Monday, November 30, 2009

Arthur a grammar


A notícia {citation needed} que começou numa promoção concebida pelos Mad Men {citation needed} do departamento de marketing do Sporting, e que se começou a transformar em qualquer coisa diferente numa manchete do jornal i, chegou ao meu telemóvel às 15:14 de hoje, com este aspecto: "O que é isto de nós agora sermos homofóbicos? Já leste aquilo?" Não vou sequer tentar descrever os momentos aflitivos que passei até ter conseguido decifrar o dédalo semântico constituído por estas duas descontextualizadas construções verbais, nem os múltiplos fantasmas interpretativos que os vocábulos "nós", "agora", "leste" e "aquilo" evocaram na minha frequentemente aprazível {citation needed} paisagem interior. Basta garantir que eu sou uma pessoa extremamente ocupada {citation needed} e não me posso dar ao luxo de perder tardes inteiras {citation needed} a preocupar-me com problemas que não existem.
O título da notícia do jornal i que inaugurou todo este imbróglio é o seguinte: «A grammar is forgotten that there is a dog». Peço desculpa, isto é uma frase de Gertrude Stein. O título da notícia do jornal i que inaugurou todo este imbróglio é o seguinte: «Discriminação? Promoção do Sporting exclui casais homossexuais {enorme, imensa, descomunal citation needed}».
Com toda a honestidade, o título não é falso, mas pegar-lhe por essa ponta needed de uma profusão de citations; a promoção a que o artigo se refere exclui efectivamente casais homossexuais - da mesma forma que exclui um par de homossexuais do mesmo sexo que não sejam um casal, da mesma forma que exclui um casal de heterossexuais que não sejam sócios do Sporting, da mesma forma que exclui um casal de heterossexuais com menos de 18 anos de idade, da mesma forma que exclui uma hipotética dupla familiar constituída por um tenente-coronel homofóbico chamado Ramiro e pelo seu filho Xavier, membro do núcleo Almadense do Ku Klux Klan. As condições especificadas no site do clube, e que o próprio artigo cita, nunca falam sequer em "casais", muito menos em orientação sexual:

PREÇO ESPECIAL PARA 2 SÓCIOS DE SEXO OPOSTO QUE ADQUIRAM A SUA GAMEBOX EM SIMULTÂNEO E PARA O MESMO SECTOR!

- Campanha válida para renovação de Lugares Especiais (LE DUO), renovação e compra de Gamebox Sócio (GB DUO) e aderentes à Campanha de Novos Sócios;

- O preço da GB DUO inclui os dois lugares (desconto aplicado no lugar da mulher);

- Obrigatoriedade de serem Homem e Mulher com mais de 18 anos de idade (Sócios Efectivos);

Confrontado com estas claras estipulações, o deputado Miguel Vale de Almeida fez a seguinte leitura: «If this was why they were to be the next to go to see the same that is that when that if that might that can that will be as likely as if compared». Peço desculpa, isto é uma frase de Gertrude Stein. Confrontado com estas claras estipulações, o deputado Miguel Vale de Almeida fez a seguinte leitura: «É absolutamente inaceitável. Pura maldade. Não há legislação que dê aval a uma discriminação dessas». (Suponho que a maldade foi descrita como "pura" para a distinguir daquelas outras maldades diluídas).
Tal como Gertrude Stein sempre revelou uma certa dificuldade em perceber que as discriminações impostas pelos conceitos de gramática, sintaxe e semântica não eram um ataque à sua liberdade pessoal, o Miguel Vale de Almeida também parece ter uma certa dificuldade em perceber que qualquer promoção ou actividade dirigida a um segmento limitado do público é, por definição, discriminatória. O Miguel Vale de Almeida e o seu parceiro não podem aderir a esta promoção pelos mesmo motivos que os impediram de defrontar a Carly Gullickson e o Travis Parrott na final de pares mistos do Open dos Estados Unidos. Esta promoção é oferecida apenas a sócios do clube, maiores de 18 anos, e de sexos diferentes. Quem não cumprir as condições estipuladas pelo Sporting para adquirir este produto específico, sejam casais homossexuais, sócios do Benfica, ou membros dos Ministars, não podem reclamar direito a ele, e terão de arranjar outra maneira de entrar no estádio - pagando o bilhete completo, aproveitando outra futura promoção, ou fazendo-se sócio, como eu, que nunca em quinze anos de quotas pagas consegui arrastar uma pessoa do sexo oposto para Alvalade, nem sequer com ameaças físicas {citation needed}. Se as condições fossem alteradas de forma a não discriminar os potenciais clientes que o Miguel Vale de Almeida acha que foram discriminados, a promoção ficaria reduzida a um "compre uma gamebox e tenha desconto na segunda", estratégia comercial que pode fazer sentido com os pacotes de ice tea do Lidl, mas que aplicada à venda de lugares para jogos do Sporting resultaria numa quebra de receitas inevitavelmente conducente à permanência de Pedro Silva no plantel até ao fim do calendário Maia, altura em que vamos todos morrer, menos as baratas e provavelmente o Pedro Silva.
O Sporting, por amor de Deus e de Freddie Mercury, não vedou o acesso ao estádio a casais homossexuais. Nem limitou os direitos fundamentais de nenhum casal homossexual, porque entre os direitos fundamentais de qualquer casal homossexual conta-se o direito de entrar no Alvalade XXI para observar as arrepiantes transições ofensivas da equipa principal, mas não o direito a usufruir de um desconto que, tal como os descontos para crianças, diplomatas e olheiros de clubes ingleses, não se aplica a eles.
A farsa, que poderia perfeitamente ter ficado por aqui, ganhou novas camadas de espessura esclerótica quando a direcção do Sporting decidiu interromper a prática da actividade para a qual tem menos competências (negociar contratações de treinadores com clubes em zona de despromoção), para se dedicar à segunda actividade para a qual tem menos competências (falar). Um dirigente foi prontamente encarregue de explicar ao jornal i que a campanha é "para mulheres e não para casais: as mulheres representam apenas 20% a 28% do público que vem ao estádio e considerámos ser um target interessante para a estratégia de aumento de sócios no Sporting". Quando confrontado com o facto de a promoção impossibilitar que o estádio se encha de lésbicas, o mesmo dirigente respondeu "Não pensámos nisso. Não está contemplado apenas porque não pensámos nisso".
Por amor de Deus, é óbvio que "não pensámos nisso". Há alguém que duvide que "não pensámos nisso"? Os dirigentes do Sporting têm um extenso e verificável currículo de "não pensámos nisso". A nossa longa história está pejada de momentos memoráveis em que "não pensámos nisso". Se eu tivesse de apostar todo o meu património na veracidade das declarações de um dirigente desportivo português, apostá-lo-ia sem hesitar num dirigente do Sporting que confessasse simplesmente que "não pensámos nisso".
Como é que o Miguel Vale de Almeida acha que a situação deve ser resolvida? Passo a citar: «There is some difference between having made it and carrying it about and how to use it and most of it is when they might be just as careful as ever». Peço desculpa, isto é outra frase de Gertrude Stein. Como é que o Miguel Vale de Almeida acha que a situação deve ser resolvida? Passo a citar: «Seria excelente enviar umas cópias da Constituição àquele clube de futebol. E, já agora, um belo processo.»
Eu percebo que o Miguel Vale de Almeida ache esta solução "excelente", mas posso garantir-lhe que, na lista de instrumentos de progresso que "seria excelente" enviar ao Sporting, um molho de exemplares da Constituição estaria significativamente abaixo de um lateral-direito que não padeça de nenhuma condição descrita no DSM - IV, um médio-defensivo de descendência africana com dois metros de altura e proveniente de uma tribo antropófoga, e um avançado cujo coeficiente de inteligência tenha pelo menos mais um dígito do que o seu índice de massa corporal.
Para ilustrar o que é, de facto, um caso de discriminação baseada na orientação sexual, os comentários deste blogue vão estar, durante o resto da semana, sujeitos a moderação, sendo que só serão aprovados aqueles escritos por casais heterossexuais maiores de 18 anos que achem que eu sou uma pessoa a todos os níveis brilhante {citation needed}.

Sanditon

Depois de "Jacobo e outras histórias", de Teresa Veiga, "Venâncio e outras histórias", de Joaquim Paço d'Arcos. É o segundo livro com um título da forma "[nome próprio masculino] e outras histórias" que eu leio num curto espaço de tempo. Alguém me saberá recomendar outro livro cujo título respeite este requisito formal?

