Thursday, August 30, 2007
Kiluanji Kia Henda em Sines
Kiluanji Kia Henda (1979) nasceu em Luanda, onde vive e trabalha. Viajou pelas várias províncias de Angola e dessas viagens resultou o trabalho "4.ª Dimensão", no âmbito da I Trienal de Luanda.
Está agora, até 30 de Setembro, a mostrar as suas interessantes fotografias no Centro de Artes de Sines em exposição denominada «Ngola Bar».
A grande transferência do defeso (sem contar com a do Celsinho)
James Wood passou-se da terceira melhor revista do mundo para a segunda melhor revista do mundo, acto que suscitou os seguintes comentários ao editor da terceira melhor revista do mundo:
“The New Republic plays many significant roles in American culture, and one of them is to find and to develop writers with whom The New Yorker can eventually staff itself.”
“It’s pointless to be angry at rich people for shopping.”
(O ranking é flutuante, mas não-negociável. A New Republic era, até Julho deste ano e em virtude de ter Wood nos seus quadros, a segunda melhor revista do mundo. A New Yorker era a terceira, porque tinha [e tem] o Anthony Lane e o Louis Menand. A tranferência de Wood não pode senão resultar em imediata re-hierarquização. A New Republic não desce mais lugares apenas porque continua a enviar-me links gratuitos por mail, apesar de a minha subscrição já ter caducado há meses. A quarta melhor revista do mundo é a Prospect. A primeira é tão óbvia que vou aproveitar o espaço tipográfico destinado ao seu nome para escrever outra palavra, precedida de artigo definido, nomeadamente, "o Celsinho".)
Wednesday, August 29, 2007
Eduardo Prado Coelho (1944-2007)
Foi graças a Eduardo Prado Coelho que entrei no mundo dos blogues. Foi numa das suas crónicas diárias no "Público", onde teria alegadamente catalogado o pobre Pedro Mexia como "de extrema direita". Na resposta o Pedro Mexia referiu que as suas posições políticas estavam disponíveis, para quem quisesse julgá-las, em http://colunainfame.blogspot.com/ Graças às precipitações e simplismos de Eduardo Prado Coelho, cheguei aos blogues antes da maioria das pessoas e pude acompanhar dia a dia um dos melhores blogues portugueses de sempre. Devo-lhe isso.
O curiosos é que o (saudoso) EPC foi talvez o primeiro blóguer português. A sua (igualmente saudosa) coluna diária "o Fio do Horizonte", no Público, não diferia em nada de um blogue, no estilo ou no conteúdo. EPC foi um blóguer que nunca precisou de ter um blogue.
Guerras dinásticas no BCP
Tuesday, August 28, 2007
As saudades que eu vou ter do Channel 4
Não há, infelizmente, bons programas sobre Ciência em número suficiente para se poder detectar padrões de influência, mas quer-me parecer que já se pode falar em dois modelos distintos. O «modelo Sagan» implica um escopo megalómano e aposta na figura do cientista como educador deslumbrado; a câmara e o texto acompanham o pasmo sapiente do apresentador. Isto continua a funcionar, mas apenas na medida em que funcionaria numa sala de aula: a figura central tem de ser forçosamente imaginável como um bom professor. Carl Sagan era televisionável de uma forma bastante idiossincrática, mas julgo (e falo como alguém formado nas zonas de guerra da Penha de França e da linha da Azambuja) que seria difícil respeitá-lo como professor. Em termos muito primitivos: parece-me que seria tristemente fácil dar porrada em Carl Sagan. Dois meses na C+S de Sacavém e o senhor já estaria na fila da Segurança Social a meter os papéis para a baixa.
O segundo modelo - Richard Dawkins - é um caso diferente, e urge que comece a formar descendentes. A área de intervenção é usualmente mais restrita e a abordagem não é tanto pedagógica como militar. Há algo do hooligan inglês em Dawkins que intimidaria o mais veterano bully de bairro. É transtornantemente fácil imaginá-lo a interromper um debate sobre processos não-adaptativos quebrando um tubo de ensaio no rebordo da mesa e gritando para um colega indefeso: "Dr. Gould, are you calling me a cunt?"
Quando Dawkins perde a compostura, há qualquer coisa que cede no seu rosto: o efeito é comparável ao desenrolar da súbita avalanche que revela um vulcão inesperada e perigosamente activo. Para deleite do telespectador, Dawkins irrita-se com uma facilidade desconcertante. Isto de uma pessoa se irritar é um talento como qualquer outro: trabalha-se e desenvolve-se. E, justiça lhe seja feita, Dawkins coloca-se perante situações e pessoas eminentemente irritantes.
The Enemies of Reason foi o seu mais recente documentário, transmitido em duas partes pelo Channel 4. Foi também o último programa de televisão que vi em Inglaterra e a despedida não poderia ter sido melhor. Os alvos da guerrilha - médiuns, espanta-espíritos, cartomantes, homeopatas, mercadores de horóscopos e outros charlatães avulsos - podem parecer demasiado fáceis, mas todos eles praticam os dois pecados capitais da teologia Dawkinsiana: acreditam em coisas sem evidências e/ou utilizam jargão pseudo-científico para insuflar de credibilidade aldrabices místicas.
Isto, mais do qualquer outro fenómeno, desperta o Hulk que há em Dawkins. Submetendo-se com admirável restrição a processos de realinhamento de chakras, e mantendo todos os sinais exteriores de tolerância enquanto uma senhora o informa que só faltava "colocar o último triângulo", Dawkins quase explode quando alguém lhe começa a falar em "energias psíquicas" ou "terapia quântica".
Grande parte do seu arsenal céptico é dirigido à Homeopatia, uma prática fundada sobre a premissa de que a água se lembra de coisas. Perito após perito garantiu que o ingrediente activo nos medicamentos homeopáticos é tão mais poderoso quanto a solução for diluída (uma variação histérica do Mitridatismo), porque a água retém uma "memória molecular" desse mesmo ingrediente. Dawkins colocou a objecção óbvia: se concedermos que a água retém de facto essa memória - e isto não é suportado por qualquer princípio Físico conhecido - então teremos de admitir que a mesma memória se estende a outras substâncias, nomeadamente flúor, petróleo e o mijo das criancinhas da Fonte da Telha. É que a água é um líquido notoriamente promíscuo. A água, meus amigos, anda por aí que nem uma rameira leviana. Mas para os praticantes da homeopatia, a água está vestida de branco, algures no paraíso, a lembrar-se só das coisas certas. E enquanto um estudante de medicina tem de andar cinco anos a navegar esgotamentos e a estudar vinte horas por dia antes de poder pensar em exercer, um charlatão ambicioso que queira abrir um consultório de homeopatia (prática que tem agora direito a fundos do NHS, apesar de não estar sujeita a regulamentação governamental) não necessita de qualquer qualificação, ou sequer de um seguro. O que até faz todo o sentido, uma vez que os senhores se limitam a prescrever água mineral - ainda que da variante não-amnésica.
A Homeopatia tem um historial relativamente decente de pesquisas inconclusivas, embora alguns dos seus praticantes mais honestos se orgulhem de uma disparidade evidente no efeito placebo em relação à medicina convencional. Esta disparidade parece-me fácil de explicar quando comparamos um típico centro de atendimento do Serviço Nacional de Saúde com um típico salão do pessoal dos cristais. De um lado, atrasos crónicos, má-educação institucionalizada e salas de espera claustrofóbicas que se assemelham muitas vezes a entrepostos de germes; do outro, higiene fulgurante, flautas de pã, plantinhas pelos cantos, e o patois tranquilizante e xaroposo da balela pseudo-mística. Não admira que os tratamentos inertes surtam efeitos superiores. Eu próprio, depois ver Dawkins deitado num colchão imaculado durante cinco minutos, ao som de música dos andes, senti a minha constipação a dissipar-se.
Mas Dawkins depressa deixou outra vez os seus chakras de pantanas. Bufando e revirando os olhos para a câmara a intervalos regulares, enquanto se dedica a actividades tão enriquecedoras como passear por uma feira New Age ou participar numa sessão de espiritismo, Dawkins apresenta toda a satisfação predatória de um gajo a enfiar o carregador na pistola. Por vezes a dúvida instala-se: não estará ele a levar aquilo demasiado a sério? Ele próprio se questiona, sensivelmente a meio do programa: "Am I taking this too seriously?" Isto meros dois minutos depois de alguém lhe ter prometido despertar todo o seu DNA dormente.
É difícil não pensar que sim, mas mais difícil é não partilhar a sua incredulidade para com o desprezo que pessoas aparentemente inteligentes reservam para os alicerces da civilização.
O astrólogo do Observer, Neil Spencer, esteve muito, muito perto de admitir que não acreditava no método científico, mas acabou por se fixar num ligeiramente menos comprometedor "I don't believe in the experiment you're proposing". O "experiment" que o Dawkins lhe "propose" era uma simples análise estatística da validade das suas previsões astrológicas, um instrumento que pode servir para muita coisa, mas que por alguma razão misteriosa não deve ser "arrogantemente" aplicado à perturbante problemática de os Sagitários serem todos um bocado reles.
É difícil não pensar que sim, mas mais difícil é não partilhar a sua incredulidade para com o desprezo que pessoas aparentemente inteligentes reservam para os alicerces da civilização.
O astrólogo do Observer, Neil Spencer, esteve muito, muito perto de admitir que não acreditava no método científico, mas acabou por se fixar num ligeiramente menos comprometedor "I don't believe in the experiment you're proposing". O "experiment" que o Dawkins lhe "propose" era uma simples análise estatística da validade das suas previsões astrológicas, um instrumento que pode servir para muita coisa, mas que por alguma razão misteriosa não deve ser "arrogantemente" aplicado à perturbante problemática de os Sagitários serem todos um bocado reles.
O único grupo disposto a submeter-se a um double-blind trial foi o dos water dowsers, aquelas pessoas patuscas que se acham capazes de descobrir lençóis de água subterrâneos com a ajuda de um cabide. Os resultados - previsivelmente catastróficos - foram recebidos com desculpas - previsivelmente esfarrapadas. Se a água não adivinhada tiver de facto boa memória, há-de passar anos a rir-se do incidente.
Entretanto, Deepak Chopra e outras luminárias da indústria das "terapias alternativas" formaram filas ordeiras diante da câmara para debitar os clichés da praxe (a "arrogância da ciência moderna" e baboseiras afins). Foi algo surpreendente, mas tristemente apropriado, que o maior chorrilho de disparates tenha surgido, não de um curandeiro de Vilar de Perdizes, mas de Steve Fuller, um sociólogo da Universidade de Warwick, comicamente à deriva na retórica exasperantemente frívola das piores caricaturas das Ciências Sociais. Segundo as minhas trémulas notas, a posição de Fuller é qualquer coisa como: «Qual é a autoridade do Presidente da Royal Society para eu aceitar as suas afirmações sobre o funcionamento do Mundo?» A implicação é de que o conhecimento científico pode não ser objectivo, mas apenas uma codificação das ideologias dominantes e relações de poder da cultura que o produziu.
Entretanto, Deepak Chopra e outras luminárias da indústria das "terapias alternativas" formaram filas ordeiras diante da câmara para debitar os clichés da praxe (a "arrogância da ciência moderna" e baboseiras afins). Foi algo surpreendente, mas tristemente apropriado, que o maior chorrilho de disparates tenha surgido, não de um curandeiro de Vilar de Perdizes, mas de Steve Fuller, um sociólogo da Universidade de Warwick, comicamente à deriva na retórica exasperantemente frívola das piores caricaturas das Ciências Sociais. Segundo as minhas trémulas notas, a posição de Fuller é qualquer coisa como: «Qual é a autoridade do Presidente da Royal Society para eu aceitar as suas afirmações sobre o funcionamento do Mundo?» A implicação é de que o conhecimento científico pode não ser objectivo, mas apenas uma codificação das ideologias dominantes e relações de poder da cultura que o produziu.
Tudo isto ecoou na memória com deprimente familiaridade: trata-se de uma reciclagem séria e quase verbatim do nonsense deliberado com que Alan Sokal tentou desmascarar o vácuo relativista que passa por pensamento nos recantos mais sombrios dos departamentos de Estudos Culturais. Nestes universos paralelos, cuja origem remonta a um texto de Thomas Kuhn extravagantemente mal interpretado por duas ou três gerações de professores de Humanidades (e que era a bíblia de dois ou três professores da FLUL no tempo em que lá andei), a evolução da ciência é sociologicamente determinada, e os oceanos estão cheios de gotas de água oprimidas, impedidas de cumprir o seu potencial pelos paradigmas artificiais reinantes.
