"É preciso repolitizar. Se não repolitizarmos a economia aproximamo-nos da catástrofe. Toda a gente hoje ri de Fukuyama, do seu «fim da História», mas penso que agora até a esquerda é basicamente fukuyamista. Ninguém pergunta se há uma alternativa à democracia parlamentar, uma alternativa ao capitalismo. Quando eu era jovem sonhávamos com um socialismo de rosto humano; hoje sonhamos com um capitalismo de rosto humano, com um pouco mais de direitos humanos, de direitos dos homossexuais, de direitos das mulheres... A verdadeira pergunta séria, para mim, é esta: é isto suficiente, ou já estamos a ser confrontados com novos conflitos que não podem ser resolvidos neste quadro democrático-parlamentar do capitalismo? É por achar que sim que permaneço de certo modo um marxista. "
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"O meu marxismo não se coloca fora deste pessimismo. Não sou um louco à espera de revoluções. Tudo o que sei, juntando todos os sinais, é que nos estamos a aproximar de um ponto que me leva a ser um pouco apocalíptico. Não estou a anunciar o fim do mundo para amanhã. Veja-se como ainda há pouco havia uma sobreprodução de alimentos e já nos estamos a aproximar de novas formas de fome. Não será possível resolver todos estes problemas no quadro da democracia capitalista, mas não estou obviamente a dizer que é preciso regressar ao comunismo estalinista, não sou louco. A noção de proletariado, se a entendermos num sentido mais filosófico, enquanto subjectividade privada das suas condições substanciais, é novamente actual. Esta noção mais abstracta de proletário já não encarna num específico agente colectivo, já não é a classe dos trabalhadores. A bela metáfora do novo proletário seria o filme Matrix, cujas personagens vivem a situação de manipulação total. É também mais do que nunca actual a noção marxista de fetichismo da mercadoria. Marx é de uma enorme inteligência quando mostra que o fetichismo não significa «estás a fazer uma coisa, mas pensas que estás a fazer outra coisa». O paradoxo do fetichismo da mercadoria é que a ilusão da realidade está no que fazes, não no que pensas. A ideologia funciona, cada vez mais, não no que pensas, mas no que fazes. No meu último livro, conto uma anedota sobre o físico Niels Bohr, premiado com o Nobel. Um amigo que o visitou perguntou-lhe: «Porque é que puseste à entrada da casa uma ferradura? És supersticioso?» Ao que ele respondeu: «Não, não acredito. Mas disseram-me que funciona mesmo se não acreditamos.» Não acreditamos na democracia, mas agimos como se funcionasse. Esta é a maneira como a ideologia funciona hoje, e isto é algo que temos de aprender em Marx. "
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"A proletarização do trabalho intelectual é também a tese de Negri. Até certo ponto, podemos dizer que já não temos a classe trabalhadora, porque a classe trabalhadora europeia está na China, na Indonésia, etc. O que caracteriza uma grande companhia capitalista? Tudo está sujeito ao processo de «outsourcing». Tu produzes sapatos: tens dinheiro do banco; contratas uma fábrica em Jacarta, contratas gerentes e uma empresa de publicidade. Em suma: uma companhia capitalista, hoje, não é senão uma marca, um logo. E as consequências disto é que mesmo os gerentes podem por vezes parecer proletários. O que acho triste é que na verdade não temos uma boa teoria do que se está a passar realmente. "
Slavoj Zizek, em "Discurso directo" no Expresso de 19.07.2008
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