(um blog sobre kleist)

Além do quase extinto Peter and Other Stories, da Willa Cather, há um livro de contos muito bom, de um escritor novinho e muito promissor chamado David Bezmozgis, que fica apenas a uma genitoplastia masculinizante do requisito formal exigido pelo Alexandre: Natasha e outras histórias, editado em Portugal, salvo erro, pela Teorema. Se a pergunta tivesse sido feita aqui há uns quatro anos, é provável que a minha resposta embaraçosa tivesse incluído uma referência a um livro da Jane Austen (que comprei, mas nunca cheguei a ler), intitulado Sanditon and other stories. Durante muito tempo, limitei-me a assumir que "Sanditon" era o título do romance inacabado de Jane Austen porque, tal como a Emma de Emma, a protagonista era uma jovem solteira e intrometida chamada Sanditon, por nenhum outro motivo que não o facto de Sanditon me parecer um nome eminentemente razoável para uma protagonista de Jane Austen. Sanditon, afinal, é o nome da cidade, mas o meu erro, ainda assim, não é sequer comparável ao erro daqueles que - como o Dave Eggers ou a gaja do Lost in Translation - caem em armadilhas onomásticas e passam uma vida inteira convencidos de que George Sand e George Eliot eram homens ou, pior ainda, que Evelyn Waugh e Gertrude Stein eram mulheres.

Eu

Eu já não sei se eu tou me estourando, ah, eu perco o sono lembrando em qualquer riso teu qualquer bandeira.
Eu nunca me deixo levar, que a vida, a nossa vida passa e não há tempo para desperdiçar.
Eu sei tudo que faço, sei por onde passo, paixão não me aniquila.
Eu quero é ir-me embora, eu quero dar o fora.
Eu sonho conhecer pessoalmente o Chico Buarque um dia.

(Respondendo ao desafio do Rui Curado Silva - cinco frases começadas por "eu já", "eu nunca", "eu sei", "eu quero", "eu sonho"; passo-o ao Tárique, ao André Abrantes Amaral, ao Nuno Pinho, ao Jorge Jardim Silva e ao Pedro Fragoso, que poderá dar uma resposta parecida com a minha, só que melhor.)

A ameaça dos minaretes

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Duas notícias banais publicadas hoje são, cada uma à sua maneira, o espelho da decadência da nossa civilização:

A sensação de ameaça provocada pelo diferente surge sempre quando existe uma crise de afirmação. Caso contrário são as minorias que sentem a ameaça da diluição.

Há 40 anos a Suiça consideraria provavelmente engraçado o exotismo dos minaretes.
Já as regras estabelecidas pelo Sporting para a "Gamebox Duo" têm razões que deviam ser óbvias mesmo para os militantes da "causa homossexual".

Quando o futuro é incerto há tendência para o escapismo, para as falsas questões que roçam o ridículo.

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Sunday, November 29, 2009

Para alegrar um Domingo tristonho

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No presente, há enormes discussões sobre quanto vai ser o défice, mas no futuro não só saberemos de quanto foi o défice, como de quem foi a culpa de andarmos a chamar orçamento redistributivo a um orçamento que é rectificativo. Enfim, numa palavra, ao passo que o presente é difuso, nevoento e com contornos mal definidos, o nosso futuro colectivo é risonho, desafogado e radioso.
Vejamos: os sacrifícios que agora fazemos são em nome desse futuro, por isso é que ele tem de ser bom. É verdade que aqueles que são mais velhos já fizeram na década de 70, na década de 80, na década de 90 e noutras décadas, imensos sacrifícios no então presente de modo a que o futuro — que é o que temos hoje — fosse muitíssimo melhor!
É certo que não é! Mas a culpa não pertence àqueles que nos pediram tais sacrifícios.
A culpa, meus caros amigos, é que o futuro está atrasado! Ficou preso nalgum esconso, num desvão, numa curva apertada do tempo... Mas há-de chegar!
E quando chegar esse futuro vai ser tão bom. O défice baixinho, o investimento na maior, o TGV a andar a 300 à hora, o aeroporto cheio de turistas e homens de negócios, as auto-estradas apinhadas de TIR que levam as nossas exportações para todo o mundo... e arredores! E tudo isto com os impostos mais baixos, o país sem corrupção, o Governo dialogante e o Presidente da República feliz e contente.
Sofro de ansiedade em relação a esse futuro em que apenas uma pequena mágoa subsistirá na cabeça de todos nós. Uma ínfima sensação de desconforto, que porém afastaremos como quem afasta uma insignificante mosca com a mão. Esse sentimento mínimo de desconforto será o nosso passado. E o nosso passado, visto desse futuro, é o nosso presente (não sei se acompanham esta reflexão assaz inteligente).
Nesse futuro de leite e mel, de ouro sobre azul, de jóias e veludo, de riqueza e felicidade, apenas a nuvem do passado (o que hoje vivemos) será infeliz. Os tempos em que os miseráveis estavam desempregados; o tempo em que alguns políticos não pareciam sérios; o tempo em que a economia não exportava, o TGV não andava e o avião não tinha aeroporto de jeito...
Mas contentemo-nos com este pensamento: tudo o que estamos a fazer é para que tenhamos um futuro decente. Tudo o que fizemos nos últimos 10, 20, 30, 40, 50 ou mesmo 60 anos tinha esse objectivo. Para mim, o presente não é claro, está cheio de dúvidas. Mas o futuro dissipá-las-á!
E digo mais, o futuro seria absolutamente fantástico não fosse ter por passado este presente miserável.
Aguentemos, ó povos!

Expresso 28.11.2009."Reflexões assaz inteligentes sobre o facto de o presente ser o passado do futuro" do Comendador Marques de Correia

Thursday, November 26, 2009

Os mesmos valores, prioridades diferentes

De leitura indispensável esta entrada do Arrastão. Da minha parte, não só por causa do texto do Daniel Oliveira em si, mas sobretudo por causa da discussão que se segue (no que diz respeito à Alemanha - o caso francês referido parece ser mais um fait-divers sarkozyano). Sobretudo com o comentadores Bossito e JP, com quem estou de acordo. Valores como a igualdade básica e a liberdade de imprensa não podem ser relativizados. Ao pé desta discussão fundamental - como deve a Europa tratar os seus imigrantes? - , a do véu islâmico (onde mais uma vez defendo a não relativização da igualdade básica) parece marginal. Mas sempre a vi como fundamental, pois evidencia as diferentes concepções sobre integração de imigrantes e diferentes culturas em vista. Esta é uma questão a que, cada vez mais urgentemente, a esquerda não pode fugir. Quanto mais tempo esta discussão demorar, mais a extrema direita subirá.
"Quem fala assim certamente nunca perdeu o emprego para mão de obra mais barata vinda do estrangeiro. O perigo da esquerda continuar a alimentar estas visões completamente irrealistas, alienadas e sem qualquer possibilidade de aplicação prática sobre as questões da imigração, está precisamente em deixar para as mãos da direita o exclusivo do tratamento do tema. Isso sim, assusta-me."

"O que se defende aqui (e reparará que a maioria defende uma solução de “bom senso”) é que a abertura é bem vinda desde que, pela sua quantidade, não degrade as condições de vida, e pela sua qualidade, não ponha em causa os direitos liberdades e garantias que tanto custaram a conquistar. (...)O argumento (do nosso lado digamos assim) é que quem defende o mesmo que o Daniel geralmente vive em locais pouco afectados por aquilo que defende (acontece o mesmo com a localização dos bairros sociais ou com a co-incineração. São óptimos mas niguém os quer ao pé de casa.)."

Fora o árbitro

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As semelhanças entre a política e o futebol vêm sendo notadas por qualquer pessoa atenta. Na política, como no futebol, os penaltis são sempre contra o adversário e tal como no futebol as pessoas não sabem muito bem por que são do partido A ou B.

Na política, como no futebol, os dirigentes e jogadores despertam paixões que não esmorecem mesmo quando se confirma que eles são crápulas.

Recentemente deu-se um novo desenvolvimento. A justiça passou a desculpar as más exibições, tal como os árbitros. No fim do jogo, ou da sessão do tribunal, já é possível atirar com as culpas para o juiz. Nas bancadas chama-se filho da puta quer ao árbitro quer ao juiz (no caso das ofensas aos árbitros há, apesar de tudo, quem seja castigado).

Assim se fecha o círculo e deve estar para breve o caso "Martelo Doirado". Tal como o "Apito", o "Martelo" não terá quaisquer consequências.

