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À hora aprazada, abriram-se as portas do salão nobre e começaram a surgir na varanda alta, de mármore, os presidentes.
O senhor presidente da comissão comemorativa, os senhores presidentes dos partidos da oposição, o senhor presidente do partido do governo, o senhor presidente da assembleia, o senhor presidente da câmara, o senhor presidente do governo e o senhor presidente da república.
Por trás, em magote, avultavam aqueles que nestas coisas fazem sempre de cenário.
As colunas da fachada suportavam a custo o peso de tantas gravatas, comendas, faixas e medalhas que, ao longo das décadas, fizeram do país o que ele é hoje.
E então começaram os discursos comemorativos.
Um dos oradores explicou piedosamente que “comemorar” significa relembrar em comum mas, como vivemos em democracia, no povo que enchia a praça fronteira, vinte metros mais abaixo, havia quem pensasse que as arengas eram demasiado “cume moratórias”.
No momento mais solene, a banda tocou o hino e a bandeira foi içada.
Sem que nada o permitisse prever, os notáveis da varanda galgaram um degrau invisível e ficaram empoleirados no parapeito de pedra, de mãos dadas, gritando “pula lei e pula grei”. E pularam no vazio, esmagando-se no empedrado.
Foi um gesto supremo de abnegação republicana, que deixou o povo um pouco enjoado e com cara de orquestra que se vê obrigada a tocar sem maestro.
Só muito mais tarde se percebeu que esse acto heróico o tinha finalmente convencido a assumir as suas próprias responsabilidades.
O povo tomou o destino nas suas próprias mãos, e estrangulou-o.
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