Saturday, August 30, 2008

Obama segundo VPV

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"A escolha unânime de Barack Obama para candidato à Presidência consolou muito a esquerda. A esquerda tem uma teoria segundo a qual o "declínio" da América se deve exclusiva ou principalmente a George Bush e será reversível (ou, pelo menos, sustido) por um governo "progressista" em Washington. É uma estranha teoria em gente que há trinta anos se esforça por limitar o poder da América com o célebre "contra-peso" da "Europa". Mas sucede que a "Europa" está dividida, fraca e sem destino e que a esquerda precisa de uma América segura e colaborante para recuperar alguma influência no mundo. E foi assim que Obama se acabou por tornar num inesperado salvador. Com a França entregue a Sarkosy, a Alemanha a Merkel e a Inglaterra a Brown, não existia outro.
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O segundo mal-entendido da esquerda sobre Obama é o de que ele vai infalivelmente restabelecer a "imagem" e papel predominante da América. Tudo indica que não vai. Como Clinton, Obama tenderá para o isolacionismo, porque a única maneira de consolidar a sua presidência é a reforma interna. A mudança de que ele tanto falou é a mudança da desigualdade de Bush para novas formas de igualdade. O decréscimo do rendimento da classe média e da baixa classe média, a incerteza e o caos do mercado de habitação, a "deslocalização", o desemprego, os 47 milhões de americanos sem seguro de saúde e, principalmente, uma fiscalidade iníqua passarão à frente de qualquer compromisso internacional suprimível ou adiável. Obama tentará reduzir ao mínimo a presença americana no Afeganistão e no Iraque e negociar um "saída" aceitável. E, quanto ao resto, tratará do que interessa à América (a China, a Rússia, a Índia). A "Europa" pesa pouco."

Vasco Pulido Valente, Público, 30.08.2008

Ainda não encontrei nenhuma resposta de esquerda a este "ataque" de VPV.
Confesso o meu receio de que isso se deva a uma grande dose de verdade naquilo que ele diz embora também exista à esquerda uma visão mais céptica.
Tenho a sensação de que a eventual eleição de Obama o irá colocar no centro de um furacão económico e geo-estratégico sem precedentes. Tal como já aconteceu no passado com os democratas podemos vir a ter a surpresa de ver Obama fazer algumas coisas a que nem Bush se atreveu.

Democracia no avião

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O caso do avião Airbus A330 da companhia aérea de baixo custo Orbest, retido em Cancun por avaria, parece estar a estabelecer um novo padrão nas viagens aéreas; descolagem de aviões com problemas a pedido dos passageiros depois de plenário com voto por braço no ar. Oiça AQUI o relato de um passageiro.


Mais um sinal do enlouquecimento do mundo.

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Só mesmo na China

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PEQUIM (AFP) — Um empresário chinês que já foi considerado o homem mais rico de seu país foi condenado a mais de 10 anos de prisão por desmatamento ilegal, informou nesta sexta-feira a imprensa oficial de Pequim.

Luo Zhongfu, de 57 anos e presidente da corretora imobiliária Fuhai Fuyingshi New Materials Technology Development Co, foi declarado culpado por ter ordenado o desmatamento, em 2006, de toda uma floresta para construir um complexo turístico de 1.200 residêncisa no valor de 47 milhões de dólares, informou o Diário da Juventude de Pequim.

Um tribunal da cidade de Qingzhen, na província de Guizhu (sudoeste), também aplicou uma multa de 7.300 dólares por desmatamento, uso ilegal de terrenos agrícolas e tentativa de influenciar testemunhas.

A esposa de Luo, Yang Xiurong, que é política em Guizhu, também foi condenada a dois anos de prisão por uso ilegal de terenos e tentativa de influenciar testemunhas.

Luo foi considerado o homem mais rico da China em 1994 e 1995 pela revista americana Forbes.

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Esta só mesmo na China. Quase não dá para acreditar.

Friday, August 29, 2008

Desdramatizar não resolve

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A excelente jornalista Fernanda Câncio, publicou no DN de 29.08.2008, um texto intitulado "ESTADO DE HISTERIA" em que recorre à estatística para tentar desdramatizar a sucessão de assaltos noticiados ultimamente.
Penso que Fernanda Câncio passa ao lado do essencial. Comparar as nossas percentagens com as de outros países e falar da criminalidade em abstracto não resolve o problema dos cidadãos que se sentem inseguros. O mal dos outros não resolve o nosso.
Os crimes não têm todos os mesmos efeitos sobre o cidadão comum e por isso as estatísticas podem ser enganadoras já que frequentemente misturam crimes de tipos muito diferentes. Os assaltos profissionais a carrinhas de bancos, ou as guerras entre gangs, ou os crimes passionais, são coisas que o cidadão não vê como uma ameaça para si próprio embora deplore tais violências.
Mas ter medo de entrar no seu banco, ou na sua farmácia, ou que entrem na sua casa enquanto dorme, ou que o ataquem enquanto estaciona o automóvel, isso são coisas que causam uma profunda perturbação.
Os assaltantes incompetentes e "espontâneos" são aqueles que mais medo provocam pois as suas acções são imprevisíveis e incompreensíveis na maior parte dos casos. Podem levar às mais caóticas situações de violência, daquelas em que o cidadão não tem forma de se precaver por mais que queira.
O que eu acho mais inadmissível, com base nas descrições dos assaltos recentes, é que parece ter-se criado um tal sentimento de impunidade que qualquer pateta decide, de um momento para o outro, pegar numa arma e assaltar um banco.
Este texto da Fernanda Câncio, certamente contra a sua vontade, transmite um certo menosprezo pelo sentimento de insegurança dos cidadãos, sentimento esse que é legítimo, justificado e um dado de facto incontornável. Este menosprezo parece aliás, paradoxalmente, ser uma pecha de toda a esquerda.
Outros, com intuitos menos recomendáveis, poderão assim capitalizar oportunamente o descontentamento e o medo.
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P.S. (às 18:15)
Tenho que reconhecer que errei quando atribuí a toda a esquerda uma atitude de minimização da criminalidade. No Público de hoje:

"Creio que Sócrates já devia ter falado", disse Jerónimo de Sousa. O dirigente falava aos jornalistas na Quinta da Atalaia, no Seixal, onde esta manhã se encontrava para participar na montagem das estruturas do recinto da Festa do Avante!, que se realiza no próximo fim-de-semana."Sócrates não devia fazer um 'mea culpa', nem sequer se exige isto. Deve compreender a gravidade da situação e apresentar ao povo português as medidas que visem aumentar a segurança dos cidadãos", acrescentou. Para o líder comunista, o governo tem contribuído para incutir nos portugueses a ideia de que aumentar a segurança é sinónimo de restringir a liberdade. "Não acreditamos que nenhuma limitação da liberdade dê mais segurança aos cidadãos. Creio que nesse sentido Sócrates tem a responsabilidade de vir combater essa tese", disse.
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P.S. (31.08.2008) - Descobri que também Teixeira Lopes do BE se preocupa com a atitude da esquerda quanto à criminalidade no Esquerda.net
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Thursday, August 28, 2008

Quem assume a responsabilidade ?

