Monday, November 29, 2010

Encaixa Mais

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Palhinhas para inalar droga distribuídas gratuitamente
Título do DN de Hoje 

Esta medida faz parte da campanha "Encaixa Mais"

Aos cábulas dá-se diplomas...
Aos corruptos dá-se prescrições...
Aos drogados dá-se palhinhas e seringas...
Às "minorias étnicas" da candonga dá-se casas à borla...
Aos gestores amigos das empresas públicas dá-se mordomias...
Aos velhos pensionistas pobres dá-se o congelamento das pensões...
E àqueles que se esfalfam a trabalhar e a equilibrar o magro orçamento dá-se mais impostos.

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Sunday, November 28, 2010

O melhor amigo do homem... e da mulher

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Quando não lhe apetece carregar com compras, o que faz? Zhang Tiegang, de 32 anos, residente em Changsha (sul da China), manda o cão. De acordo com a edição britânica do jornal Metro, Deng Deng, um cão de raça Sheepdog, de um ano de idade, foi treinado para ir à loja, pegar nos produtos e levá-los para casa.
Sempre que vai às compras, Zhang coloca em Deng Deng uma espécie de sela com arnês, nos quais são colocados dois sacos, onde as compras são colocadas. Tiengang diz que o seu companheiro de quatro patas gosta desta tarefa: “Ele gosta de carregar coisas. Começou por levá-las na boca, mas depois decidi comprar esta espécie de sela com duas sacolas”.
“Ele é tão bom a fazer isto que eu posso mandá-lo sozinho às compras, apenas com o dinheiro e a lista numa das sacolas. Ele chega a casa com a comida e o troco”, acrescenta.
Jornal de Notícias, 27.11.2010

Em 1980 eu descobri um cão que carregava a mala de mão da sua dona moscovita. Uma excelente prevenção contra gatunos.



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Saturday, November 27, 2010

O incrível DartLacão


Pasmo quando oiço o incrível DartLacão explicar-nos, doutoralmente, a delirante teoria segundo a qual ao relaxar a legislação se torna mais fácil obrigar as empresas públicas a reduzir os salários.
Como se tal não bastasse aparece depois o Passos Coelho, putativo representante da alternativa ao actual governo, a defender a delirante teoria de que é preciso evitar que os geniais gestores públicos fujam para o privado.
Alguém devia dizer-lhe que empresas como a Caixa Geral de Depósitos teriam lucros mesmo que a Administração fosse constituída não pelos actuais boys partidários mas por múmias do Egipto.
Nas outras empresas públicas, aquelas que dão sempre prejuizo, somos nós os cidadãos que o pagamos através das subvenções do Estado.

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Friday, November 26, 2010

Toponímia contra a crise

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No meu bairro enfrentamos a crise com galhardia. Para mostrar aos mercados que não estamos aflitos alguém resolveu fazer toponímia em duplicado.
E não foi só o Santo António, também o S. Luís e os outros santos todos tiveram direito a uma segunda placa, lado a lado que aquela que já se encontrava no local há algum tempo.
Claro que esta segunda placa podia ter sido posta do outro lado da rua, onde eventualmente seria mais útil, mas nesse caso perdia-se parte do efeito da bravata.
O único problema é que alguns transeuntes, ao ver duas imagens similares, chegam a pensar que estão alcoolizados.

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Thursday, November 25, 2010

Os apóstolos da bola

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O plantel segundo Jacopo Bassano (1510-1592)

Temos o plantel que Jesus pediu

Luís Filipe Vieira em declarações à Bola

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O Grito do Povo

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O Grito do Povo era a marca de uma organização pró-chinesa que no ocaso do marcelismo estava bem implantada no Norte e era dirigida por Pedro Baptista, a quem a democracia não reservaria grande papel - ao invés do que aconteceu com o seu rival de então, Pacheco Pereira, que liderava um pequeno e insignificante grupúsculo da mesma obediência ideológica.
Após o 25 de Abril, o Grito do Povo integrou a UDP, conglomerado maoista que publicava a Voz do Povo (onde debutaram José Manuel Fernandes, ex-director do Público, e Henrique Monteiro, futuro ex-director do Expresso) e viria a juntar os trapinhos no Bloco de Esquerda com os seus velhos inimigos trotskistas.
Apesar de nunca ter navegado politicamente nas turvas águas do maoismo, sempre achei feliz a marca Grito do Povo, pois o grito é a expressão da dor física que sentimos quando o sofrimento moral se torna insuportável.
DN, 25.11.2010

Continuam a gritar mas nos jornais "de referência".

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Wednesday, November 24, 2010

Elementos para a compreensão do 25 de Novembro

Excelente artigo publicado no Público há um ano atrás.