Nesta conformidade mais valia substituir as eleições por um campeonato, trocar os votos pelos jogos da bola de uma "Liga Partidária". Pode-se desde já imaginar a emoção do derby "PS-PSD", apitado pelo PGR, num estádio perto de si.

Wednesday, November 25, 2009

A grande efeméride do dia faz dez anos

Era uma noite de Thanksgiving e eu estava nos EUA. Os meus colegas ainda hoje se recordam como eu repeti "Benfica lost..." a noite toda.

Gandhinjustiçado

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Quando leio certos blogs laudatórios chego até a comover-me


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A Casa das Histórias

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Belíssimo edifício. Pirâmides que se transformam em chaminés por obra e graça do génio de Paula Rego, que arde lá dentro. É a "Casa das Histórias" em Cascais, de visita obrigatória.


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Tuesday, November 24, 2009

O "segredo da justiça".

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Para hoje está anunciado mais um episódio da novela Face Oculta. O Conselho Superior de Magistratura vai também meter a sua colherada.
Como ontem se viu no "Prós e Contras" perdeu-se o pejo de revelar o verdadeiro "segredo da justiça": que a mítica neutralidade e independência das magistraturas está realmente a saque e minada pela partidarite.
Mesmo "entidades oficiais" como o Bastonário da Ordem dos Advogados, ou ministros do Governo em funções, referem-se aos magistrados sem cerimónias e claramente classificam as decisões judiciais como boas ou más conforme servem ou não os seus interesses.
Por isso a intervenção do Conselho Superior de Magistratura, cuja composição também se encontra bastante "politizada", faz temer uma nova escalada do clubismo partidário.

Já ninguém parece duvidar de que a Lei está mal feita e é, ela própria, uma fonte de confusões.
A protecção dos detentores de altos cargos do Estado devia estar virada para a protecção da informação previlegiada a que eles, por inerência das funções, têm acesso. Devia impossibilitar qualquer divulgação de escutas onde constassem segredos de Estado ou coisa equivalente.
Em vez disso trata-se a protecção das escutas aos detentores de altos cargos como se se tratasse de uma regalia do tipo carro de serviço com motorista.
Para além do mais a lei, que não previu as "escutas por tabela", é de aplicação impossível já que só depois de ouvirmos as escutas sabemos que não as devíamos ter ouvido. Uma "pescadinha de rabo na boca" a que nem o PGR escapou, como se sabe.

Toda esta trapalhada ganha em ser analisada por comparação com o caso das "escutas a Cavaco" que tanto emocionou a opinião pública em Setembro.
Aqueles que agora se arrepiam com as quebras do segredo de justiça e com a falta de respeito pelos detentores dos altos cargos são os mesmos que há dois meses elogiavam o DN pelo "acto cívico" de publicar um email roubado que mencionava Cavaco.
Portanto, se as escutas a Sócrates tivessem sido feitas por um tipo qualquer em vez de um juiz e depois publicadas pelo DN, essas mesmas pessoas deviam certamente regozijar-se.
Nesse caso vigoraria, como vigorou em Setembro, o interesse público e ninguém falaria do segredo de justiça nem haveria intervenção do PGR ou o STJ.

Um verdadeiro absurdo.

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Inside Arte e Ciência

Exposição na Cordoaria, em Lisboa. Com contribuições do Carlos Miguel Fernandes. Até hoje (Dia Nacional da Cultura Científica, para quem não sabe).

Monday, November 23, 2009

Televisão e blackjack

Mais um blogue baptizado por David Simon, que se distingue deste outro blogue baptizado por David Simon pelo facto de se chamar «Why Always Boris?» e não «Why Always Borizsche? »

Ontem, nas imediações do Estádio José Alvalade

Após o final do Pescadores-Sporting, jovens leoas gritavam "Carvalhal Allez" e comentavam "no final do jogo, o Sá Pinto obrigou-os [aos jogadores, presumo] a virem agradecer-nos!"De súbito carros com bandeiras do Sporting começam a apitar. Eu pasmo: esta gente está a comemorar assim a eliminação de um clube (por acaso um clube muito simpático e que muito me diz) de um escalão tão secundário que nem eu sei bem qual é? Estará o Sporting assim tão em baixo?Até que de dentro de um dos carros alguém anuncia às leoas: "Golo do Guimarães!" E a festa alarga-se. Disto é que o meu povo gosta.

USA 1974


Passei o mês de Agosto de 1974 nos Estados Unidos. Percorri a costa Leste desde Cape Cod, na zona de Boston, até Orlando na Flórida.
Pode ver AQUI uma parte das imagens recolhidas durante essa viagem.
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Sunday, November 22, 2009

A impagável trama dos dois Silvas


Expresso 21.11.2009

Onde o nosso Comendador, único verdadeiro conhecedor da trama da ‘Face Oculta’, corrobora dois ministros Silvas e recomenda que o pó à Justiça seja alargado a todos os portugueses.

Aconspiração é evidente! A conspiração é por demasiado evidente! A conspiração foi denunciada por Vieira da Silva e, logo de seguida por Augusto Santos Silva. Ora, jamais aconteceu dois Silvas e, para mais ambos ministros, enganarem-se. Reparem que o último ministro, para mais primeiro-ministro, que se chamou Silva, embora mais conhecido por Cavaco, nunca se enganava e raramente tinha dúvidas.
A conspiração começou com um agente da PJ de Aveiro. Sentou-se num café, olhou em volta, pediu a tradicional bica e perguntou a si mesmo:
— Como é que vou tramar o Sócrates, que isto do Freeport já está a arrefecer?
Depois de pensar um pouco, teve uma revelação: escutar um sucateiro de nome Godinho.
A razão pela qual escutando um sucateiro de nome Godinho teria de conduzir directamente as escutas ao primeiro-ministro, ninguém sabe ao certo. Pode ter sido Deus a inspirar o agente, mas pode ter sido qualquer outra coisa. De provado, dá-se que através do sucateiro se apanha um senhor banqueiro feito à pressa, mas de enorme mérito em certas praças, pracetas, largos, ruas e becos, de nome Vara. E deste se passa ao primeiro.
Certos senhores, que têm por nobre missão defender o Governo na blogosfera (não dando a cara nem o nome, por pura modéstia e certa prudência na passagem de recibos verdes) já aventaram a hipótese de as escutas a Vara terem sido uma manobra que tinha por único objectivo chegar a Sócrates! Eu creio que foi isso mesmo! Segundo me têm dito (e lamento se violo o segredo de Justiça, mas o bom nome impõe-mo) nas escutas ao senhor da sucata só se ouvem, da parte do banqueiro Vara, conselhos sensatos: paga o que deves ao fisco; vê lá se não apanhas mais contra-ordenações por questões ambientais, e, sobretudo, eu ia lá pedir dinheiro a alguém por lhe apresentar um amigo.
A mesma beatitude e candura se passa — diz-me quem está bem informado — nas escutas entre Vara e Sócrates. Falam do tempo, das rosas, da chuva e parece que um deles elogia os seus adversários políticos, nomeadamente o Presidente, e refere que não gosta particularmente de uma telenovela da TVI.
A artimanha (que já transformara injustamente Vara em arguido, acarretando-lhe a infelicidade de se sujeitar a ganhar o salário sem dar a compensação devida do trabalho) não resultou, pois! E, irritados por não terem encontrado nada para incriminar o primeiro-ministro, o agente, juntamente com o procurador distrital e um juiz de instrução mandaram tudo para o PGR e para o Supremo, na esperança que estes, mais experientes, pérfidos e sabedores, encontrem ali crime que lhes tenha escapado. Os dois vértices da conspirata bem se esforçam, mas têm de reconhecer, ao fim de uns meses, que nada se pode fazer sobre o assunto.
E assim se desmontou a conspiração e a espionagem. Vejam lá, meus amigos, de que são capazes magistrados, inspectores, polícias, só para dar cabo do chefe do Governo, esse Santo!
Felizmente, os Silvas, que estavam com um pó à Justiça que nem a podiam ver, tiveram a coragem de denunciar. E eu, já se vê, subscrevo-os inteiramente. O resto que ouvem dizer não passa de mentira pegada!

COMENDADOR MARQUES DE CORREIA
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Saturday, November 21, 2009

Porreiro, pá...

