Thursday, August 31, 2006

The Searchers (1956)


Don't ever ask me. As long as you live, don't ever ask me more.

O dia maldito

Nunca me aconteceu nada de positivo num dia 31 de Agosto (nunca). John Ford morreu num dia 31 de Agosto (em 1973). Duas boas razões para abolir este dia maldito.

(Nota: 14 de Maio é outro. Se este blog lá chegar, explicarei porquê.)

"It's a nine all cow now"


Como prometido, aqui está.

Convenhamos

O meu amigo Paulo comprou em 1987 um ridículo single dos Europe, que incluia, além do The Final Countdown e da balada Carrie, uma canção menos conhecida intitulada On Broken Wings. Foi, durante uns meses, a canção preferida dele. Embaraçoso, convenhamos.
Eu limitei-me a pedir-lhe o vinil emprestado. Não gastei dinheiro nenhum naquela porcaria, não senhor. Muito menos embaraçoso, convenhamos.

A alcoolemia e a falta de preparação científica

Não posso deixar de assinalar que todo o regabofe à volta das multas para a taxa de alcoolemia “a 0,57 g/l” só revela falta de preparação científica básica (para além do jornalismo que só procura “criar casos”). Com efeito, dadas as condicionantes dos aparelhos usados, só assim se pode garantir que não se está a multar pessoas com uma taxa de alcoolemia de 0,43 g/l. É um princípio básico do direito – só punir quando se tem a certeza da culpabilidade. Mesmo que isso implique não punir alguns prevaricadores com sorte.

Para ler mais: o infalível João Miranda e o Nélson, que diz tudo.

Wednesday, August 30, 2006

...his first thought was of beggary of nerves...



« ... they reached Lucerne in the afternoon, where Adams found letters from his brothers requesting his immediate return to Boston because the community was bankrupt and he was probably a beggar.
If he wanted education, he knew no quicker mode of learning a lesson than that of being struck on the head by it; and yet he was himself surprised at his own slowness to understand what had struck him. For several years a sufferer from insomnia, his first thought was of beggary of nerves, and he made ready to face a sleepless night, but although his mind tried to wrestle with the problem how any man could be ruined who had, months before, paid off every dollar of debt he knew himself to owe, he gave up that insoluble riddle in order to fall back on the larger principle that beggary could be no more for him than it was for others who were more valuable members of society, and, with that, he went to sleep like a good citizen ...
»

(The Education of Henry Adams)

Diferentes

Um clube normal teria vendido um jogador chamado David e contratado um jogador chamado Alexandro/Alessandro. Mas este é um clube diferente. Até na grafia dos nomes.

O lema

Apesar dos avanços, dos recuos, das arrepsias e entredúvidas, o lema deste blog continua a ser a frase de Saul Bellow lá em cima.

Mas podia perfeitamente ser este verso de Hart Crane:

I can remember much forgetfulness

We're heading for Venus, and still we stand tall

Por causa de uma promessa que fiz a uma amiga, este blog vai ser amanhã um lugar inóspito. O teledisco do seminal êxito dos Europe, "The Final Countdown", vai ser aqui colocado. Fica o aviso aos leitores flutuantes.

Dedicatória

Em Novembro de 1889, Chekhov ofereceu um exemplar do jornal North Herald (onde tinha sido publicado um dos seus contos) ao Príncipe Sumbatov, da Geórgia, com a seguinte inscrição:
"De um autor de sucesso, que conseguiu combinar e fundir uma alma em repouso com uma mente em chamas, o tubo do enema com a lira do poeta."

O sósia


O vocalista dos Red Hot Chili Peppers, Anthony Kiedis, meu sósia.

[Nota: a minha mãe acha que não.]

30 de Agosto, 1913


O círculo limitado é puro.

No chá com a Bomba

Já nada me espanta ou admira na Bomba Inteligente. É um blogue muito lido e muito referido e merece sê-lo, de facto: só na blogosfera é que se vê direita tão desavergonhada, e disso a Charlotte é mesmo um dos melhores exemplos. Eu não leio o referido blogue – o que conheço é de comentários e referências de outros blogues – a Charlotte é sobejamente conhecida por não aceitar comentários no seu blogue, mas ser presença frequente nas caixas de comentários de outros blogues, geralmente para deixar comentários de um nível não muito alto… O que eu não percebo é: se o blogue é tão fraco de ideias como dizem que é, por que razão há tanta gente a perder tempo com o que a senhora escreve? Principalmente malta de esquerda? Por que lhe dão tanta importância? Por que a lincam? Por que não fazem como Vital Moreira, vítima dos ataques mais baixos – não passa cartão, e também não linca? Haverá assim tanta gente interessada em ter os textos do seu blogue publicados pela Oficina do Livro? Este poderá ser o motivo por que tanta gente linca a senhora que, como alguém lhe chamou, é sobretudo uma “relações públicas” da blogosfera (eu diria antes da direita blogosférica). Mas… e estes cavalheiros? Que são amigos de um dos sócios de uma editora chamada “Má Criação” (pessoalmente julgo que um nome mais adequado seria “Mau Feitio”)? Não creio que tenham tantas dificuldades para publicarem, se acaso o entenderem – já têm acesso a uma editora. Mas então por que fará a Bomba Inteligente parte de uma lista tão selecta de blogues lincados? Garanto que não percebo como se fala assim de um blogue que se tem na lista de ligações permanentes. Ó cavalheiros: que falta de chá. Depois admiram-se de a Charlotte não vos convidar para o bridge!

Tuesday, August 29, 2006

Desassossego

(Por razões óbvias, este post é dedicado ao blog sobre Kleist e à Invenção de Morel)

Hoje, numa paragem de autocarro em Redditch, Worcestershire, um adolescente borbulhoso lia, de pé e visivelmente incomodado, uma tradução inglesa do Livro do Desassossego.

O inventor


Nasceu no dia 29 de Agosto de 1632 o homem que inventou o liberalismo.

Taglines à procura de filme

Para uma futura sequela de Caché, do Haneke (Caché 2 - La webcam):
They're back. And this time they've got better hardware.

Para uma futura adaptação do Ensaio Sobre a Cegueira, realizada por Spike Lee:
Even in the dark, all they see is white.

Para uma futura versão para cinema de Six Feet Under (Six Feet Under - The Movie):
They've put the "fun" back in funeral. Now they're exhuming it.

Para uma futura adaptação do Ulysses, de Joyce:
One city. One day. One book you'll never read.

Para um futuro biopic de George W. Bush, realizado por Oliver Stone:
The country that needed a man to lead it. The man who needed an atlas to find it.

Ainda vou a tempo


...At past fifty, Adams solemnly and painfully learned to ride the bicycle...

(The Education of Henry Adams)

Coisas a fazer em Portugal

. Ir ao Alvalade XXI fazer um teste cardiovascular;
. comprar os Contos Completos, de Chekhov, na tradução portuguesa:
. comprar o dvd do Crime do Padre Amaro, para oferecer aos amigos escoceses devotos (versão legendada opcional);
. aprender finalmente a andar de bicicleta;
. cravar boleias aos primos, caso não haja tempo para aprender finalmente a andar de bicicleta;
. ir ao dentista;
. comer "peixe ao sal";
. falar contigo, contigo, contigo e contigo (vocês sabem muito bem quem são);
. evitar a todo o custo encontros com ele, ela e ela (que, infelizmente, também sabem muito bem quem são).

Uma raridade – uma foto de Grisha Perelman!

É provavelmente a única foto disponível do misantropo matemático russo sem se pagar direitos de autor. Foi tirada na State University of New York, em Stony Brook, durante uma série de conferências sobre o seu trabalho que Perelman deu na Primavera de 2003.
Na altura estudava na mesma universidade e assisti à primeira dessa série de aulas, e a uma aula preliminar que o meu orientador deu sobre as relações entre o trabalho de Perelman e a teoria de supercordas.
Ou seja: estive em frente ao Perelman. Eu e mais umas poucas dezenas de tansos. Ninguém lhe tirou uma fotografia. Perguntei ao meu orientador (que tira fotografias a tudo) se ele não teria uma. Não tinha – “he does not like cameras”. Se soubesse então a dificuldade que seria, anos mais tarde, obter uma foto do senhor, talvez tivesse à socapa tirado eu uma, mesmo sendo com a minha pobre máquina digital pioneira de menos de um milhão de pixeis.

Grisha Perelman, o matemático antivedeta

Adaptação de um artigo do Público de 20 de Agosto de 2006

Ainda não é oficial e nem está confirmado, mas o mais esperado por todos os matemáticos é que na próxima terça-feira seja anunciado o nome de Grigory Perelman como um dos vencedores da Medalha Fields. A atribuição do prémio decorrerá na cerimónia de abertura do Congresso Internacional de Matemática, no Palácio Municipal de Congressos de Madrid, na próxima terça-feira, e será presidida pelo rei Juan Carlos. Só não se sabe se o favorito à vitória estará sequer presente.
Nascido em São Petersburgo em 1966, Perelman começa cedo a revelar um talento excepcional para a Matemática, tendo ganho, ainda na escola secundária, uma medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática de 1982. Depois de se doutorar, na Universidade Estatal de São Petersburgo, Perelman mudou-se para os Estados Unidos da América, tendo sido investigador de pós-doutoramento no Instituto Courant e nas Universidades do Estado de Nova Iorque (Stony Brook) e da Califórnia (Berkeley). Já na altura o seu trabalho era considerado de alto nível. Em 1995 tinha convites de outras universidades americanas como Princeton e Stanford, mas decidiu regressar à sua São Petersburgo e tornar-se membro do Instituto de Matemática Steklov, posição que mantém até hoje.
A sua reputação de cientista isolado começou em 1996, quando recusou um prémio da Sociedade Europeia de Matemática para jovens talentos. Nos anos que se seguiram manteve-se isolado em São Petersburgo, sem publicar nenhum artigo nem contactar com nenhum colega de outra universidade. Muita gente pensou então que Perelman simplesmente abandonara a investigação em Matemática. “Ninguém sabia que ele estava a trabalhar na conjectura de Poincaré”, garante Michael Anderson da Universidade de Stony Brook. Mas em Novembro de 2002 Perelman revelou finalmente aquilo em que andara a trabalhar nos últimos oito anos, quando publicou em www.arxiv.org um “esboço” de uma prova completa. Imediatamente o artigo chamou a atenção nos EUA, tendo o autor sido convidado para dar minicursos em Stony Brook e no Instituto de Tecnologia do Massachussets (MIT) na Primavera de 2003. Nessa altura Perelman publicou mais dois artigos na internet com os pormenores da demonstração. Ainda hoje Perelman não os enviou para publicação em nenhum jornal, e não consta que pretenda fazê-lo.
Em 2000 o Instituto Clay, uma instituição privada de investigação em Matemática, estabeleceu os sete “problemas do milénio”, oferendo pela resolução de cada um deles um prémio de 1 milhão de dólares. A conjectura de Poincaré é um desses problemas. O prémio ainda não lhe foi atribuído; antes, um júri tem de considerar a sua prova oficialmente válida, algo que poderá estar eminente. Mas Perelman já anunciou não estar interessado no dinheiro.
Desde que regressou a São Petersburgo, Peterman não voltou a dar sinal de vida. Nenhum dos e-mails enviados quer a ele quer ao Instituto Steklov teve resposta. Nem mesmo os mais recentes, da organização do Congresso Internacional de Matemática, a convidá-lo para dar uma palestra principal (o que pode ser um sinal de que lhe pretendem mesmo atribuir a Medalha Fields). Na terça-feira acaba-se a expectativa.