Enfim, um cenário de ir à bruxa. E neste combate, pelo menos, a agressividade de Dawkins (por vezes tão exagerada quando se volta para a religião) é enfaticamente bem-vinda.
Monday, August 27, 2007
O Trabalho, o Consumo, a Informática e o Futuro
Faz hoje exactamente 18 anos que se iniciou o IFIP 11º World Computer Congress em S. Francisco cujos proceedings foram publicados em livro com a capa que ilustra este post.
A IFIP, International Federation for Information Processing, reuniu neste evento de 1989 milhares de profissionais e académicos de todo o mundo.
Aconteceu por acaso que descobri recentemente, no meio dos meus papéis, a versão portuguesa da comunicação que apresentei ao congresso, intitulada "O Trabalho, o Consumo, a Informática e o Futuro".
Foi apresentada no âmbito do "Track 11: COMPUTERS AND SOCIETY - The Quest for the Future" e continha o resultado das minhas reflexões, na sequência do XII Congresso do PCP ocorrido no final de 1988.
É, para mim, interessante verificar que esbocei então a maior parte das ideias chave que ainda hoje perfilho no plano político. Coisas como:
"A motivação para este texto advém do convencimento de que, tal como noutras fases da história da sociedade humana, uma profunda mutação nos instrumentos de trabalho não pode deixar incólumes as relações de produção e a própria organização social.
A automatização da produção material, das tarefas administrativas, e de muitas áreas da produção intelectual, já hoje em curso mas que virá a sofrer uma intensificação brutal, tenderá a romper o actual equilíbrio social e económico."
...
"A relação de assalariamento está, actualmente, sujeita a um processo de decomposição tanto no plano quantitativo (desemprego, trabalho em "part-time", redução da população activa pela limitação do acesso dos jovens e mulheres, reformas antecipadas) como no plano qualitativo (emprego temporário, sub-contratação, trabalho clandestino, trabalho na administração publica)."
...
"Por todas as razões anteriormente explicitadas o modo de produção capitalista entrou na sua fase de transição para uma sociedade de novo tipo. As condicionantes técnicas que "justificaram" o assalariamento maciço (a grande industria e depois, por cópia, os grandes escritórios) já não se verificam. Os grandes conjuntos de máquinas operadas por numerosos homens, num mesmo local e ao mesmo tempo, resultado de um enorme investimento, estão a dar lugar aos cérebros humanos (por natureza isolados) produzindo em qualquer lugar e a qualquer hora, em cooperação uns com os outros pelo recurso à tecnologia.
A luta de classes milenar transferir-se-á agora para o domínio da posse da informação e dos meios de a transportar. Assim se percebe facilmente todas as "guerras", entre os estados e as transnacionais, pelo domínio das telecomunicações."
É reconfortante verificar que os 18 anos passados não tornaram irrelevantes, pelo contrário, as
preocupações subjacentes ao texto. Quem quiser ler o texto completo pode ir AQUI.
A IFIP, International Federation for Information Processing, reuniu neste evento de 1989 milhares de profissionais e académicos de todo o mundo.
Aconteceu por acaso que descobri recentemente, no meio dos meus papéis, a versão portuguesa da comunicação que apresentei ao congresso, intitulada "O Trabalho, o Consumo, a Informática e o Futuro".
Foi apresentada no âmbito do "Track 11: COMPUTERS AND SOCIETY - The Quest for the Future" e continha o resultado das minhas reflexões, na sequência do XII Congresso do PCP ocorrido no final de 1988.
É, para mim, interessante verificar que esbocei então a maior parte das ideias chave que ainda hoje perfilho no plano político. Coisas como:
"A motivação para este texto advém do convencimento de que, tal como noutras fases da história da sociedade humana, uma profunda mutação nos instrumentos de trabalho não pode deixar incólumes as relações de produção e a própria organização social.
A automatização da produção material, das tarefas administrativas, e de muitas áreas da produção intelectual, já hoje em curso mas que virá a sofrer uma intensificação brutal, tenderá a romper o actual equilíbrio social e económico."
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"A relação de assalariamento está, actualmente, sujeita a um processo de decomposição tanto no plano quantitativo (desemprego, trabalho em "part-time", redução da população activa pela limitação do acesso dos jovens e mulheres, reformas antecipadas) como no plano qualitativo (emprego temporário, sub-contratação, trabalho clandestino, trabalho na administração publica)."
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"Por todas as razões anteriormente explicitadas o modo de produção capitalista entrou na sua fase de transição para uma sociedade de novo tipo. As condicionantes técnicas que "justificaram" o assalariamento maciço (a grande industria e depois, por cópia, os grandes escritórios) já não se verificam. Os grandes conjuntos de máquinas operadas por numerosos homens, num mesmo local e ao mesmo tempo, resultado de um enorme investimento, estão a dar lugar aos cérebros humanos (por natureza isolados) produzindo em qualquer lugar e a qualquer hora, em cooperação uns com os outros pelo recurso à tecnologia.
A luta de classes milenar transferir-se-á agora para o domínio da posse da informação e dos meios de a transportar. Assim se percebe facilmente todas as "guerras", entre os estados e as transnacionais, pelo domínio das telecomunicações."
É reconfortante verificar que os 18 anos passados não tornaram irrelevantes, pelo contrário, as
preocupações subjacentes ao texto. Quem quiser ler o texto completo pode ir AQUI.
Andebol, basquetebol, mão; futebol, pé
É a máxima de Paulo Bento, se bem se recordam, há cerca de um ano, a seguir ao golo sofrido com a mão no jogo Sporting-Paços de Ferreira (foi divulgada na célebre rábula do Gato Fedorento). Está na altura de o Paulo Bento a ensinar ao Stoikovic, em tratando-se de atrasos feitos por colegas de equipa. Ou então, de pôr o Rui Patrício a jogar. (Eu sabia que haveria de ter saudades do Ricardo.)
(PS: O mais cómico era ver, nos comentários da TVI, Jorge Coroado a criticar a decisão do árbitro de marcar livre indirecto, uma vez que Polga, supostamente, “não teria a intenção de passar a bola ao guarda-redes”. Ó Jorge Coroado, qual seria a intenção do Polga ao atirar a bola no sentido da baliza, marcar autogolo?
(PS: O mais cómico era ver, nos comentários da TVI, Jorge Coroado a criticar a decisão do árbitro de marcar livre indirecto, uma vez que Polga, supostamente, “não teria a intenção de passar a bola ao guarda-redes”. Ó Jorge Coroado, qual seria a intenção do Polga ao atirar a bola no sentido da baliza, marcar autogolo?
Sunday, August 26, 2007
A melhor da semana passada - 2
"Se António Costa quisesse verdadeiramente fazer alguma coisa de útil pelo Terreiro do Paço, tratava de dar ao Metro um prazo impreterível para terminar ou desistir das eternas obras do túnel à beira-Tejo, cuja necessidade imperiosa, aliás, está por provar. Terminar com aqueles vergonhosos tapumes que escondem o rio, pôr fim àquela incompetente empreitada que dura há uma década e devolver à cidade o Cais das Colunas e o Terreiro do Paço tal como ele era, isso sim, era um serviço prestado a Lisboa."
Miguel Sousa Tavares, Expresso 25 Agosto 2007
Eu preferia quando a Eufémia era vermelha
E eis que em plena silly season surge algum facto político para animar: a invasão de uma herdade de cultivo de milho transgénico no Algarve por membros (de diversas nacionalidades) de um grupo com um nome bem português: “Verde Eufémia”.
A reacção da comunicação social portuguesa foi de escândalo pela “invasão da propriedade privada” para destruição de uma “plantação legal”. O facto de a plantação ser legal é importantíssimo e meu ver é o que mais merece ser discutido. Ninguém tentou saber, porém, quem trabalhava na referida herdade e em que condições. O que interessa é que é “propriedade privada”. Quem torna a referida propriedade produtiva está, ainda assim, a trabalhar em “propriedade privada”, e isso é o mais importante de tudo.Este é um triste sinal dos tempos em que vivemos, em que “Torre Bela” é só nome de documentário.
De entre os jornais que só se importaram com a defesa da propriedade, o mais assanhado foi o “Diário de Notícias”. João Pedro Henriques, um jornalista que eu habitualmente respeito e considero muito, nas questões que coloca numa entrevista a Miguel Portas chega ao cúmulo do dislate, ao comparar a invasão da plantação de milho transgénico com uma suposta invasão da casa do eurodeputado por este fumar. Miguel Portas estaria a fumar em sua casa, algo que só diz respsito a si e à sua família. O milho transgénico, que eu saiba, não era para consumo pessoal e pode vir a ser consumido por toda a gente.
Dito isto, tenho realmente pena que os activistas, com tantos crimes ecológicos que se cometem pelo Algarve e por Portugal fora, se concentrem exclusivamente no milho transgénico. Esta é a questão que vale a pena debater, e para isso precisamos de especialistas, que eu não sou. Mas até prova em contrário eu sou favorável ao cultivo de transgénicos. Creio que as suas vantagens superam em muito os seus inconvenientes. As alternativas são o recurso a produtos químicos poluentes, que têm um impacto ambiental muito superior aos transgénicos. Ou então – e esse é com certeza o sonho da “Verde Eufémia” – um regresso à agricultura biológica. Eu conheço vários adeptos da agricultura biológica, de várias nacionalidades, todos burgueses de esquerda. A produção da agricultura biológica talvez chegue para os alimentar a eles. Talvez dê para alimentar pequenos produtores do campo com pequenas hortas. Mas nunca uma produção exclusivamente biológica permitirá fornecer todos os supermercados de uma região como a Área Metropolitana de Lisboa. Chegará para fornecer, quanto muito, o “El Corte Inglés”. Um dos principais objectivos da esquerda deve ser dar comida a toda a gente e isso, com a actual demografia, só é possível com uma agricultura de massa. Era bom que a esquerda percebesse isso.
(Encontro-me numa aldeia do distrito de Aveiro, numa casa de família com uma pequeno pomar de frutas que são biológicas desde que os meus avós morreram. Frequentemente, para me entreter, apanho um cesto de deliciosas peras. Dois ou três dias depois, metade das deliciosas peras biológicas estão boas para voltarem para a horta e servirem de adubo.)
A reacção da comunicação social portuguesa foi de escândalo pela “invasão da propriedade privada” para destruição de uma “plantação legal”. O facto de a plantação ser legal é importantíssimo e meu ver é o que mais merece ser discutido. Ninguém tentou saber, porém, quem trabalhava na referida herdade e em que condições. O que interessa é que é “propriedade privada”. Quem torna a referida propriedade produtiva está, ainda assim, a trabalhar em “propriedade privada”, e isso é o mais importante de tudo.Este é um triste sinal dos tempos em que vivemos, em que “Torre Bela” é só nome de documentário.
De entre os jornais que só se importaram com a defesa da propriedade, o mais assanhado foi o “Diário de Notícias”. João Pedro Henriques, um jornalista que eu habitualmente respeito e considero muito, nas questões que coloca numa entrevista a Miguel Portas chega ao cúmulo do dislate, ao comparar a invasão da plantação de milho transgénico com uma suposta invasão da casa do eurodeputado por este fumar. Miguel Portas estaria a fumar em sua casa, algo que só diz respsito a si e à sua família. O milho transgénico, que eu saiba, não era para consumo pessoal e pode vir a ser consumido por toda a gente.
Dito isto, tenho realmente pena que os activistas, com tantos crimes ecológicos que se cometem pelo Algarve e por Portugal fora, se concentrem exclusivamente no milho transgénico. Esta é a questão que vale a pena debater, e para isso precisamos de especialistas, que eu não sou. Mas até prova em contrário eu sou favorável ao cultivo de transgénicos. Creio que as suas vantagens superam em muito os seus inconvenientes. As alternativas são o recurso a produtos químicos poluentes, que têm um impacto ambiental muito superior aos transgénicos. Ou então – e esse é com certeza o sonho da “Verde Eufémia” – um regresso à agricultura biológica. Eu conheço vários adeptos da agricultura biológica, de várias nacionalidades, todos burgueses de esquerda. A produção da agricultura biológica talvez chegue para os alimentar a eles. Talvez dê para alimentar pequenos produtores do campo com pequenas hortas. Mas nunca uma produção exclusivamente biológica permitirá fornecer todos os supermercados de uma região como a Área Metropolitana de Lisboa. Chegará para fornecer, quanto muito, o “El Corte Inglés”. Um dos principais objectivos da esquerda deve ser dar comida a toda a gente e isso, com a actual demografia, só é possível com uma agricultura de massa. Era bom que a esquerda percebesse isso.