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Friday, November 20, 2009

LO FRATE 'NNAMORATO

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Depois do sucesso alcançado com La Spinalba, Os Músicos do Tejo apresentam Lo Frate Nnamorato (“O Irmão Enamorado”) de G. B. Pergolesi, ópera estreada em 1732 no Teatro Fiorentini de Nápoles e nunca antes apresentada em Portugal.
Um espectáculo delicioso no Pequeno Auditório do CCB - 20, 21 e 22 de Novembro.
A não perder. Excelente música, escelentes cantores e muita, muita diversão.
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"Obrigada a todos! bjs, fiquem com Deus!"

Era com estas palavras que a actriz brasileira Mara Manzan se despedia dos leitores do seu blogue. Quando escreveu o seu último texto, dia 5 de Outubro, talvez não imaginasse que aquela era mesmo uma despedida definitiva.

Sócrates e a TINA

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Margaret Thatcher cunhou uma expressão famosa, "There Is No Alternative", mais conhecida por TINA, para sintetizar aquilo que ela pensava ser a inevitabilidade do neo-liberalismo perante a falência do socialismo no seu tempo.
Lembrei-me disto por causa das vitórias eleitorais de Sócrates e da invulgar resistência que ele tem demonstrado a várias suspeitas e escândalos que sobre ele têm caído.
É altura de a oposição compreender que o homem continuará a ganhar e a governar, aconteça o que acontecer, enquanto os cidadãos não acreditarem numa qualquer alternativa. Escreva ele o que escrever no Programa Eleitoral que aliás quase ninguém lê.
O homem pode não ser bem engenheiro, falar um inglês de anedota e ter amigos foleiros envolvidos em negociatas inacreditáveis que isso pouco conta quando se chega às urnas. O homem podia até ser um serial killer mas, para ser corrido, precisaria sempre que alguém se mostrasse capaz de o substituir convenientemente.
O que as urnas têm mostrado é que, para a mairia dos portugueses, "There Is No Alternative" a Sócrates. O resto é conversa.
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Thursday, November 19, 2009

Como se deslocam os portugueses nas cidades europeias?

Há um mito – talvez seja mais correcto falar-se numa desculpa – para o hábito errado (pelo menos por parte de quem habita nas áreas metropolitanas de Lisboa ou Porto) dos portugueses se transportarem sempre de carro, para onde quer que vão. Não importa se os transportes públicos estejam cada vez melhores, pelo menos em Lisboa. O Metro está cada vez mais eficiente e com melhores ligações. Já se podem fazer transferências gratuitas entre autocarros. O serviço nocturno da rede de autocarros foi melhorado e ampliado. Os comboios suburbanos estenderam o seu serviço pela madrugada nas vésperas de fim de semana e feriados. Mas os portugueses – sendo que os lisboetas sem qualquer desculpa – insistem que o serviço de transportes públicos “não é adequado”. Dado que outros povos da Europa não exibem este comportamento e utilizam correntemente os transportes públicos, poderíamos ser levados a pensar que, apesar de tudo o que enumerei, o problema estaria nos transportes portugueses. Dado que “lá fora” se anda de transporte público, se tivéssemos transportes como “lá fora” talvez os usássemos. Quem continua a defender esta ideia (ou mais correctamente a usar esta desculpa) que explique este exemplo (a que cheguei via o Menos um Carro).

Wednesday, November 18, 2009

URSS 1980

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Em Setembro de 1980, há 29 anos, em plena era Brejnev, visitei a URSS. As fotografias que pode ver AQUI foram recolhidas em Moscovo, Sibéria (Bratsk, Irkutsk e Lago Baikal) e na capital do Casaquistão, Alma-Ata.
O recente vigésimo aniversário da queda do muro de Berlim, e as discussões acerca do Bloco Soviético que se seguiram, motivaram-me para a recuperação destas memórias.


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Nos EUA: Rape and the U.S. Chamber of Commerce

No Esquerda Republicana.

Os cumes da Justiça em Portugal

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Basta vê-los falar durante uns minutos.
O modo como abordam as questões, o tom em que falam, o estilo com que se expressam, a forma como comunicam e a própria noção que têm da informação aos cidadãos, leva-nos a concluir que a justiça não está bem e, com eles, não poderia nunca estar bem.
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Tuesday, November 17, 2009

Wasilla

Desde que acabei com o blogue, e deixei de sentir aquela pressão para o post diário que tanto me condicionou durante os últimos meses, tenho tido muito mais tempo para reflectir, nomeadamente sobre o papel decisivo que teve o Alexander Hamilton na história dos Estados Unidos (não se deve menosprezar a importância de ter uma pessoa tecnicamente chanfrada a pôr repetidamente o dedo no ar para embirrar com minúcias, a articular uma ideia diferente, e acima de tudo a não ter razão de uma forma muito inteligente, que mais não seja para obrigar todas as outras pessoas tecnicamente menos chanfradas a terem razão de forma igualmente inteligente; pela minha experiência isto é útil para organizar uma despedida de solteiro ou uma noite no casino, quanto mais para escrever o manual de utilização de um país), mas desde que a direcção do Sporting nomeou a Sarah Palin para treinar a equipa principal, e eu deixei de sentir aquela pressão diária para inalar oxigénio que tanto me condicionou durante os últimos vinte e nove anos, parece que bloqueei (bloqueei; bloqueei é provavelmente a palavra com o aspecto mais estrangeiro da língua portuguesa - não sei se será permitido usar a palavra "bloqueei" na literatura de campanha do PNR; quase que voltei a respirar oxigénio ao descobrir a palavra "bloqueei" no meio destas outras caucasianas sucessões de letras; parece o nome de um arpoador polinésio no Moby Dick, Queequeeg, Daggoo, Bloqueei), pelo que ficamos todos, literalmente, a perder.

O Record online agora faz deadpan humor

«A concorrência dos leões é forte, pois também os ingleses do Chelsea e os holandeses de Heerenveen, Ajax e AZ Alkmaar e, ainda, os alemães do Werder Bremen têm feito observações ao brasileiro de 23 anos que começou no Tiradentes»

Varejando


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E se o Vara ligasse para mim?
Nenhum juiz autorizou que me escutassem.
Essa escuta também seria nula mesmo que eu confessasse crimes horrendos ?
O que vai acontecer a todas as escutas do Vara em que ele fala com pessoas não préviamente autorizadas por qualquer juiz ?
Também são todas anuladas ?

A última bettencorada

...chama-se Carlos Carvalhal. Por favor não venham compará-lo com Jorge Jesus ou Jesualdo Ferreira. Estes treinadores chegaram ao Benfica e ao FC Porto na mó de cima, depois de terem feito excelentes trabalhos nos clubes por onde tinham passado antes. Ao contrário de Carvalhal, a cuja contratação eu talvez não pusesse tantas objecções há dois anos, mas que nesse período esteve dois meses num clube grego que ninguém conhece, onde não fez nada nem deixou saudades, e no Marítimo, onde ganhou dois dos 17 jogos que orientou. Carvalhal é um treinador à procura de relançar a carreira e, sem ofensa para o Marítimo, o Sporting não pode servir para relançar a carreira de alguém após uma passagem fracassada por este clube. Talvez sirva para relançar a carreira de quem treinou o Chelsea ou o Barcelona, mas não o Marítimo ou um clube grego que ninguém conhece. É isto que Bettencourt, o homem que, nas costas de Fernando Santos, foi contratar José Peseiro (após uma passagem desastrosa pelo Real Madrid), não percebe. Nem sempre concordo com tudo o que o Leão da Estrela escreve, mas admito que este é um sintoma de belenização.

Monday, November 16, 2009

2012

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"2012 Bem nos tinham avisado" é um filme cheio de enfeites especiais sobre uma profecia catastrófica da Abelha Maia. Era uma vez um Sol que, sem mais nem menos, se transformou num micro-ondas.

Podemos ver Obama anunciar o Apocalipse aos americanos pouco antes de levar com um porta-aviões no toutiço à porta da Casa Branca.

O que resta da humanidade inscreve-se então num cruzeiro ao cume do Himalaia em paquetes comprados na loja do chinês.
Já depois de embarcar descobrem que afinal o cruzeiro é a arca de Noé e rumam todos a África sem perceber porque é que salvaram as girafas.

Imperdível. Ao ver o "2012" percebemos toda a mesquinhez da "Face Oculta".

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A dupla face da Face Oculta

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Para se poder compreender o real significado dos episódios recentes que envolvem Sócrates, indirectamente, na Face Oculta é preciso pôr este caso em paralelo com a “crise das escutas” a Cavaco tão discutida em Setembro e Outubro.