(Nota: Como eu aqui anunciei no dia, Perelman faltou à cerimónia e recusou a medalha.)

Monday, August 28, 2006

Antonioni 75 - já não se fazem filmes assim


Não percam "Profissão: Reporter" de Michelangelo Antonioni, uma obra prima de 1975. Enquanto nós vivíamos o "verão quente" Antonioni filmava esta história de desistência e fuga.
Tenho a sensação (passe o saudosismo) de que já não há filmes assim. A textura dos lugares e das coisas, a densidade das "histórias" e o enigma do desenlace impressionaram-me profundamente.

A ver enquanto é tempo.
Se não for possível pode sempre visitar o site do filme



A mina de ouro

Quero declarar com toda a pompa que a circunstância exige: descobri o melhor baú de recordações da galáxia. Chama-se Verdes Anos e é uma overdose de nostalgia (mascarada de mero blog pessoal) para quem nasceu algures entre 1974 e 1982.
Podem rever clips do Dartacão, do Justiceiro, dos Thundercats, dos Amigos de Gaspar e do Eng. Sousa Veloso. Anúncios históricos às esferográficas Bic, ao champô Quitoso e à manteiga Planta. Pequenos clips do Paradise Café, do Spectrum. E músicas da Lena d'Água.
E depois de ter perdido a minha infância com estas coisas, perdi também a tarde de hoje.

Acrósticos III

Este não foi escrito pelo Epicarmo.

Acrósticos II

«Os Deuses vendem-nos tudo aquilo que nos dão.»

(Epicarmo, dramaturgo grego - e inventor do acróstico)

Acrósticos I

Esta semana comemora-se o centenário do nascimento de John Betjeman, o poeta inglês a quem David Brent se referiu como "couve". Ao seu mais recente biógrafo, An Wilson, já chamaram bem pior.
Por favor guardem um minutinho do vosso dia para lerem a história aqui.

Coisas explosivas



A agência de viagens na qual fiz a minha reserva para Lisboa disponibilizou simpaticamente uma lista de artigos que, de acordo com as novas normas de segurança, não podemos levar na bagagem de mão.
A lista faz-me pensar que andei a dormir nas aulas de Química. É que nem saberia por onde começar se quisesse mesmo fazer uma bomba com uma Pepsi, um leitor de mp3 e um boião de creme Nívea.

p.s.: Mas - em resposta a uma pergunta específica minha - uma nota de rodapé informa que o A Burnt-Out Case do Graham Greene, que tinha intenção de ler a bordo, é um "artigo seguro".
Graham Greene: um artigo seguro? Esta gente não sabe mesmo a quantas anda.

A Cebola

Blues Musician To U.N.: 'Yemen Done Me Wrong'

Conjectura de Poincaré

Extracto de um artigo do Público de 20 de Agosto de 2006

A conjectura de Poincaré é fundamental na topologia, também chamada “geometria sem pormenores”, o ramo da Matemática que lida com as formas. Assim, em topologia dois objectos são considerados idênticos se puderem ser transformados um no outro sem dobrar ou rasgar, como se fossem feitos com uma massa elástica. Desta forma uma superfície esférica é, para um topólogo, equivalente à superfície de um copo, mas diferente de uma chávena com uma pega. Da mesma forma um toro (“donut”) é equivalente a uma chávena com uma pega, mas diferente de uma chávena com duas pegas. E assim sucessivamente, de forma que qualquer superfície finita com duas dimensões é equivalente a uma superfície esférica com um número finito (que pode ser zero, um, dois…) de pegas (ou “buracos”). Este resultado já era conhecido desde o século XIX.
A classificação de superfícies de dimensão superior (que não podem ser visualizadas em três dimensões) revelou-se bastante mais complicada. Poincaré conjecturou que todas as superfícies finitas de dimensão maior que dois sem nenhum tipo de “buracos” são topologicamente equivalentes a esferas da mesma dimensão, mas não foi capaz de provar. A conjectura de Poincaré já tinha sido provada para esferas de dimensões superiores a 4 por Stephen Smale (Medalha Fields em 1966) e para quatro dimensões por Michael Freedman (Medalha Fields em 1986). Restava somente o caso tridimensional, para o qual o matemático William Thurston, no final dos anos 70, propôs uma generalização. Tal como todas as superfícies fechadas bidimensionais podem ser construídas combinando somente duas formas, a esfera e o toro (a “pega”), também algo semelhante se passaria com as superfícies tridimensionais, que poderiam ser todas construídas a partir não de duas, mas de oito formas fundamentais. Só por ter proposto esta conjectura de geometrização, que automaticamente inclui a conjectura de Poincaré em três dimensões, Thurston, neste momento na Universidade de Cornell, foi igualmente agraciado com a Medalha Fields em 1986.
Richard Hamilton, da Universidade de Columbia, propôs no início dos anos 80 a aplicação ao estudo das formas de superfícies de uma técnica, chamada fluxo de Ricci, baseada nas equações de geometria diferencial como as que se utilizam na Teoria da Relatividade Geral. Este processo transforma uma superfície numa forma mais homogénea, redistribuindo a sua curvatura. Hamilton teve sucesso a aplicar este processo a objectos simples, mas os problemas surgiriam em objectos mais complicados que incluíssem pontos, chamados singularidades, cuja curvatura fosse infinita. Os topólogos poderiam removê-las, mas não havia garantias de que com este processo não se formassem singularidades novas. Seria Perelman a resolver este problema em 2002, ao demonstrar uma série de desigualdades que evidenciam que as singularidades acabam por se transformar todas em esferas ou tubos, num tempo finito após o fluxo de Ricci ter começado. Os topólogos poderiam assim removê-las e levar o fluxo de Ricci até ao fim, revelando a essência topológica dos espaços em questão e demonstrando as conjecturas de Poincaré e Thurston.
O grande entusiasmo causado pela prova de Perelman deve-se nem tanto ao resultado em si, que pelo menos no caso da conjectura de Poincaré era bastante intuitivo e que toda a gente dava como verdadeiro, mas mais ao método usado, tendo-se revelado ligações profundas até então desconhecidas entre diferentes ramos da Matemática.

De regresso

Consulta-se o arxiv, algo negligenciado nos últimos dias, e verifica-se que a Física ainda não acabou.
Entretanto, como é costume, após uma ausência "cai-nos tudo em cima". Por agora deixo-vos com dois textos com uma semana.

Sunday, August 27, 2006

Hoje (e em muitos outros dias) ouve-se



Call me morbid, call me pale
I've spent six years on your trail
Six long years
On your trail

Call me morbid, call me pale
I've spent six years on your trail
Six full years of my life on your trail

And if you have five seconds to spare
Then I'll tell you the story of my life:
Sixteen, clumsy and shy
I went to London and I
I booked myself in at the Y.W.C.A.
I said : "I like it here - can I stay ? I like it here - can I stay?
Do you have a vacancy For a Back-scrubber?"

She was left behind, and sour
And she wrote to me, equally dour
She said : "In the days when you were hopelessly poor
I just liked you more..."

And if you have five seconds to spare
Then i'll tell you the story of my life:
Sixteen, clumsy and shy
That's the story of my life
Sixteen, clumsy and shy
The story of my life

(The Smiths, «Half a Person», Louder than Bombs)

O milagre subtractivo

Sobre Dostoievski, escreveu Borges que um livro seu é sempre melhor que a soma das suas páginas. O seu contraponto pós-moderno, Don DeLillo, parece, linha por linha, um dos maiores escritores vivos. Mas depois chega-se ao último parágrafo (do admirável mas gélido Underworld, digamos, ou do apofénico Libra, ou do incongruente Mao II) e constatamos que a pulsação não acelerou, que não comungámos com uma única consciência verosímil, que não partilhámos a visão de uma única personagem - e que talvez tivesse sido preferível passar o tempo de outra maneira.
Não escrevo isto bem disposto. Passei uma fase em que gostei muito de DeLillo, mas Cosmopolis, um dos piores romances que li neste século, foi a gota de água. Nunca é agradável - a incineração um antigo ídolo na pira dos afectos descartados. Aconteceu-me o mesmo com Rushdie, depois do sofrível Fury.
Mas isto passa-me.

Em nome do P@!, do F!*+º e do Es!**** S@*!º

O guarda-redes do Celtic, Artur Boruc, tornou-se a última vítima da incorrigível intolerância sectária que permeia o futebol escocês. Num jogo contra o Rangers, em Fevereiro deste ano, o polaco causou um bestial tumulto nas bancadas de Ibrox com um gesto interpretado pela predominantemente Protestante claque caseira como "extremamente ofensivo" e "conducente à violência". O gesto em questão não foi um pouco anglófilo manguito nem um universal gesto da pilinha com o terceiro quirodactilo, mas sim um sinal da cruz. O incendiário do Boruc benzeu-se obscenamente em pleno relvado.
A polícia local investigou o caso e, cinco meses depois, o jogador recebeu um aviso (que permanecerá no seu cadastro) por "perturbação da paz".
As piadas, essas, fazem-se praticamente sozinhas.

