Wednesday, April 30, 2008
O meu 1º de Maio há 40 anos
Já não há paciência para o Rui Patrício
Eu não estava a brincar quando afirmei que ia ter saudades do Ricardo. Nunca vi o Sporting sofrer tantos golos ridículos numa só época como nesta. Para mim a gota de água foi este fim de semana, no jogo contra o Marítimo. O Rui Patrício simplesmente não sabe segurar uma bola!
Mas pior do que os seus frangos é a atitude perante os seus colegas de defesa, nomeadamente o Anderson Polga. Das imagens da discussão entre Patrício e Polga após o ridículo golo do Marítimo este fim de semana transparecia a falta de respeito do campeão do mundo em 2002 pelo jovem guarda redes, que pode ser promissor mas está claramente a queimar etapas necessárias ao seu desenvolvimento. Já custou muitos pontos ao Sporting (e este fim de semana custaria mais dois, não fosse o árbitro ter sido benévolo ao assinalar uma grande penalidade para mim inexistente, mas que por acaso e para variar foi convertida). Uma equipa com as ambições do Sporting precisa de um guarda redes que transmita confiança e se faça respeitar, e claramente o Rui Patrício, pelo menos por agora, não reúne restas qualidades. O Polga tem toda a razão para ficar irritado. Ricardo, regressa depressa!
As armadilhas do gratuito
Público, 29.04.2008, Desidério Murcho
Chris Anderson, editor-chefe da revista Wired, publicou recentemente nesta revista um excerto do seu novo livro, Free, a publicar em 2009 pela Hyperion. Nesse artigo, cujo título pode ser traduzido por Gratuito! Porque 0,00? é o futuro dos negócios, Anderson fala dos diferentes tipos de negócios digitais rentáveis.
Dado ser tão fácil copiar e distribuir músicas, livros, etc., na Internet, e dada a mentalidade que se instalou de que tudo na Internet é gratuito, um negócio digital só é rentável quando temos uma carteira gigantesca de clientes, dos quais cerca de um por cento pagam o serviço. É o que acontece com serviços como o Flickr e outros: é quase tudo gratuito, mas se quisermos mais umas funcionalidades pagamos uma ninharia anual. E isso é suficiente para sustentar o negócio - desde que esse serviço atinja milhões de pessoas.
É por isso que o futuro digital não é radioso. Um músico, escritor ou engenheiro de software só consegue tornar o seu produto rentável caso seja usado por milhões de pessoas - para que cerca de um por cento delas pague o suficiente para esse criador viver. Só é possível pensar que isto é um futuro radioso quando se pensa que o trabalho criativo é gratuito. Mas o trabalho criativo não é gratuito, e quanto mais sofisticado for, quantas mais horas e talento requer, mais caro é. A ideia de que o freeware é gratuito, por exemplo, é ilusória: quem o paga, paradoxalmente, é quem o faz - e quem ganha com isso é quem o usa. É o mundo às avessas.
Outro modelo do nosso futuro digital é na realidade bem velho: é apenas o triste conceito da televisão aberta. Na televisão aberta, o consumidor não paga directamente os filmes, notícias e documentários que consome. Paga indirectamente, comprando produtos que são mais caros para poderem ser publicitados na televisão, e são esses anunciantes que pagam directamente o que o consumidor tem a falsa impressão de consumir gratuitamente. O gratuito, claro, sai caro. Como os anunciantes estão interessados em atingir o maior número possível de consumidores, impera na televisão aberta o populismo. A Internet está a ficar cada vez mais igual à televisão aberta, precisamente porque vive da publicidade e a publicidade vive da quantidade bruta de pessoas que a consomem.
O nosso presente digital é feito de grandes companhias a ganhar muito dinheiro à custa da frivolidade populista e da exploração de criadores talentosos que tornam a Internet interessante mas que vêem o dinheiro passar ao lado. Como pode alguém pensar que este mundo é maravilhoso? Bem, para o director da Wikipédia, por exemplo, é realmente maravilhoso. Esta enciclopédia é feita com o trabalho gratuito de muitas pessoas. Quem quiser, pode fazer donativos. E há sempre quem faça - os tais cerca de um por cento. Mas precisamente porque a Wikipédia é gratuita, todo esse dinheiro vai para o director, advogados e secretárias - mas não para quem realmente escreve a Wikipédia. É este o verdadeiro rosto da nova economia digital: escravatura de cara alegre.
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Este interessante texto passou um bocado ao lado da nossa blogosfera, mais preocupada que está em seguir o rançoso dia-a-dia da vida política. Trata de questões importantes como o significado e o valor do trabalho criativo e também das negociatas que se fazem à sobra dos aparentemente bem intencionados fornecimentos gratuitos.
Eu até acho que o nosso sentido crítico devia ser estendido a muitos outros domínios onde as lógicas do zero, ou do preço subsidiado, funcionam tais como: as várias "tolerâncias zero", os "zero acidente", os "zero calorias", o "software livre" e os serviços "gratuitos" prestados por empresas ou pelo Estado Social.
O método consiste em perguntar sempre: (1) quem usa realmente essas gratuitidades ? (2) quem é que acaba por pagá-las ? (3) quem é que enriquece pelo facto de elas existirem ?
Tuesday, April 29, 2008
Notas soltas
Há tempos António Barreto, na sua crónica que publica regularmente aos Domingos no Público, comentou muito favoravelmente um livro recentemente editado e que se chama Holocausto. Este trata da descolonização e dos primeiros anos de independência de Angola. Nesse livro aparece em fac-simile uma carta forjada do almirante Rosa Coutinho ao dirigente do MPLA, Agostinho Neto, e que António Barreto dá como verdadeira, comentando horrorizado o seu conteúdo
O assunto foi pouco referido nos media, no entanto, JoãoTunes primeiro, no Água Lisa, e depois Victor Dias, no Tempo das Cerejas, aqui e ali, na blogosfera, e Ferreira Fernandes em comentário assinado no Diário de Notícias pegaram no assunto e denunciaram a marosca.