Contagem decrescente para uma guerra civil


Foram 20 dias alucinantes. O Governo mandou bombardear a Rádio Renascença. Os trabalhadores da construção civil sequestraram o Governo e a Assembleia. O Governo entrou em greve. Os líderes do PS, PSD e CDS fugiram para o Porto, porque ia ser criada a Comuna de Lisboa independente. Os pára-quedistas ocuparam as bases da Força Aérea. A guerra civil ia começar. A reconstituição hoje possível do 25 de Novembro de 1975, a partir de entrevistas com os principais intervenientes e dos livros que, para deixarem o seu testemunho para a História, alguns deles têm publicado. Por Paulo Moura
Norte Quinta-feira, 6 de Novembro de 1975. À hora de jantar, o Conselho da Revolução interrompeu os trabalhos. Deveria ser um breve intervalo, naquela reunião conjunta com o Governo de coligação, mas prolongou-se, para conselheiros e ministros verem o debate na RTP entre Mário Soares e Álvaro Cunhal.
No ecrã a preto e branco, o jornalista envolto em fumo de cigarro anunciou os líderes dos partidos Socialista e Comunista. “O sr. dr. teima em querer fazer a revolução com uma minoria”, diz Soares, com um risinho. Cunhal responde rápido: “Não. O que eu quero é fazer a revolução com revolucionários.”
A reunião do Conselho da Revolução fora pedida pelo executivo. O primeiro-ministro, Pinheiro de Azevedo, cujo cognome era o “Almirante sem Medo”, exigia medidas para que o deixassem governar. Os militares não lhe obedeciam, os sindicatos e os comunistas organizavam manifestações de protesto todos os dias, os media divulgavam propaganda radical e apelavam à sublevação, principalmente a Rádio Renascença, que, em Outubro, fora ocupada pelos trabalhadores e se transformara em porta-voz da esquerda revolucionária. Era preciso fazer qualquer coisa.
Pinheiro de Azevedo e alguns dos conselheiros falaram sobre isto durante o intervalo, que se prolongou demasiado devido ao grande interesse do debate da RTP, dando azo a que fosse tomada, um pouco à socapa, aquela decisão, antes de todos voltarem à sala. A decisão terrorista.
“O Partido Comunista tem um pé no Governo e todo o corpo, e o outro pé, de fora, fazendo mobilização no país, para derrubar o Governo”, diz Soares na televisão. “Isto leva em linha recta o país para a confrontação armada e uma guerra civil.” Cunhal vai contrariando: “Nós também queremos evitar a guerra civil. Mas não se fale da disciplina da direita reaccionária…”
Soares continua: “O que o Partido Comunista deu provas, durante estes meses, é que quer transformar este país numa ditadura.” E Cunhal: “Olhe que não, olhe que não.”
Conselheiros da Revolução e ministros voltaram para a sala de reuniões, no Palácio de Belém. Prosseguiram os discursos e as queixas, até que o Conselho disse que sim a todas as sugestões do sarcástico primeiro-ministro. Uma delas, já combinada no intervalo, era a decisão terrorista de Estado e dizia respeito à Rádio Renascença. Às 4h30 da manhã do dia 7, sexta-feira, pouco depois de a reunião ter terminado, uma bomba era lançada, na Buraca, sobre os emissores da rádio rebelde, calando-a de vez. A ordem foi dada pelo Governo, com aval do Conselho da Revolução e através do chefe do Estado-Maior da Força Aérea, general Morais e Silva, e quem a executou foram forças pára-quedistas da Companhia de Caçadores 121, aquartelada no Lumiar.
Ora entre os “páras” o predomínio dos esquerdistas era cada vez maior. Activistas do PCP e dos partidos maoístas faziam agitação e propaganda junto dos efectivos das unidades especiais e altamente disciplinadas de pára-quedistas, fazendo-os sentir um peso na consciência por terem bombardeado a Renascença.
Sábado, 8 de Novembro. Apercebendo-se do mal-estar entre os “páras”, Morais e Silva, acompanhado pelo capitão de Abril Vasco Lourenço, foi à Base Escola de Tropas Pára-Quedistas, em Tancos, explicar a acção contra a “rádio vermelha”. Uma sessão de esclarecimento foi convocada para o pavilhão gimnodesportivo da base. O general começou a falar, ao lado de um embaraçado Vasco Lourenço (que sempre achou injustificável a operação Renascença), mas foi interrompido por um soldado, que lhe roubou o microfone para dizer: “Camaradas, vamos todos sair daqui. O meu general é um burguês, que já fez a sua opção de classe e não pode defender os nossos interesses. Portanto, não temos nada que estar aqui a ouvi-lo.” E abandona o pavilhão com a maioria dos soldados, para se irem juntar a uma reunião paralela, com os sargentos da base.
Humilhado, Morais e Silva ficou sem resposta, e acabou também por sair do recinto. Os oficiais presentes continuaram a reunião, decidindo que, por não haver disciplina possível, iriam apresentar-se no Estado-Maior da Força Aérea, para pedir a passagem aos seus quadros de origem. Nesse mesmo dia, 123 oficiais abandonaram a base de Tancos, deixando-a entregue a sargentos e praças, e instalam-se na base aérea de Cortegaça, perto de Espinho, com a ajuda e apoio do chefe da Região Militar do Norte, Pires Veloso. Morais e Silva, esse, jurou vingar-se.
Domingo, 9 de Novembro. Uma gigantesca manifestação de apoio ao VI Governo Provisório foi convocada para o Terreiro do Paço pelo PS e o PSD. Pinheiro de Azevedo, com Mário Soares e Sá Carneiro, ficou numa das janelas da sala do Estado-Maior da Armada. Mas mal o primeiro-ministro começou a discursar, denunciando o golpismo do Partido Comunista, rebentou uma granada de fumo no meio da multidão. Gerou-se o pânico, correrias, gritos, uns tentando abandonar a praça, outros deixando-se atropelar, outros tentando encontrar e castigar os culpados. Pouco depois, começou a ouvir-se um tiroteio vindo dos arcos da praça. A Polícia Militar tentava dispersar a tiro os desordeiros, provocando o pandemónio. Da janela, Pinheiro de Azevedo gritava: “O povo é sereno! O povo é sereno! É apenas fumaça! É apenas fumaça! O povo é sereno!”
Segunda-feira, 10 de Novembro.
Na base de Tancos realizou-se um plenário em que foi aprovada uma moção de repúdio pela operação contra a Renascença. Os sargentos assumiram a autoridade, reinstalaram a disciplina e treinos com intensidade redobrada, armaram uma companhia especial para garantir a defesa da base.
Terça-feira, 11 de Novembro. Dois sargentos pára-quedistas deslocaram-se ao Forte do Alto do Duque, onde se situava o quartel-general do Copcon (Comando Operacional do Continente). Pediram para falar com o chefe, Otelo Saraiva de Carvalho. “Meu general, vimos aqui oferecer-lhe 20 mil tiros por minuto”, disse um dos sargentos. Colocavam-se à disposição e sob o comando de Otelo, em troca do seu apoio à luta dos “páras”.
Quarta-feira, 12 de Novembro. Otelo manifestou publicamente o seu apoio aos pára-quedistas. Morais e Silva começara a executar a sua vingança. Numa série de ordens confusas, ia mandando passar à disponibilidade os praças pára-quedistas. Na prática, extinguiu os pára-quedistas.
Para explicar a sua posição, Otelo promoveu uma reunião entre Morais e Silva e o Presidente da República, Costa Gomes. “Meu general, eu quero dizer-lhe claramente que não posso apoiar esta decisão unilateral do Morais e Silva”, disse Otelo. “Temos uma força pára-quedista de centenas de homens perfeitamente disciplinados, uma força excelente para o combate, que pode actuar em qualquer situação, e agora, por despacho, este gajo elimina a força de pára-quedistas?”
“Mas eles não me respeitam”, defendeu-se Morais e Silva.
“Não te respeitam, porque tu participaste em ordens que não têm pés nem cabeça”, atacou Otelo. “Destruir à bomba os emissores da Rádio Renascença, só porque ela estava ocupada pelos trabalhadores? Não havia outra forma de resolver o problema?”
A delegação dos pára-quedistas que visitou o Copcon informou ainda Otelo que os oficiais baseados em Cortegaça estavam a enviar aviões para sobrevoarem ameaçadoramente a base de Tancos. “Estão a fazer voos a pique sobre nós”, disse um dos sargentos. “E, se houver alguma atitude ameaçadora, nós queremos rebentar com o avião.”
Otelo enviou então, como medida dissuasora, metralhadoras antiaéreas para os páras em autogestão.
No mesmo dia, às 5 da tarde, uma manifestação de trabalhadores da construção civil cercou o Palácio de S. Bento, onde o Governo se encontrava reunido, para apresentar ao primeiro-ministro o seu caderno reivindicativo. Em frente do portão da residência do primeiro-ministro, os trabalhadores colocaram uma enorme betoneira, obstruindo a saída. Ninguém poderia abandonar o palácio antes de terem sido atendidas as reivindicações, explicaram os delegados sindicais.
No interior, permanecia o Governo inteiro, mas também os deputados da Assembleia Constituinte, que estava reunida, o público que assistia à sessão e os funcionários do palácio. Uma delegação dos manifestantes foi falar com Pinheiro de Azevedo, que declarou não tencionar ler sequer o documento das reivindicações, enquanto se mantivesse aquela situação de pressão. Em resposta, representantes dos trabalhadores entraram no salão nobre e na varanda, onde instalaram um sistema sonoro e de onde iniciaram um comício permanente. Não iriam “arredar pé”, enquanto os seus problemas não fossem resolvidos, gritaram aos altifalantes. E com isso assumiram o sequestro do Governo e dos deputados, que duraria 36 horas, sem que as forças de segurança, comandadas pelo Copcon de Otelo, fizessem coisa alguma.
Vendo a situação entrar num impasse, com os trabalhadores a estenderem mantas e acenderem fogueiras para dormir e ficar ali por tempo indeterminado, Pinheiro de Azevedo veio à varanda apelar à dispersão, sob a promessa de estudar o caderno reivindicativo. Mas os manifestantes não o queriam ouvir, e gritavam e insultavam mal o primeiro-ministro abria a boca. “Fascista!”, chamavam eles, e o “Almirante sem Medo” perdeu a paciência: “Fascista uma merda!” Ou na versão de outras testemunhas: “Vão todos bardamerda!”
Só na manhã de quinta-feira, dia 13 de Novembro, os manifestantes permitiram a saída dos deputados, funcionários e elementos do público assistente à sessão da Constituinte. Os ministros continuaram sequestrados até que Pinheiro de Azevedo acabou por assinar um “compromisso” em que aceitava certas reivindicações.
Sexta-feira, 14 de Novembro.
Os líderes do PS, PPD e CDS fugiram para o Porto, onde participaram numa manifestação de apoio ao Governo, que acabaria com o assalto à sede da União dos Sindicatos. O país estava a dividir-se em dois. A região de Lisboa estava dominada pelas forças comunistas, e cada vez se tornava mais claro, para muita gente, que para as combater seria necessário fazê-lo a partir do Norte, onde os moderados e a direita detinham a supremacia, entre a população e nos quartéis. As forças democráticas tomariam posições na zona do Porto e os comunistas declarariam a Comuna de Lisboa. O país seria dividido em dois e seguir-se-ia a guerra civil.
Não chegou a haver consenso sobre esta solução, mas os líderes dos partidos democráticos, pelo sim pelo não, fugiram para o Porto com as respectivas famílias.
Foi Vasco Lourenço quem sempre recusou esta debandada das forças. A certa altura, numa reunião do Grupo dos Nove, o próprio Melo Antunes, que era o autor do documento, assinado por nove membros do Conselho da Revolução, que marcava posição contra o avanço do totalitarismo esquerdista na vida militar e civil do país, já estava a defender a retirada para o Porto. “Pronto, convenceram-me. Eu aceito”, disse Melo Antunes. Mas decidiu impor uma última condição: “Desde que o Vasco Lourenço também aceite.”
“Não. Eu não aceito. Isso seria a guerra civil”, disse Vasco Lourenço. “Vamo-nos preparar para reagir a qualquer tentativa que haja, e vamos manter o Costa Gomes do nosso lado. Porque o primeiro a saltar perde.”

