Thursday, October 18, 2007

Agostinho Neto – A Queda de um Anjo

Li de uma assentada um documento impressionante sobre o que foi o 27 de Maio de 1977, em Angola. O livro, da autoria de Dalila Cabrita Mateus e de Álvaro Mateus, chama-se Purga em Angola – Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunen o 27 de Maio de 1977 e foi lançado recentemente pela Edições Asa.
Descreve o que foi a tentativa, pouco clara, de um golpe de estado contra o poder de Agostinho Neto e de alguns dos seus apaniguados na Direcção do MPLA, encabeçada pelos nomes referidos no título do livro. Os autores põem mesmo em causa que tenha havido qualquer tentativa golpista e consideram que aqueles foram vítimas de uma provocação organizada pelo grupo dirigente vitorioso.
Mas o que é mais impressionante é o saldo de morto provocado pela repressão desencadeada pela fracção vencedora, que, numa estimativa prudente, chega atingir 30.000 mortos, todos eles executados sem nenhum julgamento e depois da grande maioria ter sido torturada e mantida na prisão em condições deploráveis. Foi verdadeiramente uma purga que se abateu sobre companheiros de armas e de partido e que consistiu numa violação extremamente grave dos mais elementares direitos humanos.
Agostinho Neto aparece à luz destes relatos como uma personagem centralizadora, ávida de poder e de tudo controlar, pouco recomendável como chefe de Estado consensual e defensor do seu povo. É, pode-se afirmar, a desmontagem de um mito para aqueles, como eu, que nunca se debruçaram com grande rigor sobre a história recente de Angola, e consideravam a personagem como um herói da independência, apesar daqui e dali virem alguns avisos sobre o seu comportamento pouco recomendável.
O que é mais interessante é que o livro é escrito de uma perspectiva de esquerda, fazendo uma apreciação favorável dos derrotados e assassinados do 27 de Maio, apontados com gente próxima dos comunistas, em alguns casos como Sita Valles, como ex-militante da UEC e por esse motivo expulsa do MPLA, ou como simpatizantes da União Soviética, como o próprio Nito Alves. Chega-se a insinuar que, para além da afirmação de poder por parte de Agostinho Neto e da sua clique, este massacre visava abrir as portas ao reconhecimento ocidental, principalmente dos americanos. Verifica-se uma certa cumplicidade das tropas cubanas no esmagamento inicial do golpe, mas não participando nos massacres posteriores, e uma neutralidade da União Soviética que parece não interferir nos acontecimentos. O PCP, que foi acusado, há boca pequena, pela fracção vitoriosa, de estar por trás dos acontecimentos e pretender controlar a situação em Angola, segundo os autores, nada teve a ver com o assunto e no rescaldo dos acontecimentos, na sua táctica tradicional de não fazer ondas no campo socialista, aceitou passivamente que alguns dos seus militantes, que foram acusados em Angola de pertencer à fracção nitista, fossem suspensos das suas células para não agastar a direcção vitoriosa do MPLA.
Em Portugal não se deu grande importância aos acontecimentos, tendo o Presidente da República, Ramalho Enes, o PS, a imprensa da época e nossa intelectualidade, excepto Natália Correia, aceitado passivamente o que se passava em Angola.
Lembro-me que há época, um jornal esquerdista, ter lançado a atoarda de que o golpe tinha sido apoiado pela União Soviética com a cumplicidade do PCP e, segundo me lembro, nem uma palavra diziam sobre a repressão que se lhe seguiu. Este assunto, visto não ser citado no livro, mereceria agora ser recordado.
Estamos pois perante um documento impressionante, parecendo-me com grande rigor histórico e documental, que merece ser lido por todos aqueles que sobro passado não querem pôr uma pedra.

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