As eleições para a Câmara de Lisboa
Por razões pessoais não me agrada muito a data de 15 de Julho para as eleições para a Câmara de Lisboa. Estarei numa conferência fora do país de 16 a 20 de Julho (felizmente ainda não tratei da passagem aérea), e contava com esse fim de semana (e o posterior) para um pouco de "turismo científico". Mas, enfim, se tiver que viajar a 15 depois de votar, em vez de a 13 ou 14, viajarei.
Agora, eu pasmo com o tempo que estas coisas todas demoram. Novo prazo para apresentação de candidaturas: 1 de Junho. Novo prazo para coligações: 28 de Maio. Campanha eleitoral: 6 a 13 de Julho (notem o "lh"). Eleições: 15 de Julho (quando está tudo na praia).
Alguém pode explicar-me o que é que se vai andar a fazer o mês de Junho?
Agora, eu pasmo com o tempo que estas coisas todas demoram. Novo prazo para apresentação de candidaturas: 1 de Junho. Novo prazo para coligações: 28 de Maio. Campanha eleitoral: 6 a 13 de Julho (notem o "lh"). Eleições: 15 de Julho (quando está tudo na praia).
Alguém pode explicar-me o que é que se vai andar a fazer o mês de Junho?
Taça Xanax
Não deverá demorar muito tempo até que se começe a dizer que esta foi a pior final da FA Cup de todos os tempos. Mas não é preciso ter grande memória desportiva para recordar a final de 1995, a qual, curiosamente, um Man United exausto também perdeu por 1-0 para um soporífero vestido de azul.
Esta, portanto, foi apenas a segunda pior final da FA Cup de todos os tempos.
Friday, May 18, 2007
Formem filas ordeiras
Venho por este meio informar a população lisboeta de que há dois exemplares do Bend Sinister dos The Fall na Fnac do Chiado a €7.95 cada. Bend Sinister é o álbum que inclui a faixa «Shoulder Pads #1», a tal com a famosa linha sobre as pessoas incapazes de distinguir Lou Reed de Doug Yule (que alguém citou noutro blogue aqui há tempos), bem como um assobiozinho inacreditavelmente contangiante.
Para dar algum interesse à inevitável corrida, tomei a liberdade de esconder os dois CDs numa secção diferente. Pensem nisto: podem achar The Fall na prateleira do jazz ou entre os DVDs estrangeiros. Não é excitante? Levem a família e façam uma espécie de "egg hunt". Tentem não magoar ninguém.
(Mark E. Smith é o Gonçalo M. Tavares da punk britânica. Não pela críptica inicial que divide o nome, mas por ter transformado a palavra "prolificidade" num pálido eufemismo. Os The Fall - tal como Gonçalo M. Tavares - editam material novo aproximadamente de cinco em cinco minutos; material, diga-se, de invariável qualidade. No tempo que demoraram a ler este post, Mark E. Smith gravou sete faixas originais, um álbum ao vivo oficial, e ajudou a organizar o bootleg de um concerto em Croyden no Outono de 1987. Gonçalo M. Tavares acabou de escrever o segundo romance da semana, mas vai fazer uma pausa para respirar antes de o enviar para a editora.
Tanto os The Fall como Gonçalo M. Tavares têm fãs completistas - aqueles que compram mesmo tudo. Esta estirpe pode distinguir-se da população em geral pela grande quantidade de anexos que mandam construir nas suas casas, e pelo ar resignado com que tiram o dinheiro da carteira.)
Leituras em lugares públicos ©
Não me agrada estar a meter a foice em seara alheia. Mas se vejo alguém a ler o Fads and Fallacies de Martin Gardner no Metro (linha amarela), sinto que é um dever de cidadania vir gritá-lo dos telhados.
O Sporting e a Câmara de Lisboa
Estou de acordo com o Nélson (que não é propriamente adepto do meu clube, nem eu do dele). Estou de acordo com um insurgente (caso raro de todo). Aborrece-me ter que dizer isto nestas circunstâncias, mas a realidade é sempre esta.
Tirou-me as palavras da boca...
