Tuesday, May 4, 2010

Daltónicos: Ver o mundo com as cores certas

Impressionante reportagem de Romana Borja-Santos no Público a partir de um projeto de Miguel Neiva.



Parecia uma pergunta de algibeira. Daquelas que têm como único objectivo que nos programas de televisão os concorrentes não percam logo nas primeiras questões e que os telespectadores se entusiasmem ao darem uma resposta acertada. O apresentador pretendia saber de que cor são as ervilhas.

Jorge Sousa estava em casa, sentado no sofá, a ver o programa e sorriu perante a facilidade da pergunta. Ainda por cima dava direito a 50 euros. Assim. Sem esforço. Mesmo antes de apresentadas as quatro possibilidades — “amarelas, verdes, azuis, laranjas” —, não hesitou e respondeu para si mesmo: “Obviamente que são laranjas e bem brilhantes.” O concorrente, por outro lado, disse prontamente que eram verdes e o apresentador deu-lhe razão.

Jorge ficou espantado, mas não tanto como seria de esperar. Tem 37 anos e desde criança que sabe que é daltónico, um problema genético que faz com que as cores sejam a coisa mais traiçoeira que tem de enfrentar.

Foi ainda durante o ensino primário que um rastreio aos olhos feito na escola veio dar um nome às constantes distracções que o faziam pintar os troncos das árvores de verde e as folhas de castanho ou de avermelhado. Jorge, afinal, não era preguiçoso nem distraído. Não era por má vontade, por birra ou sequer por mau gosto que dava uma nova cor a tudo o que pintava. Ou que por vezes calçava duas meias de pares diferentes. As causas desta anomalia na percepção cromática, que tem origem nos cones que estão nos olhos, são sempre genéticas e no caso das tonalidades verdes e vermelhas estão relacionadas com o cromossoma X. Jorge, como todos os homens, tem um cromossoma X (que herdou da mãe) e um cromossoma Y (que herdou do pai). O seu avô materno já era daltónico pelo que o cromossoma responsável por esta alteração nos cones dos olhos lhe foi transmitido pela mãe.

No caso das mulheres, como contam com dois cromossomas X, mesmo que a mãe transmita o cromossoma responsável por este tipo de daltonismo (dicromacia), regra geral, conseguem compensar com o outro “saudável”. O que faz com que este seja um problema muito mais comum nos homens do que nas mulheres. Na população masculina, a taxa de daltonismo é de dez por cento, enquanto nas mulheres não chega aos dois por cento. A família de Jorge confirma a regra: também para o seu irmão e vários primos as ervilhas são cor de laranja. E, nos semáforos, são salvos pelo facto de o vermelho ser sempre o de cima e o verde o de baixo. Contudo, o daltonismo relacionado, por exemplo, com os cones azuis e amarelos (tricromacia) depende do cromossoma 7, que não está relacionado com o sexo, pelo que já não se registam estas diferenças entre homens e mulheres. Há ainda um terceiro tipo de alteração que faz com que o mundo seja visto a preto e branco (monocromacia), mas cuja incidência é ínfima.

Em qualquer dos casos, a solução pode estar para breve. E, para já, não é de cura que se está a falar.

Código de cores

O “ovo de Colombo”, como já lhe chamam muitos daltónicos, nasceu na cabeça do designer Miguel Neiva. Miguel não é daltónico e apenas se lembra de ter tido um colega com este problema na primária, pelo que toda a sua investigação na área foi desencadeada por pura curiosidade. Apesar disso, de tanto pesquisar e ler sobre o tema, já troca praticamente todas as cores, isto é, para cada objecto para onde olha consegue perceber as dificuldades de quem o percepciona de forma diferente. Já pensou nas cores das bandeiras da praia? Em 2008 defendeu na Universidade do Minho a sua tese de mestrado e, desde aí, tem vindo a tratar das burocracias necessárias para proteger os direitos de autor e para implementar o ColorAdd — um código gráfico que criou de raiz e que, através de símbolos geométricos, pretende ajudar os daltónicos a distinguirem as cores em coisas tão básicas e recorrentes como as peças de roupa, o material escolar ou as linhas do metropolitano.

“O que mais me espantou em relação aos daltónicos é que não há nada. Não há uma associação que os represente, não há dados oficiais sobre o problema, porque é uma limitação que não é visível e porque os daltónicos também não gostam muito de falar sobre o assunto”, explica à Pública.