(Encontro-me numa aldeia do distrito de Aveiro, numa casa de família com uma pequeno pomar de frutas que são biológicas desde que os meus avós morreram. Frequentemente, para me entreter, apanho um cesto de deliciosas peras. Dois ou três dias depois, metade das deliciosas peras biológicas estão boas para voltarem para a horta e servirem de adubo.)
Friday, August 24, 2007
O que eu fiz nas minhas férias
Comprei pilhas contrabandeadas, inutilizei dois telemóveis, insultei inadvertidamente um cidadão panamiano, ouvi uma explicação sobre torneiras de mistura dada por um canalizador eslovaco com um dente de ouro, fui multado por estacionar à porta de um Lidl sem fazer compras no Lidl, desenvolvi uma atracção quase pornográfica por pickles, li o To the Finland Station do Edmund Wilson, anotando copiosamente as margens do capítulo sobre Enfantin com ideias para uma sitcom, atravessei dois aeroportos com trinta e seis quilos de livros às costas, pronunciei criativamente o nome de vários reforços do Sporting, descobri que há electrodomésticos que tratam da sua própria higiene, perdi uma quantia absurda num cavalo chamado Ignoble, fui semi-apanhado numa inundação, descobri a obra de Stephen Jay Gould, senti o apelo mudo do país real, mudei de casa, mudei de país.
Aprés la sieste
«One morning at half-past six, before Enfantin was out of bed, he was visited by a man named d’Eichtal, a member of the brotherhood and also a Jew. D'Eichtal was in a state of extreme exaltation; he had been to communion at Notre Dame the night before and there it had been suddenly revealed to him that "Jesus lives in Enfantin" and that Enfantin was one of a holy couple, the Son and Daughter of God, who were to convey a new gospel to humanity. Enfantin was at first cautious: until the appearance of the female Messiah, he told d’Eichtal, he could not name himself nor could he be named, and in the meantime he begged his apostle to let him go back to sleep.»
(Edmund Wilson, To the Finland Station)
O cinema e as pipocas
Voltei a experimentar o suplício de estar na bicha das bilheteiras da Lusomundo.
Com a ideia peregrina de vender, em paralelo com os bilhetes, uma série de patetices sob a forma de pipocas, faz-se o espectador esperar eternidades. Eu, por exemplo, cheguei um quarto de hora antes e acabei por entrar com dez minutos de atraso.
Não me venham com o marketing e a rentabilidade que não me convencem. Assiti à debandada de vários potenciais clientes. Eu próprio já desisti várias vezes de comprar bilhete.
Seria muito complicado ter umas bilheteiras para quem não quer "comes & bebes" ?
Não só se fomenta os maus hábitos alimentares como se induz a ideia de que o cinema é local de piquenique, quando não de falatório que incomoda toda a gente.
O nosso Estado, sempre tão pronto para regulamentar isto e aquilo, porque não vira a sua furia disciplinadora para este lado ?
O cinema é uma arte (embora a programação da Losomundo faça os possíveis por o contrariar) e devia merecer um bocadinho de protecção...
Wednesday, August 22, 2007
Fernando Santos
Dez anos
Faz hoje dez anos que desembarquei pela primeira vez no aeroporto JFK, em Nova Iorque, tendo em vista um doutoramento na State University of New York at Stony Brook. Tinha até então sempre estudado e vivido em Lisboa, em casa da minha família, pelo que esta foi uma das datas mais marcantes da minha vida. Iniciava-se uma fase nova para mim e algumas das melhores experiências que já vivi.
“Pessoa comum no seu tempo”, livro de memórias de João Freire
Atrevi-me a ler Pessoa comum no seu tempo. Memórias de um médio-burguês de Lisboa na segunda metade do século XX, de João Freire (Edições Afrontamento). São cerca de seiscentas páginas, com letra pequena, com milhares de notas ainda mais pequenas. Tinha lido no Público a crítica de Pacheco Pereira e depois o post mais desenvolvido no seu blog (17/06/07). Era uma crítica bastante favorável, sobre um autor que eu desconhecia completamente, que me pareceu suficientemente motivadora para comprar o livro e me dispor a lê-lo.
O que é espantoso neste livro é que alguém gaste páginas e páginas a enumerar a sua família, com árvore genealógica e tudo, os amigos dos pais e da família e depois, ao longo do livro as centenas de pessoas com quem foi convivendo. Diria eu, que sou biólogo, que é um trabalho de entomologista que tudo regista e classifica.
Mas façamos um pequeno apanhado do seu percurso de vida para melhor compreendermos a personagem. Nasce em Lisboa, frequenta o Colégio Militar, tira o curso de oficial de marinha, é depois enviado para as colónias, deserta e vai para Paris onde chega um pouco antes do Maio de 68. Colabora nos “Cadernos de Circunstância”, publicação esquerdista editada em França por portugueses exilados, licencia-se em sociologia em Paris, enquanto trabalha numa fábrica. Adere ao anarquismo e vem para Portugal no pós-25 de Abril, passando a leccionar no ISCTE, onde se doutora num tema relacionado com o anarquismo. Enquanto estudante e oficial de marinha é praticante de esgrima com algum sucesso.
Introduzindo um toque pessoal neste post, direi que o autor é praticamente da minha idade, nasceu em 1942 e eu em 43, na mesma maternidade, o que nos torna naturais da freguesia do Socorro, em Lisboa, e acabámos por morar na Graça na nossa juventude, eu numa rua perpendicular à Afonso Domingues, localizada ao fundo de Sapadores e ele, num prédio de família, ao cimo da Angelina Vidal. O mais interessante é que entre os meus 14 ou 15 anos e os 25 ou 26 reuni-me ao fim da tarde, fizesse sol ou chuva, com um grupo de amigos, de que fazia parte o escritor Mário de Carvalho – que o autor cita porque ouviu uma entrevista daquele escritor na TSF a propósito daquele bairro –, quer num gradeamento localizado ao cimo da sua rua, quando o eléctrico dava a curva e abrandava para entrar na rua da Graça, ou então em frente, perto de uma banca de jornais. Percebe-se que o autor não andou, como nós, na sua adolescência pelas ruas daquele bairro, pois era interno do Colégio Militar, senão teria falado com outro carinho do cinema Royal que todos nós frequentávamos e que começava às 15h15m, um quarto de hora mais tarde que os outros cinemas de “reprise”, para absorver a malta do Gil Vicente, que saía às 15h10m.
Quando descreve o seu bairro esquece-se de falar no Cine Oriente, que ficava entre a Penha de França e o início da General Roçadas, numa ruela que penso que já não existe. Apesar de o referir mais à frente, no ponto 5, sobre Vida Social e Práticas Culturais.
Posso dizer que foi com grande revivalismo e muita saudade que li pois o ponto 2, dedicado a O Bairro e a Cidade. Qualquer deles integrado no Capítulo I, O meio Familiar.
Para terminar estas recordações, e sendo eu um apaixonado pelo cinema e cineclubista à época, não posso deixar em claro a opinião do autor que começou a dessacralizar os “doutos especialistas” (refere-se aos críticos de cinema) quando viu nas páginas de “uma revista cultural de prestígio” o filme O desporto favorito dos homens (1964) ser classificado por um crítico como o pior filme do ano e por outro como o melhor. Não sabe o autor, porque isso provavelmente não lhe interessava na altura, que para certo críticos, leitores do Cahiers do Cinéma, e que seguiam à risca a “política de autores” praticada de forma terrorista por aquela revista, Howard Hawks, o realizador do filme, era um dos seus eleitos, porque filmava ao nível do olhar, enquanto que para outros, provavelmente de esquerda, aquele realizador não “reflectia” a realidade americana. Provavelmente, se o autor tivesse esta chave, outra teria sido a sua visão niilista sobre os críticos.
As partes mais interessantes destas memórias são sem dúvida as que se referem ao seu percurso pessoal, principalmente a sua participação na guerra colonial, ainda que embarcado num navio, a sua deserção – parece-me, no entanto, que a tomada progressiva de consciência sobre a guerra e a sua motivação para desertar não estão muito bem explicadas –, a sua chegada a Paris, ainda a tempo do Maio de 68, a escolha do anarquismo, no supermercado das ideologias, na expressão feliz utilizada pelo autor, e por fim a sua vinda para Portugal e a sua participação no final da Revolução.
Antes de entrar na crítica à parte política propriamente dita gostaria de referir que, de entre as centenas, provavelmente dos milhares, de nomes citados, haveria de haver alguns que, por diferentes razões, são meus conhecidos. Assim, sou amigo do José Alberto Manso Pinheiro desde provavelmente a mesma altura em que o autor o conheceu na esgrima e que compartilhava, com alguns dos que se reuniam ao cima da Angelina Vidal, a mesma militância no PCP, ainda nos tempos da clandestinidade, coisa que muito deve irritar o autor.
Outro dos citados é o Gabriel Mourato, que fazia parte, segundo o autor, de uma facção anarquista denominada Acção Directa. O Gabriel parava na Paiva Couceiro, num café chamado Chaimite, frequentado igualmente por alguns dos que paravam ao cima da Angelina Vidal. Tinha sido membro do PCP e foi preso na leva de estudantes de 64/65. Falou na prisão como a maioria, passando depois a ter atitudes muito provocadoras para a época. Provavelmente o dono deste Blog, o Fernando Penim Redondo, que frequentava assiduamente o Chaimite, deve saber mais histórias dele do que eu. Já no final dos anos 90 fui encontrá-lo numa casa ocupada, acção em que um familiar meu participou, sendo-me referenciado como um velho e grande anarquista. Deu-me vontade de rir, eu que conhecia o passado da personagem, não o da “Acção Directa”, mas sim as suas atitudes provocadoras e sempre conspirativas. Infelizmente já morreu.
É também referido, como um mau carácter e um ortodoxo do PCP, alguém que foi aluno do autor e que lhe teria feito umas partidas, o João Fernandes, que eu penso ser o João Viegas Fernandes. Este, conheci-o na praia da Manta Rota, há muitos anos (40 anos?). Tivemos, naquela praia, um forte convívio no pós 25 de Abril com um grupo de comunistas franceses do meio operário, que, por recomendação do seu Partido, vinham passar férias a Portugal para ajudar com divisas a nossa Revolução. Penso que, na altura em que foi aluno do autor, era trabalhador-estudante, dado que estava vinculado à função pública. Hoje, para descanso do autor já não é membro do PCP, apesar de ainda ser de esquerda.
Quanto às opiniões políticas manifestadas pelo autor, são de um modo geral opostas às minhas, apesar de lhe reconhecer uma grande honestidade moral ao desertar da Marinha por não concordar com a guerra colonial.
Enquanto o tal grupo que se reunia ao cimo da Angelina Vidal fazia o seu percurso político de apoiantes do Humberto Delgado (a quem chamávamos o "nosso homem” para não levantar suspeitas), no meu caso com 14, 15 anos de idade, a membros do PCP, numa época em que isso acarretava prisão e tortura – o que sucedeu, por exemplo, com Mário de Carvalho, que resistiu á tortura do sono para não denunciar os companheiros –, o nosso autor estava a estudar no Colégio Militar e tirava o curso de oficial de marinha. São percursos que tiveram de certeza implicações na formação e opções ideológicas de cada um. Assim, ao desembarcar em Paris, com resultado de uma decisão moral importante, mas virgem relativamente às grandes ideologias de esquerda suas contemporâneas e ao escolher no supermercado das mesmas o anarquismo, opta por uma das mais minoritárias, contraditórias e hoje absolutamente incomestível. O autor, presentemente com um claro perfil anti-esquerda, pelo menos à esquerda do Sócrates, valoriza excessivamente os velhos anarquistas, herdeiros do anarco-sindicalismo do início do século XX, que são porventura personagens simpáticas, mas que foram incapazes de compreender o advento do fascismo e de resistir à sua repressão; mas critica fortemente o grupo nacional denominado Acção Directa, como também, e com razão, todos aqueles movimentos estrangeiros que enveredaram ou apoiaram o terrorismo. Conhecendo hoje o tipo de actuação dos anarquistas (veja-se as suas intervenções nas manifestações anti-globalização ou até mais recentemente na que promoveram no dia 25 de Abril) só com uma grande força argumentativa se consegue separar os bons dos maus anarquistas e continuar, apesar de se ser direita em quase tudo, a não votar em nenhum dos partidos do arco político português, porque como bom anarquista não se reconhece nesses métodos de escolha dos governantes.