1- Em ambos os casos os jornais revelaram de forma ilegítima o conteúdo de documentos: num caso, o de Cavaco, foi publicado um email privado trocado entre jornalistas do jornal Público e agora foram divulgados “extractos” de certidões enviadas por um juiz de instrução criminal ao PGR. Quer Cavaco quer Sócrates são envolvidos em consequência de actos cometidos por terceiros.

Mas enquanto que no primeiro caso o PR era apenas mencionado agora Sócrates é, ele próprio, interveniente nas conversas telefónicas.
Enquanto que Cavaco, a serem confirmadas as suspeitas, teria tentado obter a publicação de uma notícia, Sócrates tratava de subverter a completa linha editorial de uma estação de televisão.
No caso de Sócrates houve mesmo um procurador e um juiz que, ao extrair a certidão das escutas, consideraram que o seu comportamento punha em causa o Estado de Direito.

Pode portanto concluir-se que o grau de envolvimento e a gravidade do comportamento de Sócrates é muito maior.

2 – Posto isto é legítimo comparar as consequências dos dois casos.

Os críticos de Cavaco, em que pontificava ainda que cinicamente o Partido Socialista, louvaram a divulgação de correspondência privada pelo DN com base na relevância social do caso. Mas em relação a Sócrates, cujo caso tem relevância social ainda maior, decide-se ocultar e destruir as provas.

A Cavaco toda a gente exigia que desse esclarecimentos sobre uma conversa em que não estivera presente e em relação à qual se conhecia apenas a versão de um dos intervenientes. A Sócrates, em contrapartida, permite-se que escude o silêncio relativamente às escutas em argumentos formais.

Cavaco foi crucificado em público na sequência da sua inábil intervenção televisiva sem preocupações relativamente à dignidade do cargo. Mas Sócrates aparece na televisão a fazer exigências ao Presidente do STJ e ao PGR, falando em tom de ameaça aos procuradores e juízes que tiveram a ousadia de o escutar.

Enquanto Cavaco era ridicularizado por recear ser escutado, durante a campanha eleitoral em Setembro, o PGR já tinha na sua secretária as escutas que envolviam Sócrates e também o despacho do STJ a mandar destruí-las. E nada disse.
A Face Oculta veio mostrar, de forma irónica, que afinal os receios do Presidente estavam longe de ser absurdos. A ocultação da existência das certidões e dos despachos à opinião pública constituiu sem dúvida uma interferência grave no processo eleitoral e condicionou sem dúvida os seus resultados.
Mostrou também quem é que realmente tem influência na comunicação e na justiça.

Sunday, November 15, 2009

Política e negócios sobre rodas RONAL


O empresário socialista Sobral de Sousa, acusado nos casos da Escola de Condução de Tábua e da mala de dinheiro entregue ao social-democrata António Preto, foi sócio de José Sócrates, Armando Vara e Rui Vieira (dirigente do PS e marido de Edite Estrela) na empresa Sovenco nos anos 90. António Preto conheceria Sobral mais tarde, em 1997, e garante: “Nunca me disse que conhecia Sócrates ou Vara”.
António Simões Costa, fundador do PS/Lisboa, foi o mentor da empresa e explica como nasceu a Sovenco e o que o aproximou dos demais sócios: “Conheci-os nas campanhas do partido e estivemos todos com Guterres”. No ano da fundação da Sovenco, 1989, Sócrates e Vara já eram amigos. E porquê entrar nos negócios? Simões lembra uma conjugação de factores: “Cavaco governava com maioria e os suecos, com quem tinha relações, pediram-me alguém que representasse os pneus Jislaved e as jantes Ronal”. Expresso 14.11.2009

Pode ser que me engane, mas o potencial de danos que Armando Vara pode vir a causar a José Sócrates é bem maior do que todos os outros casos ou pretensos casos que tanto desgastaram a imagem do primeiro-ministro e tão decisivamente contribuíram para a perda da maioria absoluta do PS. Armando Vara (e não a ‘Face Oculta’) tem a capacidade de, por si só, arrastar Sócrates para a queda num poço de que se desconhece a profundidade. Há amizades que matam, quando se misturam com outras coisas que não são misturáveis. Foi José Sócrates quem, em nome da amizade (porque competência ou qualificação para o cargo ninguém a conhecia, nem ele), fez de Armando Vara administrador do banco do Estado, três dias depois de este ter adquirido uma espécie de licenciatura naquela espécie de Universidade entretanto extinta — e porque uma licenciatura era recomendável para o cargo. E foi José Sócrates quem, indisfarçadamente, promoveu a transferência de Santos Ferreira e Vara da Caixa para o BCP, numa curiosíssima operação de partidarização do maior banco privado português, sobre as ruínas fumegantes do escândalo em que tinha acabado o case study da sua gestão ‘civil’.

Manda a verdade que se diga, porém, que estes dois golpes de audácia de José Sócrates em abono de um amigo e compagnon de route político foram devidamente medidos: aparentemente, Sócrates contava com o silêncio e aceitação cúmplice com que toda a classe empresarial e financeira recebeu a meteórica ascensão de Armando Vara aos céus da banca e o take-over do PS sobre o BCP, como se de coisa naturalíssima se tratasse. O escândalo não ultrapassou as fronteiras da opinião pública, de modo a perturbar o núcleo duro do regime. E isso foi um primeiro sinal do nível de promiscuidade aceite entre o político e o económico a que estamos agora a assistir. E, em silêncio sempre, toda a classe empresarial clientelar foi assistindo a uma série de notícias perturbadoras sobre operações bancárias a favor de algumas empresas ou investidores que, por acaso certamente, pertencem ao tal núcleo duro do regime, que goza do favor político da actual maioria.

...Junte-se então um governo cujo primeiro-ministro é dado a companhias comprometedoras, um sistema em que se fundem e confundem o político e o económico, o público e o privado, uma justiça que verdadeiramente se tornou cega e surda, mas não muda, um Presidente da República que se desautorizou a si próprio no pior momento, e um país onde as noções de interesse público e serviço público já quase se perderam por completo sem vergonha alguma, e tudo isto começa já a cheirar indisfarçadamente mal. Cheira a fim de regime e só os loucos ou os extremistas é que podem achar isso uma boa perspectiva para o futuro. Expresso 14.11.2009

No mesmo dia, no mesmo jornal, dois textos imperdíveis sobre a caldeirada política e comercial em que vivemos. Deve ser para nos poupar à total desmoralização que o Presidente do STJ quer destruir as cassettes. Bem haja.

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Friday, November 13, 2009

Há água na face oculta da Lua

É a descoberta mais entusiasmante do Ano Internacional da Astronomia. 40 anos após o Homem ter alunissado e lá caminhado, esta descoberta pode ser mais um grande passo para a humanidade e o seu futuro. A Lua não cessa de nos encantar. Os REM têm de começar a cantar "If you believe there is water on the moon..."

Thursday, November 12, 2009

ORDOS

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China: uma cidade para um milhão de habitantes, prontinha, à espera que se resolvam a habitá-la. Não sei o que mais me espanta. O ineditismo ? a dimensão ?
Esta é uma demonstração impressionante de como a abundância de recursos, combinada com planeamento irrealista, pode gerar enormes "elefantes brancos".
Estão a acontecer coisas a Oriente que não nos passam pela cabeça mas que, um dia, talvez nos caiam na cabeça.




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Vitaly Ginzburg (1916-2009)


Talvez o mais ilustre discípulo de Lev Landau (imagem retirada da Wikipédia).
November 10, 2009


Vitaly Ginzburg Dies at 93; Worked on Soviet H-Bomb By MICHAEL SCHWIRTZ


MOSCOW — Vitaly L. Ginzburg, the Russian physicist who helped develop the first Soviet hydrogen bomb and went on to win the Nobel Prize, died in Moscow on Sunday. He was 93.

Mr. Ginzburg had been in poor health for some time, a spokeswoman for the Russian Academy of Sciences said. Mr. Ginzburg was a member of the academy as well as the National Academy of Sciences in the United States and the Royal Society in Britain. Russian press reports said he had died of a heart attack.

Born in the waning days of czarist Russia on Oct. 4, 1916, Mr. Ginzburg overcame severe prejudices against his Jewish, middle-class heritage in the Stalin era to become one of the world’s most renowned physicists.


In 2003 he shared the Nobel for his contributions to the theory of superconductors, which under certain conditions are able to conduct electricity without resistance. The powerful magnets that make particle accelerators and magnetic resonance imaging possible depend on superconductors.


Mr. Ginzburg’s theories have also been employed in string theory and other fields of physics.


