Tuesday, July 1, 2008

A esquerda e o Robin dos Bosques

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Há dias Robin dos Bosques, a lenda inglesa do século XIII, voltou à ribalta prosaicamente como nome de taxa. Os jornais disseram que Sócrates “pode vir a aplicar um imposto sobre os lucros das companhias petrolíferas, que depois de cobrado será aplicado em causas sociais”.
Qualquer pessoa percebe que se trata de uma medida demagógica que nada resolve e que se destina apenas a fingir que o governo “tira aos ricos para dar aos pobres”.
Não se pense no entanto que esta manobra é um exclusivo de Sócrates e do seu governo, mesmo aqueles que se pretendem revolucionários fazem o mesmo. Quem não se lembra do slogan “os ricos que paguem a crise” e do “imposto sobre as grandes fortunas” durante a campanha eleitoral do BE ?
Pode dizer-se que a esquerda, de uma forma ou de outra, continua a cavalgar a ideia absurda de que os males da sociedade, das classes desfavorecidas da nossa sociedade, se resolvem distribuindo as riquezas dos poucos que as têm pelos muitos que padecem. Esta visão apoia-se no primarismo intuitivo e na inveja espontânea.

Mas os que defendem o “Estado Social”, e pensam estar a praticar a forma mais genuína de militância de esquerda “à Robin dos Bosques”, não percebem que, ao fazê-lo, perpetuam a dependência de um capitalismo forte cujo funcionamento produza os lucros, os salários e os impostos com que se paga o SNS, as Pensões de Reforma, a Escola Pública e uma série de outras coisas com maior ou menor utilidade.
Procedem como quem engorda um porco, neste caso o capitalismo, mas sem nunca chegar a matá-lo; limitam-se a ir cortando umas febras para enganar o estômago.

O que os números mostram é que a “distribuição ao povo” dos lucros da Galp, por exemplo, se traduziria numa redução ridícula de uns poucos cêntimos por litro no preço pago por cada consumidor.
Em 2005 os lucros dos 20 maiores potentados económicos portugueses, num ano de vacas gordas, só chegariam para cobrir cerca de metade dos "prejuízos" do Estado pois o défice orçamental ascendeu a 8.800 milhões de euros.

Prosseguem entretanto as tentativas para rotular e quantificar os ricos e os pobres, sempre sujeitas aos erros e absurdos que a nossa fraqueza estatística induz.
Recentemente a DGCI (Direcção Geral das Contribuições e Impostos) anunciou, para grande escândalo público, que os ricos estão a diminuir. Eram 40.774 , em 2005, e passado um ano já eram só 40.055.
Não convenceu ninguém pois existe a convicção generalizada de que os verdadeiramente ricos nem aparecem nas estatísticas fiscais, andam lá pelos “off-shores”.

Quanto à definição do que é um “rico” as opiniões dividem-se.
O BE a certa altura achava que um património de 750.000 euros já constituía uma “grande fortuna”. É caso para perguntar como se designa então um património como o do Belmiro de Azevedo ou mesmo de um Joe Berardo.
A DGCI acha que os ricos são os que têm um rendimento superior a 100.000 euros anuais mas não parece ter em conta que essas mesmas pessoas, se cumprirem as suas obrigações fiscais, entregarão ao Estado cerca de metade do seu rendimento ficando então com 50.000 euros.
Onde é que se deve traçar a fronteira entre os ricos e os pobres, com que critérios e com que autoridade ? E os “remediados”, ensanduichados entre os pobres e os ricos, são considerados de que forma para este efeito ?

Este tipo de abordagem comparativa é certamente muito estimulante e promete discussões intermináveis mas desvia as atenções do que mais importa.

Uma coisa é pensar-se, com razão, que os ricos se apropriam dos excedentes do sistema e que tudo fazem para manter o status quo; outra, bem diferente e que não convém confundir com a anterior, é pensar-se que para acabar com a pobreza basta repartir os pertences dos ricos.

Uma transformação profunda e sustentável da sociedade humana, com acesso a patamares económicos mais elevados para a generalidade dos cidadãos, só pode ser alcançada reinventando a organização social da produção e as relações de distribuição entre os seus agentes.

A justiça social, pela qual gerações se têm batido, só se realizará pelo advento de formações sociais muito mais produtivas do que alguma vez conhecemos. O capitalismo foi um salto enorme porque, quando surgiu, não se limitou a repartir os feudos; criou o comércio em larga escala e a manufactura.

Agora que está na ordem do dia perguntar-se quem é, ou não é, de esquerda (o nosso primeiro-ministro até acusou o BE e o PCP de terem cartórios para passar certidões) eu avanço com uma hipótese de definição:

Ser de esquerda é acreditar, e procurar, uma sociedade muito mais justa e muito mais produtiva que não se baseie no trabalho assalariado e na empresa capitalista.

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