E o Grupo dos Nove começou a trabalhar num plano militar para combater os comunistas e a extrema-esquerda, sempre na perspectiva de uma reacção contra um eventual golpe deles. Mantendo-se do lado da legalidade, teriam a garantia do apoio da maioria das unidades militares. Por isso era fundamental informar o Presidente Costa Gomes dos seus planos e ganhar o beneplácito dele. E depois esperar por um deslize dos esquerdistas.
Para conceber o plano militar, os Nove designaram Ramalho Eanes, embora Vasco Lourenço fosse o líder operacional do movimento dos moderados. Do outro lado, estavam todas as forças militares controladas pelo Partido Comunista e pelos partidos da extrema-esquerda, com a ajuda de todos os civis a quem seriam distribuídas armas, em caso de confronto. No seu total, contando com as lideranças organizadas e efectivas que possuíam, não constituíam uma força capaz de levar a melhor num conflito armado. Pelo menos era isto que os Nove pensavam.
Mas as coisas já seriam diferentes se Otelo assumisse a liderança de todo o sector da esquerda. O prestígio do comandante do Copcon era imenso. Para muitos, ele representava os trabalhadores, os mais fracos, os ideais do Movimento dos Capitães, encarnava a própria revolução. Fora ele a fazer o 25 de Abril, e a assumir as rédeas do poder quando todos disso se demitiam. Foi ele que permitiu e protegeu as ocupações de casas, de fábricas e de terras, que lançou as campanhas de dinamização cultural e de alfabetização. Ele, com toda a sua loucura e exagero, as suas frases bombásticas e assustadoras (”Fascistas para o Campo Pequeno”), era a figura moral e romântica, o símbolo da infinita generosidade de Abril. Mais do que ninguém, ele tinha a capacidade de arrastar as massas atrás de si. De fazer cumprir todas as ordens que desse, por pura lealdade, por puro afecto.
Por isso, Otelo era cobiçado pelas várias forças políticas. O Partido Comunista tentou por todos os meios tê-lo do seu lado, os esquerdistas acreditaram poder contar com ele, aliciando-o com os ideais de poder popular com que ele simpatizava. Até o CDS tentou levá-lo aos seus comícios, para tirar dividendos do seu poder de sedução. Mas Otelo, apesar de se ter deixado manipular em muitas situações, sempre resistiu ao recrutamento político. Nunca perdeu a independência. Naquela altura, era o comandante da Região Militar de Lisboa e do Copcon, uma estrutura que tinha sob a sua alçada todas as forças de segurança e especiais e ainda as unidades de todas as Forças Armadas, em caso de emergência. O Copcon fora criado pelo Presidente da República (Spínola, na altura). O seu poder era legal, além de imenso. Antes de começar a perder o controlo de muitas das forças, devido à acção e influência dos activistas civis da esquerda, Otelo foi o homem mais poderoso do país.
Agora era visto como o líder de todo o sector da esquerda, o único homem capaz de a unir para qualquer propósito, incluindo o de pegar em armas para defender “as conquistas de Abril”. Os apoiantes dos Nove (que incluíam desde a esquerda moderada do PS até à extrema-direita do ELP e MDLP) viam-no assim. Os comunistas e a extrema-esquerda viam-no assim. Só ele, Otelo, não aceitava esse papel.
Na semana seguinte houve manifestações contra e a favor do Governo, reuniões dos moderados, do seu grupo militar, reuniões do Copcon, com todos os elementos civis afectos ao PC e à esquerda radical que cirandavam em torno de Otelo, reuniões dos pára-quedistas em luta.
Vasco Lourenço informou Otelo do plano militar contra o eventual golpe da esquerda. “Eu garanto-te que nós não tomamos a iniciativa do golpe”, disse-lhe Vasco Lourenço. “Agora, não te envolvas em nenhuma iniciativa, porque se alguém der o primeiro passo, nós estamos em condições de lhe cair em cima. Toma cuidado com isso.”
A ideia era ganhar Otelo para o lado dos Nove. Porque eles estavam do lado da legalidade. Tinham, desde as remodelações havidas meses atrás, em consequência do Pronunciamento de Tancos, apoio da maioria do Conselho da Revolução, e tinham o apoio do Presidente da República. Além disso, Vasco sabia que Otelo compreendia as ideias da facção dos Nove. A liberdade, a realização de eleições e o respeito pelos seus resultados, e até a circunstância de os Estados Unidos e as potências ocidentais não tencionarem permitir a instauração de um regime comunista em Portugal, tudo isto eram argumentos a que Otelo era sensível. Mas o ideal do poder popular era mais forte. E também, segundo os seus detractores, a disponibilidade para ser influenciado pelos seus apaniguados.
Sábado, 15 de Novembro.
O movimento dos moderados teve uma reunião alargada no Palácio das Laranjeiras, em que volta a ser colocada a hipótese de fuga para o Norte. Jaime Neves, o comandante do Regimento de Comandos, que estava do lado dos Nove, mas tinha muitos apoios entre a extrema-direita, declarou de súbito: “Se vamos avançar para o Norte, é melhor ser já. Porque eu, neste momento, garanto que uns 200 homens vêm comigo. Daqui a uma semana ou duas já não sei se me restam alguns.”
Vasco Lourenço reagiu logo, saltando para o patamar das escadas onde muitos se sentavam: “Afinal que merda de comandante és tu? Afinal és um bluff. Vais mas é para a tua unidade e agarras bem os teus homens, e daqui a 15 dias vais ter os mesmos 200 todos contigo. Porque eu já disse que veto quaisquer ideias de fuga para o Norte.”
Na mesma reunião, discutiram-se as medidas a adoptar para fazer face ao agravamento das situações política, militar e social. Foi decidido que era preciso afastar Otelo do comando da Região Militar de Lisboa, substituindo-o por Vasco Lourenço. O segundo passo seria retirar poderes ao Copcon e, depois, extingui-lo. Sem poderes legais, Otelo (que tinha acabado de chamar contra-revolucionário ao Conselho da Revolução) poderia ainda ser perigoso, mas, pensavam os moderados, mais controlável.
“Um comando é muito efectivo quando o seu comandante tem, cumulativamente, muito prestígio e força legal”, pensava Ramalho Eanes. “Entre os subordinados, há um conjunto de homens extremamente determinados que estão ligados ao comandante devido ao seu carisma, e obedecem-lhe intransigentemente. Há outro número de subordinados, talvez maior, que não tem dúvidas em seguir as ordens daquele homem de quem gostam e a quem estão ligados, desde que isso não implique para eles e as suas famílias um grande perigo. O que quer dizer que cumprem as ordens, quando isso não implica consequências para as suas famílias, porque o fizeram num quadro de legalidade.”
Por causa deste princípio da sabedoria militar, Eanes acreditava que, fora da legalidade, Otelo teria menos de metade dos potenciais seguidores, se desse uma ordem de combate contra as forças apoiadas pelo Presidente da República.
No campo político, a decisão que se seguiu à reunião das Laranjeiras foi ainda mais ousada. Foi tomada ao almoço, no restaurante O Chocalho. O que deveria o Governo fazer para impor o respeito? Foi Gomes Mota, um dos mentores do Movimento dos Nove, quem deu a ideia: o Governo poderia suspender as suas funções até que lhe fossem dadas garantias. Entrar em greve!
Vasco Lourenço apoiou logo: “Compro! Compro essa ideia! O Governo vai entrar em greve!” Melo Antunes, sempre mais ponderado, ainda objectou: “Estás louco? O Governo entrar em greve? Onde é que já se viu isso?”
“Nunca se viu, vai-se ver aqui”, respondeu Vasco. “O Governo vai entrar em greve.” Logo a seguir telefonaram a Mário Soares, que acabou por concordar e convenceu os outros ministros civis. E Pinheiro de Azevedo partiu para Belém, para informar alegremente o Presidente da República da original decisão.
À saída, o almirante explicou aos incrédulos jornalistas: “Estou farto de brincadeiras. Eh, pá, fui sequestrado já duas vezes, pá. Estou farto de ser sequestrado. Não gosto. É uma coisa que me chateia, pá. Estou farto. Por isso entrámos em greve.”
Quinta-feira, 20 de Novembro.
Na reunião do Conselho da Revolução o Movimento dos Nove propôs a nomeação de Vasco Lourenço para a Região Militar de Lisboa. Otelo Saraiva de CarvalhoOtelo protestou, mas acabou por concordar. Vasco Lourenço também, com uma condição: que Otelo aceitasse a solução. Porque achava que seria completamente diferente Otelo chegar às unidades que o apoiavam e dizer: “Aceitei esta solução, porque é a menos má”, do que dizer: “Não concordei, mas impuseram-me esta solução.”
Otelo disse que sim, mas, quando chegou ao Copcon, deparou-se com a discordância dos seus oficiais. Telefonou a Costa Gomes: “Ó meu general, está aqui um problema tramado. É que grande parte das unidades não querem o meu afastamento, e não aceitam o Vasco Lourenço. Eu acabei por aceitar a posição deles. Era o meu voto contra todos.”
“É pá, mas isso já está decidido”, responde o Costa Gomes.
“Pois é meu general, mas o que é que eu hei-de fazer?”
No dia seguinte telefonou a Vasco Lourenço: “Eh pá, afinal, falei com a minha rapaziada, e eles não aceitam isso, pá. Tenho de ir explicar isto ao Costa Gomes e gostaria que viesses comigo.” Ao Presidente Otelo disse que as unidades de Lisboa e os seus comandantes não aceitavam Vasco Lourenço, que não tinha por isso condições para chefiar a Região Militar. Vasco respondeu que os comandantes não o queriam porque, com ele, acabaria a bagunça. O Presidente marcou nova reunião, para a decisão final, para dia 24.
No mesmo dia, no Ralis (Regimento de Artilharia Ligeira de Lisboa), uma das unidades dominadas pela esquerda, fez-se um estranho juramento de bandeira. De punhos erguidos, os soldados gritaram: “Juramos ser fiéis à pátria e lutar pela liberdade e independência. Juramos estar sempre, sempre ao lado do povo, ao serviço da classe operária, dos camponeses e do povo trabalhador. Juramos lutar com todas as nossas capacidades, com voluntária aceitação da disciplina revolucionária, contra o fascismo, contra o imperialismo. Pela democracia e poder para o povo, pela vitória da revolução socialista.”
Durante o fim-de-semana o PS organizou grandes manifestações contra o totalitarismo na Alameda Afonso Henriques, em Lisboa, e segunda-feira, 24 de Novembro, o Conselho da Revolução reuniu-se enquanto, em Rio Maior, os agricultores, orientados pela CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal), cortavam os acessos a Lisboa, dispondo árvores abatidas ao longo da estrada. O objectivo dos agricultores era exigir que o Conselho da Revolução acabasse com a “anarquia em Lisboa”.
Receando que as barricadas de Rio Maior provocassem alguma acção de resposta da esquerda, Eanes e os operacionais do plano militar colocaram-se em alerta. O Conselho aprovou, para o comando da Região Militar de Lisboa, a nomeação de Vasco Lourenço, que entretanto se considerou desvinculado da condição que impusera, em consequência da “traição” de Otelo.
A reunião acabou tarde. Otelo saiu e dirigiu-se ao Copcon. Eram 4h30 da manhã, mas o forte estava cheio de gente. Oficiais de outras unidades, civis, militantes dos vários partidos de extrema-esquerda. Otelo atira-se para o sofá onde já estavam sentados Costa Martins, um oficial da Força Aérea ligado ao PCP, e outros oficiais da sua confiança. Diz: “Passei aqui só para vos comunicar que deixei definitivamente de ser o comandante da Região Militar de Lisboa. O Vasco Lourenço assumiu o cargo. Eu fico apenas comandante do Copcon.”
Costa Martins levanta-se e diz: “Mas os pára-quedistas não vão aceitar esta situação, e vão ocupar as bases aéreas!” Otelo olha para ele. “As bases aéreas? A que propósito?”
“Isto cheira-me a golpada!”, diz outro oficial, Tomé Pinto. Otelo responde: “A mim também. Aguenta aí.” E chamou o major Arlindo Dias Ferreira, piloto aviador do Copcon, e o capitão Tasso de Figueiredo, da Polícia Aérea do Copcon, levou-os para uma sala à parte.
“Que significa isto? Que boca é esta do Costa Martins?”
“Otelo, isso não é nada connosco”, disse Arlindo. “É a luta dos pára-quedistas com o Morais e Silva, que quer dissolver as unidades.”
Otelo desconfia: “Se isso acontecesse, não poderia servir de pretexto para os Nove, que já encomendaram um plano de operações ao Eanes, para lançarem uma operação contra nós, e para liquidarem a esquerda? É que uma coisa é o apoio que eu dou aos páras, na sua luta contra o Morais e Silva. Outra coisa é eles ocuparem as bases aéreas, em resposta à minha demissão da Região Militar. Não sei se vocês estão a ver a ligação.”
“Não, está descansado, não é nada disso. Nós vamos tomar providências”, respondeu Arlindo.
“Então tomem as providências todas, senão há bronca.” E Otelo decidiu: “Estou estafadíssimo, não estou para aturar esta pessegada, vou para casa descansar. Vocês travem-me essa porcaria, se houver alguma coisa.”
“Vai, vai sossegado.”
Otelo atravessou a sala e saiu. “Já dei indicações ao Arlindo. Boa noite, rapaziada.”
Foi acordado ao meio-dia, pelo seu chefe de Estado-Maior, com a notícia: “Meu general, é melhor vir rapidamente para o Copcon, porque há aqui uma situação muito grave. Os pára-quedistas ocuparam as bases aéreas, de Monte Real ao Montijo, às 5h da manhã.”
Otelo dirigiu-se imediatamente ao Copcon. Mal entrou, o seu chefe de Estado-Maior apontou-lhe a sala ao lado: “Meu general, está ali o comandante da Força de Fuzileiros do Continente, à sua espera.”
Ribeiro Pacheco, capitão-de-fragata, de farda branca, impecável, fez continência. “Sr. general”, disse ele, “vim aqui para lhe dizer que tem a Força de Fuzileiros do Continente ao seu dispor. Mande, que nós obedecemos. Se quiser, nós vamos neste momento atacar o Regimento de Comandos da Amadora. Vamos lá e destruímos aquilo tudo.”
No Regimento de Comandos da Amadora, Ramalho Eanes tinha instalado o posto de comando do contragolpe. Costa Gomes assumiu o comando supremo das Forças Armadas e delegou os seus poderes em Vasco Lourenço, que atribuiu a Eanes o comando operacional. Estava tudo a postos para o combate. Se os fuzileiros atacassem os comandos, seria o início de uma guerra que ninguém podia prever quando e como terminaria. Alem dos fuzileiros, dos pára-quedistas, da Polícia Militar e do Ralis, não se sabia exactamente que outras forças poderiam sair em defesa da esquerda. Eanes, Costa Gomes, Vasco Lourenço, sabiam que tudo dependia de Otelo. Por isso, a primeira coisa que Presidente fez mal soube da saída dos páras foi chamar a Belém o comandante do Copcon.
Mas ele nunca mais chegava. Que iria Otelo fazer? Assumiria a liderança da facção que o via como o seu líder e iniciaria a guerra?
No Copcon, os dois homens olharam-se por escassos segundos. O capitão-de-fragata estava à espera da decisão, em sentido.
“Eh pá, ó Pacheco, aguente aí”, disse-lhe Otelo. “Não vai fazer nada disso. O senhor vai mas é daqui, mete-se no carrinho, vai lá para a Força de Fuzileiros, em Vale do Zebro, e fique lá, calmamente, a aguardar o desenrolar dos acontecimentos. Eu vou ver o que se está a passar. Fique a aguardar qualquer indicação do nosso general Costa Gomes.”
O chefe dos fuzileiros saiu. O chefe de Estado-Maior de Otelo disse-lhe: “O nosso general Costa Gomes já telefonou para cá duas vezes, pedindo para o meu general se apresentar em Belém."