Esperava-se que António Barreto, reconhecendo ter citado uma carta forjada, se retratasse e pedisse desculpa ao visado. No último Público de Domingo (27/04) aparece finalmente uma desculpa de António Barreto e um grande artigo, bastante crítico em relação ao cronista, do provedor dos leitores daquele jornal, Joaquim Vieira.
A história está pois contada nos sites que fui indicando. Quem a quiser seguir pode ir clicando aqui e ali e rapidamente se aperceberá do conteúdo do livro e do artigo do António Barreto.
Nesta história não sei o que mais me espanta se a suposta ingenuidade de António Barreto, que afirma textualmente, no desmentido referido: “O almirante Rosa Coutinho acaba de negar, na revista Visão, a autoria da carta. Lamento ter utilizado como argumento esse documento apócrifo. As minhas desculpas ao senhor almirante e aos leitores”, se a desvergonha de alguém que acredita que uma carta, em papel timbrado, do alto-comissário para Angola poderia conter os desplantes referidos na sua crónica. Só um espírito embotado pelo pior anti-comunismo e com pouca coragem poderia produzir estas duas coisas: citar a carta e desmenti-la posteriormente, como se fosse um pormenor sem qualquer importância
II – A ignorância dos jovens sobre o 25 de Abril
Relataram os media que Cavaco Silva no discurso que pronunciou na Assembleia da República, no dia 25 de Abril, referiu-se à ignorância dos jovens sobre o significado daquela data. Para isso citou um inquérito de opinião efectuado pela Universidade Católica em que foram feitas três perguntas a que os jovens não souberam, na sua maioria, responder. A primeira era qual tinha sido o primeiro Presidente da República eleito democraticamente depois do 25 de Abril, a segunda, quantos Estados compunham actualmente a União Europeia e a terceira, se o PS tinha obtido ou não a maioria absoluta nas últimas eleições.
Acho que anda tudo doido, como é que a partir destas três perguntas, em que duas delas nada têm a ver com o 25 de Abril e outra só indirectamente, já que o Presidente da República foi eleito muito depois, se pode induzir que os jovens desconhecem o significado aquela data. A única conclusão que se pode tirar é de que têm fracos conhecimentos sobre a história contemporânea de Portugal, não têm informação suficiente sobre a União Europeia e não estão a par da situação política actual. Nada ficamos a saber sobre a ignorância dos jovens relativa ao 25 Abril.
Esta história, que motivou um variado leque de comentário dos nossos cronistas, tem no entanto pouco tem a ver com a realidade.
Isto porque o estudo da Universidade Católica, denominado Os Jovens e a Política, é um inquérito muito mais extenso, em que aquelas três perguntam estão relacionadas com os conhecimentos políticos da população em geral e não com o 25 de Abril em particular e não se dirigem exclusivamente aos jovens.
O próprio Presidente da República no seu discurso faz uma distinção entre os objectivos do estudo, por ele encomendado à Universidade Católica, e a relação da juventude com o 25 de Abril. No entanto, ao reproduzir unicamente aquelas três perguntas e ao limitar as respostas àquela faixa etária é também responsável pela confusão gerada, que levou os media, a partir daquelas perguntas, a afirmar que os jovens desconheciam o que tinha sido o 25 de Abril.
Mesmo o Público, que cita o estudo, é capaz de afirmar que “o que mais impressiona o chefe de Estado é "ignorância" dos jovens, pois muitos não sabem sequer o que foi o 25 de Abril, nem o que significou para Portugal”. Quanto à Televisão Pública foi o descalabro, não só tirou iguais conclusões sobre a ignorância dos jovens relativamente à data, como de seguida, em inquérito de rua, foi interrogar outros jovens com as mesmas perguntas, chegando à conclusão que eles nada sabem. Alguns, por acaso, até sabiam.
Depois, para demonstrar o desinteresse do cidadão por aquela data, vai à Costa da Caparica interrogar alguns banhistas porque é que eles estavam ali a apanhar Sol e não a comemorar o Dia da Liberdade. Já se sabe este tipo de perguntas só amplia, por contraste, o desinteresse das pessoas pelo significado da data. Quando a participação cívica se torna obrigação e dever e não puro prazer, o cidadão encontra imediatamente justificações para fugir a essa participação. Por isso, parece-me sempre de mau gosto, e um apelo sub-reptício à inacção, quando um inquérito televisivo opõe praia ou férias a deveres de cidadania.
Quanto à interrogação do Presidente da República relativa à ignorância dos jovens sobre o 25 de Abril, ao menos que, para a próxima, peça que ponham uma pergunta sobre aquela data.
Viver como se o PSD não existisse
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Eu sei que é difícil, que a tentação de comentar é muito forte, que os episódios são caricatos, que isto afecta a democracia, que é quase incontornável, que nos invade a casa pela TV. Mas a bem da nossa sanidade mental não poderíamos tentar viver como se o PSD não existisse ? Deixo este desafio. Eu ando a tentar.
(os bonecos foram publicados na VISÃO há uns tempos)
Monday, April 28, 2008
Max Mosley e os traseiros açoitados
Nada disso tem a ver com liberdades pessoais, de comportamentos que só digam respeito ao próprio indivíduo (e a adultos que voluntariamente se associem). Pertence a este grupo a privacidade sexual, incluindo fetiches que nos possam parecer repugnantes e que estejam associados a uma simbologia e a factos históricos que repudiamos. É este o caso das fantasias sexuais de Max Mosley, presidente da Federação Internacional do Desporto Automóvel, que mais uma vez faltou a um Grande Prémio de Fórmula 1. O passado político do seu pai não se recomenda mesmo nada, mas tal não torna legítimo julgar as suas fantasias sexuais, e muito menos pedir a sua demissão por um caso que não tem nada a ver com a Fórmula 1. Sobre este assunto, recomendo uma das recentes colunas “Piedra de Toque” de Mário Vargas Llosa.
