Europa, de Ludmila 100 x 80 cm, óleo sobre tábua (via LEITURASFAVRE)
Os portugueses têm vindo a ser sucessivamente enganados quanto à real situação económica do país e quanto ao que se pode esperar no futuro, se não houver mudança radical de atitude.
Ainda em Setembro passado, na campanha eleitoral, houve quem omitisse pura e simplesmente a amplitude do endividamento público e privado. Depois disso tem-se vindo a reconhecer as dificuldades e a tomar medidas, sempre a reboque dos acontecimentos.
Agora mesmo, ao anunciar o pacote que de novo revê o famoso PEC, tenta-se fazer crer que se trata de medidas muito duras e insinua-se que, com elas, teremos ultrapassado finalmente os nossos problemas. Nada mais falso. Aquilo que hoje foi anunciado é uma ponta do iceberg de dificuldades e de renuncias a que seremos submetidos nos próximos anos.
Não é por acaso que não tem surgido, por entre as polémicas técnicas sobre as medidas anunciadas, a discussão essencial sobre as causas e os processos da decadência europeia. Mesmo que consigamos debelar a crise actual, se nada for feito, continuaremos a ver definhar as nossas economias e empobrecer as nossas empresas e as nossas famílias. Essa é que é a nossa verdadeira doença, o resto são sintomas.
Há tempos um professor chinês, a viver em Portugal, disse-me que a mais notável diferença que encontrava entre a nossa sociedade e a dele residia no facto de entre nós toda a gente viver a pensar nas próximas férias e/ou a falar das férias passadas. Coisa que a um chinês médio, segundo ele, parece muito estranho.
Criámos na Europa uma sociedade de direitos adquiridos sem dúvida notável mas quiçá inconsciente de que nasceu de um estatuto europeu e ocidental que beneficiou do colonialismo, ainda que indirectamente, ou pelo menos do seu lastro económico.
Recursos naturais baratos e a vantagem do avanço, ou exclusividade, cultural e técnica permitiram aos europeus, no século XX, um desafogo económico ímpar.
As atrapalhações económicas actuais eram impensáveis na Europa dos anos noventa.
O problema é que o mundo muda. Os países dominados tornam-se ciosos das suas matérias primas, os povos bárbaros e incultos acedem à educação e às tecnologias, os trabalhadores sem exigências atraem as empresas e estas arrastam consigo o know-how, multidões gigantescas convertem-se em mercados onde as empresas autóctones obtêm crescimentos brutais, países outrora dependentes tornam-se credores das superpotências e compram empresas e marcas por todo o planeta. Nestas condições de turbulência nenhuma forma de riqueza pode garantir, sem luta, a sua própria imunidade.
A Europa tarda em admitir que está em muito maus lençóis. Os políticos europeus continuam a funcionar como se o mundo não estivesse em revolução. Os aparelhos burocráticos dos Estados e da UE pululam de funcionários, institutos e organizações que não acrescentam qualquer valor e que custam uma fortuna aos cidadãos, não só em ordenados mas também em confusões.
Se não tiver a coragem de responder ao desafio económico global a Europa, ou seja nós, iremos de cedência em cedência perdendo todos os direitos que nos foram garantidos tão irresponsavelmente, até ficarmos na mais apagada e vil pobreza.
A esta luz, meus amigos, o aumento de 1,5% do IRS, ou o ridículo corte de 5% nos ordenados sibaríticos dos gestores públicos, são apenas episódios anedóticos que veremos repetirem-se uma e outra vez.
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