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O ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, reconheceu que os dados do primeiro semestre do ano relativos aos crimes cometidos no país apontam para "algum aumento da criminalidade violenta". Sublinhando que se tratam de "situações que não devem ser minimizadas", o membro do Governo garantiu que vão ser adoptadas "as medidas necessárias" para responder e evitar estes casos.
"Os dados apontam para algum aumento da criminalidade violenta e grave no primeiro semestre", quando comparado com os primeiros seis meses de 2007, admitiu o ministro da Presidência, reconhecendo que são "situações que não devem ser minimizadas".
Público, 28.08.2008


Eu diria que agora "até um cego vê" o aumento da criminalidade violenta.
Agora que parecemos caminhar para uma situação sem retorno, em que a violência concretizada (não a potencial) vai ter que ser violentamente reprimida, cabe perguntar: quem explica como foi possível esta transformação do nosso país ? quem assume a responsabilidade ?
Durante anos minimizou-se os sinais, desculpabilizou-se com pretextos étnicos e sociais inaceitáveis, tolerou-se todo o tipo de indisciplinas e pactuou-se com os mais óbvios atropelos.
Autoridades e "fazedores de opinião" bem-pensantes inviabilizaram, cada um à sua maneira, as actuações preventivas e cautelares, a montante do momento dos crimes, durante anos. Por desleixo ou preconceito alguns continuam mesmo a fazê-lo. Mesmo perante o alarme dos factos.
Volto a perguntar: não há por aí ninguém que assuma a responsabilidade pelas vítimas, inocentes ou não, que vamos ter durante os próximos anos ?
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O Amolador


FR, Lisboa 27.08.2008


O som da gaita de beiços não enganava: fui à janela e lá em baixo, conduzindo pela mão a sua “bicicleta” cheia de ferramentas e chapéus de chuva, lá estava ele, o amolador.
Corri a buscar uma faca e fui ter com ele. O homem pôs o seu avental de couro, subiu para a bicicleta e começou a pedalar, fazendo girar a roda de afiar onde ia com movimentos estratégicos, encostando o gume da faca.
Fiquei fascinada a olhar, a ver as pequenas chispas que saltavam.
E lembrava-me: o amolador vinha com a sua musica/pregão que, segundo se dizia anunciava as chuvas, e as vizinhas traziam as facas e tesouras para amolar, as panelas de alumínio para pôr “pingos” nos buracos, os tachos de barro estalados para consertar com “gatos”, e os chapéus de chuva para qualquer vareta nova.
Por 4 euros, durante uns minutos, eu tinha outra vez 10 anos.


P. S. Quanto à “lenda” de os amoladores anunciarem o regresso das chuvas, eu não sei nada, mas as previsões meteorológicas anunciam chuva para hoje a partir do fim da tarde...


(da nossa "enviada especial à praceta", Maria Rosa Redondo)



(um amolador em 1900)

Wednesday, August 27, 2008

Vocês sabem do que estou a falar

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Saíu o tão aguardado livro de Octávio Machado cujo título é uma das fórmulas mais vernáculas do português.

Um título que é toda uma forma de estar na vida.

O êxito inevitável desta obra provocou uma autêntica corrida à editora que promete "sequelas" durante os próximos meses.

Aqui ficam alguns dos candidatos:

- "Vocês sabem como estou a disfarçar" de António Costa

- "Vocês sabem como estou a investigar" de Pinto Monteiro

- "Vocês sabem como estou a governar" de José Sócrates

- "Vocês sabem como estou a hesitar" de Manuel Ferreira Leite

- "Vocês sabem como estou a desconversar" de Cavaco Silva

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União de facto

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Meu querido mês de Agosto

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O filme de Miguel Gomes é um portento. A não perder de preferência antes de o mês acabar. Uma espécie de "Liga dos últimos" musical, dedicado aos pequenos conjuntos das aldeias, para as cidades verem como é o mundo impensável do pinhal interior quando os emigrantes voltam em busca de um mítico passado. Um país que nunca leu o "Arrastão" ou o "5DIAS" por incrível que pareça.

A realidade suculenta dos enchidos e das casas de granito vai-se dissolvendo no corrosivo ideário pimba, e na sua moral, e converte-se em (im)pura ficção. Os autores do filme aparecem nas últimas sequências, aturdidos, titubeantes, como se o filme lhes tivesse pregado uma partida.

"Aquele Querido Mês de Agosto" foi filmado durante os verões de 2006 e 2007, em concelhos da região centro: Arganil, Góis, Pampilhosa da Serra, Oliveira do Hospital e Tábua.
O filme conta no seu elenco com os actores não profissionais e naturais dos locais onde se desenrola a acção: Sónia Bandeira, Fábio Oliveira, Andreia Santos, Armando Nunes, Manuel Soares.
Conta ainda com a participação especial de Luís Marante, o mítico cantor e compositor romântico do Agrupamento Musical Diapasão.

Mais abaixo pode ouvir o tema que inspirou o título do filme, cantado por Dino Meira.

Charlemagne

O início da Liga Sagres foi tão bom, tão repleto de momentos memoráveis, que nem os mais entusiásticos entusiastas dos Jogos Olímpicos (cujo acompanhamento me parece requerer uma devoção sobre-humana) terão tido tempo para sentir a ressaca emocional.
Começando pelo fim, é de saudar o regresso do Domingo Desportivo, agora apresentado pelo Carlos Daniel. A última edição do Domingo Desportivo de que tinha memória fora apresentada pelo Ribeiro Cristóvão, pelo que a diferença de qualidade é estarrecedora. O facto de Carlos Daniel representar uma melhoria significativa sobre qualquer outro português - vivo ou morto - que o tenha precedido em qualquer cargo pode ser hoje elevado com segurança à categoria de dogma.
O novo Domingo Desportivo tem três lugares para comentadores: dois permanentes e um rotativo. Num mundo ideal, Carlos Daniel ocuparia os três. Num mundo ideal, Carlos Daniel apresentaria, comentaria, faria as reportagens, desenharia os cenários, e governaria o país. Mas, como Rui Santos escreveu esta semana no Record, estamos condenados a viver na imperfeição imperfeita deste mundo apenas aparentemente perfeito, e temos de nos resignar às presenças de João Vieira Pinto (campeão em título do mergulho semântico) e Luís Freitas Lobo (ainda imbatível no arremesso do facto). Não tenho nada contra Luís Freitas Lobo. É difícil ter algum problema substancial com alguém que sabe mais sobre um avançado da Naval chamado Michel Simplício (ex-Esporte de Pelotas) do que eu sei sobre mim próprio. Aliás, Luís Freitas Lobo, algures no seu arquivo Borgesiano, deve ter uma ficha com o meu perfil, currículo e estatísticas completas. Luís Freitas Lobo existe neste mundo como argumento teológico: prova irrefutável de que a omnisciência é possível e está ao alcance de todos; mas dá imenso trabalho, e oblitera quaisquer outras virtudes.
Quanto ao futebol propriamente dito, os três grandes começaram exactamente como se esperava. É agora aparente para todos que Hulk representa um problema gravíssimo para a competitividade do campeonato. O golo foi fabuloso, mas a sua maior proeza foi a lesão que infligiu a Mariano González. Desta vez acertou no jogador errado, mas, com o acompanhamento técnico de Jesualdo Ferreira, será apenas uma questão de tempo até começar a contribuir activamente para a formação da lista de convocados, e para a resolução de eventuais problemas disciplinares. É provável que, nas próximas semanas, Guarín, Stepanov e o intrasferível Quaresma sejam discretamente convidados a formar barreira num treino.
Em Alvalade, o acidente geomorfológico conhecido como Rochemback continua a implementar a sua abordagem geológica à prática futebolística. As coisas acontecem lentamente no meio-campo do Sporting. Processos de erosão não observáveis a olho nu provocam o súbito colapso das defesas adversárias. Colisões entre placas litosféricas provocam compressões extremas, resultando na elevação de talentos tão improváveis como Djaló ou Izmailov. Se um jogo de futebol durasse dez milhões de anos, Rochemback seria melhor do que Platini. Em virtude deste inultrapassável obstáculo cronológico, o mais a que pode almejar é ser melhor do que a equipa à sua volta, tarefa na qual não terá grandes dificuldades.
Não vi o jogo de Vila do Conde, mas tanto a Rádio Renascença como o jornal Record elegeram Nuno Gomes como o melhor jogador em campo, um dado que dissipou aquele calorzinho de preocupação que as pré-temporadas do Benfica conseguem sempre - contra o mais elementar bom senso - fazer chegar às minhas axilas. Pablo Aimar, que meteu os papéis para a reforma antecipada em 2005, continua a sua tranquila transição administrativa: de substituto de Rui Costa a substituto de Caniggia em menos de doze jornadas. Suspeito que, no jogo contra o Porto, assim que Hulk se preparar para marcar um livre directo, Pablo Aimar será discretamente convidado a formar barreira sozinho.