She makes me want to be a better man
Não sei se a Helen Hunt é inteligente mas lá que parece... Confesso que tenho um fraquinho.
Vem isto a propósito de uma notícia do Expresso (é um bom pretexto não é ?) em que nos informam da estreia recente de um filme realizado por Helen Hunt, "Then she found me" (isso querias tu). Claro que eu nunca esquecerei "Melhor é impossível" (As good as it gets), em que ao lado de Jack Nicholson, "viveu" uma das mais belas declarações de amor da história do cinema.
Aqui fica para quem não viu ou para quem queira recordar.
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YOU MAKE ME WANT TO BE A BETTER MAN
Saturday, April 26, 2008
O meu 26 de Abril
O meu amigo tem este problema
Friday, April 25, 2008
Thursday, April 24, 2008
Viva a liberdade, viva a igualdade, viva a democracia
Não é correcto associar-se o 25 de Abril somente à liberdade (ignorando a igualdade) porque, como é bem sabido (na blogosfera é o que não falta) há muita gente que defende a liberdade e não quer nada com a igualdade. A recente (com pouco mais de um ano) campanha para o branqueamento do ditador Salazar, que culminou na sua designação como “O Maior Português” num programa de televisão, teve origem na blogosfera que só defende a liberdade (mas que eu nunca vi defender a democracia). Aliás eu tenho cá para mim que a maior ameaça à democracia, presentemente, provém (não só em Portugal) dos chamados “libertários”, os defensores incondicionais da liberdade. Eles próprios dizem: o 25 de Abril não é o dia deles.
A liberdade não pode ser ilimitada, porque acaba por colidir com a liberdade dos outros. Só pode ser irrestrita quando tal não originar conflitos com a igualdade. Senão, tal viola a democracia. Sobretudo, a mais liberdade corresponde sempre mais responsabilidade. Querer mais liberdade só por querer tem sempre outras consequências. Para o indivíduo e para todos. Pensem nisto.
Bom 25 de Abril.
O quotidiano em Bissau - 1969
Em comentário recente feito no entre as brumas da memória verifiquei que me equivocara quanto à fonte das informações que obtinha em Bissau sobre o Maio de 68 (eu parti para Bissau como tenente fuzileiro no dia 1 de Maio de 68 e a minha mulher algures em Agosto de 1968).
Por causa disso folheei a correspondência dessa época e resolvi procurar respostas também em imagens do quotidiano na nossa modesta casa. As imagens são do princípio de 1969.
A Maria Rosa, que era professora no liceu, estava provavelmente a preparar uma aula na nossa "sala de estar". Em cima da mesa pode ver-se, para além de um maço de Marlboro, um Diário de Lisboa cuja manchete era "Nixon queria...". Sobre a cama ao fundo há mais jornais.
À direita pode ver-se a rudimentar instalação esterofonica e os discos.
As leituras antes de adormecer, à sombra de um engenhoso candeeiro que eu construíra com cabaças. O livro é o "Fim de Semana na Guatemala" do Miguel Angel Asturias.
Outra perspectiva do nosso quarto. O que parece ser um roupeiro, com uma frente de pano, era onde tinha o "laboratório" com que produzia fotografias.
A estante rasteira tinha os livros que, consegui identificar ampliando a fotografia, incluíam as peças do Brecht, "O Judeu" e a "Crónica dos Pobres Amantes".
Em cima do banco de madeira são visíveis alguns exemplares da "Vida Mundial".
Na parede à esquerda uma esteira suportava um conjunto de fotografias, uma espécie de altar ideológico. Lá podem ver-se referências "Bonny and Clyde", Che Guevara, a guerra do Vietname, e o Maio de 68 (com a famosa fotografia dos líderes abraçados em manifestação - ver adenda no fim do post).
Pensei que este documento podia ser interessante para se perceber várias coisas; como se vivia na Guiné no período 68/69, como se tentava manter o contacto com a cultura, quais eram os temas que mais tocavam jovens como nós e também o que, apesar de tudo, naquele contexto era tolerado mesmo a um oficial da marinha de guerra.
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Adenda:
É esta a fotografia que figura na esteira em baixo à esquerda. Alain Geismar, Daniel Cohn-Bendit e Jacques Sauvageot desfilam em Paris.
Wednesday, April 23, 2008
O divórcio e o código laboral
José António Barros, o próximo presidente da Associação Empresarial de Portugal, veio a público lamentar o facto de "ser mais fácil uma pessoa divorciar-se do que despedir um empregado, o que é um contra-senso porque o casamento deveria ser mais estável do que a legislação laboral". Casado pela quarta vez, o empresário sabe do que fala e põe o dedo na ferida de duas liberdades cuja ampliação esteve esta semana em cima da mesa. (...) Não faz sentido que continue a ser mais fácil uma pessoa divorciar-se do que despedir um empregado.“Isto” é “João Marcelino” puro (mesmo que até nem tenha sido ele a escrever). A comparação entre o casamento e um contrato de trabalho não é para ser tomada à letra (como o editorialista, bem como o presidente da AEP, tomam). Isto porque o casamento é uma relação que deve pressupor igualdade de direitos e deveres entre ambos os cônjuges, não existindo perante a lei um mais poderoso. Já numa relação patrão-empregado tal igualdade não existe: o empregado será sempre o elo mais fraco. É isto que a direita liberalizadora se “esquece” sempre de referir. E será sempre assim, a menos que o trabalhador pudesse passar a poder despedir o patrão... Por isso os trabalhadores precisam de sindicatos e de legislação que lhes dê direitos e garantias (e que os proteja da arbitrariedade dos patrões). Não é legítimo querer alterar as leis laborais com base nas recentes alterações à lei do divórcio.