NÃO HAVIA NINGUÉM PARA LISBOA E HÁ QUE TEMPOS
Fernanda Câncio
jornalista, Público 18 Maio 2007
fernanda.m.cancio@dn.pt
Parece um pouco difícil de crer, mas agora já não há dúvidas. Nem o PS nem o PSD tinham passado um minuto - ou meio minuto - a pensar em Lisboa e em alguém para a governar até que não tiveram outro remédio. Das duas uma: ou porque Lisboa não interessa aos dois principais partidos (difícil crer nisso, apesar de tudo), ou porque quem manda sabia que era tão difícil encontrar candidatos adequados e disponíveis que só a pontapé se dispôs a isso.
O resultado foi a saída do número dois do Governo, António Costa, e o recurso, pelo PSD, primeiro a um presidente de câmara em exercício (Fernando Seara, que recusou) e depois a um pau para toda a obra, Fernando Negrão, o juiz desembargador que, depois de sair da direcção da Polícia Judiciária por suspeita de violação do segredo de Justiça (sob o Governo Guterres), se disponibilizou, numa entrevista radiofónica, para qualquer cargo de ministro no Governo de Durão, acabando por "receber" o Instituto da Droga e da Toxicodependência, só sendo alcandorado a ministro da Solidariedade (e da Família e da Criança) por Santana Lopes e ocupando agora um lugar de deputado sem brilho que acumula com a vereação em Setúbal, a cuja presidência foi candidato. Não se lhe conhece uma única ideia, reflexão, proposta ou opinião sobre Lisboa, quanto mais uma ideia, reflexão, proposta ou opinião interessantes sobre Lisboa . Estava disponível - não está sempre? E zás, lá vai ele. Parece o candidato óbvio para perder - mas Carmona também parecia e Carrilho conseguiu o milagre de lhe oferecer a câmara, portanto prognósticos só no fim.
Quanto a Costa, bom, tinha a tutela das autarquias e não se pode dizer que é um homem sem brilho nem ideias. Mas assim, de repente, sobre Lisboa não se lhe lembra uma frase. Claro que o PS pode clamar que foi buscar o melhor que tem e que isso corresponde a uma valorização da eleição e a uma aposta muito forte na recuperação de uma cidade cujo estado de caos e desgovernação alcançou um máximo histórico. Só que ir buscar um ministro, e este ministro, clarifica sobretudo o deserto das opções no partido da maioria absoluta.
Mas estas opções deixam outra coisa muito clara: na vereação e na assembleia municipal não havia, na avaliação dos dois partidos, ninguém de jeito para disputar a capital (a única excepção, Paula Teixeira da Cruz, tem obviamente outros planos). O PS e o PSD encheram a câmara de gente sem notoriedade nem peso político, que se arrasta por ali há anos. Com o resultado que está à vista, e em relação ao qual nenhuma das forças políticas (CDU e CDS incluídos) pode clamar inocência. Começamos mal, portanto - porque é muito mal que estamos, e há muito tempo.
Thursday, May 17, 2007
O lado negro da Escala Warhol
(A história destas tristes imagens pode ser lida aqui. O segmento - e o seu ridículo comentário - fazem parte da curta-metragem documental A Journey into the Mind of [P], que eu cometi o erro de ir ver ao ICA de Londres em 2003. Despachem-se a cometer o erro de ver o vídeo, para eu tirar isto do blogue, se faz favor.)
Aposto que foi no Pingo Doce do Fogueteiro
Ouvido hoje, na Sic Notícias:
«O bacon mais caro de sempre foi vendido por €19.000.000».
«O bacon mais caro de sempre foi vendido por €19.000.000».
Wednesday, May 16, 2007
Dr. House: transmissão eminente
Cenas comuns na TV portuguesa: a excelente série Dr. House sempre deu na TVI às quintas à noite. Esta semana - não se sabe se excepcionalmente, se será a regra - a série dá à quarta. Não se sabe se dá outro episódio amanhã ou não. Hoje não vinha nada nos jornais. Amanhã, provavelmente, os jornais anunciarão a transmissão do episódio que foi transmitido... hoje.