Tuesday, August 26, 2008

Ascensão e Queda dos Impérios

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Diego Velázquez, La rendición de Breda (1635)
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Quando leio as reacções ocidentais ao que Dmitri Medvedev, Presidente da Rússia, disse:
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“O Ocidente deve compreender as razões que levaram Moscovo a reconhecer a independência da Abkházia e Ossétia do Sul”, acrescentou.“Nesta situação, tudo depende da posição dos nossos parceiros no campo internacional. Se eles quiserem conservar boas relações com a Rússia, eles compreenderão a nossa decisão e a situação será calma”, “Se eles optarem pelo cenário do confronto, então que fazer? Já vivemos em condições diversas, viveremos também nessa” .
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não posso deixar de comparar a actual situação do "Império Americano" com o Império dos Habsburgo no Século XVII.
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Os espanhóis, como potência hegemónica da época, foram espalhando as suas forças por mútiplas guerras "religiosas" enquanto a sua base económica, as remessas de metais preciosos da América, não cessava de se reduzir. Os americanos têm tropas espalhadas pelo mundo, em vários conflitos "regionais", ao mesmo tempo que a sua economia é desafiada globalmente e o seu défice externo atinge níveis gigantescos. São as poupanças do mundo que estão a financiar os consumidores norte-americanos .
O Império dos Habsburgo foi perdendo posições ao longo do século XVII (nomeadamente: Portugal em 1640, Holanda em 1648, Rossilhão e Artois para a França em 1659, etc) . A paz de Utrech, em 1713, significou o fim do Império Espanhol na Europa. A Espanha só no Século XX voltou a ser uma potência.
Os americanos são desafiados na América do Sul, no Médio Oriente, no Norte do sub-continente indiano, nos Balcãs e agora também no Cáucaso. Amanhã será a Ucrânia ?
Começo a duvidar da capacidade económica e militar dos Estados Unidos, e dos seus aliados, para assegurar tantas frentes.
O que aconteceria se um dia, a juntar a tudo isto, o laborioso e mercantil "Império Chinês" resolvesse obter, militarmente, o exclusivo das principais matérias primas ?
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Pergunto-me se os EUA vão ser a Espanha do Século XXI. Essa era,de alguma forma, a tese de Paul Kennedy no seu famoso "The Rise and Fall of the Great Powers".

Monday, August 25, 2008

A outra discussão: os “sacrilégios” da China

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Os Jogos de Pequim terminaram e, apesar dos maus augúrios, não houve nenhuma hecatombe a não ser a do bom-senso de uma certa blogoesfera e de certos jornalistas.

Comparou-se os Jogos de Pequim aos de Berlim, com Hitler em fundo, e publicou-se imagens propagandisticas contra a China tão desadequadas e tão violentas que a própria Amnistia Internacional teve que as desautorizar.
Nem a óbvia evolução positiva que qualquer pessoa detecta na complexa sociedade chinesa nem o facto de a generalidade dos chineses se mostrarem orgulhosos com a realização dos Jogos conseguiu demover os novos cruzados de os tentar salvar da opressão mesmo utilizando os pretextos mais– literalmente- infantis.

Sou levado a interrogar-me sobre as razões por que um número considerável de pessoas, que noutras circunstâncias procedem com equilibrio e racionalidade, consideram a realidade chinesa tão insuportável que rejeitam ou apoucam aquilo que se mete pelos olhos dentro, que os JO foram uma realização notável.

Sem subestimar a questão dos “direitos humanos” na China parece-me que concentrar as atenções nisso, quando a nova realidade social e económica da China é tão anormal e tem consequências potenciais tão grandes a nível planetário, não pode deixar de me soar a escapismo. Foi por este caminho, por pensar que deve haver uma explicação para este absurdo, que cheguei aos “sacrilégios” cometidos pela China.

Como se sabe a morte de Mao em 1976 abriu caminho, sob a influência de Deng Xiaoping, a uma série de transformações gigantescas cujos resultados estão hoje patentes ao mundo:

1. O Partido Comunista da China abandonou uma das mais marcantes bandeiras da esquerda, a comparação entre pobres e ricos e a rejeição das desigualdades económicas como um mal em si mesmo, com o qual não é possível conviver pacificamente. O PCC assumiu sem rebuço que não se importava com o enriquecimento de alguns desde que muitos melhorassem a sua condição económica e qualidade de vida.
Resolveu tornar a China um verdadeiro e apetecível mercado, começando com o engodo de vender mão-de-obra barata quer embutida em produtos exportáveis quer através da exploração no próprio país por empresários estrangeiros.
À medida que milhões e milhões de chineses iam acedendo a salários, ainda que muito baixos, o apetite das empresas estrangeiras por esse novo mercado foi crescendo e levando à implantação de mais e mais produção no país que se converteu na “fábrica do mundo”.
Qualquer pessoa percebe hoje, e pode constatar por notícias constantes, que esse mecanismo a partir de certo ponto se autoalimenta e está em vias de criar uma “classe consumidora” que não tem paralelo no mundo.

2. É absolutamente extraordinário que o PCC, um partido tão marcado pela sua ideologia e pela sua história revolucionária, tenha conseguido esta proeza do pragmatismo. Podemos tentar imaginar as discussões no círculo íntimo de Deng Xiaoping acerca das experiências anteriores do regime que sempre se tinham mostrado incapazes de tirar o povo chinês da extrema penúria.

Um dia esses dirigentes do PCC concluiram, com uma coragem notável, que não sabiam como liderar mais de mil milhões de pessoas no caminho do progresso, usando o quadro ideológico que sempre os norteara. Este momento dramático é insuportável para a esquerda porque representa o reconhecimento da sua incapacidade, ainda não ultrapassada, de conceber um novo modo de produção praticável.

É ainda mais dramático pelo facto de a China ter sido, provavelmente, o cenário onde uma “nova economia” teria mais “condições subjectivas” para se realizar: um país imenso, com centenas de milhões que não tinham nada para perder, com hábitos de disciplina e frugalidade, com tradições de poder central forte, com fraca probabilidade de interferências ideológicas externas dadas as diferenças culturais e de idioma, etc, etc.

3. A China, irritantemente, não se projecta no mundo através de qualquer proselitismo ou, sequer, da força militar. Ao propagar o seu poder meramente no plano económico e dos negócios neutraliza qualquer abordagem contestatária no plano tradicional da ideologia.

A política internacional chinesa parece obedecer ao mesmo infatigável pragmatismo declarando-se incompetente para classificar os comportamentos dos seus parceiros comerciais quaisquer que eles sejam.

Há por isso uma enorme confusão acerca do carácter de esquerda ou de direita do regime chinês o que é sobremaneira desconfortável para a esquerda que cultiva melhor do que ninguém esse tipo de clivagens.


4. Aquilo que os dirigentes chineses propõem ao seu povo não é uma qualquer forma de privação actual em nome de um futuro radioso como acontecia nas experiências históricas do “socialismo real”. Pelo contrário, o PCC obtem o seu crescente apoio popular demostrando que está a tentar viabilizar, agora, padrões de consumo e de qualidade de vida elevados para o maior número possível de chineses. Os apelos de sereia que as televisões da Alemanha, com os seus BMW, exerciam sobre os cidadãos da RDA e os seus Trabant não funcionam na China.

É como se os chineses tivessem feito da maior arma dos seus adversários a sua principal alavanca para o progresso e a sustentação do regime.

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Tudo isto é bastante perturbante e de resultados imprevisíveis mas é a esta luz que a questão das liberdades políticas na China tem que ser analisada. Se o exercício político tem por objectivo supremo alcançar um “bom governo”, que leve à prática o “interesse público”, talvez muitos chineses, pela experiência vivida, pensem que esse objectivo já foi alcançado.
Claro que a nós, ocidentais, nos sensibiliza também o lado do respeito pelo indivíduo mas ainda estou para saber se os chineses têm um conceito de indivíduo similar ao nosso.

Em democracia as eleições parecem-se cada vez mais com os mercados e, inversamente, as escolhas do consumo perante a variedade dos produtos nos mercados parecem-se cada vez mais com as votações políticas.

Para já a centenas de milhões de chineses está a ser dada, pelo Partido Comunista, a liberdade de escolha das mercadorias que as suas necessidades, ou fantasias, lhes pedem.
Pode parecer pouca liberdade a quem sempre a teve mas aos chineses, que nunca a tiveram, pode bastar-lhes ainda durante algum tempo.

Depois veremos...

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Sunday, August 24, 2008

A URSS ganharia os Jogos de Pequim ?