Dito isto, é claro que está implícita uma sensação de confiança e tranquilidade no trabalhador casado, que não existe se de um momento para o outro puder ser despedido ou o seu cônjuge pedir (e obtiver) automaticamente o divórcio. A sensação de insegurança é a mesma. É claro que se for essa a opção dos cônjuges, nada a opor. Em, teoria, nenhuma das opções (divórcio imediato a pedido ou só por comum acordo) viola a igualdade dos cônjuges, e a meu ver deveriam poder existir ambas. Cada casal escolheria a que quisesse e que mais se adaptasse à sua forma de encarar o casamento. Ao decidir assim unilateralmente pela possibilidade do divórcio a pedido, sem dar satisfações ao cônjuge, e sem salvaguardar o modelo anterior, o governo está a dar um sinal de que os termos de todos os contratos devem passar a ser assim, unilaterais. De que a precariedade deve passar a ser estendida ao casamento. Embora a nova legislação laboral não consagre esse princípio (e ninguém crê que alguém no governo julgue que devesse consagrar), o sinal dado é claro. Os editorialistas de direita e o patronato já estão a aproveitar esse sinal. Que o Bloco de Esquerda não o distinga, não me surpreende. O que me surpreende é o PS e, principalmente, o PCP não o distinguirem. Agora aturem-nos.
Ainda o 18 de Abril de 1974
Entretanto descobri uma interessante crónica do Notícias da Amadora, publicada em 2003, que descreve o que aconteceu no jornal nesse mesmo dia e que, obviamente, tem muito a ver com o quadro em que se inscreve o meu caso.
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Tuesday, April 22, 2008
O Maio de 68
O Maio de 68 apanhou-me ainda na Faculdade de Ciências. Curso “longo”.
Entre estes dois factos passou-se também a Primavera de Praga, que só em Agosto desse ano se tornou quente, com a ocupação daquele país pelas tropas do pacto de Varsóvia.
Quanto ao Maio de 68, há pelo menos da parte dos jovens universitários comunistas um grande distanciamento em relação às movimentações estudantis, que considerávamos esquerdistas. Opúnhamo-las à responsabilidade dos operários, que aos milhões se puseram a fazer greve e que foram posteriormente apoiados e enquadrados pelos sindicatos e pelo PCF. Líamos muita literatura vinda das Edições Sociais, ligadas ao PCF, que em post posterior poderei referenciar, e que nos afirmavam categoricamente que os estudantes nunca seriam vanguarda de nada, nem eram capazes de fazer a revolução. Só a classe operária era depositária dessa possibilidade de transformação. Aceitámos portanto os acordos que os sindicatos fizeram com o patronato para conseguir melhores regalias sociais.
No entanto, fiquei sempre com a ideia, via Rádio Argel, que nunca fui capaz de confirmar, que o nosso PCP se tinha demarcado do PCF. Não sei se isto foi imaginação minha se de facto aconteceu. Sei que em debate recente no Vitória (PCP) ninguém foi capaz de confirmar esta minha suspeita.
Todos conhecem o final desta história. De Gaulle apela às tropas francesas localizadas Alemanha e um milhão de franceses, com Malraux à frente, desfilam nos Campos Elísios. O PCF e PS francês sofrem uma grande derrota eleitoral, confirmando aquilo que nós já dizíamos, que tudo não tinha passado de uma “anarqueirada”, para utilizar a célebre expressão de Bento Gonçalves.
É evidente que para alguns de nós outras esperanças despontavam a leste. Conhecíamos pelas revistas o novo cinema checo (eu era dirigente do cine-clube universitário - CCUL), sabíamos que uma época de renovação e liberdade se abria naquele país. Acreditávamos, alguns de nós, na possibilidade de renovação do paradigma socialista. Eu estava de férias, na praia, quando soube da ocupação de Praga. Indignei-me. Tinha saído de Lisboa com a convicção, partilhada com mais camaradas, que os checos iam no bom caminho. Eis senão quando, em Setembro, chego a Lisboa, e a palavra de ordem do Partido era apoiar a invasão. Valeu-nos nessa altura uma célebre carta, não me recordo a quem era dirigida, de Fidel de Castro, a justificar a invasão e a falar da atitude egoísta de alguns países socialistas que queriam ganhar dinheiro com a ajuda a Cuba: referia-se à Jugoslávia. Penso que também tenho um livrinho, que saiu nessa altura, com estas discussões. Aceitámos pouco convencidos, mas sem dúvida pensando que tinha sido derrotado um perigoso desvio direitista.
Neste ínterim, Salazar cai da cadeira e Marcelo é nomeado. O movimento associativo estudantil ganha uma nova dinâmica. Pelo menos, na Faculdade de Ciências, o novo Governo autoriza que haja um processo eleitoral para instalar de novo a Associação de Estudantes, eleita pelos seus sócios, pois estava a ser regida por uma Comissão Administrativa nomeada pelo Governo.
É nesta perspectiva que o Maio de 68 se começa a fazer sentir. Para a Reunião Inter-Associações (RIA), que agrupava todas as Associações Estudantis de Lisboa, é eleito no princípio do novo ano escolar um novo Secretariado, de que faziam parte o Alberto Costa (o actual Ministro da Justiça), à época militante do PCP, o Jaime Gama (Presidente da Assembleia da República), e ligado, julgo eu, à linha PS, o Serras Gago, não sei o que é feito dele, e a Teresa Melhano, boa amiga que há muito tempo não vejo.
Logo no início as Associações pretendem confrontar o novo Governo com a agitação estudantil e por isso são lançadas algumas manifestações e contestações. Sei que não tiveram êxito, mas que levaram a uma situação caricata, que está relacionada com o Maio de 68. Jaime Gama, em nome do Secretariado da RIA, devia levar a um plenário um moção de convocação de uma manifestação. Não o fez e a moção ficou sempre no seu bolso. Era inevitável a sua demissão do Secretariado. O seu discurso de justificação pela atitude tomada começou assim: “Lisboa não é Nanterre” e depois partia para outros considerandos de que eu já não me recordo.
