Continuemos a falar do comércio a retalho, só que desta vez de legumes frescos.
Costumo brincar com os meus amigos economistas, dizendo-lhes que enquanto a física consegue prever com todo o rigor certas grandezas a economia não é capaz de prever sequer o preço do quilo da alface. Bem: não no “Pingo Doce” onde, desde Outubro de 2009 (pelo menos), o kg da alface tem sido sempre a 1,49 €. O mesmo com o espinafre e o tomate: sempre ao mesmo previsível preço.
O rapaz da foto entra-nos todos os dias em casa (para quem vê televisão), a anunciar que, na cadeia de lojas que ele promove, basicamente os preços são fixos, à boa maneira socialista (dizem que Salazar fazia o mesmo, pelo menos com o preço do pão, nem que tivesse que lhe diminuir o tamanho…). Enquanto nas outras lojas os preços flutuam com o mercado, com a lei da oferta e da procura e com as condições climatéricas (algo que, especialmente com um inverno rigoroso como o que temos tido, naturalmente afeta e muito o preço dos legumes frescos), no “Pingo Doce” os preços não aumentam (mas também não diminuem – não variam).
É curioso que os economistas, mais liberais ou mesmo mais keynesianos, gastaram nas duas últimas décadas tanto latim a explicarem-nos os problemas de uma economia planificada, e agora ninguém reclama por o “Pingo Doce” estar a planificar a economia (fixar preços é típico de uma economia planificada, e não de uma economia livre).
Dir-me-ão que o “Pingo Doce” é uma empresa privada, que pode vender os produtos aos preços que quiser numa economia livre, enquanto o estado fixar os preços é diferente. Mas será assim tão diferente? Terão os produtores liberdade de negociar livremente com o “Pingo Doce” o preço das suas colheitas? Não estou de modo nenhum a acusar o “Pingo Doce” de nada, mas sei que muitas vezes os grandes retalhistas exercem pressões enormes sobre os produtores, sendo que em muitas localidades detêm praticamente o monopólio. Os produtores têm que aceitar os preços que os grandes retalhistas oferecem; não têm escolha. Não sei se é esta a situação do “Pingo Doce” (repito – não estou a acusar ninguém), e pode ocorrer com outros retalhistas, hipermercados ou não. Sei é que esta situação hipotética não é a de uma economia livre.
Mas admitamos que nada disto se passa: o “Pingo Doce” é uma marca séria, e decidiu manter um compromisso com os clientes. Mesmo que a intenção do “Pingo Doce” não seja essa, a verdade é que todos aqueles anúncios são uma exaltação das virtudes da economia planificada como há muito não se via (e espanta-me, falo a sério, que nenhum economista comente este assunto). Ao ver aquele rapaz rechonchudo a repetir que “só o “Pingo Doce” respeita o seu dinheiro” por não variar os preços, questionamo-nos se não seria melhor que fosse assim com tudo. As lojas todas, todo o comércio. Não só o “Pingo Doce”. Desde que não houvesse esmagamento dos produtores. Se há pressões sobre os produtores, é intolerável; se não há, afinal a economia planificada funciona! Não é assim? Não consta que o “Pingo Doce” dê prejuízo!
Sim, e o rapaz é rechonchudo. Só num anúncio, o “Pingo Doce” reabilita a planificação da economia e os gordos para a publicidade. Quer-me parecer que o “Pingo Doce” está a tentar atrair clientes de esquerda.
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