Tenho escrito que considero a campanha eleitoral para a Presidência, pelo menos nos moldes em que está a decorrer, não só inútil como eventualmente mistificadora (post do dia 22 de Novembro).
Não quero porém que tal possa ser confundido com a desvalorização da escolha que vai ser feita a 22 de Janeiro (e na eventual segunda volta).
Se considerarmos que o candidato eleito pode vir a ocupar o cargo durante dez anos facilmente concluímos que, durante um período com essa extensão, podem ocorrer crises de magnitude incomum.
A discussão à volta das presidenciais tem sido feita de fait divers como se o Presidente da República nunca pudesse vir a ser confrontado senão com as crises "de opereta" do tipo Guterres ou Santana Lopes. O refrão continua a ser a "magistratura de influência".
Devíamos estar, isso sim, a discutir a capacidade dos candidatos para enfrentar situações de ruptura do "regular funcionamento das instituições" como:
- Boicote activo por parte dos agentes judiciais, "em guerra" com o executivo, que levasse à paralisação duradoura do sistema de justiça.
- Boicote da participação de Portugal em missões armadas no exterior por parte das estruturas representativas dos militares seguida de crise de autoridade, persistente, na cadeia de comando.
- Suspensão generalizada do fornecimento de medicamentos à população como forma de pressão do lobby das farmácias e da indústria farmacêutica seguida de retaliação judicial ineficaz desencadeada pelo governo.
- Surgimento de um movimento de desobediência civil implicando a não declaração de impostos por parte de milhares de cidadãos, com base na injustiça fiscal, secundado por uma parte dos partidos parlamentares.
- Declaração de greve às sessões da Assembleia da República por um número significativo de deputados, em claro desafio ao sistema, como resultado dos "ataques" às suas prerrogativas e à "devassa" das suas vidas privadas pela polícia judiciária.
- Generalização de motins na periferia de Lisboa, nos bairros degradados habitados por imigrantes, que as forças de segurança, desmotivadas, se recusaram a "controlar".
- Suspensão dos fornecimentos dos serviços municipalizados (água, electricidade) como forma de pressão "regional" para "corrigir" as transferências do poder central.
Infelizmente a deterioração da situação económica e orçamental do país tornam estes cenários, e muitos outros ao alcance da imaginação, não só possíveis como quase prováveis.
O Presidente, seja ele quem for e queira ou não queira, pode vir a ser o fiel da balança, a autoridade que se impõe sem recurso das partes ou mesmo a última instância antes do caos.
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