Quanto às eleições em Ciências, a influência do Maio de 68 começava-se a fazer sentir. Foi criado um mural onde todos podiam escrever o que lhes apetecia. Nada disto se passava anteriormente. Os discursos dos candidatos, principalmente dos mais jovens, o que não era o meu caso – fui candidato a vice-presidente – eram muito mais soltos, os temas de Maio começavam a fazer o seu percurso. Era possível fazer reuniões, que provavelmente teriam um nome especial, de acordo com a linguagem do Maio francês, por tudo e por nada. Muitos dos participantes, alguns chegados mesmo de França reclamavam-se da míriade dos pequenos partidos existentes entre os estudantes franceses. Tive dificuldade em adaptar-me a este novo estilo, fui considerado um revisionista de direita e progressivamente fui-me afastando da Associação.
Tempo depois e na linha do Maio de 68 rebenta a crise académica em Coimbra.
Tenho a certeza que depois de Maio, e com o atraso típico de Portugal, a Universidade não foi a mesma. Já em 69, penso que no final do ano lectivo 68/69, o Secretariado da RIA cai e o Arnaldo de Matos é eleito para ele. Em Ciências nunca mais ninguém do PCP pôs os pés na Direcção da Associação de Estudantes. As direcções seguintes eram na sua totalidade “esquerdistas”. Mesmo, o “pobre” cineclube que durante tantos anos tinha sido influenciado pelo PCP acaba os seus dias com direcções do MRRP.
Penso que o Maio de 68 esquerdizou de forma irreversível, até ao 25 de Abril, o movimento estudantil. Quanto às liberdades de género, sexuais e outras, penso que, desde 62-64, elas se foram progressivamente introduzindo no estrito universo universitário, tendo-se alargado por esta época. Mas ainda me recordo que havia alguns jovens que tinham sérios problemas com os pais, que não os autorizavam a passar noites fora de casa ou mesmo a poderem sair à noite.
Estas recordações feitas de chofre, sem recurso a papeis ou a bibliografia, poderão vir a ser completadas se para tanto acharem qualquer interesse nestas minhas memórias.
PS.: Este texto foi publicado igualmente em http://trix-nitrix.blogspot.com/
John Archibald Wheeler (1911-2008)
Para saber mais: uma página toda dedicada a Wheeler, incluindo os obituários (destaque, como sempre, para o do The New York Times) e o The Reference Frame. E, no fim do mês, um novo volume da sua Gazeta de Física.
Monday, April 21, 2008
A contabilidade não funciona na guerra
Quem é o responsável pela crise alimentar?
Uma equipa fiável e que oferece garantias
Rock 'n' Roll
"Rock 'n' Roll", peça estreada em Junho de 2006 no Royal Court Theatre em Londres e agora em cena no Teatro Aberto. Os anos de 1968 a 1990, do movimento estudantil à queda do Muro de Berlim, são apresentados de uma dupla perspectiva: a partir de Praga, onde uma banda de rock 'n' roll se torna um símbolo de resistência ao "regime socialista", e a partir de Cambridge, onde o amor e a morte marcam a vida de três gerações da família de um filósofo marxista.
Antes de mais é importante frisar que esta interessantíssima peça de Tom Stoppard se integra num movimento cada vez mais notório de regresso aos anos finais da década de 60 como era mítica que podia ter aberto a porta a tudo aquilo que "a esquerda" gostava de ter alcançado (ver o blog da minha amiga Joana). Como alguém que tivesse escolhido a alternativa errada numa bifurcação e, muitos quilómetros depois, resolvesse voltar para trás para poder optar correctamente.
Este retorno ao passado, mais do que a preservação de uma memória respeitável que pensa ser, é um sinal da falta de perspectivas à esquerda. O texto da peça ilustra aliás muito bem a crise em que a esquerda actual se encontra.
Ao longo das cenas que decorrem no meio académico, intelectual e politizado, é patente a confusão permanente entre os vários níveis de problemas que afligem os personagens: as questões teóricas da transição do capitalismo para o socialismo, as pulsões libertárias e de luta contra a opressão, os dramas pessoais e as modas comportamentais e de "life style". Neste novelo é realmente difícil encontrar um nexo. Cada um dos níveis tem significados muito diferentes e a sua abordagem "ao molho" não ajuda nada a sua compreensão. Vejamos porquê:
Em termos marxistas a transição para um modo de produção socialista, se e quando se verificar, é um processo longo de transformação das tecnologias da produção, das relações sociais e dos comportamentos individuais. Os modos de produção não se subordinam a tipos específicos de regime ou de sistema político; como se sabe o capitalismo vigente funciona tanto em democracias como em estados opressivos ou confessionais, em regiões dominadas por monarquias ou por senhores da guerra e mesmo em estados que se dizem de inspiração socialista.
Julgo ser hoje claro para muita gente que os "países do leste" não desenvolveram um modo de produção alternativo constituindo, isso sim, regimes e fórmulas políticas que pretendiam impor coercivamente uma visão de futuro a realizar, cuja bondade não cabe agora discutir, mas que depois se transformaram em burocracias cada vez mais fechadas sobre si mesmas. Hoje é possível ver como no período retratado em "Rock 'n' Roll", erroneamente e de forma inconsciente, se fazia uma correspondência biunívoca entre os regimes políticos do leste e o socialismo (é nesse contexto que o Professor Max expressa a sua incapacidade para compreender as razões do desmoronamento do "sistema socialista ").
Mas o mais grave é que ainda hoje, no século XXI, a maior parte dos militantes de esquerda estão convencidos de que para "implantar o socialismo" basta mudar o regime ou mesmo o governo de um país.