Há em todo o livro uma fúria anti-comunista, que em dado passo tenta separar as massas ignaras dos seus dirigentes, esses cúmplices de todos os horrores conhecidos. Parece-me que o autor bem gostaria de retomar os velho epíteto com que o MRRP apelidou o PCP nos anos quentes do PREC, denominando-o de social-fascista. Eu que escrevi um texto e que o publiquei aqui (Julho de 2007) sobre o desvio esquerdista da Internacional Comunista, em que os seus dirigentes denominavam a social-democracia como social-fascismo, fico deveras incomodado com este sectarismo que ainda afecta alguns “esquerdistas” serôdios, que nada compreenderam sobre a evolução dos tempos.
É evidente que sobre o PCP, o dito “campo socialista” e o movimento comunista internacional muitas coisa há para criticar, denunciar e discutir, mas os termos em que estes assuntos são abordados no livro tornam impossível qualquer troca de impressões saudável. É este, quanto a mim, o seu maior defeito.
O que é espantoso neste livro é que alguém gaste páginas e páginas a enumerar a sua família, com árvore genealógica e tudo, os amigos dos pais e da família e depois, ao longo do livro as centenas de pessoas com quem foi convivendo. Diria eu, que sou biólogo, que é um trabalho de entomologista que tudo regista e classifica.
Mas façamos um pequeno apanhado do seu percurso de vida para melhor compreendermos a personagem. Nasce em Lisboa, frequenta o Colégio Militar, tira o curso de oficial de marinha, é depois enviado para as colónias, deserta e vai para Paris onde chega um pouco antes do Maio de 68. Colabora nos “Cadernos de Circunstância”, publicação esquerdista editada em França por portugueses exilados, licencia-se em sociologia em Paris, enquanto trabalha numa fábrica. Adere ao anarquismo e vem para Portugal no pós-25 de Abril, passando a leccionar no ISCTE, onde se doutora num tema relacionado com o anarquismo. Enquanto estudante e oficial de marinha é praticante de esgrima com algum sucesso.
Introduzindo um toque pessoal neste post, direi que o autor é praticamente da minha idade, nasceu em 1942 e eu em 43, na mesma maternidade, o que nos torna naturais da freguesia do Socorro, em Lisboa, e acabámos por morar na Graça na nossa juventude, eu numa rua perpendicular à Afonso Domingues, localizada ao fundo de Sapadores e ele, num prédio de família, ao cimo da Angelina Vidal. O mais interessante é que entre os meus 14 ou 15 anos e os 25 ou 26 reuni-me ao fim da tarde, fizesse sol ou chuva, com um grupo de amigos, de que fazia parte o escritor Mário de Carvalho – que o autor cita porque ouviu uma entrevista daquele escritor na TSF a propósito daquele bairro –, quer num gradeamento localizado ao cimo da sua rua, quando o eléctrico dava a curva e abrandava para entrar na rua da Graça, ou então em frente, perto de uma banca de jornais. Percebe-se que o autor não andou, como nós, na sua adolescência pelas ruas daquele bairro, pois era interno do Colégio Militar, senão teria falado com outro carinho do cinema Royal que todos nós frequentávamos e que começava às 15h15m, um quarto de hora mais tarde que os outros cinemas de “reprise”, para absorver a malta do Gil Vicente, que saía às 15h10m.
Quando descreve o seu bairro esquece-se de falar no Cine Oriente, que ficava entre a Penha de França e o início da General Roçadas, numa ruela que penso que já não existe. Apesar de o referir mais à frente, no ponto 5, sobre Vida Social e Práticas Culturais.
Posso dizer que foi com grande revivalismo e muita saudade que li pois o ponto 2, dedicado a O Bairro e a Cidade. Qualquer deles integrado no Capítulo I, O meio Familiar.
Para terminar estas recordações, e sendo eu um apaixonado pelo cinema e cineclubista à época, não posso deixar em claro a opinião do autor que começou a dessacralizar os “doutos especialistas” (refere-se aos críticos de cinema) quando viu nas páginas de “uma revista cultural de prestígio” o filme O desporto favorito dos homens (1964) ser classificado por um crítico como o pior filme do ano e por outro como o melhor. Não sabe o autor, porque isso provavelmente não lhe interessava na altura, que para certo críticos, leitores do Cahiers do Cinéma, e que seguiam à risca a “política de autores” praticada de forma terrorista por aquela revista, Howard Hawks, o realizador do filme, era um dos seus eleitos, porque filmava ao nível do olhar, enquanto que para outros, provavelmente de esquerda, aquele realizador não “reflectia” a realidade americana. Provavelmente, se o autor tivesse esta chave, outra teria sido a sua visão niilista sobre os críticos.
As partes mais interessantes destas memórias são sem dúvida as que se referem ao seu percurso pessoal, principalmente a sua participação na guerra colonial, ainda que embarcado num navio, a sua deserção – parece-me, no entanto, que a tomada progressiva de consciência sobre a guerra e a sua motivação para desertar não estão muito bem explicadas –, a sua chegada a Paris, ainda a tempo do Maio de 68, a escolha do anarquismo, no supermercado das ideologias, na expressão feliz utilizada pelo autor, e por fim a sua vinda para Portugal e a sua participação no final da Revolução.
Antes de entrar na crítica à parte política propriamente dita gostaria de referir que, de entre as centenas, provavelmente dos milhares, de nomes citados, haveria de haver alguns que, por diferentes razões, são meus conhecidos. Assim, sou amigo do José Alberto Manso Pinheiro desde provavelmente a mesma altura em que o autor o conheceu na esgrima e que compartilhava, com alguns dos que se reuniam ao cima da Angelina Vidal, a mesma militância no PCP, ainda nos tempos da clandestinidade, coisa que muito deve irritar o autor.
Outro dos citados é o Gabriel Mourato, que fazia parte, segundo o autor, de uma facção anarquista denominada Acção Directa. O Gabriel parava na Paiva Couceiro, num café chamado Chaimite, frequentado igualmente por alguns dos que paravam ao cima da Angelina Vidal. Tinha sido membro do PCP e foi preso na leva de estudantes de 64/65. Falou na prisão como a maioria, passando depois a ter atitudes muito provocadoras para a época. Provavelmente o dono deste Blog, o Fernando Penim Redondo, que frequentava assiduamente o Chaimite, deve saber mais histórias dele do que eu. Já no final dos anos 90 fui encontrá-lo numa casa ocupada, acção em que um familiar meu participou, sendo-me referenciado como um velho e grande anarquista. Deu-me vontade de rir, eu que conhecia o passado da personagem, não o da “Acção Directa”, mas sim as suas atitudes provocadoras e sempre conspirativas. Infelizmente já morreu.
É também referido, como um mau carácter e um ortodoxo do PCP, alguém que foi aluno do autor e que lhe teria feito umas partidas, o João Fernandes, que eu penso ser o João Viegas Fernandes. Este, conheci-o na praia da Manta Rota, há muitos anos (40 anos?). Tivemos, naquela praia, um forte convívio no pós 25 de Abril com um grupo de comunistas franceses do meio operário, que, por recomendação do seu Partido, vinham passar férias a Portugal para ajudar com divisas a nossa Revolução. Penso que, na altura em que foi aluno do autor, era trabalhador-estudante, dado que estava vinculado à função pública. Hoje, para descanso do autor já não é membro do PCP, apesar de ainda ser de esquerda.
Quanto às opiniões políticas manifestadas pelo autor, são de um modo geral opostas às minhas, apesar de lhe reconhecer uma grande honestidade moral ao desertar da Marinha por não concordar com a guerra colonial.
Enquanto o tal grupo que se reunia ao cimo da Angelina Vidal fazia o seu percurso político de apoiantes do Humberto Delgado (a quem chamávamos o "nosso homem” para não levantar suspeitas), no meu caso com 14, 15 anos de idade, a membros do PCP, numa época em que isso acarretava prisão e tortura – o que sucedeu, por exemplo, com Mário de Carvalho, que resistiu á tortura do sono para não denunciar os companheiros –, o nosso autor estava a estudar no Colégio Militar e tirava o curso de oficial de marinha. São percursos que tiveram de certeza implicações na formação e opções ideológicas de cada um. Assim, ao desembarcar em Paris, com resultado de uma decisão moral importante, mas virgem relativamente às grandes ideologias de esquerda suas contemporâneas e ao escolher no supermercado das mesmas o anarquismo, opta por uma das mais minoritárias, contraditórias e hoje absolutamente incomestível. O autor, presentemente com um claro perfil anti-esquerda, pelo menos à esquerda do Sócrates, valoriza excessivamente os velhos anarquistas, herdeiros do anarco-sindicalismo do início do século XX, que são porventura personagens simpáticas, mas que foram incapazes de compreender o advento do fascismo e de resistir à sua repressão; mas critica fortemente o grupo nacional denominado Acção Directa, como também, e com razão, todos aqueles movimentos estrangeiros que enveredaram ou apoiaram o terrorismo. Conhecendo hoje o tipo de actuação dos anarquistas (veja-se as suas intervenções nas manifestações anti-globalização ou até mais recentemente na que promoveram no dia 25 de Abril) só com uma grande força argumentativa se consegue separar os bons dos maus anarquistas e continuar, apesar de se ser direita em quase tudo, a não votar em nenhum dos partidos do arco político português, porque como bom anarquista não se reconhece nesses métodos de escolha dos governantes.
Há em todo o livro uma fúria anti-comunista, que em dado passo tenta separar as massas ignaras dos seus dirigentes, esses cúmplices de todos os horrores conhecidos. Parece-me que o autor bem gostaria de retomar os velho epíteto com que o MRRP apelidou o PCP nos anos quentes do PREC, denominando-o de social-fascista. Eu que escrevi um texto e que o publiquei aqui (Julho de 2007) sobre o desvio esquerdista da Internacional Comunista, em que os seus dirigentes denominavam a social-democracia como social-fascismo, fico deveras incomodado com este sectarismo que ainda afecta alguns “esquerdistas” serôdios, que nada compreenderam sobre a evolução dos tempos.
É evidente que sobre o PCP, o dito “campo socialista” e o movimento comunista internacional muitas coisa há para criticar, denunciar e discutir, mas os termos em que estes assuntos são abordados no livro tornam impossível qualquer troca de impressões saudável. É este, quanto a mim, o seu maior defeito.
Tuesday, August 21, 2007
VERDE LEITÃO
“Um bando de mascarados invadiu a propriedade de J. Menezes destruindo o que encontrava à sua frente e causando prejuízos de milhares de Euros”.
Esta noticia podia referir-se a um ajuste de contas na Cova da Moura, mas não; diz respeito a uma “acção de protesto” de um grupo de “ecologistas” chamado Verde Eufémia, contra uma plantação de milho transgénico, em Silves.
Perante uma curiosa brandura da GNR assistiu-se a uma manifestação directa de um dos fundamentalismos politicamente correctos que ameaçam invadir a nossa vida.
Interrogo-me sobre quando começaremos a ter raides nos cafés para esbofetear os fumadores ou grupos nas rotundas para furar os pneus aos automóveis...
Mas o que é ainda mais grave é que temos um partido, o BE, com assento na Assembleia da Republica e lugar na Câmara de Lisboa, a dar o seu apoio a estas manifestações do espírito das Cruzadas!
E depois tentam lançar-nos areia para os olhos desviando a discussão para a questão dos transgénicos, que òbviamente deve ser discutida, mas que não é o que está em causa.
Sugiro a estes “iluminados”, já que estão tão preocupados com a defesa do ambiente, que formem o movimento "VERDE LEITÃO" e vão deitar abaixo alguma das pocilgas que repetidamente enchem de trampa a Ribeira dos Milagres e praias adjacentes, e de dinheiro os bolsos dos seus exploradores.
Se o cheiro os incomoda, podem sempre ir mascarados. Claro que correm o risco de ser recebidos com caçadeiras; mas isso também não teria muita importância pois estariam bem uns para os outros.
Esta noticia podia referir-se a um ajuste de contas na Cova da Moura, mas não; diz respeito a uma “acção de protesto” de um grupo de “ecologistas” chamado Verde Eufémia, contra uma plantação de milho transgénico, em Silves.
Perante uma curiosa brandura da GNR assistiu-se a uma manifestação directa de um dos fundamentalismos politicamente correctos que ameaçam invadir a nossa vida.
Interrogo-me sobre quando começaremos a ter raides nos cafés para esbofetear os fumadores ou grupos nas rotundas para furar os pneus aos automóveis...