“Diga-lhe que vou comer qualquer coisa e já vou para lá”, respondeu Otelo.
“Ainda bem que chegou, já estava a ficar aflito”, disse Costa Gomes quando Otelo entrou. E só então declarou o estado de sítio.
As operações foram lançadas por Eanes, usando os comandos de Jaime Neves. À excepção da Polícia Militar, na Calçada da Ajuda, onde o tiroteio que se instalou provocou três mortos, todas as acções decorreram sem violência. Na RTP, o golpe dos esquerdistas chegou a anunciar a vitória, numa emissão rapidamente interrompida.
“Aqui não há meias-tintas, não tenho mais tempo para conversar”, anunciou o jovem oficial barbudo Duran Clemente, à entrada dos estúdios do Lumiar. “Isto é tudo muito desagradável, mas, se for necessário matar, eu tenho de matar.” E, depois de ter trancado o director da RTP num gabinete, avançou para o estúdio, onde iniciou um discurso sobre as delícias do poder popular, acompanhado de slides alusivos. Às 21h10, os telespectadores vêem Clemente começar a esbracejar, em protesto contra os sinais que o técnico lhe fazia, e de seguida surgirem no ecrã as imagens do filme O Homem do Diners Club, de Danny Kaye, já emitido dos estúdios do Porto.
O golpe tinha acabado. A fase louca da revolução também. Uma depuração percorreria todos os níveis das Forças Armadas. Um reequilíbrio à direita seria reposto no Conselho da Revolução. Otelo e os seus oficiais seriam presos. O Partido Comunista obteve a garantia de que não seria ilegalizado, desde que abandonasse os impulsos golpistas e aceitasse o jogo eleitoral. Ramalho Eanes emergiria como o herói do 25 de Novembro. Pouco depois era eleito Presidente da República. A fase totalitarista da revolução dava lugar ao período democrático, ainda que à custa de uma boa parte do idealismo inicial. Entrou-se na época da normalização, da revolução possível.
Mas muito ficou por explicar. Quem deu a ordem aos pára-quedistas para ocuparem as bases? Foi o PCP que preparou o golpe da esquerda? Se sim, com que objectivo? Fazer pressão para que houvesse um reequilíbrio à esquerda na composição do Conselho da Revolução e Governo, depois da queda de Vasco Gonçalves? E, nesse caso, porque desistiu? A URSS terá recuado na sua promessa de apoio? Ou terá temido que a extrema-esquerda assumisse o controlo? A ser assim, terá sido esta uma forma hábil de se desembaraçar dos esquerdistas?