A falta de informação tornou-se um desafio para Miguel Neiva que, depois de conversar e de submeter vários daltónicos a um inquérito, decidiu que o seu mestrado em Design e Marketing seria direccionado para os portadores desta alteração e que teria como objectivo torná-los mais independentes. De acordo com o inquérito que fez junto de uma amostra de quase 150 daltónicos, cerca de 37 por cento não sabem o seu tipo de daltonismo, 42 por cento sentem dificuldade de integração social, 73 por cento já sentiram algum tipo de embaraço e 88 por cento consideram a escolha e utilização do vestuário um problema.

“É uma deficiência que não é visível aos olhos dos outros e que por isso mesmo traz constrangimentos e dificuldades acrescidas em termos de integração. Se vemos alguém com calças roxas, camisola amarela, óculos de sol e bengala percebemos logo que é cego. Mas se a bengala e os óculos não estiverem lá, a primeira coisa que nos ocorre é dizer que a pessoa tem mau gosto. Nunca pensamos que pode ter uma percepção errada das cores”, diz o designer.

O código que idealizou está preparado para ser ensinado tanto a crianças como a idosos, estes últimos afectados por patologias que dão problemas semelhantes. “O código tem como base a conjugação das três cores principais (vermelho, verde e azul) com as secundárias numa lógica muito parecida com a da roda das cores. Cada forma geométrica simboliza uma cor primária.”

O azul, por exemplo, é um triângulo com um vértice virado para cima, o vermelho um triângulo com um vértice virado para baixo e o amarelo é uma barra diagonal. Assim, “na etiqueta de uma camisola verde, tendo em conta que esta cor é composta por azul e amarelo, deveria aparecer um triângulo com um vértice para cima e uma barra diagonal”. Para ajudar a distinguir uma tonalidade de verde-escuro de uma tonalidade de verde-claro, a ideia de Miguel é que se coloque ao lado da cor o símbolo do branco ou do preto, que são representados por um quadrado apenas com o contorno ou todo cheio a preto, respectivamente. Uma ideia que poderia ter sido muito útil a Albert Uderzo, um dos pais da banda desenhada Astérix, que por ser daltónico se viu obrigado a contratar um colorista depois de ter pintado de vermelho a primeira relva gaulesa.

A cor dos táxis

A parceria para a primeira aplicação prática do código acaba de chegar. As tintas CIN estão interessadas em incluir o código junto às cores que têm disponíveis e estão a trabalhar para que o próximo catálogo já esteja adaptado para esta solução. “É um casamento que vem numa óptima altura e que está totalmente de acordo com a nossa estratégia de disponibilizar serviços de cor aos clientes que os ajudem no momento da escolha porque a maioria das pessoas tem dificuldade em projectar a cor num espaço final”, explica Reinaldo Campos, director de marketing, estratégia & business development da CIN. E acrescenta: “Somos pela cor, em qualquer variante, razão pela qual aceitámos o desafio do Miguel Neiva de aderirmos a este novo código de interpretação de cores.”

Miguel quer avançar com prudência para não desvirtuar o código, mas não nega que gostava de o ver espalhado um pouco por todo o lado e em todo o mundo. Roupa, brinquedos, lápis de cor e canetas de feltro, linhas do metropolitano, pulseiras coloridas que assinalam a triagem de Manchester nos hospitais, linhas pintadas no chão que ajudam através da cor a seguir o caminho até uma determinada unidade ou serviço e parques de estacionamento são algumas possibilidades. “Até já me chegou da Rússia uma proposta de incluir os símbolos nos maços de tabaco”, conta.

A ideia do designer foi também considerada pela revista brasileira Galileu uma das 40 ideias para melhorar o mundo. “No metro de Lisboa todos os dias circulam 500 mil pessoas. Se partirmos do princípio que metade delas são homens e que dez por cento destes são daltónicos então, neste caso, estaremos a facilitar, todos os dias, a vida a 20 mil pessoas. E é dos primeiros projectos de inclusão que não traz uma legislação à frente.”

Ideias que não podiam agradar mais a Jorge Sousa, apesar de este engenheiro electromecânico encarar com muito boa disposição as experiências caricatas que o seu daltonismo lhe proporciona e de já se ter habituado a pedir ajuda nas mais diversas situações. Mesmo assim, não se escapou a um ou outro episódio que podia não ter acabado da melhor forma. Ainda hoje não sabe se um jipe que teve durante quatro anos era grená ou verde — o que fez com que uma vez num parque de estacionamento estivesse durante uns bons minutos a abrir o carro errado até ser alertado pelo dono para o facto. “Claro que quando o senhor percebeu que a cor do meu carro não tinha nada a ver ficou desconfiado, mesmo depois de eu ter explicado que sou daltónico. Agora estou mais atento às matrículas”, diz.