Os espectadores não podem fazer nada. Se querem ver o Dr. House, só podem estar sempre sintonizados na TVI. Se quiserem ver as novelas e séries da SIC, só podem estar sempre sintonizados na SIC. Nunca se sabe o que é que os programadores vão fazer à última da hora.
Tentar alterar alguma coisa? Propor uma lei? Não se pode. Tudo em nome da liberdade, claro. Da liberdade... das estações de televisão.
Os espectadores não podem fazer nada. Se querem ver o Dr. House, só podem estar sempre sintonizados na TVI. Se quiserem ver as novelas e séries da SIC, só podem estar sempre sintonizados na SIC. Nunca se sabe o que é que os programadores vão fazer à última da hora.
Tentar alterar alguma coisa? Propor uma lei? Não se pode. Tudo em nome da liberdade, claro. Da liberdade... das estações de televisão.
O casamento do pobre
Para acompanhar o texto anterior, e já que o João Miranda tem andado a falar em casamentos...
Tuesday, May 15, 2007
Pedagogic measure
«… The next picture… shows our third tutor standing on his head. He was a large, formidably athletic Lett, who walked on his hands, lifted enormous weights, juggled with dumbbells and in a trice could fill a large room with a garrison’s worth of sweat reek. When he deemed fit to punish me for some slight misdemeanor (I remember, for instance, letting a child’s marble fall from an upper landing upon his attractive, hard-looking head as he walked downstairs), he would adopt the remarkable pedagogic measure of suggesting that he and I put on boxing gloves for a bit of sparring. He would then punch me in the face with stinging accuracy.»
(V. Nabokov, Speak, Memory)
(V. Nabokov, Speak, Memory)
Papel de Arroz
Já não será, nesta altura, novidade para ninguém. Falo do brinde que a revista Sábado escondeu entre as páginas da sua última edição - ainda nas bancas - e que constituiu verdadeiro serviço público.
Nunca tinha utilizado mortalhas Smoking DeLuxe™, embora o nome me fosse familiar. As mortalhas Smoking DeLuxe™ gozam de uma reputação vestalina entre fumadores, o que terá alimentado algumas dúvidas minhas em relação ao seu real valor (a velha mania idiota de desconfiar do que é unânime ou quase). Este preconceito, esclareço, sempre foi assumida e necessariamente provisório, até que o primeiro contacto com a realidade fumável os confirmasse ou explodisse.
A realidade esteve aqui, nas minhas mãos. First things first: a qualidade existe, e sente-se em cada inalação. Fazer uma mortalha não é o mesmo que fazer um tapete de Arraiolos, mas a forma exige algumas competências específicas que, no caso das Smoking DeLuxe™, se notam a léguas. É inegável que há ali muito talento. Agora, o que também é inegável é a tremenda irregularidade do artífice. Não há duas mortalhas iguais no pacotinho. Mais insólito, não há sequer duas mortalhas de valor aproximado. A mortalha nº 41, por exemplo, achei-a um pequeno prodígio de fumabilidade. Fumei-a várias vezes (sim, é possível), sempre com frequentes acenos de aprovação. Pensei: é assim que eu gosto de sentir a garganta. Na mortalha nº 23 notei uma textura duvidosa e alguns arabescos desnecessários, sinais inequívocos de uma mortalha que quer ser lenço de bolso, mas não sabe como. Resultado: desfez-se em borboletas microscópicas ao primeiro sinal de um isqueiro adulto.
Já da francamente ridícula mortalha nº 7 - que me causou um acesso de tosse convulsa - é impossível falar sem exigir a demissão imediata do responsável pelo controlo de qualidade.
O que fica disto tudo? Porque não há tempo para mais, fica a minha telegráfica contribuição para o estudo de mercado:
O balanço final: é positivo? Creio que sim. Há a tal inconsistência, mas o pulmão é um órgão muito temperamental. Nem sempre se pode confiar nele para juízos imparciais.
Dada a oportunidade, voltaria a consumir mortalhas Smoking DeLuxe™? Sem dúvida. Aliás, ando já à procura de outro pacote, por aí, nos quiosques. Mas também ando à procura de muitas outras coisas, por aí, nos quiosques, sublinhe-se.