E Otelo? Terá traído os companheiros? Terá tido medo? Terá avaliado a correlação de forças e concluído que perderia? Terá planeado tudo, lançando os páras na sua aventura, para provocar a reacção dos Nove, porque previu que isso era a única solução? Isso explicaria por que se fechou em casa, das 5 da manhã ao meio-dia, sem atender o telefone. Terá sido genialmente maquiavélico, ou terá sido enganado? Ou terá feito o jogo dos Nove porque, no fundo, acreditava que eles representavam o regresso à verdadeira essência dos ideais de Abril?

Apesar de todos os mistérios que persistem, visto de hoje o 25 de Novembro parece antes de tudo uma imensa encenação, em que, tacitamente, todos, da extrema-esquerda à extrema-direita, conspiraram para o mesmo desfecho. Como se estivessem cansados, e optassem pela paz.

Simplesmente vergonhoso

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O PS apresentou ontem, à última hora, uma alteração a uma norma do Orçamento do Estado (OE) para 2011 e os partidos da oposição deixaram passar. Na proposta inicial do OE, dizia-se que os cortes salariais da função pública iriam estender-se aos trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades do sector empresarial regional ou municipal que ganhem mais de 1500 euros mensais. Ontem, houve um acrescento: pode haver "adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial", o que parece abrir a porta a excepções ao corte generalizado de salários.
Esta alteração surgiu na votação do orçamento na especialidade. O documento foi distribuído aos deputados pouco antes da votação daquele artigo do OE, tanto que "a versão final" nem sequer figurava no ecrã da sala de plenário da Assembleia da República, quando decorreu o processo de voto. A alteração ao artigo 17.º do OE acabou por ser aprovada com os votos a favor do PS, a abstenção do PSD e os votos contra dos restantes partidos da oposição.
Público 24.11.2010

Simplesmente vergonhoso.

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Tuesday, November 23, 2010

Joaquim Gomes

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O Joaquim Gomes foi a enterrar no Domingo passado.
Esta notícia triste fez-me recordar os meus vinte e tal anos quando o conheci.
Eu tinha vindo da Guiné e retomara a minha actividade partidária no princípio dos anos setenta, antes da Revolução.
A primeira vez que nos encontrámos, em Campo de Ourique, depois dos complicados protocolos a que obrigava a clandestinidade, pareceu-me um calmo contabilista por causa do seu trajar convencional e austero.
Essa nossa reunião, de curta duração, decorreu enquanto caminhávamos pelas ruas daquele bairro tão característico de Lisboa.
Depois disso passámos a reunir em minha casa, nas Linhas de Torres, onde por vezes pernoitava. Longos serões de informação política e distribuição de tarefas.
Ele estava então na maturidade dos seus cinquenta e tratava-nos com afabilidade, demonstrando compreensão pelo nosso estatuto de quadros bem remunerados numa empresa multinacional.
Pela natureza das coisas eu não fazia ideia nenhuma de quem ele era nem da sua importância na estrutura do Partido.
Só depois do 25 de Abril, através dos jornais, soube o seu nome.

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Estado policial


Marques Mendes integra comissão polícia de Cavaco

Título no DN online hoje (ver depois de corrigido).

Monday, November 22, 2010

Será Obama um enorme Sócrates?

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Segundo o DN, ao confirmar que a próxima cimeira de líderes da NATO terá lugar, em 2012, nos Estados Unidos, Obama confessou que gostou tanto da organização e da hospitalidade em Lisboa que pediu algumas dicas ao primeiro-ministro José Sócrates.
Até aqui tudo bem, faz parte da etiqueta dos convidados elogiar a excelência de quem os recebe.
Mas outro tanto não se pode dizer dos rasgados elogios feitos aos "esforços" de Sócrates para tirar Portugal do atoleiro em que se encontra. Entre as centenas de conselheiros que o acompanhavam nem um foi capaz de alertar Obama para o melindre da questão?
Há várias hipóteses para explicar esta gaffe de Obama mas nenhuma o favorece.
Ou foi um caso de inconsciência, ou foi um caso de ingerência ou foi um caso de incontinência. Será que a esperteza saloia do discurso é maleita que se pega quando se está na companhia de quem constantemente a pratica?

Fiquei consternado com uma ideia assustadora que me assaltou; será que Obama é apenas um enorme Sócrates que saíu em rifa aos americanos?

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Sunday, November 21, 2010

Passatempo - "descubra as diferenças".

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1
O contrato de avença de Paulo Penedos, acusado de um crime de tráfico de influência no âmbito do processo Face Oculta e testemunha no Taguspark, foi junto aos autos deste último caso. O contrato, datado de 1 de Setembro de 2006, determina que Penedos "prestará apoio directo à administração da PT SGPS no tratamento formal das questões relativas ao processo de decisão estratégico da sociedade, acompanhando institucionalmente a administração, sempre que isso se justifique". Pela avença, que implicava uma deslocação diária do assessor à PT, este recebia mensalmente nove mil euros mais IVA. Tinha ainda direito ao pagamento de todas as despesas realizadas no âmbito das suas funções. Segundo o testemunho de uma secretária da direcção da PT, Paulo Penedos exerceu funções na operadora até 28 de Outubro do ano passado, quando, devido ao impacto do caso Face Oculta, deixou de se deslocar à empresa.

2
O ex-chefe da principal empresa estatal nuclear da China viu hoje confirmada a condenação a pena perpétua, pelo crime de suborno, no âmbito de uma campanha anti-corrupção que está a mudar os líderes do sector no país.

A decisão foi tomada numa reunião à porta fechada do Partido Comunista, dando aval pleno a um parecer de 2009 que também retira a Kang Rixin, o estatuto de membro do partido por “violações graves da lei e quebra de disciplina”, é avançado pela agência noticiosa Xinhua. Perdeu todos os direitos políticos e todos os seus bens pessoais foram confiscados.
Caído em desgraça, Kang Rixin, de 57 anos, podia ter sido condenado à pena capital, de acordo com a legislação chinesa, mas “a sentença foi mais leve porque [o arguido] cooperou com os investigadores e devolveu tudo o que tinha recebido ilicitamente”. O ex-chefe da agência nuclear fazia parte do grupo de elite de 204 membros do Comité Central do partido e detinha um estatuto de poder equivalente ao de um ministro.
Foi condenado por ter “abusado do seu poder, permitindo ganhos ilegítimos a terceiros” e por ter “recebido um vasto montante em subornos”, no total de 970 mil dólares (mais de 700 mil euros) entre 2004 e 2009, precisava a Xinhua. É já o segundo responsável de topo de uma empresa energética estatal a ser afastado este ano por acusações de corrupção.

Duas notícias do Público de hoje. Propomos um passatempo- "descubra as diferenças".

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Saturday, November 20, 2010

Cínicos de um caimão

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Em 2009, saíram de Portugal com destino às ilhas Caimão €2600 milhões. Um montante que representa 1,6% do produto interno bruto (PIB) e que aumentou o investimento de carteira (ações, obrigações e outros ativos financeiros) nacional naquele paraíso fiscal para €12,8 mil milhões, segundo dados do Fundo Monetário Internacional divulgados esta semana.
Desde 2003, o investimento português naquela região mais do que duplicou e é hoje o quarto maior das aplicações nacionais no exterior. Apenas Irlanda, Espanha e França tinham, no final do ano passado, maiores volumes de investimento português. A maior fatia pertence ao sector segurador que detém cerca de metade do total (52%), seguido da banca (18%).
As Caimão são o paraíso fiscal preferido dos portugueses e representam três quartos do investimento em offshores. Na ilha de Jersey estão cerca de €2000 milhões e nas ilhas Virgens Britânicas €1288 milhões. Há depois alguns investimentos de menor dimensão em regiões como as Antilhas Holandesas (€199 milhões), Guernsey (€186 milhões) ou Bermudas (€69 milhões). O investimento português em paraísos fiscais cresceu cerca de 14% em 2009 e ultrapassou os €17 mil milhões, um novo recorde.
Expresso, 20.11.2010


Ou eu me engano muito ou uma parte dos que choram "lágrimas de crocodilo", ou de caimão, sobre o estado das nossas finanças vão, ao mesmo tempo, pondo o seu dinheirinho em ilhas que os dispensem de pagar impostos.
Uma farsa que os responsáveis políticos não sabem, ou não querem, tirar de cena apesar das repetidas denuncias publicadas ao longo dos anos.
É mais fácil espremer à bruta aqueles que não podem, ou não querem, dar o golpe.