Foi também muito tarde que descobriu que os táxis são pretos e verdes e não pretos e brancos. Ultrapassado este obstáculo há um outro para o qual ainda não encontrou solução: não consegue distinguir pela luz se os táxis estão ou não ocupados, pelo que manda parar todos os que passam. E como faz quanto a clubes de futebol? “Sou do FC do Porto. O azul é das poucas cores que distingo melhor.”

Uma vez engraxou os sapatos castanhos antes de sair de casa para ter a melhor apresentação possível. Valeu-lhe o facto de se ter cruzado com a sua mulher que questionou se havia alguma razão para ter usado graxa vermelha. Hoje já praticamente desistiu de responder à pergunta “de que cor é isto?” Decidiu abrir uma excepção com a Pública para responder durante a entrevista que tínhamos uma camisola castanha. Na verdade, a roupa era verde-garrafa. Sobre a forma como estava vestido, respondeu de forma segura: “A minha mulher disse-me que é um fato castanho com uma pequena risca azul e uma camisa do mesmo azul com uma risca branca.”

Uma carreira abandonada

Desde cedo que Jorge desistiu de fazer compras e é à sua mulher que cabe a tarefa de o vestir a ele e aos três filhos. Em vez de estar organizada por tipo de peças, a sua roupa está arrumada conforme aquilo que combina. “Mas sou tão distraído que, se alguém trocar as coisas, visto na mesma. Não tenho memória para a cor. O daltónico é como um analfabeto das cores. Olho para elas e se estiver com atenção percebo que são diferentes mas não lhes consigo dar um nome, daí que até já tenha assinado documentos importantes com canetas vermelhas ou preenchido cheques a verde. Sou muito mais atento às texturas dos tecidos.”

Quem tem uma visão normal consegue distinguir cerca de 30 mil tonalidades diferentes, ao passo que pessoas com problemas deste género não vão além das 800, sendo que desde pequenos somos treinados para associar as cores aos objectos.

Este engenheiro adaptou-se a todas estas rotinas, mas o facto de ser daltónico mudou-lhe os planos de carreira: tentou entrar para a Força Aérea e o seu sonho era ser piloto, mas as cores trocaram-lhe as voltas. É uma das poucas profissões em que esta deficiência é um impeditivo e é precisamente na inspecção militar que as pessoas com daltonismos mais ligeiros acabam por descobrir o problema.

Mas também houve uma ocasião em que beneficiou com o problema. “Numa entrevista de emprego pediram-me para ordenar um conjunto de cores, da que gosto mais para a que gosto menos. Como, para mim, tanto faz, ordenei da que me parecia mais clara para a mais escura. A entrevista continuou a decorrer e mais tarde pediram-me para organizar de novo as cores. Fiz exactamente a mesma coisa e o senhor diz que ficou muito espantado com a minha coerência.”

Uma das formas mais comuns de detectar o daltonismo é submeter a pessoa ao teste de cores de Ishihara que recebeu este nome graças a Shinobu Ishihara, um professor da Universidade de Tóquio que em 1917 criou uma série de cartões de cores cujo fundo é composto por bolinhas de uma determinada cor. No centro é desenhado, também com bolinhas, um número que tem uma cor semelhante e que para os daltónicos é muito difícil de percepcionar. No entanto, ser daltónico já chegou a ser visto como um factor positivo e na II Guerra Mundial as pessoas com este problema genético eram escolhidas para as incursões nocturnas e para os raides aéreos por serem muito sensíveis aos contrastes e detectarem com mais facilidade os camuflados do inimigo, em especial de noite.

O diagnóstico adiado é mais uma prova de que foi bastante tarde que a sociedade despertou para o daltonismo, que deve o seu nome ao químico e matemático inglês John Dalton, que em 1793-94 publicou um documento intitulado Factos extraordinários relacionados com a visão das cores. Tanto Dalton como o seu irmão tinham um problema nos cones vermelhos e verdes e o investigador estava convencido de que a alteração responsável pela diferente percepção das cores estaria num líquido do seu olho. Conta-se que Dalton adorava cerejas mas que era incapaz de as identificar nas árvores por as misturar com as folhas. Um dos últimos desejos de Dalton foi que os seus olhos fossem autopsiados para poder confirmar a sua teoria, o que não veio a acontecer.