After World War II, he worked with Andrei Sakharov, later one of the Soviet Union’s most famous dissidents, to develop the Soviet hydrogen bomb. Mr. Ginzburg came up with the recipe for the weapon’s nuclear fuel, for which he received the Order of Lenin and the Stalin Prize.


“Then an especially terrible time came: Stalin went totally insane,” he wrote in his autobiography for the Nobel committee.


Stalin initiated a wave of anti-Semitism and hostility toward intellectuals in the early 1950s that nearly derailed Mr. Ginzburg’s career. He was removed from the hydrogen bomb project, accused of anti-Communist leanings and denied promotions, he wrote. He also suffered for his marriage to a woman who had once been arrested on charges of plotting to assassinate Stalin.


“It was a tremendous luck that the great leader did not have enough time to carry out what he had planned to do and died, or was killed, on 5th March, 1953,” Mr. Ginzburg wrote. “In the former U.S.S.R. many people (at any rate, my wife and I) have up till now been celebrating this day as a great festival.”


After Stalin died, Mr. Ginzburg used his prestige as a scientist to speak on social issues when the political climate allowed.


Though an atheist himself, Mr. Ginzburg openly denounced prejudice against Jews in perestroika-era Soviet Union. In 1990, he and others sent a petition to the Soviet government calling for an official condemnation of anti-Semitism in the country.


In recent years, he warned of the increasing degradation of science in Russia and criticized officials for not more actively promoting scientific innovation.


He also spoke out against the increasingly close relationship between the Kremlin and the Russian Orthodox Church. In 2007 he and several other scientists signed an open letter to Vladimir V. Putin, who was then Russia’s president and is now its prime minister, expressing concern with the “increased clericalization of Russian society.”

Oleg Rudenko, a fellow physicist, told Echo Moskvy Radio, “Vitaly Lazarevich Ginzburg is of course an eminent physicist.” He added, “But no less important were his public activities and his articles in support and defense of science.”

Wednesday, November 11, 2009

Robert Enke (1977-2009)

Não fica no coração só dos benfiquistas. Recordo o excelente guarda redes, nascido na Alemanha de Leste, mas também o pacifista e o defensor dos direitos dos animais.

Casamento ou união de facto ?

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Em Portugal celebraram-se menos casamentos e houve mais casos de divórcio em 2008 do que no ano anterior, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Em 2008 realizaram-se 43.228 mil casamentos contra os 46.329 mil celebrados em 2007.
Quanto aos divórcios foram decretados 26.885 mil em 2008 contra os 25.411 em 2007.
Estes dados dos divórcios são provisórios e incluem divórcios realizados nas conservatórias, tribunais e separações de pessoas e bens decretadas pela Justiça.
Apesar deste quadro, em 2008 nasceram mais bebés em Portugal do que no ano anterior: 104.594 mil nados vivos (em 2007 foram 102.492 mil), filhos de mães residentes em Portugal. Isto faz supor que a união de facto é uma solução cada vez mais adoptada.
Os homossexuais, os únicos que parecem ainda querer casar, podem ser a última esperança para a indústria dos trajes e dos "copos de água".

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As medidas em curso

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Tuesday, November 10, 2009

20 anos depois - "Muro de Berlim: Os protagonistas da História"

Por Teresa de Sousa no Público:
Numa noite cálida de Junho de 1989, à beira do Reno, o chanceler alemão [Kohl] disse-lhe [a Gorbachov]: "Olhe para o rio. Simboliza a História (...). Pode erguer uma barragem, mas a água vai encontrar outra forma de chegar ao mar. É o mesmo com a unidade alemã e a unidade europeia." Ficou em silêncio. Despediram-se com um abraço.

François Mitterrand e Margaret Thatcher - Os que quase soçobraram

Se ainda havia dúvidas sobre as hesitações de Margaret Thatcher e de François Mitterrand perante a queda do Muro e a imparável unificação da Alemanha, que quiseram travar, a abertura antecipada dos arquivos do Foreign Office dissipou-as. A primeira-ministra britânica e o Presidente francês têm, no entanto, uma desculpa: a trágica História europeia da primeira metade do século XX. Dito de outra forma: a "questão alemã". Não foram os únicos. Nas suas memórias, Kohl diz que, de todos os aliados europeus, apenas um o apoiou imediatamente: Felipe González. Thatcher, que não acreditava na integração europeia, não via saída para o renascimento de uma grande Alemanha no coração da Europa. Fez tudo o que esteve ao seu alcance para convencer Bush a opor-se-lhe. Mitterrand, que acreditava na Europa, percebeu que o caminho era outro: amarrar solidamente a Alemanha à integração europeia. Kohl nunca perdoou à líder britânica, mas estabeleceu com o Presidente francês uma amizade que foi crucial para o futuro da Europa. Garantiu que a unificação europeia seria a outra face da unificação alemã.

Supremo anula escutas a Socrates

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Artista da rádio, TV e disco e da cassete pirata

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Procurador-geral da República resolveu fazer "suspense" à volta do caso que envolve as escutas telefónicas a Armando Vara que apanharam José Sócrates.
Ontem à tarde, Pinto Monteiro foi categórico em afirmar que já havia "dois despachos finais" (um dele próprio, outro do Supremo Tribunal de Justiça) sobre o assunto. Já durante a noite, em resposta ao DN, afirmou que as conclusões serão "oportunamente divulgadas". Sendo certo que, como revelou, a primeira certidão que foi para o Supremo "foi despachada em Setembro", disse o PGR. No meio de tanta confusão, Pinto Monteiro não quer ainda esclarecer o essencial da questão: a certidão que envolve Armando Vara e José Sócrates deu origem a uma investigação autónoma ou foi tudo arquivado?

...Para já, acerca da tal certidão, a PGR só quer que se saiba isto: Pinto Monteiro recebeu, a 3 de Julho, uma certidão do DIAP de Aveiro com 50 gravações. "Cassetes", precisou. A 23 de Julho deu um despacho, enviando o caso para o Presidente do STJ. Este deu outro despacho sobre a certidão a 3 de Setembro. No meio de tantos despachos, de subida e descida do processo, o Procurador-geral não respondeu ao essencial não quer esclarecer: o que fez à famosa certidão.
DN 10.11.2009

A nossa justiça parece estar a deslizar para o terreno da cassete pirata.

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Monday, November 9, 2009

20 anos depois - "Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos"



Era precisamente a noção do que era andar em liberdade e poder passar o Muro que dava a Freitas Branco a consciência exacta da situação vivida pela generalidade da população de Berlim: a separação absoluta. "A cortina de ferro existia, de facto. Para quem se deslocava a pé, o ponto de passagem de fronteira era a estação de comboios central, a Friedrichstrasse", diz este professor da Faculdade de Letras de Lisboa. "Numa mesma estação de metro e comboios, havia dois mundos completamente distintos, o mundo do socialismo e o mundo do capitalismo. As pessoas passavam a um metro umas das outras sem se poderem ver nem falar. A divisória era uma cortina de ferro que cobria parte da estação. A cortina de ferro de que Churchill falava estava ali, materializada. É algo que só vivido."

Mas não era só no muro que rasgava a cidade que o peso da ditadura se sentia. João Lourenço - "Eu não fui pelo PCP, nunca fui do PCP" -, que esteve em Berlim a estagiar um ano, a convite do director da Casa de Brecht, Werner Hesht, e do director do Berliner Ensemble, Manfred Wekwerth, afirma: "Senti uma segurança como nunca senti em cidade nenhuma do mundo. Os soldados nas esquinas, nas casas de vidro, davam segurança. Havia uma segurança dada pelo regime." Mas não esconde que essa segurança tinha um lado assustador: "Um dia acordei com o barulho e com o chão a tremer. Fui à janela, eram os tanques com mísseis a passar. Durante uns segundos pensei: é a guerra. Eram os preparativos para o desfile do 1.º de Maio."
"Todas as pessoas com quem contactei, fossem do partido ou não, tinham uma posição extremamente crítica em relação à burocracia e à incapacidade do sistema", afirma Mário Vieira de Carvalho, explicando que "a falta de liberdade de expressão não deixava reflectir a realidade e o criticismo não passava". Pormenoriza: "Nas reuniões debatiam e criticavam, mas não passava para cima. A corrente não era de baixo para cima, era de cima para baixo." Uma atitude de comando que era "a expressão de uma falsa consciência sobre a realidade" e também, segundo Vieira de Carvalho, "profundamente antimarxista".
Os seis portugueses que viveram na ex-RDA são unânimes em elogiar os benefícios proporcionados pelo socialismo real. É desse bem-estar e dessa qualidade de vida que sentem nostalgia.