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Como está na moda a "história virtual" somei, por curiosidade, as medalhas conquistadas em Pequim pelos países que, até há poucos anos, constituíam a URSS - Ucrânia, Bielorússia, Geórgia, Casaquistão, Azerbeijão, Uzbequistão, Letónia, Estónia, Lituânia, Quirguízia, Tadjiquistão e Arménia.
No conjunto arrecadaram um total de 158 medalhas das quais 43 de ouro. Se considerarmos que a China e os Estados Unidos obtiveram respectivamente 100 e 110 das quais 51 e 36 de ouro é legítimo perguntar: se a URSS ainda existisse teria ganho os Jogos de Pequim ?
A URSS, enquanto existiu, nunca obteve um tão grande número total de medalhas excepto em Moscovo (195, 80) devido à ausência, por boicote, de inúmeros países.
O número de medalhas da URSS ao longo do século XX foi:
Helsinquia 1952 (71, 22) - segundo classificado a seguir a EUA
Melbourne 1956 (98, 37) - primeiro classificado
Roma 1960 (103, 43) - primeiro classificado
Tóquio 1964 (96, 30) - segundo classificado a seguir a EUA
Cidade do México 1968 (91, 29) - segundo classificado a seguir a EUA
Munique 1972 (99, 50) - primeiro classificado
Montreal 1976 (125, 49) - primeiro classificado
Moscovo 1980 (195, 80) - primeiro classificado
Los Angeles 1984 (não participou)
Seoul 1988 (132, 55) - primeiro classificado seguido da RDA (!!) e depois EUA
Como se pode constatar os resultados da URSS em Montreal e Seoul foram muito mais expressivos do que os resultados da China em Pequim 2008.
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Olimpismo à portuguesa

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Governo em guerra com Comité Olímpico

COP pediu mais dois milhões para Londres 2012, mas o Governo quer saber onde se gasta o dinheiro e verificar tudo à lupa - Secretário de Estado do Desporto lamenta palavras de Vicente Moura - Mal-estar abre porta a candidatura de Rosa Mota

(títulos do Expresso em 23.08.2008)

Quem não tivesse ainda percebido toda a agitação à volta dos "maus resultados" olímpicos da equipa portuguesa fica assim esclarecido. Começa a haver muito dinheiro em jogo e a direcção do COP vai ser tratada como a administração de uma qualquer empresa pública, com as mesmas ganâncias, amiguismos e jogos de bastidores.
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Saturday, August 23, 2008

Comments Off

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Mais um blogue, "A Terceira Noite", fechou ao público as suas caixas de comentários. Junta-se a outros como "Esquerda.net", "Causa Nossa" ou "Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos".
É uma moda intolerante que, na sua forma moderada, se limita a sujeitar os comentários à aprovação do dono do blogue. Tenho dificuldade em perceber como podem estas práticas conviver, nas mesmas pessoas, com a defesa do direito de resposta ou a recusa da censura prévia, ressalvando embora as proporções.
Blogues que constantemente se batem pela abertura e diversidade parecem incapazes de lidar com o "contraditório". Penso que isto radica numa perversão em curso na blogoesfera em que a discordância quanto às opiniões deu lugar à repugnância pelos interlocutores. Um processo surpreendentemente parecido com o das caricaturas de Maomé.

A certo ponto ocorreu-me retaliar deixando de ler os blogues que não permitem comentários mas não vou fazê-lo pois isso seria uma outra forma de intolerância.

O budismo, a compaixão e a "democracia" estão na moda

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O Dalai Lama e a primeira-dama francesa, Carla Bruni, estiveram ontem juntos na inauguração do templo budista de Lérab Ling, em Roqueronde, no Sul de França. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, disse ao líder espiritual tibetano que "é sempre bem-vindo em França", enquanto o Dalai Lama insistiu na importância da compaixão. Mas disse a Kouchner que "só há uma solução para que a China ganhe o respeito da comunidade internacional: o caminho para a democracia". Entretanto, o secretariado do líder espiritual tibetano emitiu um comunicado em que nega que o Dalai Lama tenha referido o número de 140 mortos na região tibetana de Kham, na sequência de disparos do Exército chinês, como tinha sido noticiado pelo Le Monde. No comunicado é dito que o Dalai Lama "não mencionou um número de vítimas" e disse "ter ouvido essas notícias sem as poder confirmar". Citado pelo Le Monde, o líder espiritual tibetano adiantou, no entanto, que "desde os confrontos de Março, testemunhas fiáveis estimam que 400 pessoas foram mortas em Lhasa". As autoridades chinesas, citadas pela AFP, negaram que tivesse havido disparos sobre uma manifestação na província de Sichuan, na segunda-feira. Público 23.08.2008

Friday, August 22, 2008

Turismo científico

Vou ali a Veli Losinj. Na volta passo pela Itália. Volto em Setembro.

Cem anos de Henri Cartier-Bresson


Sem palavras. So a imagem.

A defesa das Verdades por meios violentos

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O quadro é "O Tempo salvando a Verdade da Falsidade e da Inveja". Completado em 1737, por François Lemoyne, na véspera de se suicidar.
Na época ninguém perguntou se o Tempo, apesar de lutar por uma boa causa, teria eventualmente usado de violência excessiva como hoje costuma fazer-se com a GNR.

Note-se que François se suicidou quando nem sequer havia blogoesfera. Quem lhe havia de dizer que, passados 300 anos, as Verdades são aos milhares e quase todas defendidas com igual violência.

Thursday, August 21, 2008

Parabéns ao SLB!

Não sou capaz de seguir os Jogos Olímpicos em termos de nacionalidade, pelo que considero ridículas as discussões como a da nacionalidade de Francis Obikwelu. Querer ganhar mais medalhas nos Jogos Olímpicos que outros países é típico de ditaduras e países imperialistas. Os Jogos Olímpicos valem sobretudo pelos atletas. Da mesma forma, não sou capaz de me referir à selecção nacional de futebol, ou mesmo à minha equipa, no plural. Nunca digo “ganhámos”: digo “eles ganharam”. Fazer aproveitamentos políticos, à esquerda ou à direita, de resultados desportivos irrita-me.
Consistentemente com o que escrevi há quatro anos atrás, eu, sportinguista empedernido, tenho que dar os parabéns ao Benfica. Faz muito mais sentido ver os triunfos de atletas do Benfica como do Benfica do que de Portugal. Parabéns ao Benfica, mas acima de tudo parabéns à Vanessa Fernandes e, sobretudo, ao Nelson Évora. E a quem vê o número de medalhas nos Jogos Olímpicos como o índice de desenvolvimento de um país eu sugiro: e se se preocupassem mais com as medalhas nas Olimpíadas de Matemática ou Física?

PEPS Independência

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Saakashvili inaugurando o engarrafamento da Pepsi na Geórgia

O conflito no Kaoscaso é muito perturbante e confuso, a minha primeira sensação é que alguns dos países/regiões deviam antes de mais nada mudar de nome (como é que alguém se pode chamar Ossétia ou Abcásia e querer ser levado a sério ?). Num plano mais profundo, a propósito deste conflito Pacheco Pereira produziu um interessante texto denominado "A emergência de novas potências", onde explica bem a progressiva impotência da Europa e dos EUA perante a China e a Rússia.

Eu vou limitar-me a um desabafo. Acho muito chocante a qualidade excelente do inglês/americano falado pelo sr. Saakashvili. Não, não é por patriotismo nem solidariedade para com o inglês de Sócrates. É por uma questão de higiene. Acho que não devia revelar de forma tão grosseira a sua tutela. Assim ninguém vai acreditar que ele luta pela autonomia do seu povo.

Como se tal não bastasse o homem usa camisas coloridas de muito mau gosto.