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Uma besta, ou seja, duas

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Muitos são os chamados mas poucos os escolhidos.
Tantos se precipitaram nas ruas de Lisboa para vislumbrar Obama, sem sucesso, e eu, no conforto da minha casa, tive esse privilégio sem arrostar com os chuviscos.
Eram umas dez e meia e lá vinha uma procissão de "tinónis" a enquadrar as duas "bestas" (com sua licença), que é como os americanos chamam ao carro blindado do Obama e à sua réplica para enganar terroristas.
Subiram da Expo por Moscavide, pela rua onde existiu em tempos a fábrica militar da FNMAL, e acederam à via rápida na direcção do IC17.
Do ponto elevado em que me encontrava podia, se fosse um extremista, ter disparado uma carabina de precisão ou então uma bazooka ou um pequeno míssil, atendendo à blindagem da "besta". 
Enquanto a noite continuava a ser riscada pelas luzes giratórias do séquito, vermelhas e azuis, passei algum tempo a matutar sobre as tecnicidades militares que me permitiriam emboscar no talude adjacente à via rápida para maior precisão nos disparos.
Então reparei num carro furtivo, entre os arbustos, a cem metros da minha janela, e receei que os meus pensamentos pecaminosos pudessem estar a ser monitorados por algum sensor de novo tipo, um detector de terroristas potenciais.
Fui para dentro, liguei a televisão e comecei a pensar noutra coisa.

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Friday, November 19, 2010

Quem nos salva da banalização dos alertas laranja?



Oito distritos estão com aviso de vento forte até início da manhã de sábado. Tempo só irá começar a melhorar a partir de domingo.
O Instituto de Meteorologia (IM) colocou oito distritos do Norte do País em alerta laranja, o segundo mais importante, devido à previsão de vento forte até ao final da madrugada de amanhã. Vila Real, Braga, Viana do Castelo, Bragança, Porto, Coimbra, Guarda e Viseu são os distritos em alerta. Uma situação que, mesmo assim, é considerada pelos técnicos do IM como "normal para a altura do ano".
DN, 19.11.2010

Como se pode constatar pela notícia do DN, foi lançado um "alerta laranja" apesar de a situação ser "normal para a altura do ano".
Estes "alertas" absurdos parecem corresponder à necessidade, por parte de algumas instituições públicas, de apresentar serviço para justificar a sua própria existência.
Das duas uma, ou têm capacidade para identificar situações de risco excepcionais e devem alertar o público, ou então, se não têm, o melhor é estarem calados.
Ainda recentemente adiei uma viagem ao Norte do país, por causa de um "alerta" da Protecção Civil, e depois constatei que nada de especial tinha acontecido.
Há tempos, caso extremo,  uma entidade pública fez um comunicado alertando os cidadãos para a necessidade de vestir mais roupa quando está mais frio.
Mesmo que isso pareça estranho aos iluminados funcionários, o povo conhece o frio e a chuva desde tempos imemoriais. E também sabe que no Inverno a probabilidade de ventos fortes e aguaceiros é bastante alta.
Por favor, não nos alertem para o óbvio. Vão fazer qualquer outra coisa que tenha verdadeira utilidade.

Quem nos salva da banalização dos alertas laranja?

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Thursday, November 18, 2010

Alien vs Predator

No fat chicks

(...) To take a random sample from the current autumn season, Keith Jeffery's history of the secret service, MI6, is more than 800 pages. Tony Blair's A Journey tops 700 pages. Alan Sugar – Alan Sugar! – has an autobiography, What You See Is What You Get, that weighs in at 612 pages, while Orlando Figes's history of the Crimean war is almost terse at 575 pages.
This trend is not confined to non-fiction. Christos Tsiolkas's The Slap is almost 500 pages and Ken Follett's doorstopper Fall of Giants, if anyone's counting, is about 850 pages, probably to appeal to his American readers. Is anyone editing these books? The truth is that they all bear the imprint of marketing, not editorial, values.
Literary elephantiasis starts across the Atlantic. North America has a lot to answer for. In the "pile 'em high" tradition, US bookshops love to display big fat books in the window. The cut-and-paste technology of word processors must bear some of the blame, but overwriting is part of the zeitgeist. Jonathan Franzen's Freedom is highly enjoyable but who's finishing it? The novel is at least 100 pages too long.
Whatever happened to brevity? Once upon a time, it was not just the soul of wit, there was a strong literary preference for the shorter book, from Utopia to Heart of Darkness. More recently, The Great Gatsby, for my money the greatest novel in English in the 20th century, comes in at under 60,000 words, a miracle of compression. The novels of that great triumvirate – Waugh, Greene and Orwell – average 60-70,000 words apiece; even 1984 is not much over 100,000 words.
(...) If it's a choice between the tight-lipped or the windbag, give me the aphorist every time. Most novels do very well at about 250 pages or fewer. Seriously, what history or biography needs to exceed 500 pages? Some public-spirited cultural patron – the Man Group, perhaps – should sponsor a prize for short books.


Este inoportuno texto no Guardian online contra a proliferação de livros grandes, muito grandes, gigantescos, e Rochemback, estava prestes a passar-me ao lado quando foi linkado à traição pelo Zé Mário Silva e pelos Blondetailors, certamente com o objectivo de me deixar triste.
Oh pá, então não se vê logo que não é para acreditar em nada daquilo? Que, por definição, os livros bons têm sempre a dimensão correcta, e os maus são sempre demasiado compridos? Que aquilo não é um argumento contra a "elefantíase literária"? Que nem sequer é um "argumento"? Que se recorreu ao expediente de transformar dois pensamentos consecutivos numa opinião e três factos arbitrários numa tendência? Que se recorreu ao expediente adicional de emprestar relevância a "uma coisinha que se quer aqui dizer" transformando-a numa cruzada contra uma situação inexistente? Que o homem só queria ali meter uma lista de livros bons (propósito sempre justificado à partida), mas que depois de meter na cabeça que tinha de a legitimar falando de alguns livros maus, fingiu achar que os livros bons são bons por serem curtos e os maus são maus por serem longos, quando na verdade os livros bons são bons por serem escritos pelo Orwell e pelo Waugh e os maus são maus por serem escritos pelo Tony Blair e pelo Ken Follett? Que isto na prática é equivalente a uma tese sobre a superioridade intrínseca dos futebolistas canhotos sobre os dextros justificada pelos exemplos Messi, Maradona, Abel e Custódio?
Cada asserção foi nitidamente improvisada na hora e não sobrevive à mais tépida contra-interrogação. O livro do Franzen "tem pelo menos 100 páginas a mais" - quais? Nota-se uma tendência recente: a de que os livros estão a ficar mais longos - onde? Mas, atenção, "once upon a time" havia uma preferência literária pelo livro mais curto - quando?
A única coisa irrefutável que é dita no artigo inteiro é "This, by the way, is not an original point of view". Pois não, a começar pelo próprio Guardian online, que anda há três anos nisto:

Abril 2007: Dan Rhodes's top 10 short books ("But it seems obvious (doesn't it?) that writing overlong books is at the very least plain bad manners. I can't understand why writers are so often pilloried for writing short books. Brevity is mistaken for laziness when more often than not it's the opposite that is true.")
Agosto 2007:
Don't mistake long novels for deep ones ("Slim, artful volumes are so much more profound than fashionably 'epic' doorstoppers")
Maio 2009:
Life's too short for thousand-page novels ("I now find it difficult to read a novel that is much longer without feeling impatient, without fighting the urge to whip out my red pen and start crossing out the extraneous bit because the editor didn't, because the author was too proud (...) to accept that quantity is not the same as quality.)
Março 2010:
Short is sweet when it comes to fiction ("Novels don't have to be long to say something")
Julho 2010:
Take out holiday reading insurance: stick to novellas ("Rather than risk ruining your break with a big book you don't get on with, why not spread your risk with the novella?")