A luta pela liberdade e pela libertação nacional pode acontecer, e tem acontecido, contra os mais variadas tipos de potências opressoras. Não é necessáriamente anti-comunista (foi até sob a bandeira comunista que muitos países se formaram ou libertaram), assim como não está necessáriamente associada a modas e estilos de vida como o consumo de drogas ou a música rock. Em "Rock 'n' Roll", da maneira como os níveis estão misturados durante a peça, pode-se ser levado a pensar que sim.
A transformação das convicções e preferências em resultado das modas sociais (ao nível da indumentária, da música, dos consumos) pode pôr em causa sistemas ou regimes políticos mas, pelas razões já enunciadas, tal não se verifica em relação aos modos de produção. Toda a fúria libertária dos anos 60 foi, por exemplo, perfeitamente digerida pelo sistema capitalista embora tenha cavado muito fundo nas práticas sociais.
Por isso recomendaria prudência a todos aqueles que querem ressuscitar a "década de ouro" pois não será numa nova transformação das "mentalidades" que encontrarão a chave que procuram.
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A peça é servida por um conjunto de actores principais com uma excelente prestação com destaque para uma impressionante Beatriz Batarda.
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Autor: Tom Stoppard
Versão: João Lourenço, Vera San Payo de Lemos
Dramaturgia: Vera San Payo de Lemos
Cenário: João Lourenço; Henrique Cayatte
Figurinos: Maria Gonzaga
Luz: João Lourenço, Melim Teixeira
Encenação: João Lourenço
Interpretação: Afonso Pimentel; André Patrício; Beatriz Batarda; Carlos Gomes, Francisco Pestana, Jorge Gonçalves; Kjersti Kaasa; Márcia Leal; Paulo Oom; Paulo Pires; Rui Mendes; Sara Cipriano; Sílvia Rizzo;
Ponto-e-vírgula update
- George Bernard Shaw to TE Lawrence, on The Seven Pillars of Wisdom
(... deste apressadote artigo no Guardian, que vale também por esta magnífica apresentação: «As the great early 20th-century Gallic novelist, essayist, playwright and Academician Henry Marie Joseph Frédéric Expedite Millon de Montherlant so succinctly put it in his Carnets...». Não me sentia tão bem informado desde que li uma vez um artigo na Vogue sobre o célebre atleta profissional português Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro.)
Sunday, April 20, 2008
Ponto da situação
Saturday, April 19, 2008
Precisamos de um novo Marx ?
O DN de ontem, Sábado 18, inseria um texto de Manuel Maria Carrilho que desenvolve uma linha de raciocínio muito próxima das coisas que eu venho dizendo e escrevendo há já alguns anos (por exemplo em Do Capitalismo para o Digitalismo, Campo das Letras 2003) .
Vejamos como Carrilho analisa as eleições em Itália:
"Veltroni e o novo Partido Democrático assumiram bem o balanço crítico das experiências passadas. Mas faltou-lhes o que por toda a parte falta à esquerda, uma crítica do capitalismo actual que inspire novas propostas. Sem essa crítica, é a própria esquerda que se dissolve num reformismo cada vez mais incaracterístico."
Eu tinha recentemente escrito um comentário no "Entre as brumas da memória" nos seguintes termos:
"Voltando a Itália, onde já vivi alguns meses, penso que estão a seguir um caminho que viria a ser o nosso caso não tivessemos o Partido Socialista.
A Esquerda, lá como cá, contesta o sistema em teoria mas acaba a pedinchar umas migalhas para minimizar as situações mais aflitivas.Toda a gente percebe que não tem nenhuma ideia para superar as contradições sociais de forma consistente.
Quando as coisas apertam como estão a apertar, no plano económico e social, as pessoas ficam obcecadas com a segurança do seu modo de vida e deixam de achar piada a coisas como o casamento de homossexuais e outras "causas" em que a esquerda normalmente se refugia.
Penso que na votação em Itália esta questão terá tido o seu peso.
Em Portugal temos uma situação híbrida com o PS no centro a manobrar ambas as vertentes, fazendo no plano estritamente económico políticas "mainstream"."
Duvido que Carrilho conheça aquilo que escrevi mas isso não me impede de saudar a companhia de tão notável colega.
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Mais perto do que é importante.....
A outra metade vê os seus princípios abalados perante a hipótese de os sócios do Benfica fazerem uma manifestação contra os actuais dirigentes.
Os comentadores desdobram-se em glosas e conselhos, nos jornais, na rádio, na TV:
- "os jogadores do Boavista são profissionais responsáveis, não irão infligir tão grande prejuízo aos adeptos, independentemente de continuarem a lutar pelos seus direitos com outros meios";
- "neste momento dificil para a vida do clube, os adeptos do Benfica devem expressar a sua vontade de mudança de forma que não atinja a imagem do clube; já não estamos no PREC"
Aqui está o País profundo, o Povo real.
É normal que médicos, enfermeiros, professores, etc. façam greve independentemente dos prejuízos causados aos cidadãos. Futebolistas, não!
É aceitável que polícias e militares se manifestem na rua e deixem bem visíveis as suas incapacidades. O aparelho do estado pode mostrar fraqueza, o maior clube português não!
Trinta e quatro anos depois do 25 de Abril, os 3 F's continuam a dominar a nossa cultura como povo. Futebol, foleirice, f.......
Friday, April 18, 2008
Meneses, amigo, estamos contigo!
Só falta os sportinguistas a seguir começarem a atacar o Chalana e o Luís Filipe Vieira.
Um caso como muitos outros, em Abril
Há exactamente 34 anos fui preso pela Pide. Quando saía de casa para o emprego, na praceta adjacente, fui interceptado por cinco ou seis homens que me forçaram a subir de novo ao terceiro andar.
Obrigaram-nos a sentar, a mim e à minha mulher, enquanto passavam a casa a pente fino perante o espanto do meu filho Mário de três anos. Encontraram vários livros, tanto romances como ensaios, que consideraram suspeitos e que apreenderam. Também apreenderam algumas fotografias de índole pessoal.
