Sunday, January 25, 2009

A verdade é que não tenho sono nenhum


Vinte anos depois, continua a não ser arquivado nas secções de "Humor". A quantidade de gente que continua a levar este monte de entulho a sério é que nunca deixa de me surpreender. O Ibsen batia no cão, o Marx tinha bolhas na pilinha, o Edmund Wilson gostava de levar tau-tau - nunca houve reunião de costureiras com uma acta tão sofisticada.
Tentar invalidar um sistema de pensamento através da higiene pessoal não é uma metodologia particularmente revolucionária: a minha mãe anda a tentar a mesma coisa desde 1987. Mas não resulta, não resulta. Qualquer produção intelectual está enraizada numa personalidade, mas a correlação nunca é directa. Algumas abordagens conseguem ser interessantes mesmo quando são inadequadas; mas Paul Johnson tem o dom de induzir o desespero numa pessoa mesmo quando tem razão. O capítulo sobre Marx, valha-me Deus. O Aron e o Popper conseguiram demolir criticamente o marxismo sem precisarem de contar sabonetes. Há casos específicos em que a vida invalida as ideias, mas esses casos são raros. O facto de uma conduta pessoal não ser coerente com um conjunto de princípios não invalida os princípios - quando muito, invalida a conduta pessoal.
Paul Johnson critica a deficiente compreensão da História partilhada por Marx e Tolstoi, mas a sua própria compreensão é pouco mais do que uma caricatura sem bonecos. Para já, é possível ler-se as doze mil e setecentas páginas de Intellectuals sem perceber o que é um "intellectual". Segundo os atrapalhados parâmetros do autor, um intelectual é alguém que tenta usar a Razão para construir uma nova ordem social. A sério? Hemingway? Ibsen? Edmund Wilson? James Baldwin? A sério? E o Elton John? E o Eric Cantona? E o Carlos Daniel? Na tentativa de desmantelar bezerros de ouro, o Paul Johnson artilhou um de vapor. E ali está ele, entretido, a mandar cócó aos fantasmas.
Nessa elite espectral, Johnson vê uma espécie de clero secular: “aventureiros do espírito”, cujas inovações morais e ideológicas já não são limitadas pelos “cânones da autoridade externa” e pela “herança da tradição”. Mas esses mesmos limites foram eles próprios aventuras do espírito - sucessivamente melhorados e cronologicamente institucionalizados; a exterioridade que Johnson lhes atribui é uma mera convenção. Os grandes sistemas teóricos, e as restrições que os contêm, são manifestações humanas; mesmo ao seu melhor (e há poucos exemplos) limitam-se a resgatar uma aproximação à verdade e a intensificá-la. No processo, essa verdade é inevitavelmente distorcida, cabendo às gerações o trabalho de refinamento. Paul Johnson, que só é capaz de assimilar e aceitar uma cultura hierática, procura as vantagens de uma ideia na legitimidade de quem a professa. Quer idolatrar, não conteúdos falíveis, mas Livros inerrantes. Quer uma purezazinha aberrante que se possa seguir cegamente. O corolário lógico do seu catálogo de objecções é evidente: se uma teoria perigosamente deficiente, como o marxismo, tivesse sido Revelada no Monte Sinai, as suas deficiências teriam em Paul Johnson o seu mais infatigável acólito.
A conclusão de “Intelectuais” é que as pessoas têm sempre mais importância que os conceitos. Como conceito, isto é eminentemente defensável. Mas é um conceito; e um conceito pelo qual muitas pessoas entenderam que valia a pena morrer. O conceito no qual Paul Johnson predicou este livro indefensável é um mau conceito, que apenas se consegue invalidar a si próprio. Até o Paul Johnson - que passou a vida a beber que nem um mineiro siberiano, a bater em cães, e pelo menos treze anos numa relação adúltera com uma amante que lhe dava palmadinhas com implementos de cabedal - é mais importante do que isto.
Entretanto, na frente doméstica, tenho o prazer de anunciar que estou a abandonar tranquilamente a maionese:

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