A reputação que precede a marca: é merecida? Ah, isso. Tenho as minhas dúvidas.
Nunca tinha utilizado mortalhas Smoking DeLuxe™, embora o nome me fosse familiar. As mortalhas Smoking DeLuxe™ gozam de uma reputação vestalina entre fumadores, o que terá alimentado algumas dúvidas minhas em relação ao seu real valor (a velha mania idiota de desconfiar do que é unânime ou quase). Este preconceito, esclareço, sempre foi assumida e necessariamente provisório, até que o primeiro contacto com a realidade fumável os confirmasse ou explodisse.
A realidade esteve aqui, nas minhas mãos. First things first: a qualidade existe, e sente-se em cada inalação. Fazer uma mortalha não é o mesmo que fazer um tapete de Arraiolos, mas a forma exige algumas competências específicas que, no caso das Smoking DeLuxe™, se notam a léguas. É inegável que há ali muito talento. Agora, o que também é inegável é a tremenda irregularidade do artífice. Não há duas mortalhas iguais no pacotinho. Mais insólito, não há sequer duas mortalhas de valor aproximado. A mortalha nº 41, por exemplo, achei-a um pequeno prodígio de fumabilidade. Fumei-a várias vezes (sim, é possível), sempre com frequentes acenos de aprovação. Pensei: é assim que eu gosto de sentir a garganta. Na mortalha nº 23 notei uma textura duvidosa e alguns arabescos desnecessários, sinais inequívocos de uma mortalha que quer ser lenço de bolso, mas não sabe como. Resultado: desfez-se em borboletas microscópicas ao primeiro sinal de um isqueiro adulto.
Já da francamente ridícula mortalha nº 7 - que me causou um acesso de tosse convulsa - é impossível falar sem exigir a demissão imediata do responsável pelo controlo de qualidade.
O que fica disto tudo? Porque não há tempo para mais, fica a minha telegráfica contribuição para o estudo de mercado:
O balanço final: é positivo? Creio que sim. Há a tal inconsistência, mas o pulmão é um órgão muito temperamental. Nem sempre se pode confiar nele para juízos imparciais.
Dada a oportunidade, voltaria a consumir mortalhas Smoking DeLuxe™? Sem dúvida. Aliás, ando já à procura de outro pacote, por aí, nos quiosques. Mas também ando à procura de muitas outras coisas, por aí, nos quiosques, sublinhe-se.
A reputação que precede a marca: é merecida? Ah, isso. Tenho as minhas dúvidas.
Em última instância depende daquilo que se espera de uma mortalha. Do formato "rice paper" não podemos, realisticamente, esperar frequentes supernovas. Mas há patamares não-explorados do universo bucal que podem ser alcançados com uma baforada competentemente conduzida.
E se por um lado é indiscutível que as Smoking DeLuxe™ não me provocaram ulcerações nas mucosas, a verdade é que nenhuma das que incendiei me levou ao início e ao fim do Universo, o que me chegou a ser prometido. O fumo funciona, e a espaços funciona bem, mas não é mais do que fumo.
E há uma parte de mim que (algo envergonhadamente) ainda quer saber o porquê de tanto alarido. É que a marca O'Rourke™ anda por aí há muitos mais anos, proporcionando o dobro do prazer, com apenas metade da expectoração. E tem ainda esta vantagem adicional: evita-se aquela esporádica, mas incómoda sensação de se estar a apanhar com fumo secundário.
E se por um lado é indiscutível que as Smoking DeLuxe™ não me provocaram ulcerações nas mucosas, a verdade é que nenhuma das que incendiei me levou ao início e ao fim do Universo, o que me chegou a ser prometido. O fumo funciona, e a espaços funciona bem, mas não é mais do que fumo.
E há uma parte de mim que (algo envergonhadamente) ainda quer saber o porquê de tanto alarido. É que a marca O'Rourke™ anda por aí há muitos mais anos, proporcionando o dobro do prazer, com apenas metade da expectoração. E tem ainda esta vantagem adicional: evita-se aquela esporádica, mas incómoda sensação de se estar a apanhar com fumo secundário.