Numa incompetência que então me pareceu miraculosa manipularam e acabaram por deixar intacto um enorme pacote, amarrado com uma corda, que continha centenas de Avantes.
Depois disso ordenaram-me que os acompanhasse para me fazerem algumas perguntas.
Uma hora depois tive a horrível experiência de ouvir a chave da cela a rodar metálicamente nas minhas costas. Contara sem dar por isso, uma a uma, todas as portas que se tinham fechado desde que entrara em Caxias.
Thursday, April 17, 2008
Wednesday, April 16, 2008
Após o dérbi
“Disse aos jogadores que tínhamos o jogo ganho ao intervalo.” ” Aconteceu o quarto golo e depois o quinto”" Temos de levantar a cabeça, falar uns com os outros.”“E os jogadores é que estão lá dentro do campo. E foi isto que aconteceu.” Podiam ser os gato fedorento que também foram a Alvalade mas foi o rapaz que dá a cara pela equipa técnica do Benfica que proferiu estas belas palavras. O rapaz a driblar era o pequeno genial, nas conferências de imprensa o seu bigode e humor lembram Groucho Marx. E essa de tirar o Di Maria a gente agradece.Continuem assim que vão no bom caminho. A caminho do quinto. Ah, e não se esqueçam que o L.F.Vieira sabe o que quer para o Benfica. E quem sabe, sabe. Sabe ele e sabemos nós, que também o queremos lá por muitos e bons anos. A ele e à águia Vitória.
Leituras de um convalescente II – Ryszard Kapuscinski (1932-2007)
Há muito que conhecia as traduções que regularmente a Campo das Letras vinha fazendas das reportagens que aquele autor fazia dos diversos conflitos africanos. No entanto, porque o tema nunca me pareceu suficientemente aliciante, nunca tinha adquirido qualquer dos seus livros, até que finalmente, porque o assunto me parecia mais próximo das minhas preocupações políticas, resolvi comprar e ler O Império (Campo das Letras, 2005).
É um livro profundamente crítico do que foi o”império” soviético e que descreve bem o seu estertor final. Relembro unicamente o primeiro capítulo, passado durante a juventude do autor, em que este descreve de forma profundamente negativa a chegada das tropas soviéticas à sua aldeia natal. Esta ficava situada naquela parte da Polónia que foi atribuída pelo pacto germano-soviético à URSS e que foi ocupada por esta em Setembro de 1939, quando Hitler invadiu a Polónia. Havia razões históricas para a URSS a reivindicar e ocupar aqueles territórios, pois ficavam a leste de uma linha que o insuspeito Lord Curzon tinha estabelecido no final da I Guerra Mundial como fronteira natural entre a Polónia e o nascente Estado soviético e que aquela ocupou por ter saído vitoriosa na guerra que travou contra este. Eram territórios da Ucrânia e da Bielo-Rússia, que ainda hoje continuam a fazer parte daqueles dois países. No entanto, isso não autorizava a URSS cometer as barbaridades que se conhecem, como o massacre dos oficiais polacos em Katyn, nem o que é descrito pelos olhos de uma criança no livro de Kapuscinski.
Impressionado pela leitura daquele livro pus-me a ler durante o período de convalescença as Andanças com Heródoto (Campo das Letras, 2007) e o recentemente publicado Os Cínicos Não Servem para Este Ofício, Conversas Sobre o Bom Jornalismo (Relógio de Água, 2008).
Do primeiro livro, que não achei especialmente interessante, retirei a história da primeira viagem do autor ao Ocidente, a Roma, a caminho da Índia para fazer uma reportagem sobre aquele país, que na altura tinha adquirido a independência, e a homenagem, sempre constante ao longo de todo o livro, a Heródoto, que, com o seu livro Histórias, tinha dado origem na Grécia antiga à história, como disciplina credível.
Relembro, porque gostei muito do filme, O Paciente Inglês, de Anthony Minghella, recentemente falecido, que transportava sempre consigo um exemplar das Histórias de Heródoto.
Quanto ao pequeno livro de Kapuscinski sobre jornalismo, para além de uma entrevista em que o autor denuncia a situação actual em que se faz jornalismo, com os jornalistas completamente submetidos aos grandes monopólios dos media, pareceu-me ser um livro inútil, a viver do prestígio do seu autor. Aquele não passa de um conjunto de entrevistas que Kapuscinski deu em Itália nos longínquos anos de 90 e que a organizadora, Maria Nadotti, reuniu para uma edição original em 2002, e que foi recuperada em 2008, à míngua de novas ideias, por uma editora nacional.
Espero no próximo capítulo voltar a temas mais interessantes e convidativos.
Centro de Exposições de Odivelas
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Descobri hoje, por mero acaso, a existência do Centro de Exposições de Odivelas.
Trata-se de um espaçoso e moderno edifício onde decorrem múltiplas actividades expositivas, educativas, e lúdicas.
Neste momento podem ver-se lá duas magníficas exposições; uma de pintura de Nadir Afonso e outra de esculturas de Laranjeira Santos (exemplos das obras destes autores ilustram este texto).
O programa de actividades do Centro inclui entre outras coisas tertúlias, ateliers, sessões de jazz, visitas guiadas de grupos de crianças.
Fico sempre encantado com estas experiências que, longe das atenções mediáticas, fazem um importantíssimo trabalho de divulgação cultural.
Tuesday, April 15, 2008
Brilliant sugar, turn over
(The National, «You've Done it Again, Virginia»)
A votação chegou ao redondíssimo número de cem, e a vontade do povo português parece ser que Virginia Woolf se dispa o mais rapidamente possível. Confesso a minha dificuldade em perceber os vinte e nove votos recolhidos por Edith Wharton. O comentário do Major (parabéns, também) ao post em questão acaba por ser, a alguns níveis, elucidativo: o temperamento conservador tem um longo e verificável historial de aversão ao círculo de Bloomsbury. Lembro-me de uma passagem deste livro em que Lady Thatcher se refere aos ditos como 'scabs of Englishness' ou uma coisa assim do género; e que Saul Bellow utilizou um dos seus mais conservadores protagonistas para despejar meio-litro de petróleo retórico nas cinzas da "pior espécie de elitismo intelectual", ou uma coisa assim do género.