Alteração táctica

O método New Age falhou. O cavalinho North Walk, no qual depositei tantas esperanças (incluindo algumas esperanças com as efígies de Darwin e Elgar) chegou num miserável oitavo lugar. Quanto ao outro, com nome de imperador Bizantino, basta dizer que será muito provavelmente abatido por misericórdia.
Dou assim por encerradas as minhas experiências com o espiritualismo de algibeira e com a boa vontade dos leitores regulares, regressando, já na próxima corrida, ao tried and tested: desenhar arabescos no boletim de apostas com a minha caneta da sorte, roer as unhas até ao sabugo, e emporcalhar a língua de Shakespeare com as mais fétidas imprecações.

Saturday, August 26, 2006

Argumentos





Estética

Até há dois meses atrás nunca tinha ouvido falar da Wikipedia. A minha primeira e inesquecível visita aconteceu quando pesquisava casualmente no google Alexander Baumgarten; fui levado para a wiki-entrada sobre Aesthetics. A primeira coisa que li foi a legenda de uma fotografia:

Kittens are often considered quite cute.

Aprovo enfaticamente esta noção estética.

A coisa mais estranha

Contei a uma rapariga inglesa que, em português, se usa a mesma palavra para significar o tempo meteorológico ("weather") e o tempo cronológico ("time"). Ela esbugalhou os olhos e disse, muito séria:
-- That is the strangest thing I have ever heard.

Hipálage catacrésica

Ouvido de passagem:

-- My computer's brain is fucked.

Newmarket


Há motivos mais nobres para viver no Reino Unido, mas poder apostar nos cavalos é mesmo um dos melhores.
Hoje, rogo aos meus fiéis leitores portugueses que tentem pensar com muita força num cavalinho chamado North Walk, por volta das 14:20. E que às 14:50 pensem com muita força noutro cavalinho chamado Andronikos.
Se este método New Age resultar, prometo que o dinheiro será prontamente cambiado e investido na frágil economia lusitana.

Friday, August 25, 2006

Happy Birthday



Hoje faz anos o Martin Amis, um dos meus sete ou oito escritores de eleição, e a quem devo a descoberta de um dos outros (Nabokov, claro; no meu caso Bellow veio antes de Amis).

Em 1999, na Fnac do Chiado, apertei-lhe a mão, fiz-lhe uma pergunta sobre John Self e roubei-lhe uma esferográfica.

Edit file?

A frase-feita que mais dificuldades tenho em aceitar é uma que marca presença assídua nas entrevistas a celebridades: "Se voltasse atrás faria tudo da mesma maneira". A não ser que o chavão contenha uma implícita negação do livre-arbítrio, há que invejar as vidas que estas pessoas levam, em que todas as decisões se revelam correctas.
Ocorrem-me, sem grandes esforços mentais, pelo menos seis coisas que teria feito de maneira diferente, quatro frases que devia ter dito quando não disse, duas piadas que não devia ter feito quando fiz, e um telefonema que não devia ter ignorado.
E isto se limitar o meu escrutínio apenas à Terça-feira passada.

Lição de Zoologia


O Homem é o único animal capaz de transportar até doze vezes o seu próprio peso em desculpas esfarrapadas.

Coisas que se aprendem num pub

Não é de todo fácil assobiar o tema do genérico de Seinfeld.

Thursday, August 24, 2006

Esta noite ouve-se



I am the captain of my pain.
'Tis the bit, the bridle,
The trashing cane,
The stirrup, the harness,
The whipping mane,
The pickled eye,
The shrinking brain.
O brother, buy me one more drink,
I'll explain the nature of my pain


(Nick Cave, «Brother, My Cup is Empty», Henry's Dream)

maligne

«On the day of the funeral of Gen. Lamarque, Sadi was walking thoughtfully in the vicinity of the insurrection. A horseman preceding a company, and who was evidently intoxicated, passed along the street on the gallop, brandishing his sabre and striking down the passers-by. Sadi darted forward, cleverly avoided the weapon of the soldier, seized him by the leg, threw him to the earth and laid him in the gutter, then continued on his way to escape from the cheers of the crowd, amazed at this daring deed.»

(Excerto da biografia do Anticristo, pelo seu irmão Hyppolyte. A tradução é de R. H. Thurston.)

Die Entropie der Welt strebt einem Maximum zu

No dia 24 de Agosto de 1888 morria Rudolf Clausius, que tanto tempo ocupou da minha entrópica adolescência. No mesmo dia, em 1832, já tinha morrido o diabólico Sadi Carnot. Quem me convencia, há uns anos atrás, de que isto era mera coincidência?

"Oh Chris de Burgh, Chris de Burgh"


Por causa da canção "Crystal Ball" dos Keane, e de um estranho fenómeno de massas, o nome deste senhor anda nas bocas de toda a gente.

2-em-1



É sempre um bom dia quando posso aliar o amor clubístico ao meu crónico pessimismo sobre tudo em geral.

Parêntesis

(Sou, como Coleridge, um assumido filo-parentesista. Com ou sem teclado.)

Este blog muda frequentemente de ideias

... mas quer assegurar os passageiros de que não há motivos para alarme.

Wednesday, August 23, 2006

...some great generalization which would finish one's clamor to be educated...



«He was a Darwinist before the letter; a predestined follower of the tide; but he was hardly trained to follow Darwin's evidences. Fragmentary the British mind might be, but in those days it was doing a great deal of work in a very un-English way, building up so many and such vast theories on such narrow foundations as to shock the conservative, and delight the frivolous. The atomic theory; the correlation and conservation of energy; the mechanical theory of the universe; the kinetic theory of gases, and Darwin's Law of Natural Selection, were examples of what a young man had to take on trust. Neither he nor any one else knew enough to verify them; in his ignorance of mathematics, he was particularly helpless; but this never stood in his way. The ideas were new and seemed to lead somewhere--to some great generalization which would finish one's clamor to be educated. That a beginner should understand them all, or believe them all, no one could expect, still less exact. Henry Adams was Darwinist because it was easier than not, for his ignorance exceeded belief, and one must know something in order to contradict even such triflers as Tyndall and Huxley.
By rights, he should have been also a Marxist but some narrow trait of the New England nature seemed to blight socialism, and he tried in vain to make himself a convert. He did the next best thing; he became a Comteist, within the limits of evolution. He was ready to become anything but quiet. As though the world had not been enough upset in his time, he was eager to see it upset more. He had his wish, but he lost his hold on the results by trying to understand them.»

(The Education of Henry Adams)

Nostalgia do cliché

Às vezes tenho saudades de ver um daqueles filmes em que o superior hierárquico suspende o detective rebelde por não cumprir "as regras", depois de explicar que tem sofrido pressões diárias do gabinete do Mayor.

Defeitos literários II

"... admito que tentei pierremenardizar dois parágrafos do teu último mail..."

Defeitos literários I

"... ela Kinbotiza as expressões mais inócuas..."

Tuesday, August 22, 2006

A matéria escura existe!

O Grisha Perelman recusou a Medalha Fields, como era esperado (nem sequer lá apareceu) e entretanto foi descoberta a matéria escura (a melhor explicação que eu li sobre o assunto, e que me foi bastante útil, encontra-se aqui). Como eu disse para colegas da secção política: isto é como se tivesse havido um golpe de estado. Consegui acabar estas matérias (sem falar nas polémicas com a definição de planeta). Não fiz mais nada hoje. E agora vou para férias até domingo. Só então devo voltar a aparecer por aqui. Considerando o ritmo dos últimos dias, espero que nessa altura ainda restem alguma matemática e alguma física para eu falar!

Le blog c'est moi

Este blog tem um tema, embora nunca tenha sido desenvolvido; tem uma figura tutelar, embora nunca tenha sido mencionada; é actualizado diariamente, mesmo quando não há nada para dizer.
Este blog é um reflexo adequado do seu criador.

Hoje ouve-se



Your kiss so sweet
Your sweat so sour
Sometimes I'm thinking that I love you
But I know it's only lust
The sins of the flesh
Are simply sins of lust

(Gang of Four, «Damaged Goods», Entertainment!)

puella abscondita

Lutero bem avisou: há coisas que apenas se podem compreender quando são Reveladas. A razão nada tem a ver com o caso; só atrapalha.

Carpintaria

Hoje, dia 22 de Agosto de 2006, fiz uma mesa.
E não se atreva o Infiel leitor a pensar que isto tem alguma coisa a ver com a IKEA. Eu, como Jesus Cristo (em parte), sou muito homem. Usei dois tipos de serrotes, martelo, pregos, fita métrica, cola industrial, nível.

(Próximo passo: dar início ao processo apenas com uma árvore indefesa e um machado.)

I see dead people - and giant talking locusts and Elvis in a spacesuit


Haley Joel Osment, o menino do "Sexto Sentido", foi preso em Los Angeles por condução ébria e posse de marijuana, juntando-se assim à longa lista de jovens estrelas de cinema que insistem em continuar a crescer depois dos créditos finais.

«Sonhar com Xangai»


Mais uma sugestão para quem optou por um Agosto lisboeta.
Não sei se será um grande filme, mas é, com certeza, mais uma achega para continuar a tentar perceber o percurso dos chineses.

Ainda "O Nariz"


Em Julho 2006 o Teatro Nacional de S. Carlos levou à cena, com assinalável sucesso, a ópera "O Nariz" de Chostakovitch.

Aqui ficam dez fotografias dessa produção.