O fascínio do arco-íris

Florindo Esperancinha, presidente do colégio da especialidade de Oftalmologia da Ordem dos Médicos, reconhece que o facto de não haver tratamento absolutamente nenhum para os daltónicos faz com que os próprios médicos, por vezes, coloquem a doença mais de lado. “O daltonismo entra um pouco no esquecimento. As alterações mais ligeiras são difíceis de detectar e em qualquer dos casos, como oftalmologistas, o máximo que podemos fazer é aconselhar os pacientes a assumirem o problema e a não entrarem em discussões estéreis sobre a cor. O nosso principal papel está em ajudar as pessoas a lidar e a antecipar os constrangimentos que possam advir desta alteração”, justifica.

Gonçalo Reis tem 21 anos e é finalista da licenciatura em Comunicação Social do Instituto Politécnico de Tomar. No seu caso, o diagnóstico foi precoce. O seu pai também é daltónico e a mãe, enquanto enfermeira, sempre ficou muito atenta à forma como o filho percepcionava as cores, e na altura da entrada da escola levou-o a um especialista que confirmou a alteração dos seus cones. “Como a professora sabia, não senti grandes problemas, mas acredito que, para os miúdos que não sabem o que têm, isto possa servir como mais um elemento de gozo”, explica. Apesar da descontracção com que lidava com o problema, a mãe de Gonçalo criou algumas estratégias para facilitar a vida ao filho. “Nos lápis de cor a minha mãe colocou-me umas etiquetas que diziam as cores e eu optava por ter sempre conjuntos pequenos.” E no exame nacional de História que realizou no 12.º ano precisou que fosse feita uma versão especial para si, pois as cores com que o mapa estava pintado eram todas demasiado semelhantes para as poder entender.

Mas na altura de ir às compras Gonçalo continua a contar com o apoio dos amigos, até porque a sua principal dificuldade está nos espectros dos azuis. “Azul, roxo, lilás… para mim é tudo igual.” Optou, como muitas das pessoas com o seu problema, por escolher tendencialmente cores neutras e nunca fugir muito da mesma paleta de cores no vestuário. “Não gosto de andar colorido e, em caso de dúvida, pergunto. É melhor perguntar do que fazer asneira, certo?” Quanto ao futuro, para já não desiste do sonho de trabalhar na área da fotografia, mesmo com as maiores dificuldades que tem no balanceamento de brancos, o que faz com que algumas das suas imagens fiquem azuladas. “Os colegas e a tecnologia estão cá para nos ajudar a corrigir estas coisas”, insiste, sempre com um sentido muito pragmático.

As mulheres daltónicas são poucas e talvez por isso Helena Guimarães, 49 anos, ainda hoje não fale muito sobre o assunto. “O mais cedo que me lembro de ter percebido que era daltónica foi na adolescência e isso nunca foi propriamente um tema de conversa lá em casa. Lembro-me de vestir umas calças laranjas com umas meias que julgava combinar e que afinal eram amarelas e, por isso, passei a usar tons muito neutros. Evito acessórios como brincos, colares ou lenços. O meu marido oferece-me coisas para eu variar mas sinto-me muito pouco confortável a arriscar.”

Helena é directora de marketing numa empresa e as apresentações feitas em computador e os gráficos são os seus maiores inimigos, pelo que se habituou a delegar este tipo de tarefas, mesmo não gostando, algumas vezes, das cores que os seus colaboradores escolhem. Habituou-se a não discutir cores, mas admite que por vezes não gosta do que vê numa folha ou da conjugação de roupa que alguém escolhe e não sabe se os seus olhos têm razão ou se são os genes trocados a funcionar.

“Não vejo o daltonismo como um problema e nunca senti que fosse uma grande limitação. É como ser canhota. Mas claro que gostava de ver as cores todas. Nunca percebi o fascínio das pessoas com o arco-íris e só há pouco tempo descobri que só consigo distinguir duas cores. Aí fiquei triste, por perder algo que dizem ser tão bonito. Mas, ao menos, o mar para mim é sempre azul, um azul muito forte.”

Contudo, Helena reconhece que é difícil explicar aos outros que não é por preguiça que não consegue dizer as cores e admite que depender de alguém para ter a certeza da roupa que põe numa mala pode ser limitador. “Talvez por isso odeie comprar coisas para mim e nunca embarque em grandes aventuras. Jogo muito pelo seguro.”