Nada disto, evidentemente, deveria ter sido um factor decisivo. Abstendo-nos também de considerações de natureza psico-biográfica (o pormenor de Edith Wharton, com aquele ar de sopeira minhota, ter escrito livros que tresandam a sexo), há que realçar o fundamental, que é o extraordinário pescoço de Virginia Woolf: podem-se pendurar videiras naquele metro e meio de carne Modernista. Entre ela e a Nicole Kidman de prótese nasal, eu não hesitaria um segundo.
Leituras de um convalescente – O nazismo e o fim de Hitler
Começar por onde? Por aquele que me pareceu mais simples e mais descritivo. Assim, estriei-me com o livro de António Louçã e de Isabelle Paccaud, O Segredo da Rua do Século, Ligações perigosas de um dirigente judeu com a Alemanha nazi (1935-1939) (Fim de Século, 2007). É a descrição do desmoronar de uma reputação, de alguém acima de qualquer suspeita, que sempre, no entanto, tivera com o fascismo português as melhores relações, mas de quem não se suspeitava até ao momento que tivesse sido condecorado pela Alemanha nazi. Livro bastante interessante, relata inclusivamente o papel que o jornal O Século desempenhou na propaganda daquele regímen entre nós. Estas revelações provocaram alguns engulhos à comunidade judaica portuguesa, que não acredita naquelas ligações e apareceu em força em sua defesa. Quanto a mim não me restam dúvidas. Sempre me recordo o nome do Moses Amzalak como um dos figurões do salazarismo.
Passei em seguida para A Queda, Hitler e o fim do Terceiro Reich, de Joachim Fest (Guerra e Paz, 2007). Em jeito de chamariz a editora acrescenta na sua capa “O livro que deu origem ao Filme”. De facto, este livro juntamente com o depoimento da última secretária de Hitler, Traudl Junge, expresso em Até ao Fim, Um relato verídico da secretária de Hitler (Dinalivro, 2005), que eu já tinha lido, inspiraram o argumento do filme A Queda, Hitler e o fim do Terceiro Reich, do realizador alemão Olivier Hirschbiegel. Este filme tinha provocado em mim um grande impacto na altura em que se estreou, ao ponto de ter comprado o DVD respectivo quando este apareceu à venda e tê-lo visionado quase fotograma a fotograma. Isto porque me impressionou de sobremaneira o universo claustrofóbico em que os dirigentes do III Reich tinham vivido os seus últimos dias, bem como o suicídio dos principais dirigentes nazis, que é amplamente mostrado no filme. Conhecia o caso de Hitler e da sua mulher, de Goering, que não é relatado no filme, e que se verificou durante o julgamento do responsáveis nazis em Nuremberga, provavelmente já teria lido referências ao de Goebbels, mas nunca ao da sua mulher e ao assassinato dos seus cinco filhos e muito menos ao da oficialidade mais responsável, que na parte final do filme, e penso que com veracidade, quase que praticam um suicídio colectivo.
Do livro não me ficou mais do que aquilo que eu sabia do filme. Quem, como eu, tiver a curiosidade de conhecer os últimos dias do nazismo pode de facto ler os dois livros que serviram de inspiração ao filme. Mas penso que seria igualmente interessante contar a história do cadáver de Hitler, ou do que restou dele, e como a sua falsa ausência alimentou durante tanto anos a Guerra-fria. Um trabalho documentado e sério sobre isto exige-se, eu pelo menos não o conheço.
Por último, e integrado neste conjunto de livros li o O Livro de Hitler (Alethëia, 2006), que de acordo com o que é dito na capa constitui um “Dossier secreto do NKVD, encomendado por Josef W. Estaline, organizado com base no interrogatório feito em Moscovo, entre 1948 e 1949, a Otto Günsche, oficial das SS e responsável pela agenda político-militar de Hitler, e a Heinz Linge, mordomo de Hitler”. O livro tem um prefaciador e dois organizadores. O prefácio é um pequeno compêndio de revisionismo histórico na linha de que Hitler estava bem para Estaline. Cito alguns exemplos, só para recordar aos meus leitores em que consiste esta nova maneira de tratar a história da Segunda da Guerra Mundial. Interroga-se o prefaciador: “o que terá levado ao interesse mútuo entre os líderes das duas mais fanáticas ideologias que, no século XX, precipitaram Europa no abismo?” Ou seja, para este prefaciador, a responsabilidade pela II Guerra Mundial é de Hitler e Estaline, os estados ocidentais nada tiveram a ver com isto. Mas para além de outros mimos, bem mais graves, temos igualmente este: “A vitória militar, que ditava a ofensiva contra a União Soviética, levou-a a aliar-se a Estados Ocidentais com ideologias pelo menos tão opostas como a da Alemanha de Hitler, nomeadamente os Estados Unidos e a Grã-Bretanha”. Ou seja, o prefaciador esquece que em Junho de 1941, quando Hitler invadiu a URSS, os Estados Unidos ainda não tinham entrado na guerra, e que foi Churchill, sozinho a enfrentar o esforço de guerra contra a Alemanha nazi, quem propôs de imediato uma aliança com a URSS.
Não será este o espaço indicado para debater este novo revisionismo histórico, encabeçado hoje pela direita e por alguma esquerda sem referenciais históricos. Quanto ao livro em si é uma história, que engloba os últimos dias do nazismo e de Hitler, redigida para agradar aos soviéticos, já que os narradores estavam prisioneiros daqueles. Não retive na memória nada que merecesse especial destaque.
Em próximo capítulo irei fazer referência a outras leituras sobre temas diferentes.
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