Wednesday, August 20, 2008

Um verdadeiro artista

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07 Agosto 2008 - Assalto em curso numa dependência do BES em Lisboa
11 Agosto 2008 - Loures: Criança de onze anos morta por GNR durante assalto
14 Agosto 2008 - Detidos sete suspeitos de tráfico de droga e posse de armas ilegais em Coimbra
16 Agosto 2008 - Ermesinde: grupo armado tentou assaltar ourives que se deslocava para feira
17 Agosto 2008 - Um morto e quatro feridos num tiroteio no concelho de Loures
18 Agosto 2008 - PJ detém homem suspeito de ter morto GNR aposentado
19 Agosto 2008 - Autarca de Loures preocupado com quantidade de armas existentes no concelho
20 Agosto 2008 - Bomba de gasolina assaltada no Laranjeiro
20 Agosto 2008 - Carrinha de valores foi assaltada na A2 e aberta com explosivos
20 Agosto 2008 - Setúbal: morreu proprietário de ourivesaria assaltada esta tarde
21 Agosto 2008 - Quatro indivíduos assaltaram bomba de gasolina na Auto-Estrada de Cascais

Esta não é a Ana Sá Lopes

Ainda o assalto à agência de Campolide do BES. Numa crónica no suplemento Gente do DN de sábado, Ana Sá Lopes insurge-se contra quase toda a opinião publicada na imprensa e na blogosfera, que apoia incondicionalmente a suposta arbitrariedade da polícia, sendo que praticamente a única excepção viria da parte de João Miranda, no DN e no blogue Blasfémias. "Esta não é a minha polícia", afirma a jornalista, indignada, e pede ao ministro da Administração Interna que diga ou faça alguma coisa "de esquerda".
Ninguém deveria ter ficado feliz com a morte do sequestrador. É verdade que muitos comentadores parecem ter ficado, mas tal não resulta de se aceitar a acção da polícia neste caso. Eu e muitas outras pessoas apoiámo-la como mais um entre tantos males que infelizmente por vezes são necessários, mas sinceramente lamento a morte (e como eu, tenho a certeza, muita gente).
Dito isto, creio que há um equívoco da parte de Ana Sá Lopes relativamente à posição de João Miranda. Não vi João Miranda lamentar nenhuma morte. Conforme já aqui escrevi há uns dias atrás, o que incomoda João Miranda em todo este processo não é a morte do sequestrador em si, mas o facto de esta ter sido perpetrada pelo Estado (neste caso, representado pelo agente da polícia). Permitisse a legislação o livre porte de armas, resultasse a morte do sequestrador, nas mesmas circunstâncias, da acção de um segurança privado do banco ou de qualquer outro civil armado (mas nunca de um agente do Estado) e tudo estaria bem para João Miranda. Até poderia ser não só um mas vários sequestradores a morrerem. É esta a forma de pensar da direita libertária.
Embora não concorde, posso respeitar a opinião de quem acha que a polícia não deveria ter aberto fogo, dependendo dos argumentos apresentados (gostaria era de saber qual seria a sua opinião se estas pessoas fossem os reféns). Agora, pedir ao ministro que "faça alguma coisa de esquerda" e, no mesmo texto, invocar a direita libertária, como faz Ana Sá Lopes, é que me custa a perceber. Parece-me que se é assim, como diria outro Lopes, está mesmo tudo doido...
Com os seus cronistas supostamente de esquerda a invocarem desta forma a mais direitista das direitas, quem se fica a rir é o director João Marcelino.

Calma é que é preciso

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Andam agitados os espíritos por causa das medalhas olímpicas que não vêm.
Há dias descobri que há casos muito mais graves do que o nosso. A Índia, com os seus mil milhões de habitantes conseguiu em Pequim, até à data, apenas duas medalhas (ouro e bronze).

Não se trata de nenhum ano mau pois, desde 1928 a Índia teve sempre apenas uma medalha nas várias edições dos JO, com excepção do glorioso ano de 1958 em que conseguiu duas.

Das 15 medalhas obtidas entre 1928 e 2004, 11 foram ganhas no hóquei em campo.

E eu pergunto: acham que os indianos se ralam com isso ? Então vá...



Tuesday, August 19, 2008

Dia Mundial da Fotografia

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Claro que não podia deixar de referir o Dia Mundial da Fotografia.
Aqui ficam três dos meus mestres preferidos:



Sebastião Salgado - Refugees in the Korem camp Ethiopia, 1984

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Child by Josef Koudelka

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Henri Cartier-Bresson (1908-2004) - Simiane-la-Rotonde, 1970

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O que é uma criança ?


Eu sei que vivemos num país sujeito a intensa "infantilização". É comum ver chamar criança, na TV, a adolescentes bem desenvolvidos. Nós todos, como os filhos se tornam independentes cada vez mais tarde, tratamo-los como crianças pelo menos até aos trinta anos. Talvez por isso campeia a retórica sobre as crianças e sobre a sua proverbial ingenuidade e inocência.

A morte de um jovem de 13 anos em recente perseguição policial, que foi tão comentada na blogosesfera, levanta uma outra ordem de questões. Quando uma "criança" nos aponta uma caçadeira de canos serrados mantém o seu estatuto ? Devemos reagir dizendo "baixa lá isso senão levas tau-tau" ?
O exemplo não é académico. No DN de hoje, entre muitas outras descrições de actividades criminosas, que ocupam cada vez mais espaço nos noticiários, figurava uma notícia sobre o assalto a um supermercado em Vagos:
"Os jovens de 14, 17 e 18 anos invadiram o estabelecimento comercial encapuzados e roubaram cerca de 5OO euros que estavam na caixa registadora do estabelecimento comercial, cuja abertura forçaram a tiro de caçadeira de canos serrados. Apesar da violência demonstrada no assalto, não se registaram feridos."
No caso do jovem baleado pela GNR durante uma fuga em Loures não sabemos se estava a participar no roubo ou se se limitava a fazer companhia aos familiares mas, à luz da notícia referida, não devemos excluir qualquer das hipóteses.

Outra notícia do mesmo jornal, no mesmo dia, ajuda a situar melhor todo o episódio.
O "pai do jovem que foi alvejado", é assim que o DN o identifica, quem era afinal ?
"Sandro Lourenço cumpria uma pena de cinco anos em Alcoentre por roubo em residências. O irmão, José Júlio Lourenço, nunca cumpriu pena, mas tem antecedentes criminais. Sandro já não compareceu na PJ, na manhã de quarta-feira, para prestar declarações nem tão pouco ao velório nem ao funeral do filho, Paulo Salazar, de 13 anos".

Neste ponto apetece transcrever parte do comentário de João Miguel Tavares, no mesmo DN:
"Parece que o assalto ao BES é o novo compêndio político para a distinção entre esquerda e direita em Portugal. Se o leitor está indeciso quanto às suas convicções ideológicas, basta-lhe responder à seguinte pergunta: o que deve ser feito quando um imigrante aponta uma pistola à cabeça de um inocente? A) Um sniper deve imediatamente despachá-lo comum tiro nos miolos. B) Ele deve ser alvo, não de uma espingarda, mas da nossa compreensão, acarinhado pela polícia e pacientemente aconselhado a mudar de vida. Se respondeu A), você é uma pessoa de direita, fria e justiceira. Se respondeu B), então você é uma pessoa de esquerda, sem dúvida amigável, mas um pouco branda. Após passarmos tantas horas com dois brasileiros barricados, as posições ficaram assim, extremadas, e cada um de nós é convidado a escolher o buraco em que se quer enfiar."

Espero que a esquerda não cometa o erro de seguir por este caminho. Se tal vier a acontecer espera-nos mais uma estrondosa derrota.

ADENDA: o Público anunciou que, às 13:30, "Pai do menor morto pela GNR em Loures volta à prisão para ajudar a esclarecer morte do filho"
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Os fatos dos nadadores

Acerca da proeza de Michael Phelps, tem havido muita discussãoa cerca dos fatos dos nadadores e da influência que estes têm no seu desempenho, sendo por isso mais fácil atingir melhores marcas hoje em dia, com os fatos modernos, do que era, por exemplo, no tempo de Mark Spitz.
Para resolver esta polémica, proponho que todas as provas de natação passem a ser disputadas... em pelo. Nadadores e nadadoras como vieram ao mundo.