Pedro Pires é engenheiro electrotécnico e tem 42 anos, mas até aos 15 ou 16 pensou que não sabia as cores e que algo tinha falhado nesta aprendizagem de criança. “Quando fiz os testes para a tropa, confirmaram-me que sou daltónico, mas fiquei apto na mesma e até me disseram que era bom para ir para os pára-quedistas por ser sensível aos contrastes das cores.” Na faculdade, a principal dificuldade que sentiu foi nas aulas sobre resistências, onde cortar um fio baseado na cor podia ser um risco. É por este motivo que em profissões como electricista o daltonismo pode ser um impeditivo. Pedro baralha essencialmente verdes, castanhos e avermelhados, mas foi com o preto que teve a maior surpresa: numa loja tinha uns atacadores pretos na mão e insistiu se não vendiam nenhuns mais escuros.

Caminho para a cura?

Todos estes daltónicos gostariam de ver os seus cones repostos — se não houvesse riscos. Contudo, as experiências bem sucedidas no sentido da cura são todas em animais e há muito poucas a destacar. Até porque é um problema que não evolui e que além do incómodo social não provoca qualquer dor ou desconforto ao seu portador, pelo que é visto como pouco interessante. Ainda assim, em 2008 os cientistas Jeremy Nathans e King-Wai Yau foram agraciados com o Prémio Champalimaud de Visão, no valor de um milhão de euros, por terem ajudado a desvendar a forma como a visão transforma as cores numa linguagem que o cérebro consegue perceber.

Investigador da prestigiada universidade norte-americana de Johns Hopkins, Nathans dedicou-se a perceber a forma como a luz é absorvida pela retina e o seu colega Yau tentou entender como é que esta energia luminosa era convertida em electricidade para chegar ao cérebro. A principal investigação de Nathans já tem 20 anos e consistiu precisamente na identificação dos genes que codificam os três pigmentos existentes na retina e que absorvem as cores vermelho, verde e azul. Estes pigmentos correspondem aos três tipos de foto-receptores em forma de cones que existem na retina humana e que são responsáveis pela visão das cores. Ao lado dos cones existem outros foto-receptores, os bastonetes, que são em muito maior número e que ajudam a distinguir apenas níveis de luz mas não cores. Os cientistas conseguiram isolar estas moléculas e, posteriormente, os genes que as codificam, para finalmente poderem afirmar que estes genes, quando alterados, influenciam a percepção da cor.

Agora, Nathans tem tentado perceber como é que esta visão tricromática dos humanos terá evoluído a partir de organismos mais simples como os dos mamíferos inferiores. É que animais como cães, gatos e ratos têm uma visão semelhante à dos daltónicos, já que têm apenas dois sensores de cor e não três. O investigador conseguiu injectar no rato um terceiro tipo de cone e este passou a ver como um humano com uma percepção normal da cor. Para Nathans, o que é surpreendente é que isto não implicou qualquer intervenção no cérebro, o que, além de tornar o procedimento mais simples, mostra que estão no bom caminho para encontrar uma cura para o daltonismo.

Mais recentemente foi a vez de a experiência ser realizada em macacos, que partilham o mesmo tipo de visão que uma pessoa sem problemas. No final do ano passado, um grupo de investigadores da Universidade de Washington e da Universidade da Florida, ambas nos Estados Unidos, anunciou que utilizou com sucesso uma terapia genética que foi capaz de curar dois macacos daltónicos. O estudo, conduzido por Jay Neitz e agora publicado na revista Nature, demonstra que os macacos — que nasceram sem distinguir o verde e o vermelho —, depois de lhes terem sido injectados genes com o código de ADN necessário para distinguir as cores, passaram a ser capazes de identificar desenhos vermelhos que apareciam em fundos verdes. Esta terapia resultou de um intenso trabalho de dez anos em que os dois macacos, Dalton e Sam, foram ensinados e treinados para poderem dizer que cores estavam a ver a cada momento.

Enquanto o ColorAdd não é aplicado, resta a Jorge, Gonçalo, Helena e Pedro o sentido de humor e muita imaginação. Há já também algumas máquinas para cegos que quando colocadas junto a um objecto dizem a sua cor e aplicações para telemóveis com câmara fotográfica que permitem fotografar um objecto e apontar para a zona em que se está com dúvidas sobre a cor. O problema é que estas tecnologias, às vezes, também parecem ter problemas de percepção e um preto e um castanho ou um vermelho e um laranja-escuro podem ser muito parecidos.

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