DN- Como é que um português foi parar a bordo de um porta-aviões americano como enviado especial de um jornal espanhol no Haiti?
Eu nasci em São Sebastião da Pedreira, em Lisboa, o meu pai era o actor Rogério Paulo. Entrei no jornalismo em 1978, como fotógrafo no Diário de Lisboa. Fui correspondente de várias publicações em Cuba, estive na Venezuela, como correspondente para a América Latina do Independente. Agora vivo em Miami e trabalho para o El Mundo desde Outubro. No dia do sismo contactei o comando sul dos EUA e pedi para me levarem num voo. Eles deram-me hora e meia para estar numa base e o primeiro voo foi logo para o USS Carl Vinson.
DN- Não é a primeira vez que está no Haiti. O que é que mais o impressionou quando chegou ao terreno?
É a oitava vez que venho ao Haiti. Já vim por causa de furacões, de conflitos, mas desta vez o que mais me impressionou foi ver que os haitianos não perceberam que tinha acontecido um terramoto. As pessoas são pouco alfabetizadas e não perceberam que a terra podia ter tremido daquela forma. Levaram dias a perceber o que aconteceu. Estive no porta-aviões durante duas semanas mas ia sempre à cidade. Agora estou em Port-au-Prince. Devo regressar quarta ou quinta-feira. Mas penso voltar aqui dentro de dois ou três meses.
DN- Numa das suas peças citava fontes ocidentais que diziam temer uma espiral de violência. Há possibilidade de guerra civil?
Absolutamente. Há um medo de que isso venha a acontecer. Aqui não há trabalho, não há salários, não há impostos nem dinheiro. Mas há muita, muita fome. Então as pessoas vão viver de quê? Isto está a correr riscos de voltar a uma sociedade primitiva. Ainda há aqui muitos problemas. O que temo é que haja um pico da violência. Aqui há muita confusão. Metade das organizações não governamentais (ONG) não está aqui a fazer nada. Estão aqui para que as vejam, para que sejam vistas. O aeroporto está a abarrotar e já não tem capacidade.
DN- Encontrou aí jornalistas portugueses? Matou as saudades de cá?
Sim. Quando cheguei ao hotel onde fico sempre, fiquei surpreendido, pois estava cá o pessoal da SIC e da Visão. Eu não me considero nem um jornalista americano, nem um jornalista espanhol ou italiano - também faço coisas para o jornal La Repubblica. Eu sou jornalista português, tenho nacionalidade portuguesa e viajo sempre com o passaporte português. Se conseguisse trabalho, até regressava a Portugal, mas a última vez que voltei mandaram-se de volta outra vez para a América Latina (risos).
Entrevista de Rui Ferreira ao DN (02.02.2010)
Aqui está uma voz descomprometida e que não se resume aos lugares comuns e aos aproveitamentos da desgraça alheia que enchem os noticiários.
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