Monday, August 18, 2008

Serviço Policial Obrigatório



Na última página do Público de hoje Rui Tavares volta, como muitos outros, ao tema das mortes resultantes de intervenções policiais. Fá-lo de forma demagógica pois a polícia não "baleou um rapaz de 13 anos", a polícia baleou um carro que se recusou a obedecer à ordem de parar o que é muito diferente. Rui Tavares também podia ter escrito que a polícia "baleou um cadastrado foragido", na lógica dele esta afirmação também é verdadeira.
Qualquer pessoa compreende que a polícia tem que ser obedecida, a qualquer custo, sob pena de passar a ter um papel meramente decorativo. A partir do momento em que se estabeleça que a polícia não pode forçar, por qualquer meio, a obediência às suas ordens veremos todo o tipo de criminosos fugir impunemente. Nessa altura deixámos de viver num Estado de Direito.
O que está portanto em causa não é o tipo de crime que se suspeitava estar a perseguir mas sim a absoluta necessidade de a polícia se fazer obedecer, se queremos ter polícia.



Quando lemos este trecho do artigo em referência podemos pensar que na base dos seus equívocos se encontra um "excesso de humanismo" mas essa apreciação cai pela base quando constatamos que a vida dos vários polícias baleados nos últimos anos não parece motivar o Rui Tavares.
É caso para pensar que se trata de um atitude classista; há uns tipos que por razões económicas se vão empregar na polícia e, em troca de um mísero salário, devem estar disponíveis para levar uns balázios na defesa dos nossos bólides, das nossas vivendas e dos nossos corpinhos. E, ainda por cima, pede-se-lhes para o fazerem sem incomodar, como quem diz à mulher a dias "Oh Francisca há-de aspirar a sala amanhã de manhã mas não me acorde".
Nunca deve ter ocorrido ao Rui Tavares que é desumano pedir a alguém, em troca de um salário, que passe a vida a lidar com a "escória da sociedade", a correr sérios riscos para depois ouvir os "bem pensantes" pedir que não lhes estraguem a visão romântica em que as "etnias" pertencem aos festivais de música e não aos tiroteios. É chato.



Por razões que me escapam o Rui Tavares pensa que isto é ser de esquerda, que ser de esquerda é isto.
Se assim é então eu vou ser ainda mais de esquerda: como a polícia é constituída por tarados que só lá estão para poder fazer tiro à borla eu proponho uma polícia popular, um "Serviço Policial Obrigatório", na linha do extinto serviço militar obrigatório.
Dissolve-se a PSP, enquanto corpo profissionalizado, e todos os anos se recruta uns milhares de portugueses para desempenhar, de forma humanizada, o serviço policial. O povo é que vai policiar o povo e, espero eu, aprender dessa forma quanto custa fazê-lo.

Só espero que o Rui Tavares esteja na primeira incorporação para podermos ver se ele afinal dispara ou não dispara sobre os carros em fuga.

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"É doce morrer no mar.."


Graças à Maria João Pires, fiquei a par da triste notícia: Dorival Caymmi morreu. A propósito, recordo o texto que escrevi na ocasião dos seus noventa anos. Tem um vídeo (uma interpretação de Maracangalha com a família Jobim) que é uma delícia que vale sempre a pena recordar.

Sunday, August 17, 2008

Ao cuidado de Teixeira dos Santos

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"Quero agradecer aos portugueses, porque toda a gente vê as minhas provas e quero pedir desculpa, porque estão a pagar para eu estar aqui e não consegui chegar à final. É um momento mau, porque esse é o meu trabalho. Queria dar pelo menos a final. Sinto-me na obrigação de pedir desculpas, porque esse é o meu trabalho e pagam-me para fazer isto. Deixei o meu país ficar mal." Público, 17.08.2008

Obikwelo parece ser um dos raros portugueses que tem respeito pelos contribuintes, aqueles cidadãos que penosamente cumprem as suas obrigações fiscais (alguns por não terem outro remédio, é verdade). Proponho ao Ministério da Finanças que contrate o Francis para uma campanha de sensibilização absolutamente necessária.

Quanto aos resultados olímpicos dos portugueses, em geral, estou perante um mistério. Todos dizem que esperavam muito melhor e eu pergunto: tiveram todos azar ou estavam totalmente inconscientes do valor dos adversários que iam encontrar ?

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Começar bem


Quero ver muito essas línguas ao longo da temporada.

Friday, August 15, 2008

Os ricos pagaram a crise ?


Nem os ricos escapam à crise dos mercados. As fortunas portuguesas não são excepção e registaram este ano, pela primeira vez desde 2004, uma queda no valor dos seus activos.A conclusão é da revista Exame, que publica a lista anual dos cem mais ricos de Portugal. A riqueza detida pelos milionários nacionais vale hoje 32 mil milhões de euros, menos 6% do que no ano passado. Entre 2006 e 2007, as grandes fortunas portuguesas cresceram 36%. A crise das bolsas, que se agravou desde o início do ano, também é a principal responsável pelas mudanças verificadas no topo da lista. Américo Amorim ultrapassou Belmiro de Azevedo, que perdeu o primeiro lugar do ranking que ocupava desde 2004, quando a Exame começou a publicar esta lista. As fortunas que se baseiam nas participações accionistas em empresas cotadas na bolsa, como é o caso da Sonae, são as que mais se ressentem da crise.A ascensão de Américo Amorim ao topo baseia-se, em grande medida, no desempenho da Galp, onde detém uma participação de 33,34%, que tem sido das empresas mais poupadas na crise bolsista. Amorim vale hoje 3106 milhões de euros, mais 11,6% que em 2007. O património de Belmiro de Azevedo desvalorizou-se em 42% para 1722 milhões de euros. A evolução das cotações prejudicou igualmente a família Teixeira Duarte, accionista da Cimpor e da construtora. Por famílias, Amorim está também à frente, com activos de 3421 milhões de euros, seguida da Champalimaud, com fortuna avaliada em 1645 milhões de euros.O ranking revela ainda o milionário mais novo, João Nuno Macedo e Silva, de 43 anos, que lidera o grupo RAR (agro-indústria), bem abaixo da média de idades que é de 63,4 anos.
Diário de Notícias, 14.08.2008

Thursday, August 14, 2008

Monopólio

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“Não estamos em 1968, quando a Rússia invadiu a Checoslováquia e sentia que podia ameaçar os seus vizinhos, ocupar uma capital, derrubar um Governo e não sofrer consequências. As coisas mudaram.” Condoleezza Rice, secretária de Estado dos EUA, 13 de Agosto de 2008
Agora ela tem o monopólio.
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Genes

No último número da revista do filho do Paul Johnson, pode ler-se um texto sobre uma tradução da Eneida, que começa assim:
«Translating the Latin of Vergil’s Aeneid into English verse requires first a Trojan war of interpretation, and then an odyssey of re-encryption.»
O autor do texto chama-se Louis Amis, e uma fotografia sua (com seis aninhos) pode ser vista no livro Experience, de Martin Amis (que um dia escreveu, sobre o gajo do Silêncio dos Inocentes: «Harris has become a serial murderer of English sentences, and Hannibal is a necropolis of prose.»)
Kingsley, Martin, e agora Louis. Não faço ideia como é que esta transmissão darwiniana funcionou tão bem, mas o Jordi Cruyff e o Jakob Dylan cada vez têm menos motivos para não se matarem.

Bom Povo Português

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O "bom povo português", que sobrevive há muito com uma justiça disfuncional, está agora na iminência de assistir à desactivação, por desmoralização e desmotivação, das forças policiais.

Isto apesar do recrudescimento brutal do "car jacking" e dos assaltos à mão armada a bancos, tribunais e farmácias. A notícias sobre a criminalidade ocupam cada vez mais espaço nos jornais.

Como se tal não bastasse um pseudo-estudo publicado na imprensa teve o arrojo de insinuar que somos afinal um povo com práticas criminosas generalizadas, como se não houvesse qualquer diferença entre as vítimas e os assaltantes, procurando dessa forma minimizar a gravidade da situação.

Estes aprendizes de feiticeiro estão a brincar com um barril de pólvora.

Apesar de ser patente a impunidade de muitos comportamentos criminosos, irresponsávelmente justificados por alguns, espero que o civismo e o bom-senso dos portugueses consiga evitar a "justiça popular" e o descambar da situação para a violência avulsa e para a perseguição de inocentes.

Espero que o "Inquérito Nacional à Vitimização" anunciado pelo Governo, que ouvirá 8.500 pessoas até Janeiro, mostre o verdadeiro estado de espírito dos portugueses em matéria de segurança. O que se ouve nas ruas e nos transportes é mesmo muito mau.