Mas o que é ainda mais grave é que temos um partido, o BE, com assento na Assembleia da Republica e lugar na Câmara de Lisboa, a dar o seu apoio a estas manifestações do espírito das Cruzadas!
E depois tentam lançar-nos areia para os olhos desviando a discussão para a questão dos transgénicos, que òbviamente deve ser discutida, mas que não é o que está em causa.
Sugiro a estes “iluminados”, já que estão tão preocupados com a defesa do ambiente, que formem o movimento "VERDE LEITÃO" e vão deitar abaixo alguma das pocilgas que repetidamente enchem de trampa a Ribeira dos Milagres e praias adjacentes, e de dinheiro os bolsos dos seus exploradores.
Se o cheiro os incomoda, podem sempre ir mascarados. Claro que correm o risco de ser recebidos com caçadeiras; mas isso também não teria muita importância pois estariam bem uns para os outros.
Monday, August 20, 2007
Entretanto, as eleições americanas
I’m a longtime Barack Obama supporter, and the convention reinforced my feeling. His performance at the forum was careful and specific, not letting his charisma shine through, but he was enormously compelling in a breakout session afterward. Obama gets what it’s like to live in a complicated world, because he encapsulates a complicated world all by himself: American mother, Kenyan father, born in Hawaii, lived for four years in Indonesia as a child, educated at Harvard, trained as a street organizer in Chicago. He has an incremental but ambitious health care plan, and was anti-war from the start. Still, I’d be absolutely thrilled to support any of Obama/Clinton/Edwards against any of the embarrassments currently in contention for the Republican nomination. It’s an incredibly strong Democratic field, which is something I never thought I’d see.(Sean Carroll)
A melhor da semana passada - 1
Expresso, Única 18/8
Silly season
Zita renega SMS e opta por comunicar via reza
Zita renega SMS e opta por comunicar via reza
... Mas enquanto Menezes e Mendes deram o «salto» para o séc. XXI, diz-nos o «24 Horas» que Zita Seabra deu o salto para a Eternidade: baptizou-se. Pormenor? Nem pensar. Zita tem uma particular capacidade para falar com velhos omnipotentes e inacessíveis de cabelo branco. Este, agora, em vez de sobrancelhas pretas e gabinete na Soeiro Pereira Gomes, pode ter barbas brancas e assento no Reino dos Céus, mas ela é bem capaz de lhe fazer passar a sua mensagem num SMS curto: «Se xgar a 1ª mnistra Ptgal publiko borlix Tdas encíclicas Papa Ratz. ÁmenZita».
O Revisor
Sunday, August 19, 2007
Carioca ao vivo
Não sei se já chegou às nossas lojas, mas no Brasil já está à venda Carioca ao Vivo, o mais recente álbum do Chico Buarque. Exceptuando o Tanto Mar, que só foi interpretado em Portugal, o alinhamento foi por mim anunciado aqui, no passado mês de Novembro. Quem esteve no concerto, como eu, não vai perder esta oportunidade de o "trazer para casa". Quem não esteve tem uma oportunidade única de recuperar o que não ouviu.
De uma junta de freguesia do distrito de Aveiro
É aqui que me encontro para ter acesso à internet de banda larga. A postagem não tem sido por isso tão frequente. A pouco e pouco regressaremos.
Santa Ingenuidade
O Expresso de ontem publica um artigo "Quem são os malandros que não pagam impostos?" de Nicolau Santos.
Todos sabemos que os rendimentos não declarados são, talvez, o principal problema do sistema. Por isso a análise de Nicolau Santos roça a ingenuidade.
Lembro-me de ter visto no Expresso, em tempos, os valores médios declarados pelas profissões liberais. Economistas, arquitectos e outros apresentavam médias ao nível do salário mínimo nacional. Nicolau Santos deve poder recuperar esses estudos.
Mas não são só estes a sub-declarar, grande parte das actividades de "compra e venda" evitam as facturas sempre que podem transformando os seus milhares de negociantes em "pobres" para o sistema fiscal.
Também não devemos esquecer os paraísos fiscais e todas as outras benesses fiscais dadas aos verdadeiramente ricos. No Expresso de 18 de Agosto Miguel Sousa Tavares em "Os Ricos" trata este tema de forma perfeita.
Por tudo isto lamento que Nicolau Santos venha, afinal, propor que se saque mais aos do costume, a quem já está a suportar o sistema.
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Friday, August 17, 2007
As novas tecnologias e as velhas relações sociais de produção
Acabei de ler, em odiario.info o texto de uma entrevista com dois professores, Marcio Pochmann e Ricardo Antunes, da Universidade de Campinas.
O titulo prometia muito, mas o conteúdo desiludiu.
É verdade que M. Pochman considera que estamos a viver um momento de “profunda mudança na base técnica”; constata que estamos num “capitalismo pós-industrial em que a produtividade é cada vez mais sustentada no trabalho imaterial… em que não é mais o relógio que organiza decisivamente o tempo de trabalho”; intui mesmo que “continuamos discutindo as condições de trabalho como herdeiros do sec. XX”.Mas afinal acaba preocupado apenas em quebrar aquilo a que chama “a falsa disjuntiva neo-liberal“, ou seja a escolha entre precarização e desemprego.
Segundo ele, o desenvolvimento tecnológico e a prevalência crescente do trabalho imaterial como fonte de valor, já hoje permitiriam que todos trabalhassem, desde que durante menos horas, menos dias na semana. E desde que, como sublinha R. Antunes, o Estado tomasse medidas contra as politicas neo-liberais.Esta intervenção do Estado torna-se, de facto, indispensável porque não se vê muito bem como de outra forma convencer os patrões a contratar, em vez de 10 pessoas trabalhando 40 horas por semana cada uma, 40 pessoas a trabalhar 10 horas cada, mas recebendo cada um o mesmo salário do caso anterior…
Este é o “nó górdio” da questão. Porque os autores não pôem em causa o sistema capitalista, baseado no assalariamento, e em cuja lógica o lucro representa não só a remuneração do capital mas também a compensação pelas responsabilidades e pelos riscos assumidos. Pretendem apenas levá-lo, a bem ou à força, a “aceitar” a diminuição dos seus lucros, continuando no entanto a assumir todos os riscos e responsabilidades, principalmente a de “dar emprego”.
Os autores comungam de uma confusão muito comum entre emprego, trabalho e assalariamento. Conclusão: o trabalho é indispensável às sociedades humanas, logo as empresas têm de proporcionar emprego. E se tal não fizerem, porque as condições objectivas as conduziriam a resultados contrários à sua real finalidade, o lucro, então o Estado deve tomar o seu lugar.
Os autores constatam que a revolução tecnológica e as alterações da natureza e organização do trabalho potenciam grandes ganhos de produtividade, mas não dão o salto para a necessidade de desenvolver o novo tipo de relações de trabalho e de produção que elas estão a gerar e que não passa pelo assalariamento.São eles próprios que dizem que não vale a pena sonhar com “um capitalismo justo e belo onde todos vivam segundo as regras das mesmas oportunidades”.
No entanto, nada propôem que substitua o odiado sistema!Nada, a não ser a intervenção do Estado, especialmente através de Governos fortes, com grande respaldo popular, como os várias vezes referidos de Chávez e Morales.
Ora todas as revoluções, das mais suaves às mais sangrentas, já demonstraram que as medidas super-estruturais só vingam quando institucionalizam práticas sociais e económicas já “referendadas” pela realidade, que já demonstraram a sua capacidade endógena de propagação.
Continua-se, portanto, a querer começar pelo fim!
Wednesday, August 15, 2007
A globalização na Almirante Reis
Hoje é 15 de Agosto, a charneira das férias. Depois de algumas experiências deprimentes habituei-me a ficar em Lisboa nesta data.
Saí em busca de um almoço e, na Almirante Reis, fui irresistivelmente atraído por soberbas sapateiras que, da montra, pareciam acenar as tenazes num convite. Cedi.
A cervejaria, que eu já frequentara, pertence à categoria dos exclusivos portugueses; frutos do mar fabulosos num ambiente descontraído e a preços suportáveis. Só por causa disto os portugueses já deviam ter aprendido a queixar-se menos da vida.
Qual não foi o meu espanto quando deparei com duas mesas grandes, duas, cheias de "chineses" que se empanturravam com percebes, lagostas, búzios, camarões, etc.
Dei por mim a imaginar lucros enormes nas lojas dos trezentos mas desconfiei pois nunca vi, em Portugal, chineses que não estivessem a trabalhar.
Uma delas puxou de uma senhora de Fátima com pelo menos meio metro e eu pensei que se tratava de um modelo que, em Guangzhou, acabaria replicado milhões de vezes.
O empregado não tinha explicação para o fenómeno e despachou-me com "parece que são uns indonésios...". Eu estava morto de curiosidade.
A certo ponto um casal idoso pagou a conta e retirou-se deixando os jovens às voltas com o marisco. Resolvi interceptar um "ocidental", que fazia parte do grupo, quando ele tentava alcançar o WC.
Que não, que não eram chineses mas sim vietnamitas em turismo. E que ele, americano, se casara com uma das moças de olhos em bico. Desejei-lhes uma agradável estadia, embevecido.
Confesso que ainda hoje a palavra Vietname ecoa de forma muito especial dentro de mim. Napalm, Hanoi, Ho Chi Min e outras, são ecos do heroísmo colectivo de um povo que, nunca mais esquecerei, recusou submeter-se à maior potência militar da terra.
Por isso, vê-los ali a descascar camarões e a embrulhar senhoras de Fátima como nós fazemos com os Budas no regresso da viagem, atingiu-me como um milagre.
Confesso que ainda hoje a palavra Vietname ecoa de forma muito especial dentro de mim. Napalm, Hanoi, Ho Chi Min e outras, são ecos do heroísmo colectivo de um povo que, nunca mais esquecerei, recusou submeter-se à maior potência militar da terra.
Por isso, vê-los ali a descascar camarões e a embrulhar senhoras de Fátima como nós fazemos com os Budas no regresso da viagem, atingiu-me como um milagre.
Tuesday, August 14, 2007
Estamos em obras...
Se notou alguma coisa no aspecto do DOTeCOMe Blog merece saber que estamos em obras.
Resolvi, espero que em boa hora, lavar a cara ao dito e saltar para a última versão do Blogger (software que nos permite estas coisas, à borla).
A transformações vão notar-se durante mais algum tempo. Espero que não excessivamente...
Monday, August 13, 2007
Julius Wess (1934-2007)
Vi este físico alemão pela primeira e única vez na conferência dos 30 anos da supergravidade, em Paris, em Outubro passado. Ainda há duas semanas deu um seminário numa sessão plenária da SUSY 2007, a conferência anual sobre supersimetria. Morreu no passado dia 8, quando ainda era um cientista activo, até há pouco tempo líder de um grupo na Universidade de Munique, e que orientava mestrados e doutoramentos.
Será recordado na física teórica não como o inventor da supersimetria, mas um dos descobridores das primeiras teorias de campo supersimétricas consistentes. A supersimetria deixava de ser uma simetria obscura proposta por uns russos para passar a ser uma propriedade das teorias de campo que, quando estas a manifestassem, lhes conferia muito melhores propriedades quânticas. Estava lançado o mote para que se construíssem modelos em física de partículas que permitiam resolver vários problemas fenomenológicos. Wess foi ainda o co-autor de importantíssimos trabalhos em teorias quânticas de campo (não necessariamente supersimétricas), permitindo nomeadamente entender melhor as anomalias. Os seus principais trabalhos – e foram muitos – foram sempre em co-autoria com o italiano Bruno Zumino, hoje professor jubilado ainda activo da Universidade de Berkeley na Califórnia.
Wess foi ainda o autor do livro “Supersymmetry and Supergravity”, a mais divulgada obra de introdução a estes assuntos, vulgarmente designada por “Wess & Bagger”, os dois autores oficiais – Wess ditava, o estudante Bagger escrevia, e isto é mais do que má língua. É um livro péssimo que toda a gente que trabalha na área tem. Quem não conhecer o assunto não aprende absolutamente nada ao lê-lo, mas nele encontram-se muitas fórmulas úteis que de outra forma estariam dispersas por artigos. Arrependo-me muitas vezes de ter comprado o meu, mas não creio que o vendesse.