Monday, August 21, 2006

Medalha Fields: conjectura de Poincaré

É hoje atribuída a Medalha Fields, e toda a gente espera que seja à prova da conjectura de Poincaré. No Público de domingo tentei explicar o assunto aos leitores, dentro das possibilidades minhas e do jornal. Fiz o melhor que pude, e é possível que ponha aqui o texto mais tarde. Entretanto vejam por que razões o The New York Times é o melhor jornal do mundo. Apreciem e comparem com o The Guardian, que adora tratar os cientistas como tipos excêntricos e meio malucos, dando sempre a ideia de que só por isso é que vale a pena dar notícias de ciência. E comparem também com o do Le Monde, que intitula "Un génie russe face à une énigme française". A conjectura de Poincaré é "francesa". Lembram-se da história de a ciência não ter nacionalidade? Mesmo assim o Le Monde traz a notícia para a primeira página da edição de domingo. Quando veremos uma notícia destas na primeira página de um jornal em Portugal?
De qualquer maneira, destes jornais o único que explica a conjectura (agora teorema) aos leitores é o The New York Times. E, modéstia à parte, o Público, claro.

Elusive Proof, Elusive Prover: A New Mathematical Mystery
By DENNIS OVERBYE
Grisha Perelman, where are you?

Three years ago, a Russian mathematician by the name of Grigory Perelman, a k a Grisha, in St. Petersburg, announced that he had solved a famous and intractable mathematical problem, known as the Poincaré conjecture, about the nature of space.

After posting a few short papers on the Internet and making a whirlwind lecture tour of the United States, Dr. Perelman disappeared back into the Russian woods in the spring of 2003, leaving the world’s mathematicians to pick up the pieces and decide if he was right.

Now they say they have finished his work, and the evidence is circulating among scholars in the form of three book-length papers with about 1,000 pages of dense mathematics and prose between them.

As a result there is a growing feeling, a cautious optimism that they have finally achieved a landmark not just of mathematics, but of human thought.

“It’s really a great moment in mathematics,” said Bruce Kleiner of Yale, who has spent the last three years helping to explicate Dr. Perelman’s work. “It could have happened 100 years from now, or never.”

In a speech at a conference in Beijing this summer, Shing-Tung Yau of Harvard said the understanding of three-dimensional space brought about by Poincaré’s conjecture could be one of the major pillars of math in the 21st century.

Quoting Poincaré himself, Dr.Yau said, “Thought is only a flash in the middle of a long night, but the flash that means everything.”

But at the moment of his putative triumph, Dr. Perelman is nowhere in sight. He is an odds-on favorite to win a Fields Medal, math’s version of the Nobel Prize, when the International Mathematics Union convenes in Madrid next Tuesday. But there is no indication whether he will show up.

Also left hanging, for now, is $1 million offered by the Clay Mathematics Institute in Cambridge, Mass., for the first published proof of the conjecture, one of seven outstanding questions for which they offered a ransom back at the beginning of the millennium.

“It’s very unusual in math that somebody announces a result this big and leaves it hanging,” said John Morgan of Columbia, one of the scholars who has also been filling in the details of Dr. Perelman’s work.

Mathematicians have been waiting for this result for more than 100 years, ever since the French polymath Henri Poincaré posed the problem in 1904. And they acknowledge that it may be another 100 years before its full implications for math and physics are understood. For now, they say, it is just beautiful, like art or a challenging new opera.

Dr. Morgan said the excitement came not from the final proof of the conjecture, which everybody felt was true, but the method, “finding deep connections between what were unrelated fields of mathematics.”

William Thurston of Cornell, the author of a deeper conjecture that includes Poincaré’s and that is now apparently proved, said, “Math is really about the human mind, about how people can think effectively, and why curiosity is quite a good guide,” explaining that curiosity is tied in some way with intuition.

“You don’t see what you’re seeing until you see it,” Dr. Thurston said, “but when you do see it, it lets you see many other things.”

Depending on who is talking, Poincaré’s conjecture can sound either daunting or deceptively simple. It asserts that if any loop in a certain kind of three-dimensional space can be shrunk to a point without ripping or tearing either the loop or the space, the space is equivalent to a sphere.

The conjecture is fundamental to topology, the branch of math that deals with shapes, sometimes described as geometry without the details. To a topologist, a sphere, a cigar and a rabbit’s head are all the same because they can be deformed into one another. Likewise, a coffee mug and a doughnut are also the same because each has one hole, but they are not equivalent to a sphere.

In effect, what Poincaré suggested was that anything without holes has to be a sphere. The one qualification was that this “anything” had to be what mathematicians call compact, or closed, meaning that it has a finite extent: no matter how far you strike out in one direction or another, you can get only so far away before you start coming back, the way you can never get more than 12,500 miles from home on the Earth.

In the case of two dimensions, like the surface of a sphere or a doughnut, it is easy to see what Poincaré was talking about: imagine a rubber band stretched around an apple or a doughnut; on the apple, the rubber band can be shrunk without limit, but on the doughnut it is stopped by the hole.

With three dimensions, it is harder to discern the overall shape of something; we cannot see where the holes might be. “We can’t draw pictures of 3-D spaces,” Dr. Morgan said, explaining that when we envision the surface of a sphere or an apple, we are really seeing a two-dimensional object embedded in three dimensions. Indeed, astronomers are still arguing about the overall shape of the universe, wondering if its topology resembles a sphere, a bagel or something even more complicated.

Poincaré’s conjecture was subsequently generalized to any number of dimensions, but in fact the three-dimensional version has turned out to be the most difficult of all cases to prove. In 1960 Stephen Smale, now at the Toyota Technological Institute at Chicago, proved that it is true in five or more dimensions and was awarded a Fields Medal. In 1983, Michael Freedman, now at Microsoft, proved that it is true in four dimensions and also won a Fields.

“You get a Fields Medal for just getting close to this conjecture,” Dr. Morgan said.

In the late 1970’s, Dr. Thurston extended Poincaré’s conjecture, showing that it was only a special case of a more powerful and general conjecture about three-dimensional geometry, namely that any space can be decomposed into a few basic shapes.

Mathematicians had known since the time of Georg Friedrich Bernhard Riemann, in the 19th century, that in two dimensions there are only three possible shapes: flat like a sheet of paper, closed like a sphere, or curved uniformly in two opposite directions like a saddle or the flare of a trumpet. Dr. Thurston suggested that eight different shapes could be used to make up any three-dimensional space.

“Thurston’s conjecture almost leads to a list,” Dr. Morgan said. “If it is true,” he added, “Poincaré’s conjecture falls out immediately.” Dr. Thurston won a Fields in 1986.

Topologists have developed an elaborate set of tools to study and dissect shapes, including imaginary cutting and pasting, which they refer to as “surgery,” but they were not getting anywhere for a long time.

In the early 1980’s Richard Hamilton of Columbia suggested a new technique, called the Ricci flow, borrowed from the kind of mathematics that underlies Einstein’s general theory of relativity and string theory, to investigate the shapes of spaces.

Dr. Hamilton’s technique makes use of the fact that for any kind of geometric space there is a formula called the metric, which determines the distance between any pair of nearby points. Applied mathematically to this metric, the Ricci flow acts like heat, flowing through the space in question, smoothing and straightening all its bumps and curves to reveal its essential shape, the way a hair dryer shrink-wraps plastic.

Dr. Hamilton succeeded in showing that certain generally round objects, like a head, would evolve into spheres under this process, but the fates of more complicated objects were problematic. As the Ricci flow progressed, kinks and neck pinches, places of infinite density known as singularities, could appear, pinch off and even shrink away. Topologists could cut them away, but there was no guarantee that new ones would not keep popping up forever.

“All sorts of things can potentially happen in the Ricci flow,” said Robert Greene, a mathematician at the University of California, Los Angeles. Nobody knew what to do with these things, so the result was a logjam.

It was Dr. Perelman who broke the logjam. He was able to show that the singularities were all friendly. They turned into spheres or tubes. Moreover, they did it in a finite time once the Ricci flow started. That meant topologists could, in their fashion, cut them off, and allow the Ricci process to continue to its end, revealing the topologically spherical essence of the space in question, and thus proving the conjectures of both Poincaré and Thurston.

Dr. Perelman’s first paper, promising “a sketch of an eclectic proof,” came as a bolt from the blue when it was posted on the Internet in November 2002. “Nobody knew he was working on the Poincaré conjecture,” said Michael T. Anderson of the State University of New York in Stony Brook.

Dr. Perelman had already established himself as a master of differential geometry, the study of curves and surfaces, which is essential to, among other things, relativity and string theory Born in St. Petersburg in 1966, he distinguished himself as a high school student by winning a gold medal with a perfect score in the International Mathematical Olympiad in 1982. After getting a Ph.D. from St. Petersburg State, he joined the Steklov Institute of Mathematics at St. Petersburg.

In a series of postdoctoral fellowships in the United States in the early 1990’s, Dr. Perelman impressed his colleagues as “a kind of unworldly person,” in the words of Dr. Greene of U.C.L.A. — friendly, but shy and not interested in material wealth.

“He looked like Rasputin, with long hair and fingernails,” Dr. Greene said.

Asked about Dr. Perelman’s pleasures, Dr. Anderson said that he talked a lot about hiking in the woods near St. Petersburg looking for mushrooms.

Dr. Perelman returned to those woods, and the Steklov Institute, in 1995, spurning offers from Stanford and Princeton, among others. In 1996 he added to his legend by turning down a prize for young mathematicians from the European Mathematics Society.

Until his papers on Poincaré started appearing, some friends thought Dr. Perelman had left mathematics. Although they were so technical and abbreviated that few mathematicians could read them, they quickly attracted interest among experts. In the spring of 2003, Dr. Perelman came back to the United States to give a series of lectures at Stony Brook and the Massachusetts Institute of Technology, and also spoke at Columbia, New York University and Princeton.

But once he was back in St. Petersburg, he did not respond to further invitations. The e-mail gradually ceased.

“He came once, he explained things, and that was it,” Dr. Anderson said. “Anything else was superfluous.”

Recently, Dr. Perelman is said to have resigned from Steklov. E-mail messages addressed to him and to the Steklov Institute went unanswered.

In his absence, others have taken the lead in trying to verify and disseminate his work. Dr. Kleiner of Yale and John Lott of the University of Michigan have assembled a monograph annotating and explicating Dr. Perelman’s proof of the two conjectures.

Dr. Morgan of Columbia and Gang Tian of Princeton have followed Dr. Perelman’s prescription to produce a more detailed 473-page step-by-step proof only of Poincaré’s Conjecture. “Perelman did all the work,” Dr. Morgan said. “This is just explaining it.”