A arte e o circo

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Um artista e professor de fotografia da Universidade de Nova Iorque vai implantar uma câmara na parte posterior da cabeça para criar uma obra de arte que titulará "The 3rd I" ("O Terceiro Olho").
De acordo com a edição online do jornal americano "The Wall Street Journal", Wafaa Bilal pretende expor a obra no Museu Árabe de Arte Moderna do Qatar a partir de 15 de Dezembro.
O professor vai submeter-se a uma cirurgia para implantar o dispositivo durante um ano e enviar minuto a minuto imagens em tempo real dentro do museu, onde serão também instalados uns monitores para serem vistos pelos visitantes.
O artista de origem iraquiana será operado nas próximas semanas para que se lhe seja implantado um pequeno dispositivo que terá a aparência de um piercing, segundo fontes próximas de Wafaa Bilal citadas pelo jornal.
"The 3rd I" procurará fazer "um comentário sobre a inacessibilidade do tempo e a incapacidade de capturar a memória e a experiência", segundo documentos do museu sobre a acção do artista.
A obra de arte originou um debate na Universidade de Nova Iorque onde Wafaa Bilal é professor de fotografia e imagem, depois de alguns alunos terem manifestado preocupação sobre a preservação da privacidade durante as aulas.
O artista informou todos os estudantes das intenções do projecto e propôs à administração da universidade cobrir a câmara quando estiver dentro das instalações.
Jornal de Notícias, 17.11.2010
 
Mais um sinal do nosso tempo, o novo barroco do fim de uma era, em que a arte se refugia em acrobacias circenses.
 
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Wednesday, November 17, 2010

Nunca vai passar no horário nobre



Conceição Leal queria pôr à venda a sua casa no Alto do Lagoal, em Caxias. Armando Vara quando o soube disse logo que queria comprar-lha e por isso lhe entregou, em Maio de 2008, um cheque de 50 mil euros, como "pré-reserva".
Em Setembro do mesmo ano os dois fizeram um contrato promessa de compra e venda com permuta. Vara precisava de vender a sua antiga casa, no Estoril, que valia praticamente metade da moradia que queria comprar à administradora do Banif. Assim, os dois combinaram que Vara pagaria a casa parcialmente em dinheiro, dando em permuta a sua própria casa - que Conceição Leal não queria para si mas seria vendida. Valendo a casa do Alto do Lagoal 900 mil euros e a do Estoril 420 mil, os dois convencionaram que Vara pagaria a diferença: 480 mil euros.
Simultaneamente, Conceição Leal procurou uma nova casa, encontrando a de Bernardo Moniz da Maia, também em Caxias - casa que este tinha registada em nome da Staywell, uma sociedade imobiliária.
Vinculada pelo contrato promessa que assinara a fazer a escritura pública de compra e venda e a entregar a sua casa a Armando Vara em Março de 2009, a gestora fez um contrato promessa em que se comprometia a fazer a escritura de compra da sua futura casa na mesma altura, em Março de 2009.
Entretanto, porém, Armando Vara arranjara um comprador para a sua casa do Estoril, pelo que fizeram um aditamento ao contrato promessa, que passou a excluir a permuta.
Armando Vara pediu para prorrogar o contrato até Março de 2012 e, tendo recebido o dinheiro da venda da casa do Estoril, entregou a Conceição um reforço de sinal. Ao todo, Vara entregou-lhe quatro cheques no montante total de 500 mil euros. Conceição Leal entregou-lhe um cheque de 50 mil euros, correspondentes à devolução da reserva. A gestora fez a escritura de compra antes de vender a sua própria casa, a 16 de Março de 2009. Como tinha concordado adiar o negócio com Vara para 2012, arrendou a nova casa a uma embaixada estrangeira.
DN, 17.11.2010 (sobre novo inquérito do Ministério Público)


Mais uma telenovela intrigante com o actor do costume.
Nunca vai passar no horário nobre.

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Monday, November 15, 2010

Chegando a Vias de Facto

O meu texto Semântica no Trabalho originou uma discussão interessante no Vias de Facto, que eu vou tentar abordar de forma sintética.A minha ideia era contrapor, ou mesmo refutar, uma tese do Miguel Madeira que me pareceu simplista. Não era apresentar uma tese nova, alternativa. O Miguel Madeira agarrou-se a uma tese que ele pelos vistos julga que eu defendi. Mas não o vi em lado nenhum defender a sua tese inicial, que eu critiquei.Nos comentários ao texto do Miguel, Manuel Resende, tradutor e cultivador de cenouras que eu tive o prazer de conhecer no salão nobre do Hotel de Ville de Paris aqui há uns anos, perora sobre um futuro tecnológico onde desaparecerão os trabalhos desagradáveis como limpar as retretes. Intuo do texto do Manuel que não sou o único a urinar no pomar (no meu caso, da minha avó), mas para um pomar é uma coisa; para cima das cenouras (ou da salsa) é outra. (Eu sei, é o que fazem os animais selvagens, mas adiante.) E defecar, então, nem pensar (eu é que não queria andar num pomar com esse tipo de adubo não compostado). Isto é para dizer ao Manuel que podemos ser muito tecnológicos e dar excelentes aplicações aos nossos detritos: acho tudo isso ótimo. Mas enquanto não descobrirmos alternativas precisaremos sempre de retretes nas nossas casas e teremos que as limpar. O resto é ficção científica, género que nunca me agradou.O cervejista Miguel Serras Pereira (este meu texto é tão palavroso e tem tantos links que até parece um dos dele) pega no comentário do Manuel Resende, num texto onde conclui várias coisas. Conclui (bem) que "a interiorização" de uma moral "seria o perfeito oposto da autonomia quer no plano colectivo, quer no da esfera individual" (as minhas objeções à autonomia irrestrita passam por aqui). E conclui (e eu discordo) que o comunismo "só é concebível em condições de abundância e disponibilidade de recursos rigorosamente ilimitadas". Pelo contrário, eu diria isso do autonomismo: só funcionaria em comunidades muito mais pequenas, com populações que não fossem forçadas a conviver e partilhar recursos quotidianamente, isto é, se houvesse muito menos população e menor consumo de recursos.Disso mesmo se parece ter apercebido o Pedro Viana, que conclui que é necessário "educar para a autonomia e a frugalidade, o que é incompatível com a promoção da dependência e alienação nas actuais sociedades centradas no consumo", mas desde que exista um estado social que "assegure os mínimos". Ora se os mínimos têm de ser assegurados pelo estado é porque dele dependemos, não é? A autonomia e a independência morrem aqui. Por outro lado, concordo inteiramente com o Pedro ser necessário educar ("interiorizar uma moral", diria o Miguel Serras Pereira) para a frugalidade - escrevi isso aqui. A proibição total de publicidade é uma ideia gira, embora algo radical: o que pensaria dela o Luís Rainha? Não consigo discutir com Zé Neves nem com alguém que chame "formulação cretina" à designação "esquerda cervejista". Não por me chamar cretino a mim; com insultos posso eu bem. Mas por chamar cretino ao Odorico Paraguaçu. Não consigo discutir com quem chama cretino ao Odorico: são demasiadas divergências ideológicas.

Uma sugestão aos autonomistas

Na terça feira, enquanto estava encalhado no comboio em Vila Nova de Gaia, fui avançando na leitura do Guerra e Paz. (Na verdade eu li foi durante a viagem. Enquanto o comboio esteve parado em Gaia, fazendo-me perder duas ligações, eu não consegui ler nada, stressado que estava a protestar por mais um suicida ter tido a desconsideração de se atirar à linha de comboio, prejudicando a vida de quem queria ir trabalhar, quando tinha o rio Douro ali mesmo ao lado.) A páginas tantas (530, para ser exato), cheguei à seguinte passagem, que aqui transcrevo:
"A tradição bíblica ensina-nos que a felicidade do primeiro homem antes da queda consistia na ausência de trabalho, isto é, na ociosidade. O gosto da ociosidade manteve-se no homem réprobo, mas a maldição divina continua a pesar sobre ele, não só por ser obrigado a ganhar o pão de cada dia com o suor do seu rosto, mas também porque a sua natureza moral o impede de encontrar satisfação na inactividade. Uma voz secreta diz ao homem que ele é culpado de se abandonar à preguiça. E, no entanto, se o homem pudesse achar um estado em que cumpria um dever, embora inactivo, esse estado viria a encontrar uma das condições da sua felicidade primitiva. Esta condição de ociosidade imposta e não censurável é aquela em que vive toda uma classe social, a dos militares. Em tal ociosidade está e estará o principal atractivo do serviço militar."
Guerra e Paz é uma obra fundamental e Tolstoi é mesmo um génio, pois descobriu o que deveriam os autonomistas fazer: talvez devessem era ir todos para a tropa.