A ópera do pobre
O famoso blasfemo João Miranda escreve todos os sábados no Diário de Notícias desde que João Marcelino assumiu a direcção deste jornal.
No seu último artigo, para elaborar uma das suas teses ultraliberais do costume, escreve: "dado que a ópera é tendencialmente uma actividade que interessa muito mais aos ricos que aos pobres, existe uma grande probabilidade de serem os que têm menos escolhas a financiarem os que têm mais escolhas".
Eu não sei a que contexto se estará a referir o João. Aceito que a ópera não é um espectáculo fácil, mas será por isso que só é apreciado por ricos? Será que só os ricos têm “bom gosto”? Será que não passa pela cabeça do João que qualquer pessoa pode interessar-se por ópera, mas não ter condições de a frequentar?
Quando vivi em Nova Iorque, frequentava com regularidade a Metropolitan Opera. Havia uns lugares mais em cima, de onde só se distinguia os detalhes dos intérpretes no palco com o auxílio de uns binóculos. Era o chamado “family circle”. Cada bilhete custava cerca de 20 dólares. Na Metropolitan Opera. Havia uma grande procura para estes bilhetes, bem como para todos os outros (para todas as bolsas a partir de 20 dólares). Certamente quem procurava o “family circle” ou os outros lugares mais longe do palco não era rico.
Também havia as lagostas. O João Miranda dirá provavelmente que as lagostas “interessam muito mais aos ricos do que aos pobres”. As lagostas de Long Island são famosas (e já o eram antes de o Cosmo Kramer ser preso por causa delas, num célebre episódio de Seinfeld lá passado). Existe uma cadeia de fast-food de lagosta (“Red Lobster”). Em vilas portuárias dos arredores de Nova Iorque, com nomes como Port Washington ou Port Jefferson, podem comer-se lagostas em pubs. Uma lagosta inteira de uma libra, acompanhada por molho de manteiga, uma sopa do dia, bolachas de água e sal, uma dose de batatas fritas, molho tártaro e “cole slaw”. Tudo isto, mais cerveja e gorjeta, fica por dez dólares num pub de Long Island. Será assim a lagosta “comida de ricos”? Não são nada ricas as pessoas que frequentam estes “pubs”.
Claro que isto só era possível em Nova Iorque. Uma das coisas de que eu mais gosto em Nova Iorque é que quem conheça bem a região e saiba ir ao sítio certo pode encontrar tudo, seja o que for, barato (excepto comida francesa). Antes de lá chegar, nunca tinha provado lagosta. E nunca tinha ido à ópera. Gosto muito das duas coisas mas, de facto, como não sou rico, desde que de lá voltei nunca mais comi lagosta. E nunca mais fui à ópera. No entanto nunca consideraria que a lagosta ou a ópera só interessam aos ricos. Tal consideração seria elitista e provinciana.
O que é então tipicamente “de rico”? Não que eu seja rico, como já disse, mas ser rico não é ter interesse pelas melhores coisas da vida. Qualquer pessoa tem interesse por elas; só os ricos, porém, é que podem apreciar muitas delas com regularidade, sempre que lhes apeteça. Ser-se rico é mais do que só se viajar em classe executiva ou só ficar em hotéis de cinco estrelas ou só fazer compras no El Corte Inglés ou só comer nos restaurantes indicados pelo Duarte Calvão. Ser-se rico é usar o muito dinheiro que se possa ter para se distinguir das demais pessoas, quando não se é melhor do que elas por isso, sendo que se não se tivesse esse dinheiro, não haveria tal distinção. Ser-se rico é pior do que ser-se de direita. Ser-se rico é só se preocupar consigo e com o seu próprio conforto e nunca se preocupar com os outros. Ser-se rico é ter-se uma empregada doméstica ou secretária sem as quais não se sabe fazer absolutamente nada. Ser-se rico é nunca utilizar os transportes públicos e só andar de carro. A tudo isto eu chamaria manifestações de riquismo, novo ou velho. A tudo isto o João Miranda chamaria “liberdade individual”, provavelmente o mais burguês de todos os valores.