"Vivi lá, gostei de viver e vivi bem. Às vezes digo na brincadeira "os tempos em que fui rico", no sentido de viver sem preocupações materiais", diz o jornalista Martins Morim.
Explicando o que era o bem-estar proporcionado pelo sistema, Martins Morim relata: "Não pagávamos renda quase, era um preço simbólico. A nossa filha fez a escola, ninguém comprava livros, ensinava-se a respeitar os livros e no fim entregavam-se de novo à escola. A escola era gratuita, os transportes eram baratos, ir ao teatro era barato. Não se ganhava muito, mas ir à ópera era acessível." Lembra: "As pessoas viviam bem, tinham dinheiro, tinham é que esperar por comprar carro." Salienta as peculiaridades do sistema socialista alemão de Leste em relação ao resto dos países socialistas: "Quando vim para Portugal, vivíamos numa zona de Berlim que tinha lojas privadas e no campo havia direito de propriedade. Por outro lado, a situação religiosa era respeitada."
Com uma visão crítica do regime da RDA, Ana Portela salienta que "Leipzig era a zona mais poluída da Europa", mas, por outro lado, "era um centro estudantil mais importante que Berlim, tinham estudantes de todo o mundo enviados pelos partidos e pelas organizações comunistas". Aí, voltou a casar com um estudante chileno e teve duas gémeas em Leipzig, o que lhe deu direito a um ano de licença com ordenado e assistência médica.

Mas o que esta professora destaca como melhor é o sistema de ensino: "A minha filha tinha natação duas vezes por semana. Um dia disse-lhe para não ir à escola e a professora veio a casa. Ela tinha muitas actividades. Tinha uma escola separada de música, fez quatro anos de piano. Além das aulas, os estudantes mais velhos vinham a casa ensinar os mais novos a praticar com os instrumentos."
Falando com a experiência de uma vida dedicada ao ensino em Portugal, Ana Portela diz: "Conheço o ensino de cá e vi o de lá, não tem comparação. As minhas filhas ainda não tinham dois anos e já se vestiam e comiam sozinhas. Quando viemos estranharam, porque se deitavam cedo e os colegas viam todos televisão à noite." Nota, ainda, que "havia uma educação ecológica e ambiental; os miúdos levavam as garrafas e os jornais para reciclar, o papel era reciclado".
"A cultura era muito acessível", diz Ana Portela, o que é igualmente defendido por João Lourenço. O encenador sublinha, contudo, as condições em que esteve em Berlim-Leste. "Eu era um convidado em condições óptimas, tinha um panorama cultural muito rico", confessa.
"Os livros eram baratos, comprei muitos", conta Mário Vieira de Carvalho. "Onde começavam os problemas? Onde era absurdo. Por exemplo, a dificuldade em tirar fotocópias. Na Biblioteca de Berlim oriental, que tinha uma colecção de música excelente, as fotocópias eram limitadas, fazia-se requisição e demorava dias. Em Berlim ocidental, as próprias pessoas tiravam as fotocópias no momento."
Mário Vieira de Carvalho nega que houvesse falta de bens e atesta a qualidade dos supermercados: "Nunca senti falta de produtos nem dificuldades de abastecimento. Não era assim nos outros países de Leste. Na Alemanha de Leste, havia os produtos, mas não havia marcas, eram uma espécie de produtos genéricos." Relata um episódio revelador dos problemas de funcionamento do mercado: "Uma vez cheguei a uma estação de metro e vi um vendedor de morangos. Quis comprar meio quilo, não consegui, só vendia uma caixa inteira. Os produtos que não estavam normalmente disponíveis só se vendiam em grandes quantidades e desapareciam rapidamente. O mesmo acontecia com discos e livros, tínhamos de estar atentos para não esgotar."
Como o "sistema subsidiava todos os produtos de primeira necessidade" e os preços eram simbólicos - quando os bens não eram mesmo grátis -, "as pessoas acumulavam dinheiro que não podiam gastar, porque depois havia lista de espera para o carro, as férias eram só em países socialistas", lembra o musicólogo. "Havia sede de consumo e excesso de meios de pagamento, porque não se pagava o que se consumia."
Também João de Freitas Branco defende que o problema em Berlim era "a variedade da oferta" e reconhece que, mesmo assim, "a situação em Berlim não era a de toda a RDA, havia cidades em que era pior". Mas defende o sistema então vigente. "Passados estes anos todos, continuo a ter a opinião que sempre tive, e que é muito mais positiva que a opinião dominante sobre o socialismo real", afirma. "Ali já tinha sido dado um passo civilizacional absolutamente essencial e que se baseava no banimento das desigualdades materiais mais aberrantes, tendo desaparecido a pobreza, essa pobreza que eu conhecia aqui de Portugal."
Este professor da Faculdade de Letras lembra que "quando se fala de direitos humanos verifica-se que as pessoas reduzem a uma única coisa a liberdade de expressão", e questiona: "Mas o bife, o concerto, o livro, a escola - não é isto, também, direitos humanos?" Marcando a diferença dos dois sistemas, socialista e capitalista, sublinha: "Quando saí de Portugal havia milhares de crianças sem acesso à escola. Na RDA não havia um único cidadão que não tivesse acesso à escola." A escolaridade era gratuita e universal e a redistribuição de riqueza era outra, e isso era possível "porque houve uma mudança do regime de propriedade", o que, argumenta, "horroriza qualquer pessoa que considera o capitalismo o melhor dos mundos".
Mas, ao elogiar o sistema, Freitas Branco não deixa de frisar o outro lado, o do regime. "Infelizmente, este passo civilizacional em frente coabitava com um outro, que era um passo civilizacional atrás: o Estado policial e a ausência efectiva da liberdade de expressão." Este investigador, que estava em Berlim faz hoje precisamente 20 anos, conclui: "Na minha opinião, a RDA tinha de acabar, porque um regime onde não há liberdade de expressão tem de acabar. Mas alimentei a esperança de que essa mudança não representasse a anulação do passo civilizacional."
(Por São José Almeida no Público)

O meu próprio muro

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Nesta época de comemoração da Queda do Muro, em Berlim, resolvi fazer também a minha "reflexão". Dá-me muito gozo ver a forma como certas pessoas comemoram a queda do muro pois sei que, se algum dia houvessem tido o engenho de tomar o poder, teriam construído um ainda mais alto e mais grosso.

Em geral creio que a queda do muro não ensinou tanto quanto seria de esperar. Continuamos a ver o vanguardismo florescerer e o espírito crítico e auto-crítico constitui uma raridade. O doseamento e a moderação nas convicções por parte de quem, como nós, tantas vezes errou é muito mal compreendido. O voluntarismo e o queimar das etapas, o desprezo pelos processos de fundo em favor das modas e do efémero, marcam aliás a nossa época. Novas élites auto-nomeadas mostram-se prontas para qualquer engenharia de ocasião.

Quando o muro físico caíu já eu levava vinte e três anos de militância sincera no PCP com base em ideais que, na sua essência, continuo a perfilhar: a construção colectiva de um novo patamar social em moldes mais justos e não o sindicalismo assistencial que hoje parece estar na moda, à mistura com umas provocações de índole sexual para épater le bourgeois.

Quando visitei Berlim pela primeira vez já não era um neófito do "socialismo real" nem da RDA. A minha estreia ocorrera em 1979 na Hungria e depois em 1980, quando as nuvens ainda não toldavam o horizonte, em Moscovo, no Cazaquistão e na Sibéria. Meses depois da ascensão de Gorbatchev, em 1985, percorri de automóvel durante um mês, e em campismo com os meus filhos, o Sul da RDA, a Checoslováquia e a Hungria (uma viagem cujas peripécias ainda um dia contarei).

Em Fevereiro de 1986, aproveitando uma viagem profissional a Berlim, usei a estação de metro em Friedrichstrasse como porta de passagem para Berlim Leste e percorri essa parte da cidade, a pé, debaixo de uns inclementes dez graus negativos durante o fim de semana.


No sábado almocei com um grupo de polacos e polacas no restaurante giratório do alto da torre da TV na Alexander Platz. Um almoço grastronómicamente sem história mas muito interessante nas conversas. Depois fui descobrir o fantástico museu Pergamon, assim nomeado por conter o Templo de Zeus roubado na cidade do mesmo nome (onde estive em 1995) na costa turca do mar Egeu.