A supersimetria ainda não foi descoberta. Tem que ser quebrada no mundo em que vivemos (onde não se observa), e nos aceleradores de partículas até ao presente nunca se atingiu uma escala de energias tal que se permite observar matéria nas condições em que a supersimetria não é quebrada. Concordo com o optimista Lubos Motl: Wess morreu um ano antes de a supersimetria ser descoberta (no LHC, o novo acelerador de partículas do CERN, que daqui a menos de um ano estará a dar os primeiros resultados). E assim perdeu o prémio Nobel (que, se fosse vivo quando a supersimetria for descoberta, seria seu e de Zumino de caras). Outros prémios ganhou. Era um dos maiores físicos teóricos do nosso tempo.
Será recordado na física teórica não como o inventor da supersimetria, mas um dos descobridores das primeiras teorias de campo supersimétricas consistentes. A supersimetria deixava de ser uma simetria obscura proposta por uns russos para passar a ser uma propriedade das teorias de campo que, quando estas a manifestassem, lhes conferia muito melhores propriedades quânticas. Estava lançado o mote para que se construíssem modelos em física de partículas que permitiam resolver vários problemas fenomenológicos. Wess foi ainda o co-autor de importantíssimos trabalhos em teorias quânticas de campo (não necessariamente supersimétricas), permitindo nomeadamente entender melhor as anomalias. Os seus principais trabalhos – e foram muitos – foram sempre em co-autoria com o italiano Bruno Zumino, hoje professor jubilado ainda activo da Universidade de Berkeley na Califórnia.
Wess foi ainda o autor do livro “Supersymmetry and Supergravity”, a mais divulgada obra de introdução a estes assuntos, vulgarmente designada por “Wess & Bagger”, os dois autores oficiais – Wess ditava, o estudante Bagger escrevia, e isto é mais do que má língua. É um livro péssimo que toda a gente que trabalha na área tem. Quem não conhecer o assunto não aprende absolutamente nada ao lê-lo, mas nele encontram-se muitas fórmulas úteis que de outra forma estariam dispersas por artigos. Arrependo-me muitas vezes de ter comprado o meu, mas não creio que o vendesse.
A supersimetria ainda não foi descoberta. Tem que ser quebrada no mundo em que vivemos (onde não se observa), e nos aceleradores de partículas até ao presente nunca se atingiu uma escala de energias tal que se permite observar matéria nas condições em que a supersimetria não é quebrada. Concordo com o optimista Lubos Motl: Wess morreu um ano antes de a supersimetria ser descoberta (no LHC, o novo acelerador de partículas do CERN, que daqui a menos de um ano estará a dar os primeiros resultados). E assim perdeu o prémio Nobel (que, se fosse vivo quando a supersimetria for descoberta, seria seu e de Zumino de caras). Outros prémios ganhou. Era um dos maiores físicos teóricos do nosso tempo.
Demasiados corvos em Lisboa
Acho que António Costa deve estar a pensar modificar o logo da CML, isto depois de ter analisado o organigrama que herdou.
Se quer ver a lista dos Departamentos, Direcções e Divisões que tornam a Câmara ingovernável clique AQUI
.
Saturday, August 11, 2007
Friday, August 10, 2007
Em vez do vintage, eu diria um tinto alentejano reserva, produzido por uma cooperativa, claro
Mesmo para mim, que há muito enveredei pelo revisionismo, comparar o BE com o PC é como assemelhar uma sangria feita com «Teobar» e fruta transgénica a um vintage de selecção. (Comentário de r.m. no Cinco Dias.)
Eu acrescentaria: só mesmo quem enveredou pelo revisionismo poderia proferir tal frase.
Eu acrescentaria: só mesmo quem enveredou pelo revisionismo poderia proferir tal frase.
Comidas, La Casera e vinho
Entretanto uma das vantagens de Madrid é que se come muito bem, e por preços realmente acessíveis. As minhas melhores recordações de Madrid são de um magnífico rodovalho comido na Chueca. Também recordo com prazer umas iscas de fígado comidas no Madrid castizo, a tal minha zona preferida da cidade, entre a câmara municipal e a Praça Maior. Em qualquer dos casos incluía primeiro e segundo prato, pão, sobremesa (postre) e bebida. Tudo isto por oito euros. No Porto, talvez, mas em Lisboa já não se come assim. Em Madrid não se come assim em qualquer lugar: é preciso uma certa persistência e não se entrar no primeiro sítio que aparece (principalmente na Chueca). Mas acaba-se sempre por encontrar sítios como estes, onde se pode comer boa comida tradicional espanhola, excepto talvez nas imediações do palácio real. Com um pouco de paciência conseguem-se refeições notáveis.
Nestes sítios a comida é boa e caseira, só que é claro que o vinho não é de primeira. Mas bebe-se. Por defeito (sem que a peçamos) é-nos servido com uma garrafa de gasosa fresca, para quem a quiser misturar no vinho. Uma preciosidade espanhola chamada La Casera, que é pena que não seja mais divulgada em Portugal.
Nestes sítios a comida é boa e caseira, só que é claro que o vinho não é de primeira. Mas bebe-se. Por defeito (sem que a peçamos) é-nos servido com uma garrafa de gasosa fresca, para quem a quiser misturar no vinho. Uma preciosidade espanhola chamada La Casera, que é pena que não seja mais divulgada em Portugal.
Thursday, August 9, 2007
Os dois grandes erros da TAP
Foram dois os erros da TAP neste processo da viagem de regresso de Amesterdão do FC Porto.
Não me refiro ao atraso do avião, que sucede em todas as companhias, numas mais do que noutras. A necessidade de desvio por a tripulação e o aparelho serem necessários com urgência em Lisboa para outros voos também é compreensível: estamos em época alta, há mais voos e todas as companhias operam no limite dos recursos disponíveis.
O que não é compreensível e nem aceitável é a mudança de destino não ter sido comunicada aos passageiros no embarque, ainda em Amesterdão. Quem vai num voo para o Porto e, meia hora antes de aterrar (já com duas horas de atraso) lhe dizem que afinal aterra em Lisboa, sente-se raptado. Sente que o voo foi desviado. A indignação é compreensível: trata-se de desrespeito pelos passageiros.
O facto de a mudança de destino só ter sido comunicada tão tarde pode querer dizer que foi uma decisão de última hora. E talvez isso justifique a sua precipitação. É que foi mesmo uma muito má decisão decidir desviar um voo em que seguia o FC Porto. Tal como seria se fosse o Sporting ou o Benfica, mas ainda mais o FC Porto que é um clube que se sabe dar ao respeito. Mais valia (do ponto de vista da imagem da TAP) deixar que os voos dependentes do avião e da tripulação, creio que para Paris e Londres, se atrasassem ainda mais. Prejudicaria mais gente, é certo, mas seriam “mais dois” voos da TAP que atrasam. Teriam certamente menos repercussão mediática que desviar o voo do FC Porto. Aqui certamente estou a ser maquiavélico, mas do ponto de vista da TAP o primeiro grande erro foi ter desviado o voo onde seguia uma equipa de futebol “grande”.
O segundo grande erro foi o lamentável pedido de desculpas, que implicitamente desautoriza a tripulação do segundo voo. Se houve incidentes a bordo abre-se um inquérito e averigua-se as responsabilidades; eventualmente pede-se desculpa depois. Mas o pior foi esse pedido de desculpas ter sido dirigido… ao FC Porto, que anunciou não mais voar com esta companhia (e que causou o escândalo). Nem uma palavra em relação aos restantes passageiros, que foram tão ou mais transtornados que a equipa. Afinal, para a TAP sempre há passageiros mais importantes que outros. Se é verdade, tal como escrevi mais valia terem-se recordado disso na altura de desviar o voo.
Receio bem que todo este incidente venha a afectar seriamente a imagem da TAP, cuja principal preocupação, a partir de agora, deveria ser a reputação de não respeitar os passageiros com que pode ter ficado. É uma pena, pois apesar deste lamentável incidente a TAP merece ter uma boa imagem.
Não me refiro ao atraso do avião, que sucede em todas as companhias, numas mais do que noutras. A necessidade de desvio por a tripulação e o aparelho serem necessários com urgência em Lisboa para outros voos também é compreensível: estamos em época alta, há mais voos e todas as companhias operam no limite dos recursos disponíveis.
O que não é compreensível e nem aceitável é a mudança de destino não ter sido comunicada aos passageiros no embarque, ainda em Amesterdão. Quem vai num voo para o Porto e, meia hora antes de aterrar (já com duas horas de atraso) lhe dizem que afinal aterra em Lisboa, sente-se raptado. Sente que o voo foi desviado. A indignação é compreensível: trata-se de desrespeito pelos passageiros.
O facto de a mudança de destino só ter sido comunicada tão tarde pode querer dizer que foi uma decisão de última hora. E talvez isso justifique a sua precipitação. É que foi mesmo uma muito má decisão decidir desviar um voo em que seguia o FC Porto. Tal como seria se fosse o Sporting ou o Benfica, mas ainda mais o FC Porto que é um clube que se sabe dar ao respeito. Mais valia (do ponto de vista da imagem da TAP) deixar que os voos dependentes do avião e da tripulação, creio que para Paris e Londres, se atrasassem ainda mais. Prejudicaria mais gente, é certo, mas seriam “mais dois” voos da TAP que atrasam. Teriam certamente menos repercussão mediática que desviar o voo do FC Porto. Aqui certamente estou a ser maquiavélico, mas do ponto de vista da TAP o primeiro grande erro foi ter desviado o voo onde seguia uma equipa de futebol “grande”.
O segundo grande erro foi o lamentável pedido de desculpas, que implicitamente desautoriza a tripulação do segundo voo. Se houve incidentes a bordo abre-se um inquérito e averigua-se as responsabilidades; eventualmente pede-se desculpa depois. Mas o pior foi esse pedido de desculpas ter sido dirigido… ao FC Porto, que anunciou não mais voar com esta companhia (e que causou o escândalo). Nem uma palavra em relação aos restantes passageiros, que foram tão ou mais transtornados que a equipa. Afinal, para a TAP sempre há passageiros mais importantes que outros. Se é verdade, tal como escrevi mais valia terem-se recordado disso na altura de desviar o voo.
Receio bem que todo este incidente venha a afectar seriamente a imagem da TAP, cuja principal preocupação, a partir de agora, deveria ser a reputação de não respeitar os passageiros com que pode ter ficado. É uma pena, pois apesar deste lamentável incidente a TAP merece ter uma boa imagem.
A Utopia e as malas Vuitton (1)
Tinha acabado de ler, de enfiada, os livros “Foi Assim” de Zita Seabra e “Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via” de Raimundo Narciso.
Andava ainda a remoer a ausência, em qualquer dos livros, de uma abordagem da “queda da utopia” que atingiu, no fim do século XX, tanto os autores como muitos outros milhares de militantes entre os quais me incluo. Sem menosprezar a importância dos depoimentos contidos nos livros não deixo de considerar que muito mais importante teria sido, para mim, uma explicação de como os autores lidaram com o luto das suas convicções.
Quis o acaso que nesse preciso momento eu encontrasse num jornal a notícia da participação de Gorbatchev num anúncio publicitário da VUITTON. Dizia assim:” Na imagem, repleta de simbolismo, Gorbachev aparece sentado no banco de trás de uma limusina com uma mala Louis Vuitton a seu lado, enquanto contempla, com nostalgia, o que resta do muro de Berlim.”
Para perceber o efeito que teve em mim tal coincidência é preciso saber como foi determinante o “período Gorbatchev”, na URSS, para a inspiração e eclosão das mais importantes dissidências que afectaram o PCP ao longo dos anos oitenta. Os mais distraídos, ou mais jovens, poderão para o efeito beneficiar de uma cronologia, mesmo que sintética:
1985
Março - Gorbatchev é eleito secretário-geral do PCUS
Junho - Cavaco torna-se Presidente do PSD
Agosto - Álvaro Cunhal publica “O Partido com as paredes de vidro”
Outubro - Cavaco ganha as legislativas, o PCP desce para 15,49 % dos votos e 38 deputados
1986
Fevereiro - Perestroika e Glasnost são apresentadas no 27º Congresso do PCUS
Março - O “Documento dos Seis” é entregue à direcção do PCP por Vital Moreira,Veiga de Oliveira, Silva Graça, Victor Louro, F. Marques e D. Martins
1987
Julho - Primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, o PCP tem 12,14 % e 31 deputados.
1988
Maio - Zita Seabra é expulsa da Comissão Política do PCP
Junho -É apresentado o documento da “Terceira Via” por Pina Moura, Raimundo Narciso e outros.
Novembro - Zita Seabra é expulsa da Comité Central do PCP
Dezembro - XII Congresso do PCP, no Porto. José Luís Judas, Barros Moura e outros fazem intervenções críticas.