O adeus ao Kodachrome



São os 36 fotogramas mais históricos de sempre. Steve McCurry foi dos Estados Unidos a Oriente para fazer 36 fotos... com o último rolo de Kodachrome alguma vez feito. É o fim de uma era que se assinala. Em Dezembro fecha o último laboratório capaz de processar a emulsão histórica da Kodak.
O derradeiro laboratório de processamento de Kodachrome fecha em Dezembro de 2010, agora que a produção do filme acabou. Sabedor desse desfecho da longa vida da película Steve McCurry contactou a Kodak e solicitou oportunidade para fotografar com o derradeiro rolo saído da linha de produção. E foi isso que fez.
São porventura os mais caros 36 fotogramas alguma vez fotografados. Steve McCurry demorou cerca de dois meses para usar o rolo. Começou a série de fotos nos Estados Unidos, na zona de Nova Iorque, antes de seguir para a Índia para depois regressar. De Robert de Niro a um táxi com a matrícula PKR36 (a designação do Kodachrome na gama Kodak) a colecção abrange um leque de temas, como forma de historiar uma emulsão que fez história e que teve uma grande ligação ao percurso profissional de Steve McCurry. O fotógrafo diz ter em arquivo mais de 800 mil diapositivos Kodachrome.
FotoDigital



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Sunday, November 14, 2010

Sem ajudas

Ganhasse Webber ou Vettel, seria sempre a vitória da competição aberta contra o jogo de equipa. (Se ganhasse Alonso, a hipótese que eu menos queria, seria exatamente ao contrário.) Para a Ferrari foi uma derrota estrondosa: os resultados arranjados não disfarçaram enormes deficiências. Para a Fórmula 1 julgo que a vitória de Vettel é boa, como é bom que mais uma vez o campeonato só se tenha decidido na última corrida, e desta vez, algo inédito, com quatro potenciais vencedores. Parabéns à Red Bull e ao mais jovem campeão de sempre.

Timor

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Macau, China, 14 nov (Lusa) - Timor --Leste poderá vir a comprar, em breve, títulos de dívida pública portuguesa, disse hoje em Macau o presidente timorense, José Ramos-Horta.
"Não vejo dificuldade em Timor-Leste comprar dívida pública portuguesa", afirmou Ramos-Horta, adiantando que as autoridades timorenses já decidiram diversificar a carteira de investimentos do Fundo do Petróleo, que tem mais de 6000 milhões de dólares (4,38 mil milhões de euros).
Ramos-Horta acrescentou que os investimentos poderão ser feitos ainda em empresas públicas ou semi-públicas portuguesas de "grande sucesso" e que garantem um alto rendimento, dando como exemplo os setores das energias renováveis e das telecomunicações.


                    Ai Timor
                    Calam-se as vozes
                    Dos teus avós
                    Ai Timor
                    Se outros calam
                    Cantemos nós

De repente o romantismo exacerbado desta canção soa de forma estranha.
Afinal o pequeno país, oprimido e paupérrimo, revela-se um concorrente dos famigerados "mercados" e também quer tornar-se credor de Portugal .
Isto depois de muitos anos a receber donativos.

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Jogos Asiáticos

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Uma cerimónia deslumbrante abriu os Jogos Asiáticos de 2010 que têm lugar na China. Foi realizada na sexta-feira, na praça Haixinsha Square, na cidade de Guangzhou (Cantão). No evento, que chega à quarta edição, 45 países lutarão por medalhas até o próximo dia 27.


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Vícios antigos



Desde que anunciou o pacote de medidas de austeridade do PEC III, o Executivo liderado por José Sócrates tem contratado uma média de 45 novos funcionários por semana, para assumirem cargos no Governo e na administração directa e indirecta do Estado.


O anúncio do PEC III - que apela à contenção da despesa pública - foi há cerca de mês e meio, o que dá uma média de 180 nomeações/mês, um valor muito superior aos primeiros anos de José Sócrates à frente do País, período em que foram nomeados mensalmente cerca de 100 funcionários.


Desde inspecções e direcções-gerais, passando por institutos públicos, não há um único ministério que nestes últimos tempos não tenha feito pelo menos uma nomeação.


Ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato de José Sócrates, a média de nomeações do actual Executivo neste último mês e meio, é superior à dos seus antecessores Pedro Santana Lopes, Durão Barroso (ambos do PSD) e António Guterres (PS).


DN, 14.11.2010
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Friday, November 12, 2010

Now, for something completely different

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À chegada a Macau, para participar na 3.ª conferência ministerial do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os países de língua portuguesa, José Sócrates disse ter "muitas expectativas" relativamente ao encontro deste fim-de-semana e afirmou ainda que pretende dar sinais concretos do empenho no relacionamento com a China.

Aproveitou para enaltecer a estonteante recuperação da economia portuguesa, que cresceu 1,5% desde o início do ano. Fazer tal discurso numa região que cresceu mais de 40% resulta bastante caricato.

Entretanto fiquei a pensar se Macau será o tal "capitalismo de casino" que Mário Soares imortalizou nas suas imperdíveis análises económicas. É caso para dizer que, a ser o caso, não se está a safar nada mal.

Já é tempo de os nossos bem intecionados políticos perceberem que o único capitalismo que funciona, e prospera, é mesmo o "capitalismo de casino". Quando lhe tiram a especulação desenfreada o capitalismo mirra e estrebucha, como está a acontecer com o nosso.
Sem falso dinheiro não há consumidores suficientes e a máquina emperra.
Se não querem o "capitalismo de casino" é melhor inventarem qualquer coisa completamente diferente (é verdade, em que gaveta está o socialismo?).

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Thursday, November 11, 2010

Já alterei decisões de voto por menos

Governo quer legalizar corridas de cavalos em Portugal

O ministro da Agricultura disse hoje, na Golegã, que está a trabalhar com os responsáveis governamentais pela economia e o turismo a possibilidade de se avançar com a legalização das apostas em corridas de cavalos.

Em alturas de crise, há que tomar medidas drásticas

“Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD”. Esta é a nova designação social da Sociedade Desportiva de Futebol do clube de Alvalade.

Aprovada em Assembleia Geral com 99,98 por cento de votos a favor, a nova designação já foi devidamente registada e substitui a anterior “Sporting, SAD – Sociedade Desportiva de Futebol SAD”.

A nova designação, apresentada pelo Conselho Directivo, resultou de uma recomendação aprovada no último Congresso Leonino.


(A Bola)

Entre quem poupa e quem se endivida

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Hoje, em Seul, na Coreia do Sul, reúnem-se os líderes das maiores economias do Planeta e das principais potências emergentes. São 19 países, mais a União Europeia. Será uma discussão entre os países que exportam e os que importam, entre as economias que poupam e as que se endividam, entre as potências do Ocidente e as forças emergentes da Ásia e da América do Sul, entre os que têm matérias-primas e as que têm de as comprar e entre os que provocaram a crise financeira e os que apenas sofreram com ela.
No meio de todos estes embates e, muitas vezes, cruzando-os, estará sempre a discussão entre dois homens: Barack Obama e Hu Jintao. O presidente dos EUA culpa a China por muitas das dificuldades que o seu país sente para garantir um regresso ao crescimento económico. Washington diz que Pequim mantém a sua divisa artificialmente desvalorizada e impede as empresas norte-americanas de competir nos mercados internacionais.
Do lado da China, não há grande vontade de abdicar de forma rápida da vantagem competitiva que têm as suas exportações. E responde-se aos EUA, com uma crítica feroz à sua política monetária expansionista, que faz cair o dólar e prejudica as exportações dos outros países.
Há claro, outros actores importantes, como a União Europeia, o Japão, a Índia ou o Brasil. E, na realidade, quem tem mais razões de queixa em relação à actual conjuntura monetária internacional é mesmo a Europa. Com o yuan e o dólar a serem levados a cair, o euro não tem tido outro caminho que não o da valorização face às duas divisas. Isso faz com que os representantes europeus, principalmente a Alemanha, não se cansem de distribuir críticas tanto aos EUA como à China.
Público, 11.11.2010

Este tipo de disputa gerou guerras ao longo da história.

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Wednesday, November 10, 2010

O carro-folha

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Shanghai Automotive Industry Corporation

O mais novo protótipo de veículo ecológico da China, o YeZ, apresentado durante a recente Exposição Mundial de Xangai, é totalmente movido a energias limpas: além de produzir energia solar e eólica, o carro absorve CO2 para gerar eletricidade e devolve-o para o ar na forma de oxigénio.
Uma montadora chinesa tomou à letra o conceito de carro ecológico e criou este carro-folha. O veículo foi projetado para funcionar como uma planta, ou seja, ele absorve CO2 e liberta oxigénio na atmosfera. A ideia é criar um veículo para 2030 que realize o mesmo trabalho que as plantas fazem durante a fotosíntese.
O teto absorve energia solar e as rodas têm pás para gerar energia eólica. Mas a grande novidade é que o veículo de dois lugares consegue remover dióxido de carbono do ar, com uma liga mista (orgânica e metálica), transformando-os em eletricidade que armazena numa bateria de lítio.
A China insiste em nos surpreender.

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