Both works were supported by the Clay institute, which has posted them on its Web site, claymath.org. Meanwhile, Huai-Dong Cao of Lehigh University and Xi-Ping Zhu of Zhongshan University in Guangzhou, China, have published their own 318-page proof of both conjectures in The Asian Journal of Mathematics (www.ims.cuhk.edu.hk/).

Although these works were all hammered out in the midst of discussion and argument by experts, in workshops and lectures, they are about to receive even stricter scrutiny and perhaps crossfire. “Caution is appropriate,” said Dr. Kleiner, because the Poincaré conjecture is not just famous, but important.

James Carlson, president of the Clay Institute, said the appearance of these papers had started the clock ticking on a two-year waiting period mandated by the rules of the Clay Millennium Prize. After two years, he said, a committee will be appointed to recommend a winner or winners if it decides the proof has stood the test of time.

“There is nothing in the rules to prevent Perelman from receiving all or part of the prize,” Dr. Carlson said, saying that Dr. Perelman and Dr. Hamilton had obviously made the main contributions to the proof.

In a lecture at M.I.T. in 2003, Dr. Perelman described himself “in a way” as Dr. Hamilton’s disciple, although they had never worked together. Dr. Hamilton, who got his Ph.D. from Princeton in 1966, is too old to win the Fields medal, which is given only up to the age of 40, but he is slated to give the major address about the Poincaré conjecture in Madrid next week. He did not respond to requests for an interview.

Allowing that Dr. Perelman, should he win the Clay Prize, might refuse the honor, Dr. Carlson said the institute could decide instead to use award money to support Russian mathematicians, the Steklov Institute or even the Math Olympiad.

Dr. Anderson said that to some extent the new round of papers already represented a kind of peer review of Dr. Perelman’s work. “All these together make the case pretty clear,” he said. “The community accepts the validity of his work. It’s commendable that the community has gotten together.”

Patriotismo cósmico



No conto "Dance in America" de Lorrie Moore (uma boa descoberta recente), um rapaz recita correctamente o nome dos planetas, depois de a mãe explicar que ele anda a aprender o sistema solar. A narradora pergunta-lhe qual é o planeta que ele acha mais interessante ("Marte com os seus canais? Saturno com os seus anéis?"). O rapaz pensa um pouco e responde solenemente:
-- A Terra, claro.

Aviso a um amigo que permanecerá anónimo

Um dia perguntaram a Lord Russell of Killowen (o primeiro Lord Chief Justice católico do Reino Unido) qual a pena máxima para o crime de bigamia. Ele respondeu: "Seguramente, ter duas sogras."

Parabéns, Bill Clinton


Já este ano George W. Bush fizera 60 anos, e o impacto mediático foi incomparavelmente menor. O mundo sabe reconhecer como era muito mais seguro quando a nação mais poderosa estava sob a liderança deste rapaz pobre do Arkansas. Aquele a quem Toni Morrisson chamou "o primeiro presidente preto". O primeiro presidente pop. Embora atrasados, desejo dar ao (espero eu) futuro Secretário Geral da ONU os meus sinceros parabéns.

Marcelo Caetano

«Recebido "cortesmente" por um general à paisana, Marcelo assistiu inerme à passividade da GNR, enquanto o MFA tomava conta de Lisboa e o povo vinha espontaneamente para a rua. Chamou o ministro do Interior, César Moreira Baptista. Pediu pateticamente à Legião que combatesse. Tentou encontrar, e não encontrou, o Presidente da República. E, no fim, quando milhares de manifestantes se juntaram no Largo do Carmo concebeu mesmo o plano de os massacrar, fazendo descer uma unidade da GNR da Pedro V e subir outra do Camões para os "colher entre dois fogos". Lisboa inteira ouviu, em aberto, pela rádio os comandantes da GNR decidirem desobedecer a essa ordem criminosa. Curiosamente, Marcelo continuava no Brasil orgulhoso com a matança inútil que tentara perpetrar, muito indignado com o recuo da Guarda e sem a mais vaga consciência de que escapara por pouco à condenação e infâmia universal. (...)
O secretário de Estado da Informação, que observava no Grémio Literário a agonia do regime, pediu ao chefe de gabinete, Pedro Feytor Pinto, para persuadir Marcelo a negociar com Spínola, o putativo chefe do pronunciamento. Feytor Pinto conseguiu sem dificuldade a concordância de Marcelo. A seguir a uma complicada troca de recados, Marcelo telefonou pessoalmente a Spínola e apresentou a rendição do regime, para o poder "não cair na rua". Spínola, com a autorização do comando do Movimento, que "escutara" a conversa, partiu para o Carmo.
Entretanto, no Carmo, Salgueiro Maia parlamentava com o general comandante da GNR. Informado, Marcelo desconfiou que a GNR se preparava para o abandonar "ingloriamente" ao MFA (e ao povo), uma hipótese que o horrorizava para lá de tudo, e, como presidente do Conselho, exigiu conduzir ele próprio as conversações. Não se enganava. Salgueiro Maia apresentou um ultimato: ou ele, Marcelo, se constituía imediatamente prisioneiro do MFA ou o MFA "arrasava o quartel a tiros de canhão". Marcelo não se impressionou. Com a pose de autoridade que nunca lhe falhava, interrogou Salgueiro Maia, sem qualquer resultado, sobre a chefia do Movimento. No fim, Salgueiro Maia repetiu o ultimato: "arrasava o quartel". "Não arrasa coisa nenhuma", respondeu Marcelo. E comunicou ao capitão que pedira a Spínola para ir ao Carmo e que dentro de meia hora lhe tencionava "transmitir o poder". O capitão que fosse "acalmar" a "populaça" e que "aguardasse". Com uma "continência correcta", Salgueiro Maia obedeceu.
Logo a seguir, no meio de grande entusiasmo, Spínola entrou no quartel e encontrou o presidente do Conselho sentado num sofá, numa "atitude serena e digna". Na sala ao lado, César Moreira Baptista e Rui Patrício pareceriam "desmoralizados". Segundo Marcelo, antes mesmo de o cumprimentar, Spínola desabafou: "A que estado estes gajos [o MFA] deixaram chegar isto!" "Isto" era a multidão do Carmo e o povo na rua. Num livro de memórias (de 1978), Spínola transformou esta frase de general de cavalaria numa declaração histórica: "O estado em que Vossa Excelência me entrega o país." E acrescentou: "É tarde para Vossa Excelência reconhecer a razão que me assistia." Esta pequena diferença, acrimoniosamente discutida no futuro, escondia uma querela maior. Marcelo queria demonstrar a inconsciência de Spínola e a fraca autoridade que ele tinha sobre o MFA. Spínola queria passar a Marcelo a culpa da queda do regime e do desastre de África. De qualquer maneira, no Carmo, Marcelo cortou os devaneios de Spínola. Não era altura de "recriminações". Metido numa "viatura blindada", com Moreira Baptista e Rui Patrício, seguiu para a Pontinha sob os "vitupérios" da multidão. (...)
O próprio Marcelo, já no Brasil, agradeceu a Spínola o relativo privilégio do exílio, longe do PREC e da "festa" da esquerda. Nem Silva Cunha, nem Marcelo perceberam Spínola. Aferrolhados numa cadeia qualquer, a insignificância de Silva Cunha e Moreira Baptista não excitava ninguém em Portugal. Mas na Madeira, em Lisboa ou na Trafaria, Marcelo e Tomás seriam uma provocação constante.
Nenhuma das forças dominantes depois de Abril, e principalmente os militares, queria julgar Marcelo perante a Europa inteira. Lavar a roupa suja da guerra de África e, pior ainda, da "descolonização" que se preparava não convinha a ninguém. Toda a gente preferia não ver e não ouvir e esquecer depressa. Como preferia não falar na colaboração com o antigo regime, que ia de Spínola e do MFA a muita esquerda dura e pura. A presença de Marcelo e Tomás não permitia a grande lavagem e absolvição colectiva em que o PREC e a seguir a democracia assentaram. (...)
Convencido da sua razão e da virtude absoluta do antigo regime, Marcelo não se interessava e quase não comentava o que ia acontecendo em Portugal. Quando deixava cair a sua opinião, era em geral com um desprezo militante e um ressentimento mal escondido. O PREC ainda o "angustiou" e o levou a falar em finis patriae. Mas já não "partilhou" o "optimismo" da emigração política no Brasil com o 25 de Novembro: "Receio que a terapêutica em curso não vá por diante e que dentro de um a dois meses ocorra um novo golpe e de maior violência. Tudo resulta do equívoco que se criou na vida nacional com o 25 de Abril, na onda de falsa liberdade em que uns destroem a pátria e os outros, mesmo quando se opõem, colaboram nessa destruição."
Em Portugal nada podia correr bem, porque, se corresse, ficava em causa a presuntiva excelência da ditadura. Na véspera da primeira eleição para a Assembleia da República, Marcelo escrevia: "Pela via aritmética, clamando que são eleitos pelo voto popular, vemos alçados ao poder analfabetos, traidores e desonestos que conhecemos de longa data. Alguns nem serviam para criados de quarto e chegam a presidentes da câmara, a deputados, a governadores civis e mesmo, quando não querem, a ministros." A democracia portuguesa era necessariamente uma farsa.
E farsantes por definição as personagens que a representavam. Quando Soares foi ao Brasil, Marcelo escreveu: "O tal Soares aqui deu o espectáculo da sua mediocridade, da sua demagogia parva, e andou no meio da praticamente total abstenção dos portugueses, a fazer gestos vãos e gaffes valentes." Apareceu Eanes, numa visita oficial, e o ódio voltou: "Anda por cá agora o Generalíssimo (graduado) dessas bandas. Seco, cara de pau, com ar permanentemente zangado neste país de cordialidade e bom humor, é um desastre diplomático, mas representa bem a má consciência de um exército fujão e de regime que arruinou Portugal."
Nem a direita (da democracia, claro) lhe merecia mais benevolência. Continuava a acreditar em Diogo Freitas do Amaral, apesar do seu "complexo de esquerda", como "o único arrimo" da oposição ao PS e ao PC e achava que, se ele se entendesse com Sá Carneiro numa "frente antimarxista", "haveria talvez uma réstia de esperança". Mas tratava invariavelmente Sá Carneiro com uma certa desconfiança e desdém. Quando se fundou a Aliança Democrática (cuja "vitória" ele, de resto, desejava) mostrou logo o seu cepticismo: "O Sá Carneiro chefe de Governo? Não tem estofo, nem envergadura para isso e os seus colaboradores imediatos também pouco valem para governar o país. O Diogo tem muito mais categoria mas ainda está mais desamparado de figuras de segunda linha."
O professor de Direito e o discípulo de Salazar persistia em julgar políticos como assistentes. Na ordem, na regularidade e na obediência de Freitas reconhecia o seu mundo, em Sá Carneiro não. Mesmo depois de a AD ter ganho, continuou com "apreensões". A uma amiga, confessava: "o Francisco Sá Carneiro é certamente o menino Jesus para a Mãe, a minha amiga Francisca Lumbrales, mas é duvidoso que possa sê-lo ou parecê-lo para o país inteiro."
A opinião de Marcelo sobre Sá Carneiro, embora professoral e pouco lúcida, era temperada por um certo respeito. Com o resto da direita não se coibia. Ridicularizava a puerilidade de Francisco Balsemão, o "Francisquinho", com o seu Expresso e o seu lume no olho" e, numa altura em que o "Francisquinho" passou pelo Brasil, observou que "bem pobre" devia ser a "matéria-prima em Portugal", para "se recorrer a tão medíocre mensageiro". Jaime Nogueira Pinto não se saiu melhor: "No meu governo", explicava Marcelo, "publicava um jornalzinho subsidiado pelo SNI (com ordenado para ele)."
De qualquer maneira, com a sua fúria e o seu rancor, Marcelo Caetano percebeu do Rio o que muito boa gente não percebeu em Lisboa: a inevitabilidade da derrota de Sá Carneiro num confronto directo com Eanes. Considerava o general Soares Carneiro "excelente" e até "óptimo". A "manobra" de Sá Carneiro é que lhe parecia "mal conduzida". Marcelo suspeitava, e com razão, que Sá Carneiro ("nessas coisas mais autoritário do que o próprio Salazar") impusera a candidatura do general ao grosso da AD e que subestimava largamente a força de Eanes. Pior: Marcelo também previu, e acertou, que a recusa de Sá Carneiro e Freitas de governar com Eanes só os prejudicava a eles e acabaria por entregar Portugal a uma personagem de recurso. Aquela "aventura" era "imprudente". Infelizmente, na cabeça de Marcelo, esta clara análise política andava misturada com a ideia peregrina de que Adriano Moreira, uma bête noire, planeava aproveitar a confusão para se alçar a primeiro-ministro. E, se isso acontecesse, dizia ele a sério, preferia o socialismo. O passado nunca o largava. (...)
Começou também a ficar progressivamente sozinho. A emigração política do PREC voltou quase toda a Portugal e a que não voltou preferiu ignorar os meios do exílio. Morreram alguns fiéis e a própria família o ia ver com menos regularidade. Insistiram com ele para que viesse à Europa, ao Sul de França, ou a Paris. Recusou. Não queria que pensassem que ele passeava pela Europa, como um turista vulgar. O Brasil era o seu lugar: um lugar de martírio.»