Publicado também no Cinco Dias.
No seu último artigo, para elaborar uma das suas teses ultraliberais do costume, escreve: "dado que a ópera é tendencialmente uma actividade que interessa muito mais aos ricos que aos pobres, existe uma grande probabilidade de serem os que têm menos escolhas a financiarem os que têm mais escolhas".
Eu não sei a que contexto se estará a referir o João. Aceito que a ópera não é um espectáculo fácil, mas será por isso que só é apreciado por ricos? Será que só os ricos têm “bom gosto”? Será que não passa pela cabeça do João que qualquer pessoa pode interessar-se por ópera, mas não ter condições de a frequentar?
Quando vivi em Nova Iorque, frequentava com regularidade a Metropolitan Opera. Havia uns lugares mais em cima, de onde só se distinguia os detalhes dos intérpretes no palco com o auxílio de uns binóculos. Era o chamado “family circle”. Cada bilhete custava cerca de 20 dólares. Na Metropolitan Opera. Havia uma grande procura para estes bilhetes, bem como para todos os outros (para todas as bolsas a partir de 20 dólares). Certamente quem procurava o “family circle” ou os outros lugares mais longe do palco não era rico.
Também havia as lagostas. O João Miranda dirá provavelmente que as lagostas “interessam muito mais aos ricos do que aos pobres”. As lagostas de Long Island são famosas (e já o eram antes de o Cosmo Kramer ser preso por causa delas, num célebre episódio de Seinfeld lá passado). Existe uma cadeia de fast-food de lagosta (“Red Lobster”). Em vilas portuárias dos arredores de Nova Iorque, com nomes como Port Washington ou Port Jefferson, podem comer-se lagostas em pubs. Uma lagosta inteira de uma libra, acompanhada por molho de manteiga, uma sopa do dia, bolachas de água e sal, uma dose de batatas fritas, molho tártaro e “cole slaw”. Tudo isto, mais cerveja e gorjeta, fica por dez dólares num pub de Long Island. Será assim a lagosta “comida de ricos”? Não são nada ricas as pessoas que frequentam estes “pubs”.
Claro que isto só era possível em Nova Iorque. Uma das coisas de que eu mais gosto em Nova Iorque é que quem conheça bem a região e saiba ir ao sítio certo pode encontrar tudo, seja o que for, barato (excepto comida francesa). Antes de lá chegar, nunca tinha provado lagosta. E nunca tinha ido à ópera. Gosto muito das duas coisas mas, de facto, como não sou rico, desde que de lá voltei nunca mais comi lagosta. E nunca mais fui à ópera. No entanto nunca consideraria que a lagosta ou a ópera só interessam aos ricos. Tal consideração seria elitista e provinciana.
O que é então tipicamente “de rico”? Não que eu seja rico, como já disse, mas ser rico não é ter interesse pelas melhores coisas da vida. Qualquer pessoa tem interesse por elas; só os ricos, porém, é que podem apreciar muitas delas com regularidade, sempre que lhes apeteça. Ser-se rico é mais do que só se viajar em classe executiva ou só ficar em hotéis de cinco estrelas ou só fazer compras no El Corte Inglés ou só comer nos restaurantes indicados pelo Duarte Calvão. Ser-se rico é usar o muito dinheiro que se possa ter para se distinguir das demais pessoas, quando não se é melhor do que elas por isso, sendo que se não se tivesse esse dinheiro, não haveria tal distinção. Ser-se rico é pior do que ser-se de direita. Ser-se rico é só se preocupar consigo e com o seu próprio conforto e nunca se preocupar com os outros. Ser-se rico é ter-se uma empregada doméstica ou secretária sem as quais não se sabe fazer absolutamente nada. Ser-se rico é nunca utilizar os transportes públicos e só andar de carro. A tudo isto eu chamaria manifestações de riquismo, novo ou velho. A tudo isto o João Miranda chamaria “liberdade individual”, provavelmente o mais burguês de todos os valores.
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