Dezembro - Zita Seabra publica "O Nome das coisas" nas Publicações
Europa-América
1989
Março - Raimundo Narciso demite-se de funcionário do PCP
Novembro - Queda do muro de Berlim
1990
Janeiro - Vital Moreira publica "Reflexões sobre o PCP", na Editorial Inquérito
Janeiro - INES é apresentado no Forum Picoas com adesão de muitos comunistas do sector intelectual
Maio - XIII Congresso do PCP em Loures, o primeiro depois da queda do muro de Berlim, assiste a várias intervenções dissonantes.
Maio - Vital Moreira abandona o PCP
1991
Agosto - PCP toma posição pública de apoio ao “golpe de Moscovo” contra Gorbatchev
Agosto - Reunião de militantes críticos no Hotel Roma contesta posições do PCP sobre a URSS
Outubro - Segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, o PCP tem 8,8 % e 17 deputados.
Novembro - PCP expulsa Barros Moura, Mário Lino, Raimundo Narciso
e José Luís Judas
Dezembro - Gorbatchev resigna
Os acontecimentos listados e a correspondência das datas falam por si.
Há que destacar o facto de o PCP se encontrar entre dois fogos. Por um lado as denúncias e reformas pouco ortodoxas de Gorbatchev e, por outro, a dinâmica vitoriosa de Cavaco e do que ele representava. Os acontecimentos na URSS dificultavam uma lógica revolucionária e, ao mesmo tempo, a prática eleitoral em Portugal revelava cada vez mais as suas próprias limitações.
Nos oito anos que medeiam entre 1983 e 1991 o PCP passou de 18,07 % e 44 deputados para 8,8 % e 17 deputados.
Talvez nunca se venha a saber em que medida Cavaco beneficiou das convulsões na URSS, convulsões que podem ter afectado não só o PCP como toda a esquerda.
A situação de cerco sofrida pelo PCP nos anos oitenta também explica as dificuldades que o partido teve quando foi preciso lidar, internamente, com as vozes dissonantes de destacados militantes.
Tanto Gorbatchev como os dissidentes do PCP seguiram uma linha idêntica; exigiram a abertura ao mundo e a reposição de práticas democráticas. Denunciaram os erros e os crimes que, em sua opinião, tinham sido cometidos.
Não quiseram, ou não souberam, no entanto, enunciar alternativas viáveis, anti-capitalistas, às relações de produção e às opções económicas e sociais que caracterizavam a sociedade soviética. Sociedade soviética que, quer queiram quer não, funcionava como modelo para muitos comunistas e como mostruário para os cidadãos comuns.
A partir de 1992, e em alguns casos mesmo antes, os mais destacados dissidentes esqueceram o PCP, e aparentemente as suas utopias, e trataram de prosseguir as suas carreiras políticas no PS, no BE ou, no caso de Zita Seabra, mesmo no PSD.
Dez anos mais tarde, por incrível que pareça, a Renovação Comunista limitou-se a reeditar, em ambiente mais “soft”, as experiências dos anos oitenta e, ao fim de algum tempo, acolheu-se à proteccção do Bloco de Esquerda. A história repete-se.
Desta forma se chegou à pantanosa situação actual em que, do CDS ao PCP, as propostas mais radicais para a sociedade portuguesa não vão além do “capitalismo civilisado” e da “salvação do Estado Social” mesmo quando os caminhos para os atingir são espectacularmente diferentes uns dos outros.
Nos próximos “episódios”, se conseguir, tentarei explicar:
- como é que eu, um militante de base, sem fama mediática, dedicado ao trabalho sindical numa empresa de tecnologia, vivi os agitados “anos Gorbatchev”
- a minha opinião sobre a versão soviética da utopia igualitária, os seus desiludidos, e as diversas maneiras de lidar com o que sobrou dela.
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Andava ainda a remoer a ausência, em qualquer dos livros, de uma abordagem da “queda da utopia” que atingiu, no fim do século XX, tanto os autores como muitos outros milhares de militantes entre os quais me incluo. Sem menosprezar a importância dos depoimentos contidos nos livros não deixo de considerar que muito mais importante teria sido, para mim, uma explicação de como os autores lidaram com o luto das suas convicções.
Quis o acaso que nesse preciso momento eu encontrasse num jornal a notícia da participação de Gorbatchev num anúncio publicitário da VUITTON. Dizia assim:” Na imagem, repleta de simbolismo, Gorbachev aparece sentado no banco de trás de uma limusina com uma mala Louis Vuitton a seu lado, enquanto contempla, com nostalgia, o que resta do muro de Berlim.”
Para perceber o efeito que teve em mim tal coincidência é preciso saber como foi determinante o “período Gorbatchev”, na URSS, para a inspiração e eclosão das mais importantes dissidências que afectaram o PCP ao longo dos anos oitenta. Os mais distraídos, ou mais jovens, poderão para o efeito beneficiar de uma cronologia, mesmo que sintética:
1985
Março - Gorbatchev é eleito secretário-geral do PCUS
Junho - Cavaco torna-se Presidente do PSD
Agosto - Álvaro Cunhal publica “O Partido com as paredes de vidro”
Outubro - Cavaco ganha as legislativas, o PCP desce para 15,49 % dos votos e 38 deputados
1986
Fevereiro - Perestroika e Glasnost são apresentadas no 27º Congresso do PCUS
Março - O “Documento dos Seis” é entregue à direcção do PCP por Vital Moreira,Veiga de Oliveira, Silva Graça, Victor Louro, F. Marques e D. Martins
1987
Julho - Primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, o PCP tem 12,14 % e 31 deputados.
1988
Maio - Zita Seabra é expulsa da Comissão Política do PCP
Junho -É apresentado o documento da “Terceira Via” por Pina Moura, Raimundo Narciso e outros.
Novembro - Zita Seabra é expulsa da Comité Central do PCP
Dezembro - XII Congresso do PCP, no Porto. José Luís Judas, Barros Moura e outros fazem intervenções críticas.
Dezembro - Zita Seabra publica "O Nome das coisas" nas Publicações
Europa-América
1989
Março - Raimundo Narciso demite-se de funcionário do PCP
Novembro - Queda do muro de Berlim
1990
Janeiro - Vital Moreira publica "Reflexões sobre o PCP", na Editorial Inquérito
Janeiro - INES é apresentado no Forum Picoas com adesão de muitos comunistas do sector intelectual
Maio - XIII Congresso do PCP em Loures, o primeiro depois da queda do muro de Berlim, assiste a várias intervenções dissonantes.
Maio - Vital Moreira abandona o PCP
1991
Agosto - PCP toma posição pública de apoio ao “golpe de Moscovo” contra Gorbatchev
Agosto - Reunião de militantes críticos no Hotel Roma contesta posições do PCP sobre a URSS
Outubro - Segunda maioria absoluta de Cavaco Silva, o PCP tem 8,8 % e 17 deputados.
Novembro - PCP expulsa Barros Moura, Mário Lino, Raimundo Narciso
e José Luís Judas
Dezembro - Gorbatchev resigna
Os acontecimentos listados e a correspondência das datas falam por si.
Há que destacar o facto de o PCP se encontrar entre dois fogos. Por um lado as denúncias e reformas pouco ortodoxas de Gorbatchev e, por outro, a dinâmica vitoriosa de Cavaco e do que ele representava. Os acontecimentos na URSS dificultavam uma lógica revolucionária e, ao mesmo tempo, a prática eleitoral em Portugal revelava cada vez mais as suas próprias limitações.
Nos oito anos que medeiam entre 1983 e 1991 o PCP passou de 18,07 % e 44 deputados para 8,8 % e 17 deputados.
Talvez nunca se venha a saber em que medida Cavaco beneficiou das convulsões na URSS, convulsões que podem ter afectado não só o PCP como toda a esquerda.
A situação de cerco sofrida pelo PCP nos anos oitenta também explica as dificuldades que o partido teve quando foi preciso lidar, internamente, com as vozes dissonantes de destacados militantes.
Tanto Gorbatchev como os dissidentes do PCP seguiram uma linha idêntica; exigiram a abertura ao mundo e a reposição de práticas democráticas. Denunciaram os erros e os crimes que, em sua opinião, tinham sido cometidos.
Não quiseram, ou não souberam, no entanto, enunciar alternativas viáveis, anti-capitalistas, às relações de produção e às opções económicas e sociais que caracterizavam a sociedade soviética. Sociedade soviética que, quer queiram quer não, funcionava como modelo para muitos comunistas e como mostruário para os cidadãos comuns.
A partir de 1992, e em alguns casos mesmo antes, os mais destacados dissidentes esqueceram o PCP, e aparentemente as suas utopias, e trataram de prosseguir as suas carreiras políticas no PS, no BE ou, no caso de Zita Seabra, mesmo no PSD.
Dez anos mais tarde, por incrível que pareça, a Renovação Comunista limitou-se a reeditar, em ambiente mais “soft”, as experiências dos anos oitenta e, ao fim de algum tempo, acolheu-se à proteccção do Bloco de Esquerda. A história repete-se.
Desta forma se chegou à pantanosa situação actual em que, do CDS ao PCP, as propostas mais radicais para a sociedade portuguesa não vão além do “capitalismo civilisado” e da “salvação do Estado Social” mesmo quando os caminhos para os atingir são espectacularmente diferentes uns dos outros.
Nos próximos “episódios”, se conseguir, tentarei explicar:
- como é que eu, um militante de base, sem fama mediática, dedicado ao trabalho sindical numa empresa de tecnologia, vivi os agitados “anos Gorbatchev”
- a minha opinião sobre a versão soviética da utopia igualitária, os seus desiludidos, e as diversas maneiras de lidar com o que sobrou dela.
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Wednesday, August 8, 2007
A minha leitura "Foi Assim":
Acabei de ler o ultimo livro da Zita Seabra.
Não vou entrar na discussão sobre os factos referidos (cujo relato aliás não me trás nada de verdadeiramente novo) nem sobre os intuitos mais ou menos velados da narrativa (deixo isso para quem ache que tem algumas contas a ajustar com a narradora).
Zita Seabra quis fazer de “Foi assim” a descrição do seu percurso pessoal; e foi sob esse ponto de vista que eu o li.
Chegada ao final, a imagem que me ficou é a de alguém que em relação ao seu comprometimento com o Comunismo e o PCP, entrou e saiu pela mesma via muito emocional e pouco reflexiva.
Como a própria afirma, não tinha lido as obras de Engels e Lenine, nem conhecia bem o pensamento de Marx; o seu coração foi recrutado pelos “Subterrâneos da Liberdade” de Jorge Amado. Não é defeito, e é um caso muito comum na sua geração!
Já a sua saída, motivada essencialmente pela desilusão das expectativas e não pela análise das contradições entre teorias e resultados, é muito pobre, atendendo a que se trata de alguém que teve um lugar de grande responsabilidade.
Pela maneira como fala, acho que seja qual for o ponto onde neste momento se situa, Zita Seabra está nele com a mesma certeza absoluta que teve no seu posicionamento anterior.
E por isso, a sensação que me deixou foi a de que não aprendeu nada.
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A explicação do AAA e do RAF
Subsídios para a compreensão do caso RAF, por António Figueira no Cinco Dias. Só falta explicar o Rui Carmo.
Continua, sempre
Bom, mesmo era se as viagens, os telemóveis topo de gama, as unhas de gel estivessem reservados para a fidalguia autêntica, verdadeira, os Braganças e os Távoras. As febras de porco fumegantes e o tinto carrascão ficavam para os Calvões, esses plebeus. Se tudo estivesse no seu lugar.
Tem razão, João Távora: a luta continua.
Tem razão, João Távora: a luta continua.
Tuesday, August 7, 2007
Madrid só tem mesmo Starbucks
Não sei se repararam no comentário do Rui Pereira à minha mensagem “Starbucks Everywhere” (e não sei se alguma vez repararam no fotoblogue do Rui, Stopping Light – merece bem a pena). Chamou-me o Rui a atenção para o facto de existirem 22 Starbucks em Paris. Palavra que eu nunca tinha reparado em mais do que três (e se há cidade que eu conheço bem, é Paris): um no Odeon, outro na Ópera e aquele que fotografei, numa área comercial e de serviços perto de onde vivia. E isto porquê? Porque os Starbucks nem se notam em Paris. Paris tem muito mais para oferecer que os Starbucks, que passam despercebidos. Em Nova Iorque eles estão em todo o lado, tal como as Barnes and Nobles, mas há muito mais que ver. Já em Madrid, pelo contrário, não conseguem passar despercebidos, pois a capital espanhola não tem muito mais para oferecer do que os Starbucks.