(Vasco Pulido Valente, Marcelo Caetano - A queda e o Exílio, Público, 17 de Agosto de 2006)

Sunday, August 20, 2006

Quem é fixe, quem é?

Embrenhado da melhor filosofia católica (refiro-me à Universidade, faculdade de Economia) de que “não há almoços grátis” (no Brasil chama-se antes a filosofia do “portuga do botequim”), o André Azevedo Alves, em comentário, não deixou de lembrar que o meu agradecimento era “plenamente justificado”. (Entretanto o AAA vai citando a seu bel-prazer frases descontextualizadas, mas eu já nem estou para me chatear.) De facto eu sou adepto da gratidão, mas o meu objectivo quando falo de O Insurgente, blogue de que sou leitor desde o princípio, não é “fazer subir os contadores de visitas”: é antes expressar a minha opinião (e tratando-se do blogue em questão, a minha discordância). De qualquer maneira eu não deixei de agradecer, da mesma maneira que o Miguel, um gajo fixe do mesmo blogue, já havia feito antes. E só espero que ele me perdoe o “soarismo” do adjectivo. Na altura nem me passou pela cabeça notar que aquele era um “agradecimento plenamente justificado”. Lá está – modéstia à parte, eu sou mesmo um gajo fixe.

...its enormous waste in eccentricity...


«Knowledge of human nature is the beginning and end of political education, but several years of arduous study in the neighborhood of Westminster led Henry Adams to think that knowledge of English human nature had little or no value outside of England. In Paris, such a habit stood in one's way; in America, it roused all the instincts of native jealousy. The English mind was one-sided, eccentric, systematically unsystematic, and logically illogical. The less one knew of it, the better.
(...)
For several years, under the keenest incitement to watchfulness, he observed the English mind in contact with itself and other minds. Especially with the American the contact was interesting because the limits and defects of the American mind were one of the favorite topics of the European. From the old-world point of view, the American had no mind; he had an economic thinking-machine which could work only on a fixed line. The American mind exasperated the European as a buzz-saw might exasperate a pine forest. The English mind disliked the French mind because it was antagonistic, unreasonable, perhaps hostile, but recognized it as at least a thought. The American mind was not a thought at all; it was a convention, superficial, narrow, and ignorant; a mere cutting instrument, practical, economical, sharp, and direct.
The English themselves hardly conceived that their mind was either economical, sharp, or direct; but the defect that most struck an American was its enormous waste in eccentricity. Americans needed and used their whole energy, and applied it with close economy; but English society was eccentric by law and for sake of the eccentricity itself.»

(The Education of Henry Adams)

Lucrécia



Scarlett Johansson vai interpretar o papel de Lucrécia Bórgia no novo filme de Neil Jordan. Abençoados irmãos Lumière.

Cartas ao editor

Os leitores dos jornais de esquerda estão preocupados com o número crescente de estudantes universitários que diz acreditar na "teoria do plano inteligente" (IDT).
Os leitores dos jornais de direita estão preocupados com o número crescente de imigrantes polacos que procura trabalho no Reino Unido.
Este leitor, que ainda não sabe se pode ou não levar um livro no raio do avião para Lisboa, decide não se preocupar com o que os outros decidem preocupar-se.

O que é que se come?

Num dos seus ensaios sobre Shakespeare, Auden pergunta retoricamente porque é que já se escreveu tanta poesia sobre sexo e tão pouca sobre o acto de comer, que proporciona o mesmo prazer e raramente desilude.
Auden deveria ter lido Henry Miller. Nesse longo poema em prosa que é o Trópico de Câncer, a preocupação dominante do narrador não é a próxima queca mas o próximo almoço.

O Bairro do Amor

Não sei se os meus colegas do 7ºD na Escola Preparatória de Sacavém se lembrarão disto, mas eu lembro-me bem.
Um dia, levei na mochila uma edição Círculo de Leitores do Trópico de Câncer com as partes mais javardolas sublinhadas a lápis. No recreio, reuni um pequeno Clube do Livro improvisado atrás do pavilhão B e recitei com brio as várias cambalhotas do senhor Henry Miller. Um colega (salvo erro, o Hugo Ferro) perguntou-me o que queria dizer o "Câncer" do título. Simultaneamente blindado e pressionado pela minha reputação de erudito da turma, não quis dar parte de fraco e respondi convictamente que Câncer era um bairro de Paris conhecido pela qualidade dos seus bordéis.

Eucaristia Dominical



Sunday morning, brings the dawn in
It's just a restless feeling by my side
Early dawning, Sunday morning
It's just the wasted years so close behind
Watch out - the world's behind you
There's always someone around you who will call
It's nothing at all

Sunday morning, and I'm falling
I've got a feeling I don't want to know
Early dawning, Sunday morning
It's all the streets you crossed not so long ago
Watch out the world's behind you
There's always someone around you who will call
It's nothing at all

Sunday Morning
Sunday Morning...


(The Velvet Underground, «Sunday Morning», The Velvet Underground & Nico)

Saturday, August 19, 2006

Cinco listas, cinco

Cinco livros que não acabei de ler:

- Dom Quixote, Cervantes
- Gargantua & Pantagruel, Rabelais
- The Avignon Quintet, Lawrence Durrell
- A Maggot, John Fowles
- Nuns and Soldiers, Iris Murdoch


Cinco ossos com nomes engraçados:

- esfenóide
- escápula
- ulna
- patela
- calcâneo


Cinco lugares onde nunca estive:

- na catedral de Chartres
- no mausoléu de Teodorico, em Ravenna
- no Nou Camp, em Barcelona
- na Old Manse, em Concord
- no Blanchette Cemetery, em Beaumont, Texas


Cinco melhores canções de Bob Dylan:

- «Just Like Tom Thumb's Blues»
- «Visions of Johanna»
- «Every Grain of Sand»
- «Love Minus Zero/No Limit»
- «Shelter From the Storm»


Cinco blogs que gostaria de ter lido:

- Santo Agostinho
- Lucrécia Bórgia
- Pêro da Covilhã
- Isaiah Berlin
- Vladimir Nabokov

Já foi feito

O Financial Times de Quinta-feira noticiava que a agência noticiosa Thomson Financial desenvolveu um software capaz de escrever peças jornalísticas em 0,3 segundos, eliminando assim a necessidade de redactores de carne e osso.
Nós, os assíduos leitores do Record e de O Jogo, já suspeitamos desse truque há anos.

Aritmética

Dois adolescentes conversam na paragem do autocarro. Um deles diz:
-- A Tracy disse que tu és giro.
-- A sério? Ela disse isso?
-- Disse, disse.
(pausa)
-- Quantas vezes?

