Alandroal por Maluda, Óleo sobre tela, 1988, 54×65cm
Sejam bem-vindos ao Alandroal. Um concelho alentejano lindíssimo e de que recomendo a vila de Terena e uma visita ao seu castelo. Agora, alguns dados sobre o Alandroal: o concelho tinha, no censo de 2006, exactamente 6187 almas (infelizmente, é provável que o número tenha diminuído e não aumentado).
Para assistir devidamente os seus 6187 habitantes, o concelho tem nada menos do que dezasseis freguesias e a Câmara Municipal emprega 220 funcionários, mais a vereação — ou seja, um funcionário camarário para cada 28 habitantes.
Para poder alimentar este exército camarário seria de supor que a Câmara gozasse de uma privilegiada situação a nível de receitas. Não, infelizmente: segundo nos informa o “Diário de Notícias”, o município sobrevive “praticamente sem receitas próprias”, que não as que recebe das transferências do Orçamento do Estado.
Uma visita à terra mostra-nos porquê e explica-nos que há bens que vêm por mal: lá isolado, em plena planície, longe da costa e de Alquevas, o município não pode acrescentar às verbas do OE as que resultariam do imposto municipal sobre imóveis referente a urbanizações e aldeamentos turísticos, marinas e campos de golfe que não tem. O Alandroal está assim preservado dos PIN e do desvario urbanístico e paga por isso um preço, pois que a lógica do ordenamento do território em vigor estabelece que quem mais constrói, quem mais construção autoriza, mais dinheiro tem.
O Alandroal vive, pois, exclusivamente à custa dos contribuintes. Note-se: não são os habitantes (que, esses gozam de outros apoios sociais): é o próprio concelho. Ora, isto é meio caminho andado para a desgraça e para a irresponsabilidade: é sabido que quem vive de gastar o que não tem, não lhe dá o devido valor. Não admira, pois, que, entre 2001 e 2009 e ao ritmo de três milhões por ano, o concelho tenha acumulado uma dívida de 28 milhões de euros (4525 por habitante, a acrescer aos cerca de 13.000 que cada português deve em nome da República).
Em 2008, o município, liderado por um socialista, excedeu em dois milhões os limites de endividamento fixados na lei, e, em 2009, ano de eleições autárquicas, triplicou a derrapagem, ultrapassando em mais seis milhões os limites legais de endividamento. Chegou agora a factura: conforme estabelecido, a lei penaliza o seu endividamento além dos limites, cortando-lhe 10% nas transferências do OE. O novo presidente da Câmara queixa-se, e com razão, de “estarem a ser penalizados por decisões tomadas no passado”. E queixa-se, sem razão, de que, se o Governo aplicar a lei, não terá dinheiro para pagar os subsídios de Natal à sua legião de funcionários. E não vê outra solução que não a de cortar no “que não é fundamental: iluminações de Natal, festas, horas extraordinárias e ajudas de custo”. Realmente, pensando que temos mais de 300 municípios e alguns deles na mesma situação do Alandroal, também não vejo outra solução... Só não percebo é por que razão foi preciso esperar até quase ao final do ano para se darem conta... das contas. E, francamente, custa-me a entender como é que, com um funcionário por cada 28 habitantes, ainda é necessário pagar horas extraordinárias, e como é que, com 4525 euros de dívida pesando nas costas de cada munícipe, ainda sobra dinheiro para festas.
Se quer saber como é que chegámos onde chegámos, à iminência da bancarrota, é fácil: o Alandroal é Portugal.
Miguel Sousa Tavares
Expresso, 23.10.2010
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