Golpe quase perfeito
Em "Golpe quase perfeito" de Lasse Hallstrom, Clifford Irving (Richard Gere) vê-se confrontado com as "regras do mercado" enquanto escritor que pretende projectar a sua obra.
Revoltado resolve reagir num plano em que, presume, está em vantagem; a pura ficção.
Já que não publicam os seus livros então ele inventa uma entrevista com o mais famoso, pelo secretismo e exoterismo, dos empresários americanos Howard Hughes.
O desenlace kafkiano mostra que Howard Hughes, actuando qual "mão invisível", é exímio a manobrar quer a realidade quer a ficção.No sistema comunicacional com que Clifford Irving se confronta a ficção e a realidade podem perfeitamente misturar-se a bem da rentabilidade.
Ficção e realidade precisam cada vez mais de se confundir para nós continuarmos a comprar.
É caso para dizer: quem é que precisa da second life ?
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Monday, August 6, 2007
3.000 Assinaturas
Às 20:30 horas de hoje a Petição Radares 50-->80 atingiu as 3.000 assinaturas.
A partir de agora as notícias da Petição serão dadas no novo Blog radares50-80.blogspot.com
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¡Madrid me mata… de aburrimiento!
O que é Madrid, afinal? Não sei ou, pelo menos, não descobri, nos três dias que lá passei. Visitei dois museus de qualidade (o Reina Sofia e o Prado). De resto, um rio lastimável (o Manzanares), um palácio real e uma ópera vulgares, um jardim (o Retiro) igual a tantos outros, um estádio (Santiago Bernabéu) que é um monte de betão, uma praça (Cibelles) engraçadita mas nada de extraordinário, uma Gran Via igual a tantas avenidas em todo o mundo (e sem nada que a destaque)…
Tudo o resto é uma cidade vulgaríssima, com casas, algum comércio de bairro, uns restaurantes e cafés… Mais nada. Nada de nada.
Quer-se escolher um postal de Madrid e o que há para enviar? O que distingue Madrid de outras cidades, de forma a permitir identificar a capital espanhola num postal? Só a Praça Maior. Essa, sim, é uma praça bonita e única. Distinta. As ruas à volta (a zona até à câmara municipal) são engraçadas. Só esta pequena zona à volta da Praça Maior permite a um visitante sentir que está em Madrid e não noutra cidade vulgar qualquer. Tirando isso, só mesmo Moncloa e a sua arquitectura franquista (é triste mas é verdade) permitem a alguém que tenha sido transportado para lá sem saber abrir os olhos e reconhecer que está em Madrid. Muito, muito pouco para uma capital europeia. Principalmente com as pretensões de Madrid.
Gosto de tudo o (pouco) que visitei em Espanha até hoje menos Madrid. De Oviedo, Gijon, Vigo, Corunha, Santiago de Compostela (ah… Santiago de Compostela!). Achei todas estas cidades mais interessantes do que Madrid. Mesmo El Escorial, nos arredores da capital. Acho que nunca tinha apanhado uma decepção tão grande com uma cidade.
Valham os espanhóis. Dos espanhóis, pelo contrário, guardo as melhores recordações (sobretudo de madrilenos mas não só). São o povo mais simpático que eu conheci.
Sunday, August 5, 2007
São Cavaco, padroeiro dos jornalistas
Friday, August 3, 2007
Le Big Mac
A minha resposta ao desafio do Nuno Ramos de Almeida. Vem a calhar, tendo em conta as discussões sobre franchising que se sucederam ao meu texto sobre o Starbucks.
Carta Aberta a António Costa e Sá Fernandes
Deixem-me começar por saudar a vossa tomada de posse, no passado 1 de Agosto, e desejar-vos o maior sucesso a bem de Lisboa.
Tomo esta iniciativa como cidadão nascido em Lisboa e residente nela, ou nas cercanias, há 62 anos.
Fiquei muito surpreendido por verificar que os temas da corrupção e da gestão ruinosa da anterior vereação desapareceram dos vossos discursos. Também não consigo entender como é que Sá Fernandes vai “cuidar das buganvílias” em vez de se dedicar aos temas que o tornaram conhecido dos lisboetas.
Por favor não me venham dizer que o assunto está entregue às entidades competentes; por esse caminho ainda chegamos às eleições de 2009 sem conclusões ou, ainda pior, “em águas de bacalhau”.
As insinuações e acusações que foram feitas antes da queda do anterior executivo camarário e mesmo depois durante a campanha eleitoral, pela sua gravidade, obrigam-vos a estudar os documentos a que agora vos foi dado acesso, os processos de trabalho que agora dependem do vosso julgamento e os comportamentos administrativos que agora vos compete avaliar.
Seria muito mais coerente pôr Sá Fernandes a dirigir um “Grupo de Trabalho contra a Corrupção e a Gestão Ruinosa” que, no prazo de alguns meses, divulgasse os contornos de todas as operações ilegítimas ou reprováveis, os nomes dos autarcas nelas envolvidos e dos funcionários da Câmara coniventes ou cúmplices. E também as medidas recomendadas para evitar a repetição de casos semelhantes no futuro.
Sem prejuízo das responsabilidades judiciais, que são de outro âmbito, compete-vos atribuir e sancionar as responsabilidades políticas, administrativas e disciplinares.
Se o Presidente e o vereador da Câmara de Lisboa o não fizerem correrão o risco de ver os cidadãos concluir uma de duas coisas; ou que pactuam com os desmandos e as ilegalidades ou que, afinal, todas as denúncias não passavam de manobras politiqueiras.
Não se esqueçam dos 62 % de abstencionistas do dia 15 de Julho.
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Thursday, August 2, 2007
Ponte sobre o Mississipi
Foto The New York Times
Final de Maio de 2002 (à volta do feriado do Memorial Day). De Nova Iorque até Chicago, pelo Midwest, e depois passando pelo Wisconsin até chegar ao Minnesota. Em autocarros Greyhound e, como referi, tomando o pequeno almoço em cafés Starbucks. O meu objectivo final era as cidades gémeas, Minneapolis e Saint Paul. Separadas pelo Mississipi. E ligadas por pontes como a que caiu ontem.
Final de Maio de 2002 (à volta do feriado do Memorial Day). De Nova Iorque até Chicago, pelo Midwest, e depois passando pelo Wisconsin até chegar ao Minnesota. Em autocarros Greyhound e, como referi, tomando o pequeno almoço em cafés Starbucks. O meu objectivo final era as cidades gémeas, Minneapolis e Saint Paul. Separadas pelo Mississipi. E ligadas por pontes como a que caiu ontem.
Starbucks everywhere
Wednesday, August 1, 2007
Mais 1000 assinaturas em dois dias.
Às vinte horas de hoje a Petição Radares 50 --> 80 atingiu as 2000 assinaturas.
Precisamente no dia em que António Costa tomou posse.
As primeiras 1000 assinaturas demoraram 6 dias, de 24 a 30 de Julho, enquanto que as segundas 1000 só precisaram de dois dias.
Isto é ainda mais significativo pelo facto de estarmos em pleno período de férias.
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Em Madrid, desde que o café é café
Encontrava-me acabado de chegar à capital espanhola. Por razões que não vêm ao caso, tinha acabado de comer ameixas, sentado num banco público, em plena Gran Via. Tinha as mãos sujas e não dispunha de um guardanapo. Tinha acabado de almoçar e precisava de um café.
Mesmo em frente a mim encontrava-se uma “chocolateria”, fundada em 1935. E que parecia na mesma como em 1935, ou pelo menos como no franquismo. As mesas, as ementas, os talheres, a louça fina. A esplanada no passeio, separada por canteiros. Os aquecimentos para quem se quiser sentar ao ar livre no Inverno, uma ideia provavelmente importada de Paris. Os empregados de gravata.
A alternativa residia um quarteirão acima. Um Starbucks, algo que, como viria a descobrir depois, é bastante frequente na cidade. Hesitei; não mais entrara na cadeia de cafés norte-americana desde que saí dos EUA, há quase quatro anos. Mas a alternativa era mesmo a chocolateria, o café em Espanha às vezes é mau, e no Starbucks pode ser sempre a mesma coisa mas ao menos é seguro. Entrei.
Foi bom beber o mesmo café que bebia há quatro anos, nas minhas deambulações pela América profunda, quando queria um espresso minimamente de confiança. Foi bom reencontrar o mesmo leite à disposição do cliente, que foi parte de vários pequenos-almoços meus. Foi bom poder servir-me da casa de banho à vontade. Não li o The New York Times, mas li o El Pais e a Marca à minha vontade enquanto tomava o meu café e na sala tocava o Rufus Wainwright. Sobretudo, foi bom reencontrar-me com o mesmo tipo de pessoas de antes. Empregados simpáticos e eficientes. Clientes de proveniências diversas, jovens na sua maioria, sozinhos ou em grupos. A conversarem, a namorarem, a navegarem na internet sem rede nos seus portáteis. Foram ao Starbucks para tomarem café, nas muitas variedades em que este lá se encontra, e para passarem algum tempo e conviverem. Não para “mostrarem” aos outros clientes que também são chiques. Na verdade um cliente do Starbucks só está preocupado consigo e com a sua companhia. Desde que não o incomodem, não quer saber se os outros clientes andam com uma mochila às costas e se têm as mãos todas cagadas de ameixa. A diferença principal em relação à chocolateria é mesmo esta. Como poderia eu lá ter entrado?
Foi um prazer saborear um bom café, mas o melhor mesmo foi reencontrar um pouco de Nova Iorque em plena Madrid.
Enquanto o café em Portugal for de qualidade e barato (apesar do muito que tem aumentado), não creio que corramos o risco de sermos invadidos pelo Starbucks. Mas se a moda de servir o café com dois pires e uma bolacha em pacote se generalizar, não dou muito tempo para termos o Starbucks cá.
Este texto foi publicado originalmente no Cinco Dias. Vale a pena acompanhar a discussão nos comentários lá.
Mesmo em frente a mim encontrava-se uma “chocolateria”, fundada em 1935. E que parecia na mesma como em 1935, ou pelo menos como no franquismo. As mesas, as ementas, os talheres, a louça fina. A esplanada no passeio, separada por canteiros. Os aquecimentos para quem se quiser sentar ao ar livre no Inverno, uma ideia provavelmente importada de Paris. Os empregados de gravata.
A alternativa residia um quarteirão acima. Um Starbucks, algo que, como viria a descobrir depois, é bastante frequente na cidade. Hesitei; não mais entrara na cadeia de cafés norte-americana desde que saí dos EUA, há quase quatro anos. Mas a alternativa era mesmo a chocolateria, o café em Espanha às vezes é mau, e no Starbucks pode ser sempre a mesma coisa mas ao menos é seguro. Entrei.
Foi bom beber o mesmo café que bebia há quatro anos, nas minhas deambulações pela América profunda, quando queria um espresso minimamente de confiança. Foi bom reencontrar o mesmo leite à disposição do cliente, que foi parte de vários pequenos-almoços meus. Foi bom poder servir-me da casa de banho à vontade. Não li o The New York Times, mas li o El Pais e a Marca à minha vontade enquanto tomava o meu café e na sala tocava o Rufus Wainwright. Sobretudo, foi bom reencontrar-me com o mesmo tipo de pessoas de antes. Empregados simpáticos e eficientes. Clientes de proveniências diversas, jovens na sua maioria, sozinhos ou em grupos. A conversarem, a namorarem, a navegarem na internet sem rede nos seus portáteis. Foram ao Starbucks para tomarem café, nas muitas variedades em que este lá se encontra, e para passarem algum tempo e conviverem. Não para “mostrarem” aos outros clientes que também são chiques. Na verdade um cliente do Starbucks só está preocupado consigo e com a sua companhia. Desde que não o incomodem, não quer saber se os outros clientes andam com uma mochila às costas e se têm as mãos todas cagadas de ameixa. A diferença principal em relação à chocolateria é mesmo esta. Como poderia eu lá ter entrado?
Foi um prazer saborear um bom café, mas o melhor mesmo foi reencontrar um pouco de Nova Iorque em plena Madrid.
Enquanto o café em Portugal for de qualidade e barato (apesar do muito que tem aumentado), não creio que corramos o risco de sermos invadidos pelo Starbucks. Mas se a moda de servir o café com dois pires e uma bolacha em pacote se generalizar, não dou muito tempo para termos o Starbucks cá.
Este texto foi publicado originalmente no Cinco Dias. Vale a pena acompanhar a discussão nos comentários lá.
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