"a love letter to America and to the english language"



«... I was still keenly interested in outdoor activities and desirous of finding suitable playgrounds in the open where I had suffered such shameful privations. Here, too, I was to be thwarted. The disappointment I must now register (as I gently grade my story into an expression of the continuous risk and dread that ran through my bliss) should in no way reflect on the lyrical, epic, tragic but never Arcadian American wilds. They are beautiful, heart-rendingly beautiful, those wilds, with a quality of wide-eyed, unsung, innocent surrender that my lacquered, toy-bright Swiss villages and exhaustively lauded Alps no longer possess. Innumerable lovers have clipped and kissed on the trim turf of old-world mountainsides, on the innerspring moss, by a handy, hygienic rill, on rustic benches under the initialed oaks, and in so many cabanes in so many beech forests. But in the Wilds of America the open-air lover will not find it easy to indulge in the most ancient of all crimes and pastimes. Poisonous plants burn his sweetheart's buttocks, nameless insects sting his; sharp items of the forest floor prick his knees, insects hers; and all around there abides a sustained rustle of potential snakes - que dis-je, of semi-extinct dragons! - while the crablike seeds of ferocious flowers cling, in a hideous green crust, to gartered black sock and sloppy white sock alike.»

Vladimir Nabokov, Lolita (cuja primeira edição americana faz hoje 48 anos)

Friday, August 18, 2006

Spot publicitário


Aproveitamos este espaço para lembrar que já só faltam dez dias.

O melhor dístico da música pop

I'm spellbound, oh ... but a woman divides
And the hills are alive with celibate cries

The Smiths, «These Things Take Time»

Bagagem permanente


Mas isto vai comigo, porque nunca saio de casa sem ele. E, com este título, estou mesmo a pedir sarilhos.

Terrorismo

A pouco mais de uma semana de um voo de duas horas e meia para Lisboa, as medidas de segurança nos aeroportos ingleses continuam a confundir-me. Depois de três telefonemas ninguém me sabe dizer se posso ou não levar um livro para bordo. Confesso-me devidamente aterrorizado.

Humor semita

Logo no programa seguinte fala-se da polémica desportiva do dia. O Chelsea apresentou queixa contra Ken Bates, presidente do clube antes da era Abramovich, por este se ter referido genericamente ao corpo directivo actual como "a load of Siberian shysters". Um advogado judeu, que trabalha para uma companhia de agentes desportivos, é chamado a pronunciar-se sobre o caso. A locutora pergunta-lhe se o epíteto "shyster" o ofendia enquanto judeu. Resposta do senhor:
--Shyster não tanto. E não é coisa que ouça muita vez. É a forma como as pessoas cospem as expressões "advogado" e "empresário de futebol" que me ofende realmente.

Choque nostálgico

Ligo o rádio às sete da manhã, descansadinho da vida, e ouço uma canção dos Roxette. Nunca julguei que a ausência de ironia me pudesse assustar tanto.

Faux pas

Um dos muitos prazeres de visitar a minha mãe é poder observar em acção alguém cuja capacidade para o faux pas é aparentemente inesgotável - superando até a minha.
No Domingo passado, um vizinho seu (um sério e educado old Tory) disse-lhe que ia passar a tarde no cemitério, a fazer pequenas obras de restauro nas campas dos seus pais. A minha mãe, que, como é seu hábito, estava já a pensar noutra coisa, respondeu alegremente:
-- Alright dear, have fun.

The Clare Vawdrey defence

Ocorreu-me que Günter Grass ainda vai a tempo de usar uma defesa literária, conhecida no patois legalês como "the Clare Vawdrey defence": alegar que enquanto ele escrevia os livros, o "outro" Grass é que andava por aí a dizer coisas.

Quotas de mulheres

O Presidente da República finalmente promulgou a lei que prevê quotas mínimas de mulheres nas listas dos partidos. A questão não é unânime à esquerda, tendo dado origem a uma interessante discussão no Caderno de Verão. Aqui eu não concordo com a posição do António Figueira, que em geral eu gosto tanto de ler.
A maior falácia usada contra as quotas é mesmo a questão do “mérito”, conforme já discuti aqui. Genericamente os deputados não têm mérito nenhum! É evidente que seria melhor fazer uma reforma em que os deputados passassem a ter mérito. É muito mais difícil, claro. Mas isso não invalida que não se avance com outras reformas necessárias. Muito cinicamente: o que é que a lei das quotas pode trazer de mau? Creio que haverá sempre lugar para os poucos deputados e deputadas competentes, pelo que o pior caso possível seria substituir-se uns quantos homens incompetentes por umas mulheres incompetentes. Ou seja, deixar tudo na mesma. Na mesma, não: uma das principais funções do Parlamento (mais do que juntar “os mais competentes”) é ser representativo. O Parlamento assim torna-se mais representativo, pelo que ficamos melhor com a lei das quotas. Queria ainda dizer ao António Figueira que, embora estas não sejam nenhuma panaceia, a esquerda não deve deixar cair de todo as engenharias sociais.

Thursday, August 17, 2006

Pequeno momento muito umbiguista



1 (1) O Avesso do Avesso 586 (+193)
2 (2) Luís Almeida 313 (+11)
3 (13) Lis Online 228 (+144)
4 (3) Substrato Blog Endrominado 222 (+59)
5 (6) Sorumbático 195 (+85)
6 (26) Diário da Roanita 166 (+118)
7 (11) Sesimbra 160 (+70)
8 (4) «Fragmagens» 155 (+30)
9 (36) . AnaBond . 150 (+112)
10 (5) Welcome to Elsinore 146 (+34)
11 (16) Klepsydra 110 (+44)
12 (10) SingleWhiteMale Blog 106 (+7)
13 (7) O céu sobre Lisboa 103 (-1)
14 (31) O Homem do Leme 97 (+55)
15 (8) M&M 94 (-9)
16 (19) Sabor a sal 88 (+28)
17 (22) Se quiseres subir ao céu... 88 (+36)
18 (15) Carlos Moura 84 (+15)
19 (18) Grilices 84 (+23)
20 (42) O Observador 77 (+43)

Obrigado a todos (e ao Blasfémias, Insurgente e Aspirina B; e já agora à Dia D). Voltem sempre.

Esta noite ouve-se


Show me where you keep all your secrets upstairs
Night after night you sleep while they're setting off flares
Someone came and took all the roses away
Now you'll sit showing me tears if you want me to stay
Cause down the street all the meters have run out of time, run out of time
I waited for you as the trees swayed out of time
In a crowded room I pick up your lonely stare
I'll cover for you like a slipcover covers a chair
But someone came and took all the roses away
It was only 5 minutes but it felt like it stretched into a day
Someone came and took all the roses away


(Yo La Tengo, «Pablo and Andrea», Electr-O-Pura)

Vergangenheitsbewältigung

... whose frolicsome black fables portray the forgotten face of history...

Que a recente admissão de Günter Grass diminua a sua legitimidade como voz moral da Alemanha pós-1945, aceita-se. Que Grass, o intelectual público, seja alvo de opróbrio é compreensível. As acusações de hipocrisia são mais do que justas, depois de quarenta anos de vitriólicos murros no púlpito sobre a forma como uma geração inteira recusou enfrentar o terrível embaraço daquelas duas décadas. Mas encaminhar o debate para uma reavaliação da sua obra (há quem sugira, na Alemanha, a devolução do Nobel) parece-me ridículo e sinal de que, mais uma vez, se está a confundir uma coisa com outra.
O delito de omissão foi cometido por Grass, o comentador cultural. Não pode nem deve afectar o lugar de Grass, o escritor, no cânone literário. Os delitos desse, se existem, são de outra ordem, e nada têm a ver com as instituições militares a que ele aderiu quando tinha 17 anos.
Se o "Grassgate" prova alguma coisa é que o instrumento de eleição do escritor deveria ser sempre, e apenas, a página, não o altifalante.

(Nota: ler, sobre este tema, dois excelentes apontamentos do Pedro Mexia - este e este.)

Wednesday, August 16, 2006

The superior of all is the servant of all


Black Narcissus, da dupla Powell/Pressburger. Um dos filmes mais belos e perturbantes da história do cinema.

Sal na ferida

Penso ser essa uma das razões do sucesso de Ricky Gervais (a outra é, obviamente, puro talento), que sublimou um tipo de comédia que força uma relação empática baseada na vergonha, e nos mostra que a maioria da humanidade vive apenas a um passo do ridículo. Numa entrevista à BBC, Gervais disse que ver um homem escorregar numa casca de banana pode ser engraçado, mas a comédia que lhe interessa é a do homem que escorrega numa casca de banana no preciso momento em que a ex-namorada passa do outro lado da rua, de braço dado com um homem mais alto e mais magro que ele.
E isto não é, como já li, "tratar os personagens com sadismo". Porque o sal está a ser meticulosamente esfregado também nas feridas de quem vê.

Vergonhas

Se a humanidade se divide mesmo em dois tipos de pessoas, como tantos humoristas insistem, então o critério de separação é a forma como reagimos perante a vergonha alheia. Não a desgraça, mas a vergonha. Há os que riem e pensam "que ridículo" - e depois há os que se solidarizam em silêncio, que escondem o rosto e pensam "aquilo podia ser eu".
Eu pertenço ao segundo grupo, que julgo (espero) ser o mais numeroso. A vergonha dos outros é sempre um bocadinho a minha vergonha.

... always playing leap-frog...


«He never forgot the first two or three social functions he attended: one an afternoon at Miss Burdett Coutts's in Stratton Place, where he hid himself in the embrasure of a window and hoped that no one noticed him; another was a garden-party given by the old anti-slavery Duchess Dowager of Sutherland at Chiswick, where the American Minister and Mrs. Adams were kept in conversation by the old Duchess till every one else went away except the young Duke and his cousins, who set to playing leapfrog on the lawn. At intervals during the next thirty years Henry Adams continued to happen upon the Duke, who, singularly enough, was always playing leap-frog. Still another nightmare he suffered at a dance given by the old Duchess Dowager of Somerset, a terrible vision in castanets, who seized him and forced him to perform a Highland fling before the assembled nobility and gentry, with the daughter of the Turkish Ambassador for partner. This might seem humorous to some, but to him the world turned to ashes.»

(The Education of Henry Adams)

O mistério de Ettore Majorana continua a intrigar

...ou a demonstração do pluralismo da secção de Ciência do Público. Artigo publicado no Público de 13 de Agosto.



