As melhores evocações desta antiga glória do Sporting, que aqui transcrevo, li-as num artigo de Rui Tovar no jornal
I, através do blogue
Leão da Estrela.
Com o Campeonato Nacional e a Taça de Portugal 1980-81 entregues ao Benfica e sem estaleca para a Taça dos Campeões, o Sporting começou cedo a preparar a época seguinte. Bem ao seu estilo, o presidente João Rocha queria um avançado e um treinador. Para o primeiro objectivo foi ao FC Porto buscar o virtuoso Oliveira para juntar à dupla Manuel Fernandes-Jordão. Já o treinador não foi tão fácil. José Maria Pedroto foi sondado, mas preferiu o Vitória Guimarães. Viria Malcolm Allison. É nessa memorável época de 1981-82 que o Sporting enche o país de verde e branco. À conta de vitórias e bom futebol. O excêntrico Malcolm Allison entra em cena e tem uma equipa de luxo à sua disposição. Além de Oliveira, ex-FC Porto, e Meszaros, guarda-redes húngaro para o lugar de Vaz, chegam Melo, Venâncio, Nogueira, Virgílio e Alberto. O Sporting começa por empatar 2-2 em casa com o Belenenses de Artur Jorge, num jogo com cinco expulsões (4-1 para os azuis). Seguem-se cinco vitórias consecutivas, ciclo travado por Boavista (3-3) e Benfica (1-1). No final da primeira volta, o Sporting continuava invicto, com quatro pontos de avanço sobre o Benfica e cinco sobre o FC Porto. Em Março, o Sporting bate o Benfica em Alvalade por 3-1, num encontro em que o brasileiro Jorge Gomes, o primeiro estrangeiro de sempre nos encarnados, acusa o árbitro Marques Pires. "Ele é que devia ir ao controlo antidoping. Um homem no seu estado normal não faz aquelas coisas!" O título não era uma miragem e tornou-se realidade a três jornadas do fim, no Estoril. Só faltava Jordão ser o melhor marcador. Mas o portista Jacques tirou-lhe o título na derradeira jornada, em que os dois se defrontaram nas Antas (2-0 para os dragões, com um golo de Jacques). A festa continua na Taça, uma semana mais tarde, com um inequívoco 4-0 sobre o Braga, na tarde em que Quinito, treinador do bracarenses, se apresentou no Jamor de fraque creme e laço castanho. Na hora de receber o troféu, Manuel Fernandes despiu a camisola 9, deu-a ao presidente João Rocha e foi de tronco nu para a tribuna de honra, onde estava Ramalho Eanes com a Taça. É a quinta dobradinha na história do Sporting! O mérito é de todos e de Allison, o treinador inglês que nunca mais ganhou nada a partir daí. Big Mal, como lhe chamam, fez ontem 83 anos. Está internado num lar de idosos, com doença de Alzheimer, mas é um homem que continua no coração dos sportinguistas. Por isso, o "i" falou com quatro jogadores para ouvir histórias de outros tempos. Tempos de glória, lá para os lados de Alvalade.
MESZAROS, O REFORÇO PARA A BALIZA "Devo-lhe muito. Ele é que me contratou para o Sporting. E para o V. Setúbal [1987-88]. Há um pormenor de que nunca me esquecerei: num jogo da Taça, em casa, com o Boavista, estávamos a perder 2-1 ao intervalo. Nós, jogadores, estávamos no balneário, ele abre a porta e só nos diz isto: ''Se quiserem ganhar, passem a bola ao Mário Jorge.'' Depois saiu e bateu com a porta. Ficámos todos a olhar uns para os outros. Na segunda parte, o Mário Jorge fez a jogada do 2-2 para o Manuel Fernandes e foi derrubado na área, no lance de que resultou o penálti do 3-2, marcado pelo Oliveira."
EURICO, O PATRÃO DA DEFESA "Há 29 anos acabaram-se os estágios. Allison chegou a Lisboa e deu-nos responsabilidade. Mas não se ficou por aí. Todos nós, jogadores, tínhamos direito a um copo de vinho, sempre servido por empregados à mesa, durante as refeições. Num dos primeiros almoços que tivemos nessa época, um empregado de mesa serviu-nos o vinho e ia levar a garrafa quando se ouviu o Allison a dizer: ''Deixe aí a garrafa!'' "
CARLOS XAVIER, O MIÚDO "De cada vez que jogávamos em Alvalade chegávamos ao estádio às 10h30 e almoçávamos a essa hora. O Malcolm Allison dizia-nos para comer à vontade: batatas, ovos, carne, peixe, massa. Era só escolher. Até ao jogo, ficávamos lá no estádio à espera de entrar em campo. Quando íamos a caminho do relvado já estávamos em pele de galinha, porque o Allison entrava em campo antes de nós e era um espectáculo dentro do próprio espectáculo. Dava a volta ao campo com o braço no ar a segurar o inconfundível chapéu. Os adeptos deliravam e nós também. Houve uma altura em que até havia música ao vivo e se tocava o "Comanchero". O estádio ia abaixo. Nunca o ouvi berrar. Nem nos treinos. Quando eu cometia um erro, aproximava-se e segredava-me qualquer coisa como ''não me lixes'', como quem diz: ''não sejas assim, tão apático, és capaz de muito melhor.'' "
MANUEL FERNANDES, O CAPITÃO "Dois dias depois de ganharmos a Taça, jogámos com o PSV Eindhoven em Paris. Na véspera, à noite, Allison concentrou os jogadores no hall do hotel e começou a falar das aventuras em Inglaterra. A conversa, animada como sempre, durou das 23 às duas da manhã. A essa hora, eu, como capitão, sugeri que fôssemos para a cama. Ele virou-se para mim: ''Fomos campeões, vencemos a Taça e vamos dormir? Nada disso. Vamos todos sair para Paris.'' E lá fomos, todos nós, aos bares e aos cabarés de Paris, àqueles mais conhecidos e tudo, como o Lido. Foi uma noite-manhã inesquecível. Aliás, essa sintonia de grupo já vinha de Agosto do ano anterior [1981], quando o Allison chegou a Lisboa. Dizia-nos para almoçarmos, jantarmos, cearmos ou sairmos à noite, mas sempre na véspera da folga. Como esse dia calhava à terça-feira, o plantel do Sporting, formado por 20/25 jogadores, começou a sair à segunda. Às vezes encontrávamo-nos ao almoço, ficávamos no restaurante até ao jantar e depois ainda íamos dançar até não aguentar mais. A essas noitadas o Malcolm nunca foi. Só mesmo a de Paris e por isso é que foi tão inesquecível. Porque fechou uma época de ouro no Sporting."
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