No domingo tornei a passar para Berlim Leste e depois das demoradas formalidades da fronteira era já hora de almoçar. Entrei num restaurante que funcionava num primeiro andar e o empregado, como as mesas estavam todas cheias, não hesitou em sentar-me na companhia de três belas jovens.


Foi mais uma oportunidade para perceber o que pensavam os alemães do "outro lado". As jovens estavam de visita a Berlim por pertencerem a um grupo folclórico de uma região que não fixei.

Passámos o almoço a discutir acerca da diferença entre não viajar por estar impedido legalmente e não viajar por não ter dinheiro para o fazer. Tornou-se claro para mim que, fosse qual fosse o sucesso económico e social do regime comunista, o simples facto de não se poderem deslocar livremente constituía para os alemães do leste um problema obsessivo.


Só voltei a Berlim dez anos mais tarde, em 1996, quando já me tinha afastado da militância no PCP. Neste momento estou a planear ir de novo a Berlim para ver a nova arquitectura na Alexander Platz e voltar à extraordinária ilha dos museus.


Sunday, November 8, 2009

Cavaco e Sócrates a mesma luta


Há uma face oculta que insiste em provocar os nossos mais altos responsáveis políticos levando-os a fazer figura de tolinhos.
Cavaco foi à televisão, há tempos, por causa de umas "escutas" que afinal ninguém tinha feito e toda a gente ficou convencida de que o homem andava a combater moinhos de vento. Entretanto Sócrates declarava enfáticamente que essa coisa das escutas era um "disparate de Verão" no preciso momento, sabe-se agora, em que estava a ser escutado durante os telefonemas para o seu amigo Armando Vara.
Alguns comentadores mais dados ao maquiavelismo podem agora insinuar que o discurso de Cavaco teria afinal por objectivo prevenir Sócrates para que não dissesse nada de comprometedor ao telefone.
Em suma, as escutas inexistentes, ou cujo conteúdo nunca chega a ser conhecido, são aquelas que têm consequências mais devastadoras.
O público adora imaginar o que poderia ter sido ouvido em Belém ou numa conversa entre compinchas do calibre de Sócrates e Vara.
Embora os equipamentos de escuta, segundo dizem, se possam comprar na internet por tuta e meia, já nem isso é preciso. O que dá mais gozo é não comprar nada, não escutar nada, mas fazer constar que ouvimos coisas importantíssimas que nunca revelaremos.
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Saturday, November 7, 2009

Pela geminação entre Lisboa e Chicago

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As guerras entre os gangsters em Chicago começavam quase sempre quando uma das partes rompia acordos sobre territórios ou sobre áreas de negócio exclusivas. Alguns episódios recentes da vida política portuguesa trouxeram-me à memória essas histórias.
Uma vez quebrados os acordos de "cavalheiros" iniciavam-se as carnificinas em que os gangs se massacravam sem quartel. Alguns episódios recentes da vida política portuguesa trouxeram-me à memória essas histórias.
Al Capone nasceu em Brooklyn mas tornou-se famoso como boss da associação criminosa Chicago Outfit (o seu cartão de visita apresentava-o no entanto como negociante de móveis). Alguns episódios recentes da vida política portuguesa trouxeram-me à memória essas histórias.
Apesar de ter cometido incontáveis assassinatos a sua carreira só terminou em 1931 quando foi acusado de uma mera fuga ao fisco.
Não sei se durante os seus anos áureos de criminoso também havia quem entendesse não poder comentar os seus crimes antes que a sentença de um tribunal tivesse transitado em julgado.
Alguns episódios recentes da vida política portuguesa trouxeram-me à memória essas histórias.
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Friday, November 6, 2009

Death Bed: The Bed That Eats



Filme de 1977 em que o realizador, o produtor, os actores e a equipa técnica não podiam, porque tinham todos Krav Maga.

Paulo Bento



Um homem bom e lúcido, que a partir de hoje não pode, porque tem Krav Maga.

Em resposta ao comentador "jaa", e ao comentador "anónimo"


A minha opinião sobre Inherent Vice é muito positiva, por motivos que eu explicaria aqui detalhadamente caso não tivesse Krav Maga.

Só falta o Bettencourt

A última gaffe desta nódoa de presidente do Sporting é que «o futuro treinador do Sporting será "caucasiano"». Por que é que não pode ser preto?
Que sentirá Liedson, o jogador com mais categoria do paupérrimo plantel do Sporting, a ouvir isto?
Sousa Cintra tinha a desculpa de só ter a quarta classe. Soares Franco tinha a enorme vantagem de se saber dar ao respeito. Se era para termos um sucedâneo de Pedro Granger na presidência, se calhar até era preferível o original.

Adenda: transcrevo integralmente a crónica de Bruno Prata no Público.

Paulo Bento prestou o seu último serviço, mas Bettencourt não aprendeu a lição

A conferência de imprensa organizada para explicar a saída de Paulo Bento serviu para confirmar que o Sporting tinha um treinador com carácter, íntegro e corajoso, afinal de contas, nada que já não se soubesse. Mas também para se perceber que José Eduardo Bettencourt não aprendeu muito com uma situação idêntica passada há mais de quatro anos naquela mesma sala.
De facto, a única verdadeira diferença foi que Dias da Cunha decidiu, na altura, acompanhar José Peseiro na demissão, enquanto Bettencourt assumiu que nunca seria “capaz” de despedir um treinador cujo abandono considera uma “perda irreparável”. Por outro lado, Bettencourt confessa que Paulo Bento sai em resultado da sua própria lucidez e capacidade de ler a situação e de não misturar conhaque com trabalho. Independentemente do claro contra-senso, salta à vista que, ao dizê-lo, o presidente leonino acabou por reconhecer que a relação profissional entre o presidente e o treinador esteve e estaria sempre condicionada pela forte componente humana que os une. É uma assumpção que pode ser muito honesta, mas que parece estranha e muito discutível vinda de alguém que ainda há bem pouco desempenhava funções de grande responsabilidade no sistema bancário. E é-o também por partir de quem lidera uma Sociedade Anónima Desportiva, onde se exige um rigor e uma gestão pautada acima de tudo pelo pragmatismo e racionalidade.
Mais do que fazer a sua própria leitura da situação e apontar o caminho futuro, Bettencourt assumiu estar ali basicamente para fazer a homenagem de quem ia sair, um “momento doloroso”. O que parece legítimo e até lhe ficaria bem, não fosse a oportunidade ter sido também aproveitada para fazer uma espécie de ajuste de contas com muitos daqueles que foram criticando o clube e Paulo Bento e que, ironizou Bettencourt, “só têm certezas”. Um erro, porque o momento devia era ter sido aproveitado para contribuir para a pacificação da nação sportinguista, cuja generalidade dos seus membros até se têm mantido surpreendentemente pacientes face à deprimente incapacidade da equipa de produzir (bom) futebol.
Que Bettencourt se mostrasse afectado pelas circunstâncias até era compreensível, mas já não o foi vê-lo responder de forma excessivamente nervosa e desabrida a algumas questões colocadas pelos jornalistas, usando até expressões que não o dignificam. Vá lá que teve pelo menos a decência de pedir imediatamente desculpa, após responder ao jornalista do PÚBLICO que o próximo treinador será do “sexo masculino e caucasiano”. Bettencourt tem mostrado, desde a primeira hora, a intenção clara de utilizar um discurso e uma postura mais próximos dos adeptos anónimos, podendo isso até fazer parte da actual estratégia de conquista de novos sócios. Mas os seus excessos na verve e na postura começam a não agradar apenas àqueles que se habituaram a ver Alvalade como a sede de um clube elitista e aristocrata.
Pelo contrário, Paulo Bento distinguiu-se pelo discurso sereno e frontal, mesmo que aqui e ali algo redondo, como é hábito. Disse o que se impunha, mostrou lucidez até na forma como reconheceu ter cometido um erro quando não teve coragem de recusar o repto do amigo Bettencourt e acabou por colocar o coração à frente da razão. E principalmente quando deixou claro que não sai pelos maus resultados nem pela pressão dos adeptos ou da opinião pública ou publicada. Sai, digo eu, porque se sente impotente para reverter a situação. Daí ter insistido que se demite “pelos jogador e pelo Sporting”. Foi o último serviço prestado por um treinador a quem, no Sporting, só se fará a devida justiça daqui a algum tempo, quando a espuma dos últimos meses desaparecer. Então, talvez se venha a perceber melhor o que, a 300 quilómetros de distância, quis dizer Jesualdo Ferreira, quando afirmou que “a sua carreira começou hoje”...

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