Ettore Majorana, um influente físico teórico italiano, desapareceu aos 31 anos em circunstâncias nunca explicadas. Passaram esta semana 100 anos sobre o seu nascimento e a especulação em torno do que se terá passado aumentou. Terá ele encenado o seu sumiço? A questão é controversa.
Majorana foi aluno de doutoramento de Enrico Fermi, que em conjunto com Paul Dirac introduziu o conceito de fermião (daí o nome), o tipo de partículas que constituem a matéria ao nível mais elementar, englobando os quarks e os leptões (como o electrão), e que têm um comportamento quântico distinto dos bosões (partículas que constituem a radiação). Cada fermião tem uma antipartícula, com a mesma massa e cargas diferentes: por exemplo, o antielectrão é o positrão.
Majorana aprofundou o trabalho de Fermi e Dirac, verificando que em certas circunstâncias existe um tipo de fermiões (chamados justamente de Majorana) que são a sua própria antipartícula, Foi o primeiro a propor que os neutrinos poderiam ter massa, algo que só em 1998 foi confirmado experimentalmente. Para Fermi, Majorana era um génio só comparável a Newton ou Galileu.
A produção científica de Majorana é muito influente, mas foi curta, pois o cientista desapareceu numa viagem de barco entre Palermo e Nápoles. Embora o caso tenha sido investigado, o seu corpo nunca foi encontrado.
Tal facto permitiu toda uma série de especulações sobre se Majorana se teria suicidado, teria sido raptado ou simplesmente estaria ainda vivo com outra identidade. Houve mesmo quem dissesse que seria um sósia seu que estaria no barco. O físico Erasmo Recami publicou um livro onde investiga a possibilidade de mais tarde Majorana ter vivido na Argentina.
Recentemente, surgiram hipóteses mais abstrusas. Num artigo disponível em http://www.arxiv.org, o físico ucraniano Oleg Zaslavskii, da Universidade Karazin Kharkiv, propôs que esta ambiguidade à volta do seu destino poderia ser uma simulação concebida pelo próprio Majorana para demonstrar a sobreposição quântica, segundo a qual uma partícula pode existir simultaneamente em dois estados quânticos mutuamente exclusivos. A proposta não é credível e não pode ser levada à letra. Já foi desmontada em blogues de cientistas, como o de Andrew Jaffe, do Imperial College, ou o português My Guide to Your Galaxy.
Na base da proposta estão as mensagens que Majorana enviou antes de desaparecer a Antonio Carrelli, director do Instituto de Física da Universidade de Nápoles, onde trabalhava.
Carrelli recebeu um telegrama de Palermo em que Majorana lhe pede que ignore uma carta que lhe teria escrito antes. Na carta, Majorana anuncia para breve o seu "desaparecimento repentino". Segue-se ainda outra missiva, onde Majorana revela que "o mar o recusou" e, como tal, regressaria no dia seguinte, "junto com esta carta", embora renunciasse ao seu cargo. A carta chegou, mas Majorana nunca regressou a Nápoles.
Numa passagem Majorana diz esperar que "o telegrama e a carta tenham chegado juntos". Estaria Majorana, de carácter introspectivo e pouco sociável, de alguma forma afectado pela nova teoria da Mecânica Quântica?
No romance La Scomparsa di Majorana, de 1975, editado em português pela Rocco, o escritor Leonardo Sciascia, siciliano como Majorana, propõe que este decidira desaparecer por ter previsto a invenção da bomba atómica, e por recear que Mussolini e Hitler pudessem utilizar o seu trabalho com esse objectivo. Supõe que o cientista, profundamente católico, estaria retirado num mosteiro.
Esta perspectiva de Majorana como crente é reforçada num artigo na última edição da revista CERN Courier, no qual o físico Antonino Zichichi relata que, segundo o seu confessor, Monsenhor Riccieri, Majorana experimentara crises místicas, mas que a hipótese de suicídio no mar deveria ser excluída. O resto Riccieri não poderia revelar, por segredo de confissão. Cem anos depois do seu nascimento, o destino e as motivações de Majorana permanecem um mistério.


Nota: Foi-me pedido que escrevesse sobre o centenário de Majorana e o referido artigo de Oleg Zaslavskii, que apesar de não ter credibilidade foi noticiado no New Scientist. Não dei deliberadamente grande destaque ao referido artigo, e fiz questão de incluir as melhores refutações que encontrei. Uma delas foi no blogue português My Guide to Your Galaxy, escrito por um estudante de física ultraliberal e antiesquerdista primário, destaque frequente no Insurgente. Como não poderia deixar de ser - mas nesta altura não deixa de ser bastante irónico... - o autor deste blogue, Sérgio dos Santos, estudante do Instituto Superior Técnico, no mesmo curso que eu, já escreveu um artigo... na Dia D!
O meu artigo foi submetido à editora de Ciência na sexta feira e publicado no domingo, bem antes de toda esta polémica despoletar. É um pequeno exemplo, mas espero que demonstre ao João Miranda que as minhas palavras sobre "a ciência de qualidade não ter credo, ideologia ou nacionalidade" não são só meras palavras ou declaração de intenções. São para levar a sério. A ciência de qualidade, qualquer que seja a sua origem, tem lugar na secção de Ciência do Público e em qualquer coisa escrita por mim... Gostaria de poder dizer o mesmo (mas não posso) do Blasfémias, e muito menos do Insurgente...

Tuesday, August 15, 2006

“Junk science” o quê?

O João Miranda tem o direito de pensar o que quiser sobre a ciência que eu faço para escrever textos como este. Já o usar o termo “anacleto” quando se refere a mim, parece-me desonesto, ainda mais num texto sobre ciência. Não é de agora que o João me lê. Não é de agora que ele sabe que eu tenho sérias divergências com o Bloco em assuntos científicos. Traduzidas em textos meus como este (com a ressalva de Francisco Louçã ser ele próprio um economista bastante competente, apesar de não entrar no Dia D). Ou este. E sobretudo textos como este, este e este, no Blogue de Esquerda, dedicados a desmontar baboseiras ditas por bloquistas e outros tipos de animadores culturais. O último valeu-me uma certa animosidade por parte do assessor de imprensa, manifestada mais tarde, uma vez mais a propósito da ciência (ler os comentários).
E falar na “falta de pluralismo” na secção de ciência do Público parece-me disparatado. Quanto muito deveria haver pluralismo nas diferentes áreas científicas que são cobertas e esse existe. Agora o conceito de pluralismo em ciência é discutível. Ao contrário de muitas luminárias (infelizmente) de esquerda, eu acredito que existe algo que pode ser classificado como “verdade”, e o objectivo da ciência é descobri-lo. Acredito que pode definir-se, dentro de certos limites, se algo é ou não “verdade”, e a partir daí deixa de haver espaço para “pluralismo”. Este conceito é muito mais fácil de definir nas ciências exactas (certas luminárias infelizmente de esquerda nem devem acreditar na existência de ciências exactas). Mas embora também existam sem dúvida “verdades” em Economia, esta não é uma ciência exacta. Ao contrário do que o João Miranda nos tenta convencer, há lugar para pluralismo em Economia. Em particular, é possível mesmo – suprema ousadia! - não concordar com ele! É tudo uma questão de condições fronteira, como eu disse uma vez.
Só se o João Miranda está preocupado com o pluralismo político da secção de ciência. Mas aí, embora eu não faça a mínima ideia do posicionamento político dos meus colegas, e nunca tenha falado de política desde que lá estou, asseguro-lhe que tal é irrelevante na referida secção. Conforme já escrevi repetidamente – ler por exemplo os comentários deliciosos a este texto – a ciência de qualidade não tem e nem pode ter ideologia, nacionalidade, credo… O que não significa que os cientistas – que são homens e mulheres – não os tenham: é evidente que os têm. Grave seria que argumentos de ideologia, nacionalidade ou credo contassem para alguma coisa em ciência, e que devido a eles a boa ciência ficasse pelo caminho. (No caso da secção de ciência de um jornal, que deixasse de ser publicada.) Se é essa a acusação do João Miranda à secção de Ciência do Público, ela não tem qualquer fundamento. Embora não me caiba a mim demonstrar nada, tentarei reforçar o que disse com um exemplo recente de um texto que me deu muito gosto escrever (e que já tinha intenção de pôr aqui de qualquer maneira). Já a seguir.

R de Rendo-me, T de Tens razão

A lista de nomeados para o Booker Prize foi hoje anunciada. Entre os nomeados está mais uma vez David Mitchell, que para além de escrever muito bem é um mestre na arte menor da entrevista literária (exemplo aqui).
Antes de se mudar para a Irlanda, Mitchell viveu vários anos no Japão. Foi-lhe perguntado um dia, num programa da BBC Radio 4, se tinha aprendido japonês. Ele disse que não, qualificando: "Consigo discutir com uma mulher em japonês, mas não consigo ganhar a discussão."
O que é uma resposta engraçada mas, ora bolas, se o critério é esse eu nem português sei falar.

Karma Almeida II

O meu professor de Francês na Escola Luísa de Gusmão costumava profetizar, sempre que um aluno cometia um erro particularmente grave:
-- Vocês vão ser todos almeidas, é o que vocês vão ser.

Karma Almeida

O cantor Boy George começou ontem a cumprir a sua pena de serviços comunitários, recolhendo lixo nas ruas de Nova Iorque. O que é uma inversão interessante da tendência recente: dar contratos discográficos a pessoas que deveriam andar a varrer os estádios depois dos concertos.

Propriedades dos sólidos


«Also in this [our Lord] showed me a little thing, the quantity of a hazel-nut, in the palm of my hand (...) And in this little thing I saw three properties. The first is that God made it, the second that God loveth it, the third that God keepeth it.»

(Dame Julian of Norwich, Revelations of Divine Love)

Colecção Rau

Retrato de uma jovem, B. Luini, 1525


Nestes dias em que Lisboa está deliciosamente deserta aproveite para ir ao Museu Nacional de Arte Antiga ver, antes que termine, a belíssima Colecção Rau.
Gustav Rau, médico que dedicou a sua vida a acções humanitárias, legou esta valiosíssima colecção à UNICEF e nós, ao visitá-la, estamos também a contribuir para os meritórios fins dessa organização.


S. Domingos em oração, El Greco, 1600-1610

Blog Archive