Wednesday, August 13, 2008

O outro texto do João Miranda

Refiro-me agora ao texto publicado no Blasfémias sobre o assalto à dependência do Banco Espírito Santo em Lisboa. Começo por esclarecer a minha posição: concordo com o procedimento da polícia. Embora lamente sinceramente que tenha sido perdida uma vida, estavam outras vidas, perfeitamente inocentes, em jogo, pelo que creio que a opção não poderia ter sido outra. Dito isto, também não concordo que se equivalham as posições do João Miranda e da maior parte das pessoas que criticam a actuação da polícia neste caso. É que quis-me parecer (mas posso estar errado) que o que mais incomoda o João Miranda é, mais do que a morte em si, o facto de esta ter sido perpetrada por um agente do Estado (polícia, neste caso). Sendo assim, e para esclarecer melhor esta minha dúvida, gostaria de colocar algumas questões ao João Miranda, nomeadamente:
  • Qual é a opinião do João Miranda sobre a pena de morte? O João já escreveu sobre isto, mas não é um juiz um agente do Estado?
  • Qual é a opinião do João Miranda sobre o livre porte de armas?
  • Tomaria o João Miranda a mesma posição sobre a morte caso a mesma operação de resgate (com a mesma morte do assaltante) tivesse sido efectuada por um privado? Digamos que por vigilantes contratados pelo próprio banco e não pelo Estado?
Obrigado pela atenção, e peço desculpa se alguma destas respostas já foi dada nos quase 400 comentários ao referido texto (não me é possível lê-los). Aguardo pelos esclarecimentos, se possível.

Grande texto, João Miranda

Refiro-me a este, publicado no DN de 9 de Agosto. Começa por ser sobre o computador "Magalhães", mas vai muito para além deste assunto. Leiam (também no De Rerum Natura), que vale bem a pena.

Dark Matter

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"A neve caía num dia de Inverno em 1991 quando Lu Gang, um estudante chinês baixo e magro que recentemente concluíra o seu doutoramento em Física de Plasmas, entrou numa sala de aulas da Universidade de Iowa, pegou num revólver Taurus de calibre 38, e matou o professor Christoph Goertz, o seu orientador de tese, Robert A. Smith, membro do júri que avaliara a sua dissertação, e Shan Linhua, um outro estudante chinês de doutoramento, e seu rival.
De seguida, Lu dirigiu-se ao gabinete do coordenador do Departamento de Física e Astronomia, Dwight R. Nicholson, que estivera também no júri da sua tese de doutoramento, e disparou mais três tiros mortais. A seguir, foi até à Ala Jessup e exigiu falar com Anne Cleary, vice-reitora responsável pelos assuntos académicos. Quando ela saiu do seu gabinete, matou-a, e depois atirou na sua assistente de 23 anos. Finalmente, num auditório vazio, Lu encostou a arma contra a cabeça e suicidou-se.
Como teria um jovem, brilhante e trabalhador físico chinês, que aterrara nos Estados Unidos seis anos antes cheio de orgulho e esperança, chegado a um fim tão amargo é o tema de Dark Matter, o filme que se estreou recentemente nos EUA, dirigido pelo realizador Chen Shi-Zheng, ele próprio nascido na China. O actor Liu Ye é o protagonista, inicialmente idealista e ambicioso, depois humilhado e enraivecido (no filme aparece com o nome de Liu Xing); Aidan Quinn é o arrogante orientador da faculdade (fazendo de Christoph Goertz); e Meryl Streep é uma bondosa, se bem que ingénua, benemérita da universidade que recebe estudantes chineses.
Dark Matter pode à primeira vista parecer apenas mais um filme sobre assassínios em série num campus universitário norte-americano, embora com um toque chinês. Quando Liu Xing chega à Universidade de Iowa proveniente de Pequim, proclama com optimismo "a sua sorte por chegar à América, Meiguo, O Belo País. Possamos todos alcançar aqui o nosso sonho! Vou resolver o problema da Matéria Negra, vencer o Prémio Nobel, e casar com uma rapariga americana de olhos azuis!"
Mas gradualmente convence-se de que os professores conspiram para atrasar o seu doutoramento e negar-lhe o legítimo reconhecimento como académico. A sua paranóia aumenta quando o júri recusa aceitar a sua tese até ele refazer alguns dos cálculos, impossibilitando assim que ganhe o prémio da melhor dissertação. No final do filme, o seu profundo sentido de humilhação leva-o a um estado psicótico, e num acesso de raiva mata os professores."
Público, 10.08.2008

Este texto foi extraído de um extenso artigo de Orville Schell: "China, Humilhação e Jogos Olímpicos" (que pode ler aqui). Ele parte da descrição do filme "Dark Matter" para mostrar como são complexas as relações entre "o Ocidente" e a China, o que vem mesmo a propósito neste tempo em que qualquer um se sente habilitado a julgar e aconselhar o imenso e antiquíssimo país oriental. Diz Orville Schell:

"Quando se trata de aceitar críticas estrangeiras em relação a assuntos como os Jogos Olímpicos, Tibete, Darfur e Birmânia, os dirigentes chineses mostram-se invariavelmente impenetráveis. As suas reacções defensivas sugerem que as suas memórias de histórica fraqueza e humilhação ainda ardem com intensidade. E se críticas justas não devem ser caladas só porque os líderes chineses as consideram desagradáveis, também devíamos, enquanto estrangeiros em contacto com a China, ter mais em mente que muita da matéria negra gerada pela história ainda flutua no universo que nos é comum."
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O milagre que ainda falta

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"A realização dos Jogos Olimpicos de Pequim serve de pretexto às preces dos peregrinos de Fátima, para que a China "se abra ao Mundo" e "à liberdade religiosa". Os apelos foram feitos ontem, pelo bispo de Leiria, antes do início das celebrações.
D. António Marto, que é também vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), realçou a importância do evento como "ocasião única para que esse grande país que é a China, se possa abrir ao mundo, à liberdade religiosa e ao Evangelho".
Jornal de Notícias 13.08.2008
(fotografia de José Boldt)

D. António Marto com estes seus sentidos apelos à China junta-se ao Presidente Bush, ao Presidente Sarkozy, ao Dalai Lama e a uma parte substancial da blogoesfera portuguesa.
Insensíveis, os chineses continuam a fabricar a Nossa Senhora, aos milhões, em reproduções de plástico fosforescente. Execráveis.

Tuesday, August 12, 2008

Sinto-me tão pouco preocupado com o Benfica que chego a colocar a hipótese de ter entrado em pânico sem dar por isso

Foi com uma dilacerante sensação de orgulho ferido que notei que os bloggers Lourenço Cordeiro e Bruno Sena Martins se envolveram num debate sadio sobre os méritos de Saturday sem que nenhum deles me tenha endereçado um convite explícito para brincar com eles também. Até James Wood foi recomendado na minha ausência. Porque sei ler nas entrelinhas, e porque não gosto de me meter nas conversas das outras pessoas, vou circunscrever a minha intervenção a três frases que me causaram particular indignação, passando, logo de seguida, para a leitura dos artigos assinados por Rui Miguel Tovar no Record de hoje, garantindo ainda que nunca mais brincarei à literatura com os bloggers Lourenço Cordeiro e Bruno Sena Martins sem que justificações convincentes sejam antes providenciadas para todo este lamentável incidente.

«Saturday não é um romance político»

Vou ser generoso e interpretar esta frase como uma daquelas coisas que uma pessoa só escreve quando está sóbria, e às quais não se deve dar demasiada importância. Se Saturday é excluído da definição “romance político”, estamos a raquitizar (palavra que certamente existe, mãe) essa definição até ao tamanho de um quadrozinho de especificidades que só vai provavelmente admitir coisas escritas pelo Gorky. É possível falar de Saturday como um romance político sem o diminuir artisticamente, sem limitar os seus ruídos aos de um megafone propagandístico. E também é possível fazer isto sem cair no extremismo oposto de insuflar a definição de “romance político” até que seja possível falar de Enid Blyton como escritora de romances políticos, como ouvi eu um dia a uma senhora no supermercado. “Romance político” não é uma etiqueta reducionista, nem um atestado de obsolescência instantânea. A não ser que assim o queiramos.

«não se pode ler Saturday à luz do comentário político que daí se poderá extrair»

Mau. Então não pode porquê? Só é preciso substituir a palavra “comentário” por outra palavra qualquer, preferencialmente uma palavra que exista (ao contrário da palavra “raquitizar”, cuja não-existência acabei de confirmar com bastante mágoa). Pode ler-se Saturday a dúzias de luzes distintas; uma delas terá forçosamente de ser a difusa e tacteante reflexão política do seu protagonista. É claro que estas duas frases do Lourenço não são discordâncias em relação à categorização do romance, mas sim tentativas de o blindar a críticas de pendor ideológico, desviando o foco para a tal «mestria narrativa» (que é, diga-se, bastante menos evidente do que em Atonement, Amsterdam ou Enduring Love; não tendo ainda lido o recente One Chiseled Bitch, reservo o meu julgamento). Entre as duas formas de reducionismo, até sou capaz de preferir, também, a formalista. Mas não há nada de intrinsecamente errado num “romance político”, nem em fazer uma leitura política de um romance. E Saturday é um “romance político”, não é um panfleto. É um “romance político” em que se reflecte politicamente, não um em que se teoriza sobre Política. Não tenta ilustrar as virtudes de um determinado sistema, mas sim dramatizar a ausência de um sistema. Ideologicamente, os personagens de Saturday não são profundos; as suas trocas de opiniões reproduzem os debates de pessoas relativamente bem-informadas, mas cuja informação é principalmente mediada pela televisão e pelos jornais, não pelos livros de John Rawls ou Leo Strauss. Os seus argumentos rodopiam entre a ansiedade factualmente correcta, o lugar-comum bem-intencionado, e a episódica afirmação relevante.
O excerto de Bellow que serve de epígrafe ao romance fala, salvo erro (não tenho aqui o livro, estou num ciber-café, apelo à calma, não me venha com coisas, mãe) no “late failure of radical hopes”. É este o território intelectual em que as personagens do romance reflectem politicamente. E essa reflexão passa necessariamente pelo desencanto com agendas políticas de larga escala; pelo facto de pessoas como Perowne (e até o filho) se verem forçadas a reduzir o perímetro do seu contentamento civilizacional à escala do quotidiano aquisitivo e da pequena intimidade; e com o definhar da esperança em soluções políticas para problemas universais. Todas estas questões são políticas, e todas são cruciais nas reflexões do protagonista do livro. Se se defende que «não se pode ler Saturday» a esta luz, está-se a ser tão reducionista com os que o lêm apenas a essa luz.

«mestria narrativa à parte (talvez com excessivo “topem só este domínio”), convém dizer que Saturday tem a subtileza de um Levantado do Chão no que à presença da libido política do seu autor diz respeito»

Não percebo isto. Julgava que havia mais hipóteses de encontrar vestígios de sectarismo ideológico em bivalves do que neste livro. Se a libido política de McEwan está presente em Saturday, só posso concluir que se trata de uma libido política claramente bissexual-platónica; a libido de alguém cujas hormonas estão cheiinhas de vontade, mas se recusam a tomar decisões executivas. Saturday é um livro que faz um fetiche da recusa em adoptar uma posição inabalável. Acusar isto de falta de subtileza, sinceramente, não lembra à New Statesman.
A ambivalência de Perowne não é uma pose. A sua posição sobre qualquer assunto tem tendência a oscilar - isto é reiterado duas ou três vezes ao longo do romance - de acordo com a posição do seu interlocutor. Este é um género de oscilação que muitas pessoas devem ter experimentado nesse febril pedaço de contemporaneidade que foi Fevereiro de 2003. Numa altura em que o debate pós-Blix e pré-bombardeamento se resumia a uma simétrica enumeração de banalidades ideologicamente determinadas, era praticamente impossível lermos um artigo do António Ribeiro Ferreira sem sermos acometidos por um irreprimível desejo de sair pelas ruas a cantar o «Imagine», ou lermos outro do Fernando Rosas sem ficarmos cheios de vontade de napalmizar (mãe?) o Médio Oriente inteiro. Num território intelectual pejado de certezas ocas, os disparates momentaneamente não-ouvidos soavam sempre mais lúcidos do que aqueles à nossa frente. A “libido política” de Perowne (não sei se o Bruno a equivale à do autor) é uma desconfiança militante em relação aos argumentos de ambas as partes.
O discurso político de Saturday foi acusado de ser trivial (entre outros por John Banville, que escreveu uma crítica extravagantemente imbecil ao livro), mas o que é interpretado como trivial é na verdade uma resposta instintiva às frenéticas certezas dos que pareciam fazer gala em abdicar da ambivalência, e em espezinhar nuances debaixo dos seus pezinhos atarefados, enquanto dançavam as respectivas valsas marciais ou kizombas pacifistas.
Tenho a certeza de que há duas ou três citações do livro que demonstrariam inequivocamente a minha razão em tudo isto, mas o livro está noutra margem, eu deixei caducar o passe da Fertagus, e os bilhetes de ida-e-volta estão pela hora da morte, pelo que com licença.

Natação Phelpuda

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O mundo mediático está suspenso do número de medalhas que Phelps vai obter em Pequim.
O norte-americano Michael Phelps juntou-se, esta terça-feira, aos grandes nomes do desporto olímpico ao conquistar a sua nona medalha olímpica da carreira, após o triunfo conquistado nos 200 metros livres.
Phelps, que participa em mais duas finais olímpicas na quarta-feira, igualou o número de medalhas olímpicas conquistadas pelos atletas Carl Lewis e Paarvo Nuurmi, pela ginasta Larysa Latynina e pelo nadador Mark Spitz. Mas Phelps e Spitz, ao contrário dos outros, não tiveram que se esfalfar durante uma longa carreira olímpica para atingir esses resultados.
Não ponho em causa a qualidade do atleta mas sim o tratamento dado à natação em termos do número medalhas olímpicas atribuídas contemplando os vários estilos de natação. É como se no atletismo houvesse, para além dos 100 metros "normais", os 100 metros "às arrecuas", os 100 metros "ao pé cochinho" e os 100 metros "com as mãos nos bolsos".
Nas Olimpíadas de Atenas em 2004, Phelps conquistou seis medalhas de ouro (100m e 200m borboleta, 200m e 400m estilos, 4x100 estilos e 4x200 livres) e outras duas de bronze (200m livres e 4x100m livres). Agora diz-se que pode ganhar 8 medalhas de ouro o que é impensável em qualquer outra modalidade.
Nos tempos da guerra fria e da disputa da medalhas entre EUA e URSS eu tive sempre a sensação de que tinham combinado entre eles que os states ficavam com a natação e os soviéticos com a ginástica (que também é pródiga em medalhados).

Sunday, August 10, 2008

A "sociedade do risco"

Mais do que alertar pais, há que garantir segurança das estruturas.
Este ano seis crianças já caíram da varanda e em 2007 houve 13 acidentes. A maioria das varandas das casas portuguesas não são seguras para as crianças. A denúncia é feita pela Associação Para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), que critica a inexistência de normas técnicas nacionais e específicas que obriguem os construtores a salvaguardar as crianças das quedas. DN 10.08.2008

Depois das piscinas as varandas. Alastram os "raciocínios" que transferem a responsabilidade própria dos pais para a sociedade.
A obrigação dos pais, ou de quaisquer adultos que cuidem das crianças, é acompanhar sempres as crianças e impedir que se magoem ou corram riscos. Mas a APSI propõe que essa obrigação seja substituída por regulamentos de construção que impeçam fisicamente os desastres.
Milhões de piscinas e varandas onde nunca passará uma criança serão também encarecidas e oneradas. Impõe-se dessa forma um encargo absurdo à sociedade, um dispêndio de recursos que salvariam muito mais vidas se aplicados de outra forma.
Este tipo de propostas, em que os responsáveis pelos problemas são isentados e os cidadãos que nada têm a ver com o assunto são penalizados, é cada vez mais frequente.
Zizek fala de "sociedade do risco", uma sociedade kafkiana em que o cidadão se vê responsabilizado (por exemplo pagando maiores impostos) por "catástrofes" que lhe são alheias, que não domina e que não influencia.

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